MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da __ Vara Cível desta Comarca. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por sua Promotora de Justiça em exercício na Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde Pública, com endereço na Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251, nesta Capital, com fulcro no artigo 129 da Constituição Federal, nos artigos 159, 962, 1537 e seu inciso I, 1538, 1539 e 1544, do Código Civil, artigo 282 e seguintes do Código de Processo Civil, e demais disposições pertinentes adiante aludidas, vem propor AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ATO ILÍCITO em benefício de HIAGO AUGUSTO MANGINI, brasileiro, solteiro, menor impúbere, representado por sua mãe SANDRA REGINA ALVES DOS SANTOS, brasileira, solteira, portadora da Cédula de Identidade/RG n.º4.537.474-2 SSP/PR, residentes e domiciliados na Rua Victor Benato n.º 170, Pilarzinho, Curitiba, Paraná, 1 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA em face do HOSPITAL E MATERNIDADE ERASMO DE ROTERDAM LTDA, pessoa jurídica de direito privado, C.G.C.: 01.367.501/0001-73, com sede nesta capital, na Rua Mateus Leme, 2600, Bom Retiro, e da ASSOCIAÇÃO HOSPITALAR DE PROTEÇÃO À INFÂNCIA DR. RAUL CARNEIRO (Hospital Infantil Pequeno Príncipe), C.G.C.M.F. nº 76.591.569/0001-30, com sede nesta capital, na rua Desembargador Motta, 1070, Rebouças, pela razões a seguir enumeradas: I - Legitimidade do Ministério Público como Substituto Processual Reza o Código de Processo Penal que "a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil" (art. 64), aduzindo a mesma carta, mais adiante que, se "o titular do direito à reparação do dano for pobre... a ação cível será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público" (art. 68). Consoante recente julgado do STF: “o Ministério Público continua parte legítima para promover, em juízo, a reparação do dano de que trata o art. 68 do CPP [‘Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§ 1.º e 2.º), a execução da sentença condenatória (art. 63) ou a 2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA ação civil (art. 64) será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público.’], até que se viabilize, em cada Estado, a implementação da Defensoria Pública, nos termos do art. 134, parágrafo único, da CF. Com esse entendimento a Turma negou provimento a agravo regimental interposto pelo Estado de São Paulo, no qual se pretendia o reconhecimento da competência da Procuradoria da Assistência Judiciária da Procuradoria - Geral do Estado de São Paulo para prestar os serviços da Defensoria Pública do mencionado Estado. Precedentes citados: REED 147.776-SP (DJU de 28.05.99) e RE 135.328-SP (julgado em 26.09.94, acórdão pendente de publicação). No caso vertente, o parquet atua amparado por solicitação da parte (fls. 366/367 do PA n.º 03/96), colimando alcançar a reparação do dano sofrido em decorrência de ato ilícito, conforme adiante se verá. A par disso, é o beneficiário pobre, na acepção jurídica do vocábulo, de acordo com suas declarações v. (doc. fls. 367/368 do PA. n.º 03/96), pelo que se requer, sejam-lhe deferidos os benefícios da Justiça Gratuita. II - Da Materialidade, Autoria e Responsabilidade pelo Fato Danoso 3 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA Em 15 de maio de 1995, no Hospital Saint Claire (atual Hospital Erasmo de Roterdam), a Srª. Sandra Regina Alves dos Santos, deu à luz prematuramente a Hiago Augusto Mangini, o qual foi encaminhado imediatamente à incubadora, onde permaneceu por 10 (dez) dias. O parto foi realizado por cesárea, pela Dra. Márcia C. Mantovani, não apresentando nenhuma complicação, o bebê nasceu bem, com boa vitalidade, apesar da prematuridade. Entretanto, conforme relato do técnico indicado pela Secretaria do Estado da Saúde, através da análise dos documentos integrantes do P.A. 03/96, às fls. 240: “não existe clareza quanto a presença de pediatra na sala de parto, no momento do nascimento, fator extremamente importante em se tratando de um feto pélvico, prematuro e sem diagnóstico da causa da prematuridade” (grifo nosso), não sendo claro, inclusive, “quem avaliou esta criança nos primeiros minutos de vida e lhe prestou assistência”, bem como, “O recém nato deveria ser considerado de médio risco, necessitando de um atendimento com pessoal e equipamentos para tal, fato não observado nos relatórios”(grifo nosso). Nas primeiras 12 horas de vida, o bebê ficou sob os cuidados do médico Dr. Ricardo Carlini, sendo posteriormente substituído pelo pediatra Dorivan Celso Nogueira, durante a primeira semana e, em seguida, pela Dra. Tânia Schinzel. Devido à precocidade de Hiago, este foi colocado na incubadora onde recebeu soro e, conforme aponta o Dr. Ricardo Carlini (fls. 164), “foi posto sob o oxigênio na proporção de 3 litros por minuto (46v)”(grifo nosso), chegando à saturação do oxigênio administrado em 96%. Não foram solicitados exames para a investigação de causas desencadeantes da prematuridade, como 4 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA as infecções congênitas, que poderiam influenciar nas medidas terapêuticas a serem adotadas. Foi constatado, através dos exames solicitados logo após o nascimento, que Hiago, demonstrava desequilíbrio metabólico, uma baixa pressão e saturação do oxigênio arterial: acidose metabólica, hipocalcemia, PO2=25mmHg (desejável entre 60 a 90mmHg) e saturação de O2=32,5% (desejável entre 90 a 97%). O quadro de Hipóxia, apresentado nos exames, indicaria a necessidade de uma monitorização criteriosa da saturação do