Artigos Revista Semioses | Rio de Janeiro | Vol. 01 | N. 05 | Agosto de 2009 | Semestral Pesquisa linguística e prática pedagógica: de como a teoria se aplica no contexto da sala de aula. Ana Maria Pires Novaes RESUMO: Este artigo pretende discutir o ensino de língua materna, em especial o ensino tradicional de gramática que privilegia a metalinguagem em detrimento da reflexão sobre a atividade lingüística. Busca, ainda, com base nos pressupostos teóricos da Lingüística Funcional, estabelecer relações entre variedades da língua, competência comunicativa e desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita. Palavras-chave: Tradição gramatical; Linguística Funcional; ensino. ABSTRACT: This article aims at discussing mother language teaching focusing grammar traditional teaching that emphasizes metalanguage from the reflection regarding linguistic activity. It also wants to establish relations among language varieties, communicative competence and the development of reading and writing skills based in the theoretical bases of the Functional Linguistics. Keywords: grammar tradition; Functional Linguistics, teaching. 68 UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta Revista Semioses | Rio de Janeiro | Vol. 01 | N. 05 | Agosto de 2009 | Semestral 1. INTRODUÇÃO A análise dos fatos linguísticos está fortemente marcada pela tradição, e o modelo de gramática, a partir do qual a Escola baseia seu ensino, é resultado de um processo que se perpetuou através dos séculos e se conserva até hoje: ensinar um modelo de língua àqueles que já dominam outras variedades dessa língua. Para que possa ser desenvolvido um ensino de língua materna que habilite o aluno a se comunicar eficientemente, é necessário que o professor entenda que não há homogeneidade numa língua e que esta se realiza concretamente através das diferentes línguas funcionais.. Se ensinar uma língua é ensinar a comunicar, a utilizar adequadamente as modalidades funcionais de uma língua histórica, a gramática precisa ser trabalhada na dimensão do uso, explorando-se a diversidade de estilos, a variedade de recursos lingüísticos, permitindo-se ao aluno refletir sobre as escolhas realizadas e sua relação com a produção de sentidos. O objetivo deste trabalho está em descortinar a tradição gramatical e em apresentar o sentido da aplicação da teoria lingüística na sala de aula. 2.TRADIÇÃO GRAMATICAL O primeiro aspecto a se considerar numa reflexão sobre o ensino da língua materna é a distinção entre duas tendências históricas. De um lado, a dos que refletiam sobre a linguagem para construir um sistema nocional, capaz de descrevê-la. Nessa direção, situam-se os estudos gramaticais greco-latinos, as gramáticas especulativas e filosóficas. De outro lado, a tendência dos que se preocupavam em estabelecer condições de “uso” de linguagem e que deu origem às gramáticas prescritivas e normativas. Na verdade, desde a sua origem, a gramática procurou estabelecer as regras, consideradas Artigos as melhores, para a língua escrita, com base no uso que dela faziam os grandes escritores. A visão preconceituosa dos gramáticos, calcada na ideologia das classes dominantes, segundo Mattos e Silva (1995, p.13), reforça o dialeto da elite e o seu ensino (quer bem ou mal feito) faz silenciar os outros usos. O segundo aspecto é a prática do exercício escolar excessivamente classificatório que obriga o aluno a decorar definições nocionais e vasta nomenclatura, afastando-o do sentido fundamental da atividade gramatical que para Carlos Franchi (2006, p.74-79) consiste em compreender os diversos processos pelos quais o sujeito atua linguisticamente. Analisando a postura tradicional, taxionômica e prescritiva do ensino de gramática na escola, observa esse autor: É justamente essa posição que justifica, inteiramente, o desapreço pelo estudo gramatical nas escolas. Quando a gramática se estuda pelos seus aspectos descritivos, (...) faz-se da linguagem um objeto morto (...). Quando incorpora a noção de uso, volta teimosamente e impertinentemente à concepção normativa: faz do uso da língua uma questão de disciplina, de obediência a “dogmas”, com forte componente elitista e repressivo. Um ensino de língua materna que tenha como objetivo maior a educação linguística não pode privilegiar o ensino normativo nem ater-se exclusivamente à taxionomia dos fatos gramaticais. A gramática, enquanto disciplina, não pode ser o objeto próprio do ensino; deve ser seu instrumento para que, através dela, o aluno possa adquirir um conhecimento mais reflexivo das estruturas e das possibilidades de sua língua e utilizá-la com mais eficiência e criatividade. 