Artigo Deficiência de vitamina D em obesos e cirurgia bariátrica A deficiência da vitamina D tem importância fundamental no metabolismo ósseo. Recentemente tem sido descrito a sua associação com doenças não ósseas, como doenças cardiovasculares, câncer, diabetes entre outras (1,2). A vitamina D tem duas formas bioequivalentes: a vitamina D2 ou ergocalciferol, presente em vegetais e suplementos orais, e a vitamina D3 ou colecalciferol, obtida da exposição da pele ao sol, alimentos fortificados, suplementos orais. O conteúdo de vitamina D dos alimentos é baixo (ver quadro 1) e a necessidade diária no adulto varia de 600 a 800UI. Muito pouca vitamina D é detectada em verduras, frutas ou grãos. A vitamina D é absorvida no intestino proximal e medial, num processo dependente dos sais biliares. Leila Araújo/Arquivo Pessoal Quadro 1. Teor de vitamina D de alguns alimentos (1mcg= 40IU) Leila Araújo Professora associada da Universidade Federal da Bahia, chefe do Ambulatório de Obesidade Grave do Hospital Universitário (HUPES) 8 • Sardinha fresca (100g): 5.2 mcg • Manteiga (1 colher): 0.45 mcg • Leite (1 copo): 0.17 mcg • Ovo de galinha (100g): 0.8 mcg • Fígado de boi (100g): 1.12 mcg • Iogurte (1 potinho): 1.2 mcg O cálcio, por outro lado, também é absorvido no intestino delgado e a sua absorção é prejudicada nos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, mesmo aqueles com calcemia normal, e a depleção deste íon tem consequências na arquitetura óssea. Clinicamente, a deficiência de vitamina D pode ser assintomática. Ela tem sido relacionada a um aumento de incidência de quedas e diminuição de força muscular. Nesses casos, ocorre melhora com a suplementação de vitamina D, já que ela age no músculo, facilitando o transporte de cálcio e na célula muscular esquelética, estimulando a síntese protéica. O diagnóstico da deficiência da vitamina D é no soro, com dosagem da 25(OH) vitamina D ou 25(OH)D. Cerca de 40% da 25(OH) vitamina D é derivada da conversão da pele. Alguns laboratórios conseguem dosar Evidências em Obesidade Artigo A deficiência de vitamina D em pacientes obesos de pré-operatório de cirurgia bariátrica varia de 54 a 80%, e a elevação de PTH (paratormônio) ocorre em 25 a 48% (4,7). Essa deficiência pode estar relacionada à ingestão inadequada, limitada exposição solar e diminuição da bioabilidade devido sequestração pelo excesso de tecido adiposo. Os receptores de vitamina D são altamente expressos nos adipócitos e são responsáveis pela ativação da 1,25-(OH)D 25(OH)D2 e 25(OH)D3, o que pode auxiliar na monitorização do tratamento. Outras dosagens que auxiliam no diagnóstico são: a baixa calciúria, a elevação de paratormônio, a elevação da fosfatase alcalina e a baixa de cálcio e fósforo. A determinação da 1,25(OH) D é desnecessária, exceto em casos especiais com disfunção renal, pois quando existe baixa de vitamina D e elevação do PTH, ela tende a ser normal. (3) Laboratorialmente, os níveis normais de 25(OH) vitamina D são de 30 a 80 ng/mL. Quando os níveis estão abaixo de 30 e maiores que 20ng/mL denomina-se insuficiência de vitamina D; abaixo de 20ng/mL , deficiência. A deficiência de vitamina D em pacientes obesos de pré-operatório de cirurgia bariátrica varia de 54 a 80%, e a elevação de PTH (paratormônio) ocorre em 25 a 48% (4,7). Essa deficiência pode estar relacionada à ingestão inadequada, limitada exposição solar e diminuição da bioabilidade devido sequestração pelo excesso de tecido adiposo. Os receptores de vitamina D são altamente expressos nos adipócitos e são responsáveis pela ativação da 1,25-(OH)D. A vitamina D é solúvel na gordura e é estocada no tecido adiposo. Estudos têm demonstrado que a quantidade de gordura corporal e o índice de massa corpórea são inversamente correlacionados com as concentrações de 25(OH) D, especialmente em calcasianos. Os estudos atuais mostram ligação da vitamina D com a síntese e secreção de insulina, aumento da lipogênese e diminuição da lipólise (2). Houve aumento muito grande do número de cirurgias bariátricas na última década em todo o mundo. Isto se deve a acentuada e durável perda de peso, de cerca de 60% na maioria dos pacientes, aliado a melhora ou regressão das co-morbidades, incluindo diabetes, dislipidemia, hipertensão e apneia de sono. janeiro/fevereiro 2013 Os procedimentos cirúrgicos bariátricos são classificados em obstrutivos, restritivos e mistos. O procedimento mais utilizado atualmente é a gastroplastia com derivação gastro-jejunal (90% das cirurgias), que é um procedimento do tipo misto, ou seja, obstrutivo e restritivo e que leva a distúrbios nutricionais menores que as cirurgias restritivas mais disabsortivas (1). Por outro lado, tem crescido a preocupação com os distúrbios nutricionais que tem surgido no pós-operatório em longo prazo. Um deles, é ao nível do esqueleto, acelerando a perda óssea e aumentando a fragilidade óssea. Osteoporose e osteomalácia podem ocorrer em pacientes que perdem muito peso, independente mesmo de cirurgia bariátrica, com perda