Oxigênio e um acompanhamento rigoroso do estado geral do paciente e do equilíbrio hidroeletrolítico. A manutenção da baixa oxigenação indicada exigiria uma avaliação do método utilizado, havendo, talvez, a indicação de ventilação assistida, porém, tal avaliação não está demonstrada nos dados apresentados, pois só existem pedidos de exames de controle, cinco dias após os primeiros sintomas, quando o quadro clínico do neonato se agravou consideravelmente. Nesta ocasião, havia piora do bebê quanto à acidose metabólica, hipocalcemia e manutenção da baixa PO2 e saturação de Oxigênio (Ph=7.07, BE=-19.53, Calcio=7.6 mg/dl; Po2=29.,2 mmHg; Sat. O2= = 32,65%). Acrescente-se que há relatos de icterícia a partir do oitavo dia, sem que hajam exames para avaliar a necessidade de tratamento ou não deste problema (Laudo fls. 239/242). Relata o médico Dr. Dorivan (fls. 214/215) que, a partir do segundo dia de nascido, o bebê passou a se alimentar por sonda e no terceiro dia, passou a apresentar estase, ou seja, demora do esvaziamento gástrico. No quinto dia, o recém nascido apresentou um quadro sugestivo de infecção (“foram administrados antibióticos em Hiago, pois a suspeita era mesmo de infecção”), caracterizado por palidez, hipo-atividade, e acidose metabólica, fato que, 5 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA conforme afirmação inserta no relatório do referido especialista da SESA (fls. 239/242), em face dos sinais descritos nos exames clínicos, a partir do quinto dia de vida, fala em favor da infecção hospitalar. Nas primeiras horas de atendimento de Hiago, pela Dra. Tânia Mara Schinzel, em substituição ao Dr. Dorivan Celso Nogueira, ele foi acometido por uma parada respiratória (apnéia), sendo que antes dessa intercorrência, Hiago estava numa incubadora, conforme afirma a própria médica (fls. 216/217), “com 34º de temperatura e oxigênio a 5 litros por minuto” (grifo nosso). Após a apnéia, a médica fez um exame de sangue no paciente, resolvendo pô-lo numa campânula, com oxigênio à razão de 3 litros por minuto, reduzindo posteriormente para 2 litros por minuto, contradizendo a informação prestada pelo Dr. Ricardo Carlini, às fls. 164, de que o bebê “foi posto sob o oxigênio na proporção de 3 (três) litros por minuto (46 v)” e pelo Dr. Dorivan (fls. 214), de que a medida de oxigênio fornecida era “de 2 (dois) a 3 (três) litros por minuto”. Segundo a doutrina médica - “Oftalmologia Pediátrica”, L.B. Nelson, vol.4/1993 - a retinopatia da prematuridade (RDP): “é um distúrbio dos vasos sangüíneos retinianos em desenvolvimento, observada em neonatos extremamente prematuros. (...) Nas décadas de 40 e 50, Silverman calculou que, durante 10 anos, cerca de 1.000 neonatos desenvolveram anualmente cegueira devida à RDP. Depois que foi demonstrada, por uma experiência clínica ao acaso, 6 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA a relação entre a RDP e a administração prolongada de oxigênio (oxigênio a mais de 50% durante 28 dias) a neonatos que não tinham doença pulmonar ou apresentavam apnéia da prematuridade, o uso de oxigênio foi severamente restringido e, em meados da década de 50, a doença quase desapareceu.(...)” Quando da crise de apnéia, recorda a Dra. Tânia que tentou providenciar a remoção da criança para uma UTI neonatal, só conseguindo dois dias após, para o Hospital Pequeno Príncipe. Faz-se necessário ressaltar que o Hospital Erasmo de Roterdam, à época dos fatos, não possuía ar comprimido, nem oxímetro cutâneo, o qual mede a quantidade de oxigênio recebido pelo paciente; bem como, percebe-se, pelo relato de fls. 217, que o referido hospital, já teve problemas com a vigilância sanitária, exatamente em razão de infecção hospitalar, mal que também acometeu Hiago. Note-se que, abstraindo qualquer discussão sobre a necessidade ou não do oxigênio, em nenhum momento, não obstante todos os fatores de risco apresentados e de conhecimento pleno dos médicos, houve qualquer tipo de avaliação por parte de um Oftalmologista, necessidade inarredável, considerando que o acompanhamento constante e a constatação prematura de algum tipo de lesão na córnea, causada ou não pelo oxigênio, tornam esse tipo de problema reversível, ou seja, a presença desse profissional (Oftalmologista), poderia ter evitado e, em não evitando, poderia ter revertido o quadro hoje apresentado por Hiago. Em 25.05.1995, o bebê, então com 10 (dez) dias de vida (aproximadamente uma semana e meia) foi transferido para o Hospital 7 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA Pequeno Príncipe com suspeita clínica de obstrução intestinal, sendo atendido pelos médicos Dr. Wilmar Mendonça Guimarães (fls. 158/159) e Dra. Maria Izabel Fonseca Martins (fls. 151/152), os quais afirmaram que a criança ao chegar ao hospital já apresentava sinais claros de infecção, bem como, estava abaixo de seu peso normal (aproximadamente 320g) e desnutrido. O pedido de internação do recém nascido foi acompanhado, tão somente, por um bilhete (fls. 151) que, embora expressasse diversos dados sobre a permanência do paciente na UTI, não indicava o tipo de parto, nem o APGAR (consistente em uma nota dada ao recém nato sobre as condições de nascimento: respiração, freqüência cardíaca, movimentos, cor etc.), informações estas de suma importância ao atendimento do recém nascido. Ressaltou a Dra. Izabel que, em casos de bebês prematuros, como de Hiago, faz-se necessário o uso de oxigênio, porém o seu excesso pode lesionar a visão e a sua não administração nas crises de apnéia ou de cianose, pode levar à paralisia cerebral. Informou, também, que