BIODIVERSIDADE DE PEQUENOS MAMÍFEROS EM DIFERENTES AMBIENTES DO BIOMA CERRADO E INCIDÊNCIA DE HANTAVIROSE Carolina Braz Silva,1,3 Ronaldo Angelini1,2,3 Flávio César Gomes Oliveira 4 1 Bolsista PIBIC/UEG Pesquisador – Orientador 3 Curso de Ciências Biológicas Unidade Universitária de Ciências Exatas e Tecnológicas 4 Centro Tecnológico de Engenharia LTDA. 2 RESUMO: Trabalhos realizados em diferentes regiões de Cerrado demonstram a presença de espécies endêmicas, mas a diversidade de sua mastofauna (mamíferos de pequeno e médio porte) ainda não é muito conhecida, apesar de importante por conter espécies potencialmente transmissoras de hantaviroses Esse estudo foi realizado na cidade de Anápolis numa área de fragmento de Cerrado da Universidade Estadual de Go iás. Os indivíduos foram coletados com armadilhas do tipo Shermann e armadilhas gancho. Os indivíduos capturados foram encaminhados para o Laboratório de Biodiversidade do Cerrado do próprio campus da UEG de Anápolis para a biometria e procedimentos necessários para a identificação da espécie, foram retirados amostras de sangue, tecidos e órgãos para exames sorológicos para identificação de infecção por hantavírus O esforço total foi de 800 armadilhas, e foram amostrados 46 indivíduos de pequenos mamíferos, totalizando uma riqueza de 7 espécies, distribuídos em quatro espécies pertencentes à família Cricetidae, subfamília Sigmodontinae e três espécies da família Didelphidae, em duas espécies de roedores, Necromys lasiurus e Oligoryzomys foram identificadas soroprevalência positiva para hantavírus ). Estes resultados indicam o potencial risco de transmissão de hantavírus nesta região, visto que é uma área próxima a propriedades rurais, distrito industrial e à cidade de Anápolis. Palavras chave: diversidade, roedores, marsupiais, Cerrado, Hantavírus Introdução Alho (1990) afirma que o Cerrado apresenta um gradiente de habitáts naturais, compreendendo desde áreas abertas como campo limpo, campo sujo, campo cerrado, até formações arbóreas, cerrado stricto sensu, cerradão e mata ciliar, o que o faz conhecido como mosaico vegetacional (EITEN, 1990) Todas estas formações vegetais abrigam comunidades de mamíferos, que colaboram para o enriquecimento e funcionamento das fitofisionomias, principalmente como dispersores de semente e em alguns casos no controle da herbivoría (SCARANO & DIAS, 2004). 2 Trabalhos pontuais realizados em diferentes regiões de Cerrado demonstram a presença de espécies endêmicas, mas a diversidade de sua mastofauna (mamíferos de pequeno e médio porte) ainda não é muito conhecida (Bonvincino, et al 2005, Marinho-Filho, 2005), apesar de importante por conter espécies potencialmente transmissoras de hantaviroses. Hantavirus são RNA vírus esféricos, envelopados, medindo cerca de 80 a 120nm, possuem projeções glicoprotéicas na superfície e compreendem um gênero na família Bunyaviridae. A hantavirose é uma zooonose emergente, enfermidade aguda que se apresenta sob duas formas Febre Hemorrágica com Síndrome Renal (HFRS) que ocorre na Europa e Ásia e a Síndrome Pulmonar Cardiovascular por Hantavírus (SPCVH) que ocorre nas Américas (PINCELLI et al, 2003). A evolução do hantavirose está correlacionada com a evolução de seus animais-reservatório, mas a co-evolução entre o vírus e o roedor hospedeiro ainda não fo i totalmente estabelecida. Apesar disto sabe-se que através de milhares de anos, fragmentos genéticos do vírus foram encontrados incorporados no RNA mitocondrial dos roedores (FIGUEIREDO, CAMPOS, RODRIGUES , 2001) Material e Métodos O estudo foi realizado na cidade de Anápolis numa área de fragmento de Cerrado da Universidade Estadual de Goiás. A área é antropizada, e