de massa óssea no colo de fêmur e coluna lombar (1). A maioria dos estudos que avalia a perda óssea utiliza como padrão a densidade mineral óssea obtida pela densitometria, e mostra que mesmo a perda de 10% do peso corpóreo já leva ao aumento da perda óssea em 1% a 2 %. Os estudos epidemiológicos sugerem que a perda óssea é maior no fêmur que na coluna. Os resultados dos estudos de densitometria óssea em obesos são controversos, decorrente da heterogeneidade dos estudos quanto à idade dos pacientes, classe de obesidade, número de pacientes nos estudos, estado menopausal, mudança de atividade física e uso de suplementos alimentares pós-cirurgia. Após a cirurgia bariátrica ocorre melhora da densidade óssea e os estudos retrospectivos e prospectivos tem resultados discordantes, por variações metodológicas (1). Em um estudo com 123 obesos submetidos à cirurgia bariátrica que foram avaliados quanto à vitamina D e PTH antes e após um ano da cirurgia, observou-se deficiência de vitamina D em 86% dos pacientes antes e 70% após a cirurgia. O hiperparatiroidismo (PTH > 62pg/mL) foi observado em um terço dos pacientes. 9 Artigo Interessante é que eles foram tratados profilaticamente com vitamina D, na dose de 1.200 a 2.000UI, e cálcio, na dose de 1,2 a 1,5g por dia, no pós-operatório, mesmo sem terem deficiência de vitamina D ou cálcio, o que mostra que estas alterações são realmente comuns (4). Em uma revisão foi sugerido que em pacientes submetidos a procedimentos de cirurgia bariátrica seja administrada vitamina D na dose de 50.000UI/ semana, ou de vitamina D2 ou D3 durante dois ou três meses, ou 50.000UI três vezes por semana, durante um mês e depois diminuir a dose, conforme parâmetros bioquímicos. A vitamina D3 atinge pico maior que D2, mas em indivíduos vegetarianos prefere-se a vitamina D2 (5). A normalização pré-operatória dos níveis de cálcio, PTH e vitamina D, bem como pós-operatoriamente, é importante para prevenir a perda óssea, embora não haja diretrizes específicas sobre o assunto. A dose ideal de vitamina D nesses pacientes é difícil de determinar porque pode haver má absorção associada (6). Um estudo mostrou que em 15 pacientes submetidos à cirurgia bariátrica houve redução da absorção do colecalciferol (vitamina D3) em 25%. As necessidades pós-cirurgia variaram de 25 a 50mil IU para manter a 25(OH) vitamina D entre 50 e 100nmol/l. Ou seja, estimou-se uma dose de quatro a oito vezes maior do que a suplementação de um individuo normal (6) O uso do cálcio concomitante, cerca de 1,5 a 2g/dia, é interessante, uma vez que os pacientes submetidos a cirurgia, mesmo com calcemia normal, podem ter depleção deste íon com consequências na arquitetura óssea (3). O seguimento deve começar quatro semanas após a cirurgia bariátrica, com retorno a cada três ou quatro meses e densitometria anual. A toxidade pelo uso da vitamina D é muito rara, descrita em indivíduos em uso de 10mil UI/dia ou mais, mas pode ocorrer. O ajuste da dose terapêutica ideal é feita monitorizando a 25(OH) D, calcemia, calciúria, sinais de hipercalcemia (náuseas, obstipação) e hipercalciúria (poliúria, litíase renal) (7). O consenso do International Osteoporosis Foundation sugere que o nível da 25(OH) vitamina D deva ser mantido em torno de 30ng/ml e que sejam suplementadas doses de até mesmo 2000UI em pacientes idosos e de risco de fraturas (8). Concluindo, pacientes obesos requerem especial atenção em relação ao metabolismo ósseo, especialmente no pré e pós-operatório de cirurgia bariátrica. Monitorizar os níveis de vitamina D, bem como cálcio e PTH e fazer reposição adequada quando necessário, evitando assim consequências em longo prazo no osso e na qualidade de vida do obeso. Referências 1. Scibora LM & Ikramuddin S & Buchwald H & Petit MA Examining the Link Between Bariatric Surgery, Bone Loss, and Osteoporosis: a Review of Bone Density Studies. Obes Surg (2012) 22:654–667, 2012. 2.Rosen CJ, Adams JS, Bikle DD, Black DM, Demay MB, Manson JE, Murad MH, and Kovacs CS. The Nonskeletal Effects of Vitamin D: An Endocrine Society Scientific Statement. Endocrine Reviews 33(3):456–492, 2012. 3. Kennel KA, Drake MT, Hurley DL. Vitamin D deficiency in adults: when to test and how to treat. Mayo Clinic Proc 85(8):752-7, 2010. 4. Signori C, Zalesin KC, Franklin B , Miller WL & Peter A. MacCullough. Effect of Gastric Bypass on Vitamin D and Secondary Hyperparathyroidism. Obes Surg 20:949–952, 2010 10 5. Williams SE et al. Perioperative management of bariatric surgery patients: Focus on metabolic bone disease. Cleveland Clinic Journal of Medicine 75 : 333-349, 2008 6.Aarts E, van Groningen L, Horst R, Telting D, van Sorge A, Janssen I, de Boer H. Vitamin D absorption: consequences of gastric bypass surgery. Eur J Endocrinol 164 :827-832 , 2011 7.Rosen CJ. Vitamin D Insufficiency. N Engl J Med 364:248254, 2011 8.Dawson-Hughes B, Mithal A, Bonjour J-P, et al. IOF position statement: vitamin D recommendations for older adults. Osteoporos Int 21:1151-1154, 2010 Evidências em Obesidade