o Hospital Pequeno Príncipe não utiliza saturação alta de oxigênio (acima de 45%) para tratamento de recém nascidos, sendo que, à época, no Hospital Saint Claire (Erasmo de Roterdam) a saturação administrada ao paciente era de 96%, bem como, esclarece que, conforme fls. 22, não há indicação da presença dos profissionais necessários durante o parto prematuro - um pediatra, um obstetra e corpo da enfermagem treinado em obstetrícia. Informa ainda que a infecção da qual Hiago foi acometido, conforme consulta a seus registros, era grave, pois foi associado mais um antibiótico (Keflin) aos que já eram ministrados. O Dr. Wilmar, às fls. 158/159, afirma que o resultado do exame Eletroencefalográfico não permite ter certeza sobre a existência de lesão cerebral na criança, dependendo para tal, de outros exames e acompanhamento posterior, o que em momento algum foi feito. O médico ratifica também que o 8 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA excesso de oxigênio é agente que contribui para a retinopatia. Esclarece que conforme histórico no Hospital Saint Claire (Erasmo de Roterdam), o paciente apresentara apnéia, fato que não ocorreu no Hospital Pequeno Príncipe, bem como a suspeita de obstrução intestinal não se comprovou em concreto. O recém nascido teve alta da UTI com 32 dias de vida e da enfermaria com sessenta dias. Novamente se ressalta que, mesmo se sabendo que o uso do oxigênio tem grande chance de causar cegueira, ainda que seja a escolha entre correr o risco da cegueira em contra-ponto ao risco de perder a vida da criança, o monitoramento constante, o acompanhamento por parte de um Oftalmologista, mostram-se como cuidados imprescindíveis, já que, destaco, a escolha não fica entre CAUSAR a cegueira para evitar a morte, ou CAUSAR a morte para evitar a cegueira. A escolha é, eventualmente, entre correr o RISCO de causar a cegueira e o RISCO de perder a vida da criança. Sendo assim, por ser um RISCO e não uma CERTEZA de dano, é que se exige a tomada de todas as providências possíveis para evitar-se o mencionado dano. O risco de morte foi minimizado pelo uso do oxigênio, mas o risco de cegueira não foi evitado pelo seu monitoramento adequado, nem pelo acompanhamento da criança por um profissional de Oftalmologia, a exemplo do ocorrido no Nosocômio anterior. Aos 3 (três) meses de idade, ao ser examinado pelo Dr. Vicente Scheidt Polli (fls. 150), foi diagnosticado o comprometimento motor da criança, sugestivo de paralisia cerebral, bem como, finalmente verificou-se a existência de sinais de perda de visão, decorrentes de infecção generalizada, prematuridade e tratamento com oxigenoterapia. Afirma ainda que, crianças que nascem prematuramente como Hiago (trinta e duas semanas conforme o relato), possuem os pulmões imaturos, o que leva à necessidade de tratamento com oxigênio em alta concentração, mas esta terapia deve ser feita buscando um ponto 9 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA de equilíbrio, pois o excesso de oxigênio pode causar cegueira e a deficiência na sua oferta pode causar comprometimento cerebral, não tendo o médico “condições de identificar ou informar uma outra causa da cegueira de Hiago que não fosse o excesso de oxigênio”. Acrescenta ainda este médico que “atualmente, o quadro físico de Hiago é irreversível”. Há também que se acrescentar como importante fator indutor da retinopatia e da debilidade mental, o quadro infeccioso adquirido por Hiago durante seu internamento no Hospital Erasmo de Roterdam, conforme apontam os médicos Dr. Vicente Polli (fls. 150), Dr. Dorivan Nogueira (fls. 214/215) e a Dra. Maria Izabel (151/152), sendo que esta última ainda ressalta a severidade da infecção. II - A Incidência da Responsabilidade Civil Hospitalar A responsabilidade das casas de saúde e hospitais envolve, evidentemente, um dever de incolumidade e assistência efetiva para os doentes internos em suas dependências, respondendo a instituição pela omissão de serviços e diligências materiais necessárias ao restabelecimento e à própria manutenção da vida destes enfermos. Vê-se, no caso em tela, que o recém nascido desenvolveu atraso global do desenvolvimento neuropsicomotor, bem como, quadro de Paralisia Cerebral, acompanhado de perda de visão, com diagnóstico de Retinopatia da Prematuridade. Atribui-se tais seqüelas à falta de estrutura do Hospital Erasmo de Roterdam, seja quanto ao excesso de oxigenação proporcionado ao paciente, seja quanto à infecção hospitalar da qual foi acometido Hiago, além da falta de um acompanhamento por médico Oftalmologista, tanto no 10 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA hospital mencionado, quanto no Hospital Pequeno Príncipe que, se não podia, eventualmente, ter evitado a lesão às córneas de Hiago, certamente poderia tê-la revertido. Causas estas que, sem dúvida, contribuíram ou mesmo, determinaram, a perda de visão da criança, bem como, a deficiência mental desta. Mostra-se ainda, a falta de exames a fim de apurar a real situação do recém nato, não obstante os inúmeros fatores de risco presentes, bem como, a falta de profissionais especializados na UTI neonatal, como , por exemplo, do médico Pediatra e do já citado médico Oftalmologista. Quanto à retinopatia da prematuridade, tal necessidade mostra-se unânime entre os modernos especialistas, os quais afirmam categoricamente que: “A falha pediatras de e encaminhamento a falta de precoce preparo de pelos muitos oftalmologistas para fazer o diagnóstico correto e indicar o tratamento apropriado são provavelmente os fatores responsáveis pela enorme quantidade de