69 UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta Artigos Travaglia (1996, p.117-118), ao estabelecer como objetivo prioritário do ensino de língua materna o desenvolvimento da competência comunicativa do estudante, redimensiona a importância das gramáticas descritiva e normativa nas aulas de Língua Portuguesa, priorizando a prática da língua, para que o aluno possa aprendê-la no seu funcionamento, nas situações de interação verbal. Para que essa mudança se processe deve o professor refletir sobre sua prática e, a partir daí, estabelecer o que ensinar e para que ensinar: 3. DIVERSIDADE LINGÜÍSTICA, NORMA PADRÃO E ENSINO Em busca de alternativas pedagógicas que imprimam ao ensino de língua materna um caráter mais produtivo, encontro na Linguística Funcional de Eugênio Coseriu o suporte teórico necessário para implementar uma educação que contemple, de fato, a diversidade sociocultural brasileira. Para Coseriu (1980, p.110), numa língua, em determinado momento de seu devenir histórico, podem ser observadas diferenças mais ou menos profundas que comprovam a existência da variação linguística: diferenças diatópicas – diversidade no espaço geográfico -, diferenças diastrásticas – diversidade entre as camadas socioculturais -, diferenças diafásicas – diversidade de situações de fala, de estilos de língua. As diferenças diatópicas determinam os falares locais, as variantes regionais e até intercontinentais – português falado em Portugal e português falado no Brasil, por exemplo – e são percebidas principalmente no léxico e na pronúncia diferenciada. As diferenças diastrásticas são acentuadas em comunidades com sensível estratificação sociocultural e se fazem sentir, de forma mais 70 UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta Revista Semioses | Rio de Janeiro | Vol. 01 | N. 05 | Agosto de 2009 | Semestral intensa, na diversidade entre a língua culta das camadas privilegiadas da sociedade e a língua popular, própria das camadas de menor prestígio social. É importante observar que em países como o nosso de profundas diferenças sociais, embora seja tarefa da escola possibilitar ao aluno o acesso à variedade padrão da língua, por ser a variante de maior prestígio em situações formais, deve o professor de língua materna ter bastante cuidado para não revelar uma atitude preconceituosa em relação à variedade de língua do aluno. Segundo Uchôa (1993, p.309), considerar o dialeto padrão, a norma culta como a única legítima, identificando-a quase com a própria língua, conduz ao autoritarismo e preconceito linguístico, seguramente prejudiciais ao desenvolvimento da competência linguística dos alunos. No que diz respeito às diferenças diafásicas, compreendem estas os diversos tipos de modalidade expressiva como, por exemplo, a língua falada e a língua escrita, a língua usual e a língua literária, a linguagem corrente e a linguagem cerimoniosa, as línguas especiais, as diferenças entre a prosa e a poesia etc. A esse conjunto mais ou menos complexo de variantes geográficas, socio-culturais e de estilos de língua, isto é, a esse diassistema Coseriu (1980, p.110) chama de língua histórica, língua constituída historicamente como unidade ideal e identificada como tal pelos seus próprios falantes e pelos falantes de outras línguas. A esses três tipos de diferenças que confirmam a heterogeneidade da língua Coseriu (1980, p.112-113) contrapõe, no sentido da homogeneidade, três tipos de unidades de sistemas linguísticos: unidades sintópicas Revista Semioses | Rio de Janeiro | Vol. 01 | N. 05 | Agosto de 2009 | Semestral ou dialetos que ocorrem num mesmo espaço geográfico, unidades sinstrásticas (“dialetos sociais”) que ocorrem num só estrato sociocultural e unidades sinfásicas ou estilos de língua que ocorrem numa só modalidade expressiva, como a língua formal, a língua informal, o estilo familiar etc. Essa forma delimitada de língua histórica que se caracteriza como unidade sintópica, sinstrástica e sinfásica, chama Coseriu de língua funcional. A língua histórica é uma entidade abstrata. Nenhum falante a conhece completamente. Ela se realiza concretamente no texto, no discurso que, na maioria das vezes, se produz em um só dialeto, considerado em determinado nível de língua e em determinada modalidade expressiva. Portanto, um falante, ao construir um texto, estará utilizando uma determinada língua funcional, típica de uma determinada região, comum às pessoas de uma determinada classe social, numa determinada situação de fala. É claro que