sofre influência de estradas, das esporádicas entradas de animais domésticos das fazendas vizinhas e das visitas a uma trilha de Educação Ambiental que atravessa os ambientes. Os indivíduos foram coletados com armadilhas do tipo Shermann (FIGURA 1) (40,64cm x 12,70 x12,70 cm) e armadilhas de gancho (FIGURA 2) (29cm x 11cm x 14cm), iscadas ao final da tarde, e vistoriadas no inicio da manhã. Utilizou-se isca à base de paçoca e óleo de bacalhau depositado sobre uma seção triangular de abacaxi. As armadilhas foram dispostas no chão em intervalos de aproximadamente 10m entre si, formando transectos lineares (BONVICINO, 1996). FIGURA1: Armadilha Shermann FIGURA 2: Armadilha de gancho 3 Os indivíduos capturados foram encaminhados para o Laboratório de Biodiversidade do Cerrado do próprio campus da UEG de Anápolis para a biometria e procedimentos necessários para a identificação da espécie, os animais foram anestesiados, com ketaminaT M, 50 mg/Kg por injeção intradérmica, pesados, em seguida realizou-se a coleta de sangue de cada individuo, por punção cardíaca para a realização dos exames sorológicos (através da detecção de anticorpos antihantavirus da classe IgG pelo imunoensaio enzimático-ELISA). Posteriormente foram medidos com relação aos comprimentos de cabeça-corpo, cauda, pé traseiro direito, orelha interna direita e cabeça, verificados quanto ao sexo em seguida foram retirados amostras de tecidos e órgãos (fragmentos de pulmão, rim, fígado, baço e coração) que foram preservados em nitrogênio liquido com o intuito de conservar as amostras que foram enviadas para o Laboratório de Biologia e Controle de Esquistossomose LBCE / FIOCRUZ. Todos os procedimentos laboratoriais e de campo foram realizados de acordo com as normas de biossegurança nível III, estabelecidas pela Comissão Permanente de Biossegurança do IOC/FIOCRUZ e, conforme protocolo submetido à comissão de Ética no uso de Animais (CEUA – FIOCRUZ, protocolo número P-0083-01) (FIGURA 3) A coleta e o transporte do material biológico foram realizados segundo licença do IBAMA 002/2006 (FERRO, 2006). FIGURA 3- Mascara de segurança nível III, para retirada de material dos indivíduos capturados. O diagnostico sorológico da infecção por hantavírus foi realizado no laboratório de referência em Rickettisioses e Hantaviroses do Departamento de Virologia / IOC. Seguindo as recomendações do protocolo descrito em PADULA et al. (2000) apud FERRO (2006). 4 Resultados e Discussão Na área de cerrado foram colocadas 50 armadilhas, na mata-seca 100 e na mata-galeria 50, salientando que a mata-seca apresenta número maior de armadilhas por ser dividida em dois fragmentos devido à presença da mata-galeria. O esforço total foi de 800 armadilhas, e foram amostrados 46 indivíduos de pequenos mamíferos, totalizando uma riqueza de 7 espécies no período de estudo, distribuídos em quatro espécies pertencentes à Família Cricetidae, subfamília Sigmodontina e três espécies da Família Didelphidae, foi capturado um número maior de roedores em relação aos marsupiais como observado previamente para a maioria dos estudos na região Neotropical (GRAIPEL,et al. 2006). Durante a captura realizada em quatro dias o esforço em cada transecto foi de 50 armadilhas- noite e a espécie mais freqüente foi Necromys lasiurus (67,39%). TABELA-1 Números de espécies capturadas bem como sua respectiva abundância total nos diferentes ambientes do Bioma Cerrado, Mata Galeria (MG), Mata Seca (MS) e Cerrado strictusensu (C) e o número de animais infectados por hantavírus em relação ao número de animais analisados, segundo exames sorológicos. Sub- família Ambiente Espécies MG MS C Didelphis albiventris 1 2 Didelphinae Gracilinanus sp. 1 