bebês cegos anualmente no Brasil por retinopatia da prematuridade, (...)” “(...) a "American Academy of Pediatrics", a "American Association for Pediatric Ophthalmology" e a "American Academy of Ophthalmology" preconizam que o primeiro exame oftalmológico deve ser entre 4 e 6 semanas de vida. (Ou seja, não é quando o bebê tiver alta da UTI neonatal como muitos pediatras brasileiros o sugerem….) O 11 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA primeiro exame do prematuro, portanto, deve ser ainda dentro da UTI neonatal, pois a maioria dos bebês de risco ainda está internado com 4 ou 6 semanas de vida. (...)” “O "CRYO-ROP Study Group" tem um protocolo rígido, onde consta que todos os bebês prematuros que pesem menos de 1250g devem ser examinados. A "American Academy of Pediatrics", a "American Association for Pediatric Ophthalmology" e a "American Academy of Ophthalmology" preconizam o exame de todo prematuro com peso de nascimento inferior a 1500g ou idade gestacional inferior a 28 semanas. (...), mas em uma reunião sobre retinopatia da prematuridade no "Annual Meeting of the American Academy of Ophthalmology" realizada em New Orleans em 1998, vários colegas da Venezuela, Argentina e Colombia descreveram casos de retinopatias avançadas em prematuros que nasceram com até 32 semanas e pesando até 1800g. Ainda não está na literatura, por que razão os bebês de países em desenvolvimento apresentam doença severa com pesos e idades gestacional maiores, mas se especula que o controle mais precário das condições gerais dos prematuros nas UTI neonatais 12 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA destes países sejam em parte responsáveis.” (grifo nosso) “No Brasil, seria indicado que todo prematuro com menos de 32 semanas de vida ou peso inferior a 1800g fosse examinado.” (grifo nosso) “Todo oftalmologista com adequado treinamento deve ser capaz de examinar e diagnosticar a retinopatia da prematuridade.” (grifo nosso) “Se qualquer sinal de retinopatia da prematuridade estiver presente, o bebê deve ser examinado semanalmente até a regressão espontânea da mesma. Caso a doença evolua desfavoravelmente e alcance o "threshold" o caso deve ser encaminhado para o cirurgião de retina e vítreo ou oftalmologista pediátrico para realização de laser ou crioterapia, que deve ser realizado idealmente dentro de 72 horas após o diagnóstico.” (grifo nosso) “É importante salientar que o prematuro irá necessitar revisões oftalmológicas de rotina até o desenvolvimento total da visão (em torno de 7-8 anos)...” (grifo nosso) “RESUMINDO: (...) PORTANTO: TODO PREMATURO COM MENOS DE 32 SEMANAS DE GESTAÇÃO OU PESO AO NASCIMENTO INFERIOR A 1800g 13 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DEVE SER EXAMINADO ENTRE 4 E 6 SEMANAS DE VIDA” (destaque nosso) Dra. Rosane C. Ferreira www.acm.org.br/sco/educação/retinopatia_da_prematuridade.html “(...) podemos dizer que as crianças prematuras apresentam um maior risco de patologia ocular mesmo na ausência de R.O.P. Um exame oftalmológico rigoroso é fundamental para avaliar o seu desenvolvimento visual e oculo-motor.” (grifo nosso) Anomalias oculares na prematuridade - Estudo retrospectivo (Dra. Rita Gama, Dra. Marisa Martins, Dr. F. Pinto-Ferreira, Dra. Alcina Toscano. Hospital S. José, Lisboa) www.spoftalmologia.pt/novidades/14.html “Para estabelecer quando deve ser o primeiro exame de prematuros com peso de nascimento menor que 1500g, ou seja, com risco de desenvolver a retinopatia da prematuridade (ROP), (...) os autores estabeleceram como ótimo, em eficácia e segurança, o exame feito com 7 semanas de idade cronológica ou com 34 semanas de pós- concepcional, qual viesse primeiro,(...)” 14 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA Hutchinson, A.K.; Saunders, R.A.; O’Neil, J.W.; Lovering, A.; Wilson, M.E. – Timing os initial screening examinations for rerinopathy of prematurity. Arch. Ophthalmol. 116:608-612, 1998. www.cbo.com.br/retina/artigos8.htm “(...), a doença incide em prematuros com baixo peso, submetidos a oxigenioterapia, associada a problemas perinatais. Para detectá-la, devem ser feitos exames de prevenção nos recém-nascidos, logo após o nascimento.” (grifo nosso) “Segundo estudo na área, de cada dez crianças recém-nascidas pelo menos duas apresentam problemas visuais, que podem ser congênitos ou causados por traumas no parto, cuja detecção, nesses casos, apenas seria possível através de um exame especializado, realizado por oftalmologistas pediátricos. (...) "Por isso, tornam-se necessários atenção e treinamento redobrados, (...)” (grifo nosso). Evento realizado no Auditório Inácio Cavalcanti, do HOPE-Ilha do Leite, nos dias 15 e 16 de junho. Tratou-se de um workshop sobre retinopatia da prematuridade, dirigido a oftalmologistas e pediatras, cuja coordenação foi da Dra. Liana Ventura. www.hope.com.br/ctudo-noticias.html 15 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA “Várias patologias podem acometer os olhos do bebê e deixar prejuízo na função visual de forma às vezes irreversível. Casos de Toxoplasmose Congênita, Estrabismo, Ambliopia, Oncocercose, Retinopatia da Prematuridade, podem acometer o bebê e podem ter possibilidade de melhora (ou mesmo sua cura) se diagnosticado precocemente. Crianças nascidas com menos de 1500g, ou que foram submetidas a oxigênio terapia ou transfusão de sangue, devem ser examinadas ainda no 1º mês de vida. A criança também deve passar por um exame de triagem nos primeiros anos de vida.” Dra. Pactrícia M. Mergulhão www.institutodavisao.med.br/c_dicas.htm FATORES DE RISCO a) Peso ao