esse mesmo falante está capacitado a entender mais de uma variedade de sua língua histórica uma vez que reconhece que existem outros falantes que utilizam a língua de forma diferente. Se, como nos alerta Coseriu (1980 115), a língua histórica não corresponde, por “excessiva”, ao saber linguístico dos falantes, a língua funcional não corresponde a esse saber linguístico por ser “restrita”, uma vez que todo falante conhece, pelo menos até certo ponto, mais de uma língua funcional. Em outras palavras, todo falante é plurilíngue em sua própria língua. Assim, nas aulas de língua materna, a variedade linguística deve ser aproveitada, levando-se o aluno a empregar uma ou outra modalidade de acordo com diferentes situações contextuais e interlocutivas. O conceito de língua funcional tem implicações profundas no ensino visto que há, quase sempre, uma distância bem grande entre Artigos a variedade linguística que o aluno traz para a escola e a língua funcional que a tradição elegeu. Embora as diversas línguas funcionais sirvam à comunicação de seus usuários nas variadas situações de interlocução, há, em toda comunidade, acima das diferenças regionais, sociais e individuais, uma língua comum idealizada pelos falantes, utilizada como veículo maior da cultura, isto é, uma língua padrão. Essa língua padrão ou exemplar não é nem mais correta nem melhor que as demais variedades posto que todas têm, linguisticamente, correta realização e igual valor: realizam as possibilidades do sistema, permitem o conhecimento do mundo pelo indivíduo e a intercomunicação social. No entanto, ela é, segundo Coseriu (1990), socialmente superior às outras línguas funcionais. Em primeiro lugar, por sua função – representa a comunidade inteira, é uma espécie de língua comum e principal veículo da cultura -; em segundo lugar, pelo seu prestígio que decorre de ser ela a variedade preferencial das camadas privilegiadas da sociedade; por fim, por sua elaboração secundária visto ser o resultado do trabalho de escritores, cientistas e estudiosos da língua. Por isso, embora o ensino de língua materna deva levar o aluno ao domínio das diferentes modalidades de uso, não pode o professor esquecer que o contato com a variedade padrão, isto é, com a variante de prestígio usada em situações formais, amplia a competência comunicativa, e que é função da escola, que se quer democrática, possibilitar ao aluno o acesso aos bens da cultura institucionalizada, veiculados nessa modalidade de língua. Por tudo o que a língua padrão representa e pelo que o seu domínio possibilita àqueles que dela fazem uso, o ensino de língua materna deve objetivar, não só a pluralidade linguística 71 UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta Artigos Revista Semioses | Rio de Janeiro | Vol. 01 | N. 05 | Agosto de 2009 | Semestral como também o domínio pelo aluno da norma de prestígio por ser ela um dos instrumentos de superação das desigualdades sociais. uma norma culta atualizada, fundada nos usos linguísticos dos falantes escolarizados em situações de maior formalidade. O importante no trabalho pedagógico é não considerar a norma padrão como a única correta, mas como a que permite ao aluno exercitar, de forma mais completa, os seus direitos e deveres de cidadão. 4. POR UM ENSINO PRODUTIVO DA LÍNGUA MATERNA Soares (1987, p.74-79), ao defender uma escola transformadora cuja principal função é a de proporcionar às camadas populares, através de um ensino eficiente, a aquisição de conhecimentos e habilidades que as instrumentalizem para a participação cultural e política, alerta-nos para a necessidade de, no ensino da língua, ao lado do respeito à variedade linguística, incentivar-se o domínio do dialeto-padrão, “não para que ele substitua o seu dialeto de classe, mas para que se acrescente a ele, como mais um instrumento de comunicação.” Nessa perspectiva, ter o domínio da língua quer dizer interagir nas situações comunicativas, procedendo a escolhas apropriadas às diversas circunstâncias sociais. Em vista disso, pode o usuário, conscientizando-se da coexistência na língua de uma pluralidade de usos, utilizar-se não só da modalidade falada coloquial, mais restrita e adequada a seu ambiente familiar e social, mas também ir, aos poucos, incorporando ao seu saber linguístico a língua padrão de que necessita para compreender um texto didático ou científico, buscar informações em jornais e revistas, realizar uma pesquisa escolar, enfim, participar de forma mais abrangente da vida social e cultural da comunidade. Para que isso ocorra, entretanto, é necessário que o ensino