DESIGUALDADE EM SAÚDE E POSICIONAMENTO SOCIOECONÔMICO NO BRASIL Marcela Fernanda da Paz de Souza Doutoranda no PPG Ciências Sociais - UFJF A estratificação e a desigualdade social marcadamente presentes na sociedade brasileira apresentam em suas diversas interseções causais e categóricas, persistentes e metodologicamente aferíveis, dimensões notórias referentes à disparidade em saúde. Longe de ser um consenso entre os pesquisadores, a definição de saúde se torna uma unanimidade no que se refere ao fosso que separa os grupos excluídos pelas construções sociais assimétricas. A desigualdade em saúde é analisada como resultado da exclusão, do dispare acesso a recursos, não apenas de ativos econômicos, mas também de poder, prestígio, benefícios da rede social, informações privilegiadas de técnicas médicas e da capacidade de assimilar com presteza o conhecimento, a utilização de instrumentos para a prevenção de doenças e/ou de redução dos malefícios da mesma. Importantes contribuições para a reflexão da disparidade em saúde são oferecidas através da Teoria das Causas Fundamentais, cujas condições sociais estão diretamente relacionadas às causas fundamentais das doenças. As condições fundamentais são definidas como elementos que envolvem as relações entre pessoas, perpassando os vínculos íntimos até as posições ocupadas no interior das estruturas sociais e econômicas da sociedade. Raça, posicionamento socioeconômico, gênero, etnia e migração são somados aos fatos de vida estressante da natureza social, além das variáveis tensão e processo, e apoio social. Desta forma, essas variáveis estão profundamente ligadas a recursos como dinheiro, poder, prestígio ou conexões sociais e devem estar no rol da lista das causas fundamentais da doença e serem analisados em pesquisas de desigualdade e nas políticas de formulação de bem-estar em saúde. A teoria da causa fundamental apresenta três caminhos nos quais a desigualdade de saúde pode variar. O primeiro, e mais importante percurso, é que se as desigualdades nos benefícios dos recursos flexíveis do conhecimento, poder, dinheiro e das redes sociais mudarem, o valor preditivo da teoria da causa fundamental também poderá se transformar. Um segundo caminho a ser pensado é que algumas intervenções não requerem o desenvolvimento de recursos flexíveis de conhecimento, poder, prestígio e benefícios relacionados às conexões sociais para alcançar vantagens em saúde. Essas políticas intervencionistas, em benefício de todos, independentemente dos recursos ou dos comportamentos de saúde manifestado, não contribui para a reprodução das desigualdades e melhoram a população da saúde em geral. O terceiro caminho é que a teoria das causas fundamentais deve estar atenta às situações que inserem as pessoas em contextos dos riscos dos riscos. É necessário demonstrar quatro importantes aspectos da causa fundamental norteadores para se realizar uma ligação entre desigualdade – classe – saúde. Uma causa fundamental é relatada para resultados de múltiplas doenças; as causas fundamentais operam através de múltiplos mecanismos fatores de risco; novos mecanismos intervenientes reproduzem a associação entre causa fundamental e saúde todo o tempo; e, finalmente, o caráter essencial de uma causa social fundamental é que ela envolve acesso para recursos que podem ser usados para se esquivar de riscos ou minimizar as consequências das doenças quando ela ocorre. Ainda neste contexto da Teoria das Causas Fundamentais, pode-se inserir o valor da causalidade da classe social na desigualdade em saúde, pois a mesma interfere e contribui na exclusão, na geração, na distribuição e nos condicionamentos das diversas trajetórias de riscos dos riscos ou de apropriação de vantagens que se reproduzem no curso da vida capaz de acentuar a desigualdade em saúde. O conceito sociológico de classe adotado neste trabalho é o do neomarxista Erik Olin Wright e está fundamentado nas noções de ativo, exploração e dominação econômica. Segundo este princípio, a exploração econômica é viabilizada pelas relações de propriedade, responsáveis pela apropriação do excedente de trabalho e pelas benesses materiais resultantes dos recursos produtivos geradores de renda. Este processo explica o fato das desigualdades