nascimento = especialmente abaixo de 1.250g Relacionamos abaixo a incidência por PN: = 89% dos RN com PN < 900g (Flymn-1987) = 72% dos RN com PN < 1000g (Reiner-1985) = 10% dos RN com PN > 1.500 (Reiner-1985) (grifo nosso) b) idade Gestacional = menor que 36 sem de IG (grifo nosso) c) Uso de Oxigenioterapia (grifo nosso) 16 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA d) Outros Fatores = deficiência de vitamina E, transfusões sangüíneas, hipercapnia, hemorragia intra-ventricular e apnéias recorrentes. ROTINA DE AVALIAÇÃO DE FUNDO DE OLHO A fundoscopia deve ser realizada com oftalmoscópio indireto sob midríase, com uso de depressor escleral quando necessário. a) RN com PN < 1.250g = Exame : na alta do berçário ou com 4 semanas de vida. Reavaliação: . de 2 em 2 semanas - até completar 14 semanas de vida . mensal - até 6 meses de idade . semestral - até completar 2 anos. b) RN com PN > 1.250g (grifos nossos) Exame: na alta ou com 4 semanas de vida : . sem sinais de RP - repetir com 14 semanas de vida . com sinais de RP - repetir esquema acima OBS: Se o RN apresentar doença nas zonas 1 e 2 a freqüência de exames deverá ser semanal.” Avaliação da Visão (Dra. Betty Moszkowicz; Dr. Sansão Isaac Kac) www.spb.com.br/follow_up/aval_visao.html 17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA Em tempo, Hiago nasceu com 28 (vinte e oito) semanas e 1570 (mil quinhentas e setenta) gr., sendo transferido para o Hospital Pequeno Príncipe com 10 (dez) dias de vida e pesando 1270 (mil duzentas e setenta) gr, com icterícia e sinais de infecção hospitalar e, em nenhum dos hospitais onde esteve (Erasmo de Roterdã e Pequeno Príncipe), ainda que com todas as indicações feitas acima, passou pelo exame de fundo de olho. A relação entre paciente e hospital é inelutavelmente uma relação contratual, conforme mostra José Aguiar Dias: “Admitindo o doente como contribuinte, forma-se entre ele e o hospital um contrato, que impõe ao último a obrigação de assegurar ao primeiro, na medida da estipulação, as visitas, atenções e cuidados reclamados pelo seu estado”, ainda quando prestada sem cobrança direta do paciente, pois “A circunstância de ser gratuita a hospitalização não muda a questão. Esta solução, válida para outros contratos benévolos, mais e mais se impõe no caso do hospital, porque não poderia admitir qualquer transigência a respeito do dever de incolumidade devido à pessoa humana”. (Dias, Aguiar. “Da responsabilidade Civil”, Forense, 6.ª ed., vol. 1, p. 382 apud Stoco, Rui. “Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial”, RT, 4.ª ed., p.393). 18 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA A entidade hospitalar é, por conseqüência, imputável civilmente pelos atos de seus prepostos (médicos, enfermeiros, empregados em geral, etc.), assim como por sorte de ocorrências sucedidas em seu interior (v. a respeito os artigos 37, § 6º, da Constituição Federal, 1.521, inciso III, do Código Civil e a Súmula n.º 341 do STF), ficando evidenciado, portanto, a responsabilidade objetiva do nosocômio. "Procede a ação contra estabelecimento hospitalar por omissão e ação de seus prepostos havendo culpa in eligendo" (RT 568/157). "Procede ação de indenização contra estabelecimento hospitalar por erro profissional de sua equipe médica. Sendo o médico considerado preposto, no exercício de sua profissão, há configuração de culpa presumida do empregador" (RT 559/193). Os ensinamentos da doutrina acerca da fundamentação da responsabilidade civil do hospital apontam que: "Sob o aspecto responsabilidade, da cumpre distinguir-se duas situações básicas: a relacionada à culpa do agente e a dela independente, consoante se trate de relacionamento pessoal direto com o profissional, ou de vínculo com a entidade do setor (hospital, 19 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA laboratório, e outros), ou, de outro lado, se cuide da obrigação de meio (normal entre médico e cliente) ou de resultado (em que o uso de técnica especial imponha ao profissional a obtenção do fim pelo paciente, como na cirurgia estética). Diferencia-se a questão da análise da subjetividade do agente: necessária na primeira, em que se deve fazer a prova efetiva em juízo, é dispensada na segunda, favorecendo a vítima no litígio correspondente." (BITTAR, Carlos Alberto. As Atividades Científicas e Profissionais, Médicas, Odontológicas, Hospitalares e Congêneres e o Direito: Princípios Norteadores. In: Responsabilidade Civil Médica, Odontológica e Hospitalar. São Paulo. Saraiva, 1991. p. 17). Com esses parâmetros, veja-se algumas decisões dos Tribunais: Agravo de Instrumento. Direito Civil e Processual Civil. Código de Defesa do Consumidor. Ação indenizatória. Erro médico. Responsabilidade objetiva da entidade hospitalar. Denunciação à lide dos médicos. 1. A responsabilidade indenizatória da entidade médica por erro médico de seus prepostos é objetiva, eis que os serviços médicoshospitalares aí prestados decorrem da relação de 20 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA consumo entre os ofertados e prestados a seus pacientes. 2. Na hipótese, para a ação de regresso, desnecessária a denunciação à lide daqueles a quem se atribui o "erro médico". Recurso conhecido e improvido. Unânime. (TJ/DF - Ag. de Instrumento n. 7480/96 - Brasília - Ac. 101338 - unân. - 1a. T. Cível - Rel: Des. Edmundo Minervino - Fonte: DJU III, 11.02.98, pág. 30). (grifo nosso) Responsabilidade civil - Erro médico - Hospital Legitimidade passiva - Dano material (devolução de 1/3 dos honorários) e moral (150 sm) - Juros moratórios, desde o evento - Honorários advocatícios, no máximo. Apelação não provida. 