da língua padrão reflita não uma norma anacrônica e discriminatória, presa a um purismo histórico-literário, mas 72 UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta Toda língua funcional tem a sua gramática como reflexo de uma técnica linguística que o falante domina e que lhe serve de intercomunicação na comunidade a que pertence ou em que se acha inserido. Segundo Coseriu (1987, p.130), a gramática pode ser entendida como técnica de falar, numa língua determinada – língua funcional -, e como a descrição dessa técnica, isto é, como metalinguagem. No primeiro sentido, deve ser entendida como técnica livre, como a própria estrutura do sistema linguístico. Qualquer falante, portanto, ao produzir um ato de comunicação verbal, domina e utiliza a gramática, isto é, a gramática implícita em cada ato de fala. No segundo sentido, a gramática é a descrição e a investigação dessa técnica. Na condução do trabalho pedagógico, precisam ser considerados esses dois sentidos. A gramática implícita dominada pelo aluno deve ser observada, valorizada e considerada como ponto de partida para a aprendizagem; já o ensino da gramática, enquanto descrição e investigação, deve-se caracterizar pelo conhecimento das possibilidades do sistema como forma de ampliar os recursos linguísticos do aluno e, consequentemente, sua capacidade de comunicação e expressão verbal. Assim, o ensino da gramática deixa de ser um conjunto de regras prescritivas ou normativas para transformar-se em uma explicitação das regras de uso da língua em situações significativas. O conhecimento pelo aluno da nomenclatura gramatical torna-se um meio em relação à aprendizagem da gramática, a qual, Revista Semioses | Rio de Janeiro | Vol. 01 | N. 05 | Agosto de 2009 | Semestral por sua vez, é também um meio em relação ao domínio da língua. Deve-se ensinar da gramática somente o que contribua para aumentar a eficiência linguística do falante/aluno e, da nomenclatura gramatical, apenas os termos necessários a essa gramática. Em outras palavras, só vai ser necessário ensinar descrição gramatical quando esta servir para o aperfeiçoamento do falar e do escrever, isto é, quando ajudar o ensino produtivo. Sob esta ótica, ensinar gramática descritiva é trabalhar com os fatos da língua a partir da produção efetiva do aluno. Comparar ou propor, por exemplo, diversas possibilidades de construção linguística, observar as condições de uso de uma ou outra forma, fazer a escolha adequada à finalidade comunicativa. O trabalho do professor de língua materna constitui-se em ampliar os recursos expressivos do aluno, colocando-o em contato com as formas que coloquialmente não usa para que, a longo prazo, ele saiba usá-las em situações formais, falando ou escrevendo. Uchôa ( 2007, p. 42), ao discutir o papel da gramática-objeto no ensino, afirma: O caminho a seguir, dentro de uma orientação linguístico-pedagógica mais pertinente, é de levar os alunos a refletir sobre o já sabido (dominado), para aprender, em seguida, valendo-se, sempre que possível, da gramática constrativa entre as duas variedades ( a popular e a culta), regras que não sabem, ou que ainda dominam precariamente, até a utilizarem estas conscientemente, em situações próprias, com a ampliação da gramática internalizada com que chegaram à escola. Sobre essa tarefa de a escola possibilitar Artigos ao aluno o contato com outras variedades de língua, mormente com a variedade padrão, comenta Possenti (1999, p.83): (...) o papel da escola não é o de ensinar uma variedade no lugar de outra, mas de criar condições para que os alunos aprendam também as variedades que não conhecem, ou com as quais não têm familiaridade, aí incluída claro, a que é peculiar de uma cultura mais “elaborada”. É um direito elementar do aluno ter acesso aos bens culturais da sociedade, e é bom não esquecer que para muitos esse acesso só é possível através do que lhes for ensinado nos poucos anos de escola. Como esclarece, com muita propriedade, Marques (1984, p.40-41), trabalhar com as variedades da língua não é tratar de conceitos, não é fixar-se no domínio teórico do conhecimento, mas fazer o aluno perceber os diversos fatores que interferem no uso linguístico, “fazê-lo ir observando e aprendendo, a partir de textos – da leitura e produção de textos – de diferentes tipos, a variação e a adequação da linguagem às diversas circunstâncias e finalidades de uso.” Assim, à medida que desenvolva hábitos lingüísticos para a prática de textos orais e escritos, deve ir aprendendo a variar os recursos expressivos com que fala e escreve e, como