O ÍNDICE BIG MAC PARA A ECONOMIA BRASILEIRA: EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS SOBRE A TAXA DE CÂMBIO DE EQUILÍBRIO Lucas Lautert Dezordi Com o intuito de discutir a lei do preço único, em 1986, a revista The Economist realizou uma ampla pesquisa sobre os preços dos hambúrgueres Big Mac comercializados em vários países. A ideia central consistia em comparar os preços de um produto homogêneo e com processo de produção similar entre os países envolvidos. Se vigorasse a Paridade do Poder de Compra (PPC), as distintas moedas estariam sendo negociadas a taxas de câmbio corretas. Mas, a realidade mostrou-se bastante diferente. Apesar das grandes distorções observadas no primeiro estudo, a revista tem atualizado periodicamente os dados sobre as taxas de câmbio e os preços em moeda doméstica e em dólares norte-americano do Big Mac, além do cálculo da taxa de câmbio de equilíbrio de longo prazo. Este artigo tem como objetivo discutir, de forma breve, se o índice Big Mac é um indicador adequado para a avaliação do desempenho das variáveis externas e internas da economia brasileira ao longo do tempo. Como ponto de partida, é necessária a descrição do comportamento dos preços dos hambúrgueres no Brasil e nos Estados Unidos (referência) entre os anos de 2000 a 2010, expresso na tabela 1. TABELA 01 – O ÍNDICE BIG MAC PARA A ECONOMIA BRASILEIRA – 2000-2010 Big Mac Negociado nos EUA em US$ Taxa de Câmbio Atual R$/US$ Nominal Taxa de Câmbio de Equilíbrio de LP Implícita pelo PPC Taxa de Câmbio Real Observada em Índice (100 = PPC) $1,65 $2,51 1,790 1,175 152,302 $1,64 $2,54 2,190 1,417 154,517 R$ 3,60 $1,55 $2,49 2,340 1,446 161,850 2003 R$ 4,55 $1,44 $2,71 3,070 1,680 182,716 2004 R$ 5,39 $1,70 $2,90 3,173 1,860 170,588 2005 R$ 5,91 $2,39 $3,06 2,471 1,930 128,033 2006 R$ 6,40 $2,78 $3,10 2,300 2,065 111,406 2007 R$ 6,40 $3,01 $3,22 2,130 1,988 107,166 2008 R$ 7,50 $4,73 $3,57 1,580 2,101 75,208 2009 R$ 8,03 $4,02 $3,57 2,000 2,249 88,917 2010 R$ 8,71 $4,91 $3,73 1,770 2,335 75,799 Ano No Brasil Em R$ no Brasil em US$ 2000 R$ 2,95 2001 R$ 3,60 2002 FONTE: “Big Mac currencies”, The Economist e Banco Central do Brasil 1 Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.4, n. 3, maio 2011 | TABELA 01 – O ÍNDICE BIG MAC PARA A ECONOMIA BRASILEIRA – 2000-2010 (continuação) Ano Saldo em Transações Correntes do BP Em bilhões de US$ Impacto sobre o Saldo em Transações Correntes do BP Pressão sobre o nível de preços doméstico 2000 $-24,22 Aumento Aumento 2001 $-23,21 Aumento Aumento 2002 $-7,64 Aumento Aumento 2003 $4,18 Aumento Aumento 2004 $11,68 Aumento Aumento 2005 $13,98 Aumento Aumento 2006 $13,64 Aumento Aumento 2007 $1,55 Estabilidade Estabilidade 2008 $-28,19 Diminuição Diminuição 2009 $-24,30 Diminuição Diminuição 2010 $-47,52 Diminuição Diminuição FONTE: “Big Mac currencies”, The Economist e Banco Central do Brasil Por exemplo, em 2000, o Big Mac era negociado por R$ 2,95 no Brasil e US$ 2,51 nos EUA. Como a taxa de câmbio no Brasil estava em R$1,79, o produto era vendido por apenas US$ 1,65 no país. Como o preço externo estava 52,30% mais caro, era mais vantajoso comprá-lo no Brasil e revendê-lo nos EUA. Se a lei do preço único vigorasse, então a taxa de câmbio de equilíbrio de longo prazo deveria ser, em 2000, de R$ 1,175 e não de R$ 1,790. Sob essas condições, pode-se argumentar que a taxa de câmbio estava subvalorizada e, com isso, as exportações do Brasil para os EUA tenderiam a aumentar. Como consequência, a balança comercial e o saldo em transações correntes deveriam melhorar e, com a diminuição da