1. Em pretensão condenatória à indenização por erro médico basta, em tese, que dos fatos afirmados pelo autor decorra a responsabilidade do hospital, como preponente do médico. Incontroverso o fato de que a cesariana e concomitante laqueadura foram realizadas no centro cirúrgico do hospital, sua legitimidade passiva está confirmada. 2. Prestador de serviços o hospital, objetiva é sua responsabilidade por dano decorrente de ato praticado em seu estabelecimento. Afora isso, seu sócio o profissional-médico, que ocupa dependência do prédio em que é estabelecido, sem contrato de 21 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA locação ou de comodato, além do fato de que lucra com as internações a cargo do mesmo profissional, manifesto é o seu interesse econômico nas atividades do mesmo profissional. 3. Lesão de integridade corporal, seja ela física ou psíquica, por negligência ou imperícia, acarreta danos patrimoniais indiretos e conseqüentes prejuízos pecuniários, como pode provocar dano moral ressarcível, uma vez que indiretamente importa em dano a interesses não patrimoniais. Esquecimento de compressa cirúrgica no corpo de paciente, que lhe acarrete constrangimento social pelo mau cheiro enquanto não expelida pela vagina, acarreta, por efeito, danos material e moral, da responsabilidade do profissional negligente e do hospital em cujo centro cirúrgico ocorra. 4. No equivalente a 150 salários mínimos a indenização do dano moral, módica se revela em face das circunstâncias que envolvem o estado da vítima e dos causadores do dano. Razoável, também, a devolução do equivalente a 1/3 dos honorários como indenização devida pelo profissional ao seu paciente. 5. Moratórios os juros, incidem desde o fato (CCi, art. 962). 6. No máximo a fixação dos honorários advocatícios, considerados o zeloso desempenho profissional, o trabalho exigido e a importância e 22 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA natureza da causa. (TJ/PR - Ap. Cível n. 0058511-5 - Comarca de Curitiba - Ac. 2041 - unân. - 6a. Câm. Cív. - Rel: Des. Newton Luz - j. em 12.11.97 - Fonte: DJPR, 22.12.97, pág. 54). (grifo nosso) 1) Responsabilidade civil. Infecção hospitalar. Se o paciente se interna em um hospital para realização de cirurgia eletiva e vem a contrair infecção hospitalar (staphilococos aureus) em decorrência da falta de assepsia, há obrigação do hospital em indenizar os danos decorridos. Teorias objetiva e do risco. "Pelo critério do risco, chega-se à constatação de que algumas atividades se desenvolvem sob um clima de constante perigo de lesão a bens juridicamente relevantes de terceiros, não sendo exagero afirmar que retirar deste próprio perigo a sua própria essência, o seu próprio êxito. Ora, nada mais justo, portanto, que ocorrendo o dano, responde o empreendedor desta atividade pela reparação ainda que inexista a culpa, pois é do próprio potencial de perigo que retira esta empreendedora sua lucratividade, o seu sucesso." (BITTAR, Carlos Alberto, "Responsabilidade Civil Médica, Odontológica e Hospitalar", Ed. Saraiva, pág. 181). 2) Lucro cessante. Restou configurado que a paciente, em razão da infecção, pediu 23 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA demissão do emprego. Assim, são devidos os lucros cessantes. As demais despesas não restaram comprovadas. Recurso do primeiro apelante desprovido e do segundo apelante provido em parte. (TA/PR - Ap. Cível n. 0104209-1 - Comarca de Londrina - Ac. 8680 - maioria - 3a. Câm. Cív.- Rel: Juiz Eugenio Achille Grandinetti - conv.- j. em 03.06.97 - Fonte: DJPR, 01.08.97, pág. 210). (grifo nosso) Restando demonstrado que a moléstia nosocômica adquirida pela autora se dera após sua internação na unidade hospitalar onde submetera-se a operação cesariana, bem como evidenciado a manifesta desídia dos encarregados no que tange ao dever de manter o ambiente e os objetos instrumentais em condições de limpeza e assepsia exigíveis para minorar os riscos dos pacientes, impõe-se a obrigação da entidade mantenedora do hospital em indenizar pelos prejuízos causados a paciente, quais sejam, todas as despesas por ela efetuadas até pleno restabelecimento, inclusive para a correção de cicatriz abdominal repugnante decorrente da infecção hospitalar. Ademais, acresce observar, mesmo que a culpa não estivesse suficientemente demonstrada - que não é o caso -, 24 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA a obrigação indenizatória persistiria ante a adoção da teoria do risco no trato dos danos causados em virtude de infecção hospitalar - solução jurídica perfeitamente adequada para tais conflitos, o que vale dizer, a ré só poderia eximir-se provando que a infecção fora decorrente da culpa da própria paciente, tendo em conta a responsabilidade objetiva, aplicável em tais hipóteses. (TJ/PR - Ap. Cível n. 0023865-9 - Comarca de Curitiba - Ac. 9052 - unân. - 1a. Câm. Cív. - Rel: Juiz Maranhão de Loyola - conv. - Apte: Maria Neuzete Sombra - Adv: Ivani Floriano Frare - Apdo: Sociedade Evangélica Beneficente de Curitiba - Advs: Eraldo Luiz Kuster e outros - j. em 10.11.92 - Fonte: DJPR, 27.11.92, pág. 15). (grifos nossos) IV - Da Especificação do Dano Hiago Augusto Mangini desenvolveu atraso global do desenvolvimento neuropsicomotor, bem como, quadro de Paralisia Cerebral, acompanhado de perda de visão, com diagnóstico de Retinopatia da Prematuridade, estando os diagnósticos relacionados com o atendimento realizado no Hospital Erasmo de Roterdam e no Hospital Infantil Pequeno Príncipe. Conforme avaliação