Sigmodontinae Philander frenatus Necromys lasiurus Oligoryzomys sp Total 3 Sorologia positiva hantavírus Abundância total 3 3 1 1 30 31 2/20 3 3 1/1 Nectomys rattus 4 4 0/3 Rhipidomys sp 1 1 46 A fauna de pequenos mamíferos tanto na área de estudo como no restante do estado de Goiás é pouco conhecida, pois existem áreas que nunca foram amostradas e a maioria dos trabalhos realizados baseia-se em classificações morfotípicas, o que para a identificação em nível de espécies para muitos gêneros não é suficiente (BONVINCINO et al. 2005). Neste trabalho foi possível constatar um aumento na riqueza de espécies do habitat mais aberto (cerrado strictu sensu) para o mais fechado e complexo estruturalmente (mata de galeria). Para 5 Johnson, Saraiva, Coelho (1999), as matas de galeria contêm duas vezes mais espécies comuns às matas úmidas, que às outras fitofisionomias do Cerrado reunidas, pois este hábitat favorece a ocorrência de espécies típicas da Mata Atlântica e Amazônia, aumentando a diversidade do bioma e assim funcionando como corredores de dispersão. Todos os vírus associados a SPVC no Novo Mundo tem como reservatório roedores da família Sigmodontinae, a ocorrência de casos de SPVC associados a Necromys lasiurus como reservatório não é rara para o Bioma Cerrado, vários estudos demonstram a prevalência de casos registrados em São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e Brasília. O registro de casos está associado à ocupação humana próximas a cultura de Braquiaria sp. e lavouras de milho, cana-deaçúcar, soja, arroz e desequilíbrios ecológicos que contribuem para que os roedores se desloquem para áreas residenciais. A distribuição viral pode acontecer em toda a área de ocorrência da espécie reservatória ou ser restrita a uma pequena porção geográfica, a infecção por hantavírus em seu hospedeiro reservatório é crônica e aparentemente assintomática apesar da presença de anticorpos neutralizantes, o vírus persiste, sendo liberado na urina, fezes e saliva dos roedores. Entretanto, no habitat natural dos roedores observa-se que a soroprevalência aumenta com o peso e, portanto, com a idade, enfatizando o papel predominante da transmissão horizontal na manutenção dos hantavírus na população dos reservatórios apesar da Mata Galeria da UEG ser menor (em área) que os outros ambientes amostrados, ela apresentou maior número de espécies justamente por esta complexidade. Conclusões Apesar da Mata Galeria da UEG ser menor que os outros ambientes amostrados, ela apresentou maior número de espécies justamente por esta complexidade. O sucesso de captura foi alto quando considerando outros trabalhos. Porém a realização de apenas uma coleta devido a fatores logísticos restringiu as análises que poderiam ser feitas, impedindo a realização de testes estatísticos e comparações envolvendo parâmetros ecológicos como influência sazonal. Este trabalho viabiliza a realização de outros estudos visto que foi um trabalho inicial envolvendo o levantamento de espécies de pequenos mamíferos na área de Cerrado do campus da Universidade Estadual de Goiás. Estes resultados indicam o potencial risco de transmissão de hantavírus nesta região, visto que é 6 uma área próxima à circulação humana. Referencias Bibliográficas: ALHO, C.J. 1990. Distribuição da Fauna num gradie nte de recursos em mosaico. In: Pinto, M. N. Cerrado Caracterização, ocupação e perspectiva, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1990,p.205-254. BONVICINO, C.R., CERQUEIRA, R., SOARES, V. A.Habitat Use By Small Mammals of Upper Araguaia River . Rev. Brasil.Biol.v.56,n. 4,p.761-767,1996. BOVINCINO.C.R., LEMOS, B., WEKSLER, M. 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