disponibilidade do produto no Brasil, seu preço doméstico também deveria aumentar. Foi isso que ocorreu entre os anos de 2000 e 2007. O Big Mac subiu de R$ 2,95 para R$ 6,40, representando aumento de 116,95%. Curiosidade ou não, entre janeiro de 2000 a dezembro de 2007, o IGP-M registrou inflação acumulada de 110,40%. O saldo em transações correntes passou de um déficit de US$ 24,22 bilhões, em 2000, para um superávit em US$ 13,64 bilhões em 2005 e um equilíbrio (pequeno superávit) em 2007. Neste ano, o preço do produto negociado nos EUA e no Brasil em dólares era praticamente o mesmo, com diferença de apenas 7,17%. Entretanto, entre 2008 e 2010, a taxa de câmbio observada na economia brasileira ficou sobrevalorizada e o Big Mac em dólares tornou-se mais caro. Neste caso, é mais vantajoso comprar o produto no exterior e vendê-lo no Brasil. Como consequência, o saldo em transações correntes da economia brasileira deveria piorar e o nível de preços cair. Mas por que o preço doméstico no Brasil não está caindo? Como a deterioração do saldo em transações correntes está sendo muito rápida e o preço do hambúrguer aumentou, em três anos, de R$ 7,50 para R$ 8,71 (16,13%), é possível afirmar que, nesse período, a demanda doméstica pressionou os preços para cima. De fato, a inflação doméstica está subindo no corrente ano e alguns analistas e bancos já projetam um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acima do teto da meta de 6,5% para dezembro de 2011. 2 Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.4, n. 3, maio 2011 | Fazendo um simples exercício para determinar o preço justo do Big Mac no Brasil, com base no preço americano de US$ 3,73 e uma taxa de câmbio de R$ 1,60, chegar-se-ia a não mais do que R$ 6,00. A promoção com esse preço durou pouco, pois o hambúrguer já está valendo R$ 6,90 e a taxa de câmbio está caindo. GRÁFICO 01 – SALDO EM TRANSAÇÕES CORRENTES, BRASIL: 2000 a 2010 $11,68 $13,98 $13,64 $4,18 $1,55 $‐7,64 $‐23,21 $‐24,30 $‐24,22 $‐28,19 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 $‐47,52 2010 FONTE: Banco Central do Brasil O gráfico 1 indica, de maneira clara, que, nos últimos onze anos, ocorreram dois períodos distintos para o setor externo brasileiro. O primeiro, entre 2000 e 2006, com taxa de câmbio observada maior que a de equilíbrio de longo prazo; e, o segundo, entre 2007 e 2010, com taxa de câmbio observada abaixo do câmbio baseado na PPC. Quais fatores explicariam essas discrepâncias? A resposta está na conta financeira. Entre 2000 e 2006, o pessimismo em relação à economia brasileira limitou a entrada de capitais externos, principalmente nos anos de 2002 e 2003. Neste sentido, a taxa de câmbio observada ficou mais desvalorizada e as exportações mais competitivas. Após 2007, a política monetária norte-americana expansionista e o maior otimismo quanto ao futuro da economia brasileira provocaram a valorização da taxa de câmbio, prejudicando as exportações. Com isso, pode-se argumentar que com a taxa de inflação da economia brasileira crescendo mais que a dos EUA no longo prazo, de acordo com a PPC, a taxa de câmbio irá se depreciar. Infelizmente, a economia brasileira não tem condições de manter um forte ritmo de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) real sem gerar pressões inflacionárias ou movimentos indesejáveis na taxa de câmbio. Se o País não combater a taxa de inflação elevada com diminuição expressiva no ritmo de crescimento econômico, certamente viverá uma crise cambial. 3 Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.4, n. 3, maio 2011 |