médica, pelo técnico especializado indicado pela Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, fls. 239/242, Hiago não foi atendido com as condições necessárias a um recém nato de risco, como a monitorização de oxigenação, acompanhamento laboratorial adequado e 25 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA acompanhamento clínico permanente pelo Hospital Saint Claire (Atual Erasmo de Roterdam)... “concluindo que faz-se necessário que todo estabelecimento hospitalar, que se proponha a atender gestante e recém natos, deve estar equipado para atendimento normal, de emergência e de médio risco, que seriam as condições mínimas necessárias para se preservar a vida com qualidade. Faz-se também necessário que medidas de rotina para a preservação das deficiências sejam obrigatórias em todos os centros que prestam assistência à criança de risco (UTIs). Se estas medidas existissem, como monitorização de todo recém nato de risco, acompanhamento permanente, screemning oftalmológico etc., o menor Hiago teria tido maiores chances de preservar seu intelecto e, principalmente, sua visão.” Além disso, aproximadamente, 1,5 semana de vida ao ser transferido com, para o Hospital Pequeno Príncipe, inobstante todos os fatores de risco e indicações da doutrina médica, não foi acompanhado por um Oftalmologista nem, tão pouco, teve realizado o exame de fundoscopia. O artigo 159 do Código Civil Brasileiro não faz distinção entre dano material e moral, abrangendo tanto o dano patrimonial como o extra-patrimonial. 26 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA Em face dos indicativos fáticos supramencionados, temos a disciplina do art. 1.538, "caput", do Código Civil, onde está estabelecido que, em casos como este, o réu deverá custear todas as despesas de tratamento médico necessário (as despesas médico - hospitalares), os medicamentos, o deslocamento para tratamentos periódicos, entre outros, como por exemplo fraldas, pois até hoje a criança faz uso delas (com 06 anos de idade), além do leite, cujo consumo é de 15 litros/mês. Ressalta-se que em relação ao tratamento que está sendo feito ao autor, este compreende a freqüência a uma escola especial de nome Escola Ecumênica, que não tem custo, excetuando os relativos ao deslocamento, e é mantida por doações, sendo que em tal escola recebe tratamento fonoaudiológico, fisioterápico, de reeducação visual, dentre outros. Reconhece-se na hipótese, sem dúvida, um dano atual e certo, tanto patrimonial quanto moral, a ser indenizado na forma recomendada pelo art. 1.539 do Código Civil. Pertinentemente aos danos sofridos pelo autor, sem pretensão de esgotar todos os cerceamentos possíveis ocasionados pela perda de visão, bem como, pelo retardo neuropsicomotor, faz-se necessário mencionar que, o desenvolvimento intelectual de Hiago é muito mais lento, se não, inexistente, se comparado ao de outras crianças não portadoras de tais deficiências, tendo ainda sua condição impossibilitada no que concerne à realização de atividades lúdicas comuns às demais crianças. Vale ressaltar que surgem inúmeras limitações de ordem pessoal e até, posteriormente, profissional, sendo muitas vezes intransponíveis, como por exemplo, a possibilidade de um emprego para sustento próprio e de sua família, já que é difícil imaginar alguma atividade que comporte seu exercício por um indivíduo que possua atraso mental e deficiência visual, determinando-se “ad eternum”, uma dependência total de seus familiares que, 27 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA diante disso, também terão limitada a amplitude de sua liberdade e nível econômico/social. Antônio Lindberg C. Montenegro, com acuidade, bem explana o tema: “Ao cabo de um longo período de increpações, terminou por firmar-se na doutrina e na jurisprudência, a tese da ressarcibilidade do dano que produz incapacidade permanente ao menor improdutivo, ou seja, o menor que ainda não exerce atividade lucrativa. Reconhece-se na hipótese de um dano atual e certo. Basta atentar no fato de que, quando o menor atingir a maturidade, estará, desde logo, sofrendo aquelas conseqüências econômicas desfavoráveis, por encontrar-se privado de meios de prover a própria subsistência, em razão do comprometimento de sua capacidade laborativa, trata-se, sem dúvida, de dano eminentemente patrimonial, a ser indenizado na forma recomendada pelo art. 1.539 do Código Civil.” (Montenegro, Antônio Lindberg C. “Ressarcimento de Danos”. 3.ª ed. São Paulo: Âmbito Cultural. p. 109/110) 28 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA Cabe enfatizar que, durante o período em que Hiago ficou internado no Hospital Erasmo de Roterdam, apresentou grave quadro de infecção hospitalar, a qual não só ocasionou um sofrimento maior à luta do recém nascido pela vida, como contribuiu de forma significativa à evolução da retinopatia e da paralisia cerebral, as quais deixaram seqüelas irreversíveis no estado de saúde da criança. Afora isso, tencionam os requerentes reparação pelos danos morais sofridos, ou seja, conforme aponta Miguel Kfouri Neto, em seu livro “Responsabilidade Civil do Médico”: “o dano decorrente da privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida de um homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos.” (...) “dano que afeta a ‘parte afetiva do patrimônio moral’ (dor, tristeza, saudade etc); e dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante etc.), e dano moral puro (dor, tristeza etc.)”