João Evangelista Steiner

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Anais da 63ª Reunião Anual da SBPC - Goiânia, GO - Julho/2011
Com acordo sigiloso, o Brasil subsidiará ciência e tecnologia européias
João Steiner,
Professor Titular de Astronomia do IAG/USP
No dia 29 de dezembro passado (dois dias antes de sair do governo), o Ministro Sérgio Rezende assinou o
acordo de adesão do Brasil ao Observatório Europeu do Sul (European Southern Observatory, ESO), que dá
acesso aos astrônomos brasileiros a uma dezena de telescópios no hemisfério sul, o radiotelescópio ALMA
e a participar da construção do telescópio gigante de 42m, o E-ELT. O Brasil pagará uma média de um
milhão de reais por semana nos próximos 11 anos; depois disso continuará a pagar algo próximo a isso,
para sempre, como custo de operação. A adesão do Brasil ao ESO foi apresentada na revista Nature (27 de
janeiro), como um grande impulso para a nossa Astronomia e uma oportunidade para nossa indústria de
alta tecnologia; há gente que discorda.
O Brasil é atualmente membro dos consórcios internacionais Gemini e SOAR. Como conseqüência,
temos a oportunidade de aplicar para a observação de tempo em vários outros telescópios de 4 e 8
metros. A participação brasileira no Gemini tem sido muito bem sucedida, estando o Brasil entre os
parceiros mais produtivos. O telescópio SOAR nos permitiu estabelecer um programa de construção de
instrumentos de classe mundial para telescópios de 4 m. O Brasil é o único país em desenvolvimento que
tem acesso telescópios de 8 metros e 4 m e um dos poucos países no mundo com acesso a esse tamanho
de telescópios em ambos os hemisférios. Essa situação privilegiada foi alcançada com um investimento de
30 milhões de dólares nos últimos 17 anos. Temos, provavelmente, uma das melhores relações
custo/benefício de qualquer astronomia nacional do mundo.
O ESO tem planos para construir um telescópio de 42 m (o E-ELT), com um custo de 1 bilhão de
euros. Como o ESO não tem todos os recursos para iniciar a construção, uma estratégia foi elaborada para
o Brasil pagar cerca de 25% disso, em troca de acesso a todas as instalações do ESO. O Brasil também
poderá participar da construção E-ELT. Porém, todos os pacotes de trabalho para o telescópio e os
instrumentos de primeira luz já foram atribuídos a grupos e indústrias européias, tanto quanto se sabe; a
participação brasileira está restrita à construção civil - de baixa tecnologia - e pagando salários a
trabalhadores chilenos. O Brasil não tem qualquer perspectiva de liderar a construção de instrumentos
para o E-ELT ou a desempenhar um papel central em tais programas. Ainda existem riscos significativos
associados ao E-ELT. O custo final de um telescópio de 42 metros pode ser significativamente maior do que
1 bilhão de euros, o que talvez force a redução de sua área coletora de luz
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Nos consórcios Gemini e SOAR, o Brasil tem uma fração de tempo fixa que pode ser usada
estrategicamente para desenvolver a nossa capacidade científica; no ESO, os brasileiros serão obrigados a
competir com os cientistas dos países europeus, com mais forte tradição científica e muito maior e mais
bem preparada comunidade de astrônomos. Isso significa que, mesmo pagando 250 milhões de euros,
estaremos correndo o risco de ter uma fração muito pequena do tempo de observação no E-ELT; para usar
os equipamentos menores, em um futuro próximo teremos que pagar aluguel adicional. A contribuição de
cada país membro pleno do ESO é proporcional ao seu PIB. O Brasil pagará, pois, um custo equivalente ao
que pagam países como a Espanha, Inglaterra e Itália, que têm PIB semelhante ao Brasil e número de
astrônomos pelo menos 3 vezes maior.
O Brasil pode adotar uma estratégia diferente para o desenvolvimento científico pleno, a um custo
que é 10 vezes menor do que a conta do ESO. Essa estratégia de associação com o ESO nos parece ser uma
má escolha para o uso de dinheiro público. Como conseqüência, o Brasil terá a infra-estrutura astronômica
que estará entre as de pior relação custo/benefício no mundo e pesquisadores brasileiros perderão a
capacidade de fazer planejamento estratégico do país para esta área.
As negociações com o ESO foram realizadas sigilosamente (ver jornal FSP 19/09/2010) por algumas
pessoas, sem absolutamente nenhuma avaliação técnica ou científica, não seguindo as boas práticas
nacionais e internacionais (peer review). Opções alternativas não foram devidamente analisadas. É um
casamento caríssimo, com benefícios assimétricos, e para a vida inteira.
A adesão ao ESO subsidia a ciência e a indústria de alta tecnologia européias com o dinheiro do
contribuinte brasileiro. O Governo e o Parlamento brasileiros ainda têm a oportunidade de corrigir essa
anomalia.
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