de recompensas serem acarretadas pelas desigualdades nos direitos e nos poderes sobre os recursos produtivos. O explorado também possui um tipo de poder social, alicerçado nas interdependências da exploração, o qual pode ser utilizado na luta de seus interesses. Pode-se verificar no processo de uma vida saudável que as classes sociais apresentam diferentes ‘padrões de consumo’ no que se refere ao atendimento à saúde e, por sua vez, as experiências de vida dos indivíduos nas condições ambientais mais ‘saudáveis’ oscilam conforme a situação socioeconômica da classe. Pode-se, considerar, portanto, que a desigualdade em saúde não está distribuída de forma inexplicada e casual pela população. O uso substantivo e deliberado dos mecanismos referentes à boa saúde mantém uma relação direta de positividade com o posicionamento socioeconômico, pois a real capacidade de investimento em bem-estar e a posse de instrumentos como prestígio, benesses e poder são decisivos na compra das ‘mercadorias’ que suplantam ou minimizam os fatores de riscos e as conseqüências da doença. Como parte de uma pesquisa ampla de doutorado, cuja problemática trata das interfaces de saúde e gênero, e as demais categorias sociais que potencializam o efeito dessa inter-relação desigual, o presente artigo apresenta a reflexão sobre como as disparidades em saúde no Brasil estão relacionadas com o posicionamento socioeconômico do individuo. Utilizou-se como base de dados a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad)/ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do ano de 2008, referente ao suplemento de Saúde. Como mensuração da noção de classe social foi adotada a classificação socioeconômica para o Brasil elaborado pelo sociólogo José Alcides Figueiredo Santos. Um aspecto positivo da tipologia de classes de Figueiredo Santos é que, em suas pesquisas sobre saúde, ele inseriu na tipologia duas dimensões importantes, ‘trabalhador de subsistência’ e ‘trabalhador excedente’, pois estes posicionamentos permanecem comumente fora de muitas pesquisas de survey pelo fato dos indivíduos presentes nestas posições não estarem no mercado de trabalho. Com esta solução metodológica, essas posições puderam ser consideradas relevantes em uma pesquisa na qual se considera a auto-avaliação de saúde do individuo. Pesquisadores sobre a temática da desigualdade em saúde apresentam o posicionamento socioeconômico como um determinante substantivo da saúde ou da doença, pois expõe os grupos proprietários de recursos e distribuídos assimetricamente nas categorias de classe, a fatores de risco e às chances de saúde de forma desigual. O posicionamento é um importante instrumento para a avaliação das desigualdades em saúde, pois acarreta a exposição e a vulnerabilidade a fatores mediadores nas esferas comportamental, psicossocial e ambiental. A denominação representa, ainda, a abrangência ou a ausência de recursos socioeconômicos nos quais as pessoas e os lugares estão hierarquicamente estratificados. A análise de dados apresentada no artigo é a da Tabela de Contingência. São analisados os valores marginais da linha e da coluna, seus respectivos perfis médios, as distâncias entre os pontos, a maximização das dimensões. E, finalmente, a normalização canonical simétrica que permite a verificação da associação entre categorias de diferentes variáveis. Para a variável denominada saúde, há as categorias relacionadas a auto verificação do estado de saúde, base importante para o entendimento sobre a desigualdade em saúde sob o enfoque do individuo: regular, ruim, péssima, boa e muito boa. Para a variável classe há as categorias referentes ao posicionamento socioeconômico: capitalista, pequeno empregador, autônomo com ativo, autônomo agrícola, autônomo especialista, gerente, especialista, qualificado, supervisor, trabalhador, trabalhador elementar, autônomo precário, doméstico, trabalhador de subsistência e trabalhador excedente. Os posicionamentos socioeconômicos das categorias desprovidos de ativos de capital e qualificação tendem a não atribuir a seu estado de saúde uma avaliação positiva, comportamento contrário das categorias com ativos de capital e, acredita-se, pelas razões apresentadas na discussão teórica deste estudo.