. Dalmartello. “Danni morali contrattuali”, In Rivista di Diritto Civile, 1933, p. 55 e ss. apud Kfouri Neto, Miguel. “Responsabilidade Civil do Médico”. São Paulo: RT, 1998. p.95 e ss. Não se procura aqui, é evidente, alcançar o justo preço do sofrimento dos demandantes. Tal raciocínio ofenderia a ética e jamais 29 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA encontraria um equivalente econômico à altura. O tema, aliás, há muito tempo, foi invulgarmente balizado por Clóvis Beviláqua: "Se o interesse moral justifica a ação para defendêlo ou restaurá-lo, é claro que tal interesse é indenizável, ainda que o bem moral não se exprima em dinheiro. É por uma necessidade dos nossos meios humanos, sempre insuficientes e, não raro, grosseiros, que o Direito se vê forçado a aceitar que se computem em dinheiro o interesse de afeição e os outros interesses morais" (citado in RT 489/92). Já modernamente, Carlos Roberto Gonçalvez, na mesma linha, assevera que: "se tem entendido, hoje, que a indenização por dano moral representa uma compensação, ainda que pequena, pela tristeza infligida injustamente a outrem" (in Responsabilidade Civil, 2º ed., Saraiva, SP, 1984, p. 168). Na esteira deste pensamento, o nosso direito pretoriano tem afirmado que... "todo e qualquer dano causado a alguém, ou ao seu patrimônio, deve ser indenizado, de tal obrigação não se excluindo o mais importante deles, que é o dano moral, que deve autonomamente ser levado 30 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA em conta. O dinheiro possui valor permutativo, podendo-se, de alguma forma, lenir a dor com a perda de um ente querido pela indenização, que representa também punição e desestímulo do ato ilícito. Impõe-se a indenização do dano moral para que não seja letra morta o princípio neminem laedere" (RT 497/302). E sublinhe-se, ainda, a perfeita factibilidade em cumular-se os dois tipos de compensação em tela: "Um único evento pode constituir um leque de prejuízos de natureza diversa, e justifica, cada um, uma verba reparatória, sem margem à ocorrência de reparar duas vezes a mesma perda" (RT 613/184). "O dano moral alcança prevalentemente valores ideais, não apenas a dor física que geralmente o acompanha, nem se descaracteriza quando simultaneamente ocorrem danos patrimoniais, que podem até consistir numa decorrência, de sorte que as duas modalidades se cumulam e têm incidências autônomas (Súmula 37 do STJ)" (TJSP - 2º C. - Ap. - Rel. Pereira da Silva - j. 21.9.93 - RT 703/57). V - Do Cálculo Indenizatório e do Pedido 31 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA Em vista do que precede, requer-se, com apoio nos permissivos legais, doutrina e jurisprudência trazidos à colação, sejam condenados os requeridos à reparação pretendida, inclusive as seguintes verbas: a) o pagamento de todas despesas de tratamento já havidas (tratamento, medicamentos, deslocamentos, etc), no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), bem como, as despesas de tratamento e recuperação que ainda se farão necessárias, também aí abarcados os medicamentos, consultas médicas, exames laboratoriais, despesas de locomoção, alimentação especial, dentre outras, conforme artigo 1.539 do Código Civil; b) constituição de capital que assegure cabal cumprimento da condenação, a teor do artigo 602 do Código de Processo Civil; c) pagamento, a título de pensão mensal e vitalícia ao assistido, no valor de 2 (dois) salários mínimos, conforme art. 1.539 do Código Civil, incluindo-se o 13.º salário (RT 621/172, 583/154, 574/150, e 558/190); d) pagamento de reparação por danos morais sofridos por Hiago Augusto Mangini e sua família, fixados na quantia de trezentos salários mínimos; e) pagamento das despesas do processo e demais cominações legais. Isto posto, requer-se, por fim, a citação do Hospital e Maternidade Erasmo de Roterdam Ltda e da Associação Hospitalar de Proteção à Infância Dr. Raul Carneiro (Hospital Pequeno Príncipe) , na pessoa de seus diretores, para, querendo, acompanharem e contestarem os termos da presente, sob pena de revelia, devendo ser o pedido julgado procedente, com a condenação dos réus ao pagamento das verbas anteriormente especificadas. 32 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA Para provar o alegado, protesta-se pelo uso das provas legalmente admissíveis, sem exceção, notadamente o depoimento pessoal dos médicos envolvidos no caso em questão e do representante legal das casas hospitalares, audiência de testemunhas conforme rol em anexo, perícias e juntada de novos documentos (cópia do procedimento administrativo nº 03/96 e da doutrina mencionada em anexo) . Renovando o rogo de concessão da Justiça Gratuita, com fundamento na Lei n.º 1.060/50, dá-se à causa, tão só para efeitos fiscais, o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais). P. deferimento. Curitiba, 24 de abril de 2001. Michele Rocio Maia Zardo Promotora de Justiça 33 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA Rol de Testemunhas 1-Sandra Regina Alves dos Santos, brasileira, solteira, portadora da Cédula de Identidade/RG n.º4.537.474-2 SSP/PR, residente e domiciliada na Rua Victor Benato n.º 170, Pilarzinho, Curitiba, Paraná. 2-Vicente Scheidt Polli, brasileiro, casado, médico inscrito no CRM-PR sob o n.º 7.199, residente e domiciliado na Rua Francisco Nunes n.º 394, Rebouças, Curitiba, Paraná. 3-Maria Izabel Fonseca Martins, brasileira, casada, médica inscrita no CRM-PR sob o n.º 3.088, residente e domiciliada à Trav. Percy Withers n.º 80, ap. 102, Curitiba, Paraná. 4-Wilmar Mendonça Guimarães, brasileiro, casado, médico inscrito no CRM-PR sob o n.º 3711, residente e domiciliado à Av. Sete de Setembro n.º 3845, Curitiba, Paraná. 34