quer Franchi (2006, p.97), “operar sobre a sua própria linguagem, praticando a diversidade dos fatos gramaticais”. Nessas atividades, chamadas por Franchi (2006) de epilinguísticas, os alunos refletem sobre a linguagem com o objetivo de usar os recursos expressivos em função do evento lingüístico em que estejam engajados. Essa proposta levará o aluno a um saber consciente a respeito da língua, ao domínio de certas estruturas que, como falante, ele ainda não conhece. Assim, no lugar de exercícios artificiais 73 UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta Artigos de metalinguagem, deve o professor propor um trabalho com as estruturas da língua, a partir da própria língua, do texto ou, como sugere Geraldi (1995), “desenvolver uma prática centrada no tripé “produção de textos, leitura de textos e análise lingüística”. Nessa perspectiva, o ensino de língua materna, sobretudo de gramática, deixa de ser a transmissão de conteúdos prontos, de nomenclatura para tornar-se produção de conhecimento, desenvolvimento de habilidades, educação linguística. Também o papel do professor se altera, visto que deixa de ser o de detentor/transmissor de um saber para transformar-se em interlocutor de seus alunos nas reflexões sobre a linguagem (GERALDI, 1995). O ensino da gramática, associado ao texto lido ou produzido, afasta-se das digressões teóricas para ater-se aos usos linguísticos, aos aspectos semânticos, ao domínio do vocabulário, às construções sintáticas possíveis e aos recursos expressivos do sistema. Para que isso ocorra, é preciso que as atividades desenvolvidas nas aulas de Língua Portuguesa – leitura, produção textual e gramática – estejam relacionadas e objetivem o domínio, pelo aluno, das estruturas lingüísticas e de seus significados. É certo que, para o desenvolvimento de uma proposta de ensino produtivo de língua materna, necessita o professor de uma fundamentação teórica consistente que o leve a refletir não só sobre o seu objeto de ensino, mas também sobre os objetivos e meios para alcançá-los. 5.CONSIDERAÇÕES FINAIS Procurarei demonstrar, no percurso deste estudo, que o ensino de gramática, embora 74 UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta Revista Semioses | Rio de Janeiro | Vol. 01 | N. 05 | Agosto de 2009 | Semestral presente de forma significativa nas aulas de Língua Portuguesa, não tem servido para que o objetivo fundamental da disciplina seja alcançado. Ou seja: a valorização excessiva da teoria gramatical, da nomenclatura e das regras normativas, não tem contribuído para que o aluno se comunique de modo eficiente nas diversas situações interlocutivas que a vida lhe impõe. As atividades, dissociadas, completamente, da prática da leitura e da escrita, comprovam que o ensino tradicional, confundindo-se com a apresentação formal da teoria gramatical- fragmentada quase sempre- e privilegiando a metalinguagem, não tem possibilitado ao aluno uma reflexão sobre a língua em funcionamento, que o habilite a utilizá-la adequadamente Assim, num ensino que tenha como meta o desenvolvimento da competência discursiva, deve o professor, respeitando a variedade lingüística, gradativamente, através do contato com diferentes tipos de textos, levar o aluno à observação do uso variado das palavras e dos instrumentos gramaticais na língua escrita padrão para que este possa utilizá-la em situações comunicativas de maior formalidade. O domínio desta variedade será conseqüência de um processo paulatino de desenvolvimento de habilidades e da vivência de situações a ela relacionadas. Para que se atinja essa meta, torna-se indispensável que se priorizem as atividades de leitura e produção de textos, relacionando-se a eficiência discursiva à escolha consciente dos elementos de que a língua dispõe e à adequação a diferentes circunstâncias de comunicação. O estudo da gramática ou a explicitação de suas regras aparecerá, então, não apenas como o conhecimento de uma metalinguagem, mas como a fixação de um saber consciente sobre a língua, de um saber já dominado pelo aluno, decorrente de sua capacidade de comunicação verbal. Revista Semioses | Rio de Janeiro | Vol. 01 | N. 05 | Agosto de 2009 | Semestral Artigos Sobre o autor: Doutora em Letras pela Universidade Federal Fluminense, professora adjunta do Centro Universitário Augusto Motta, coordenadora do Programa Multidisciplinar em Letras e professora da Universidade Estácio de Sá. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COSERIU, Eugenio.El español de América y la unidad del idioma. 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