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DIVERSIDADE-ÉTNICO-RACIAL-E-GÊNERO

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E GÊNERO
GUARULHOS – SP
SUMÁRIO
1
CONTEXTO E DEFINIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS .............................................................. 3
2
NORMAS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS.............................................................. 5
3
TRATADOS ..................................................................................................................................... 6
4
COSTUME ....................................................................................................................................... 7
5
DECLARAÇÕES, RESOLUÇÕES, ATOS NORMATIVOS, LEIS ADOTADAS PELOS ÓRGÃOS
DAS NAÇÕES UNIDAS .......................................................................................................................... 7
6
PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DOS DIREITOS HUMANOS........................................................ 8
6.1
O Iluminismo............................................................................................................................ 9
6.2
Revolução Francesa................................................................................................................ 9
6.3
O término da Segunda Guerra Mundial e o reconhecimento da necessidade de “olhar” para a
consolidação dos direitos humanos. ................................................................................................. 10
7
PARA A FORMAÇÃO E RECONHECIMENTO DAS LIBERDADES ............................................ 11
8
ORIGEM DOS DIREITOS HUMANOS .......................................................................................... 15
9
AS DECLARAÇÕES DE DIREITOS.............................................................................................. 17
10
ARTIGOS DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS: .................................. 18
11
A ORIGEM E FORMAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS INDIVIDUAIS NO BRASIL ........ 24
11.1
A Origem do Conceito de Cidadania e sua Importância para a Advento dos Estados Modernos
26
12
A INEXISTÊNCIA DE REVOLUÇÕES BURGUESAS NO BRASIL E SUAS CONSEQUÊNCIAS 28
13
MOVIMENTOS SOCIAIS E CIDADANIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO ............................... 33
14
SOCIEDADES MULTICULTURAIS ............................................................................................... 34
14.1
15
Cenário Pós-Colonial............................................................................................................. 36
CONCEITOS DE CULTURA, IDENTIDADE E DIFERENÇA ........................................................ 38
15.1
Identidade Cultural ................................................................................................................ 40
15.2
Igualdade e Diferença ........................................................................................................... 43
15.3
Universalismo e Relativismo ................................................................................................. 44
16
QUESTÕES E TENSÕES NO COTIDIANO: GÊNERO, RAÇA, ORIENTAÇÃO SEXUAL E
RELIGIÃO.............................................................................................................................................. 48
17
ETNOCENTRISMO, ESTEREÓTIPO E PRECONCEITO ............................................................ 51
18
DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E DEMOCRACIA ................................................................ 61
2
19
CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E SUA RELAÇÃO COM O ESPAÇO ESCOLAR
64
20
CONCEITOS DE GÊNERO, ETNIA E RAÇA: REFLEXÕES SOBRE A DIVERSIDADE CULTURAL
NA EDUCAÇÃO ESCOLAR .................................................................................................................. 69
21
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 74
3
1. CONTEXTO E DEFINIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Fonte:significados.com.br
Os direitos humanos são comumente compreendidos como aqueles direitos
inerentes ao ser humano. O conceito de Direitos Humanos reconhece que cada ser
humano pode desfrutar de seus direitos humanos sem distinção de raça, cor, sexo,
língua, religião, opinião política ou de outro tipo, origem social ou nacional ou condição
de nascimento ou riqueza.
Os direitos humanos são garantidos legalmente pela lei de direitos humanos,
protegendo indivíduos e grupos contra ações que interferem nas liberdades
fundamentais e na dignidade humana.
Estão expressos em tratados, no direito internacional consuetudinário,
conjuntos de princípios e outras modalidades do Direito. A legislação de direitos
humanos obriga os Estados a agir de uma determinada maneira e proíbe os Estados
de se envolverem em atividades específicas. No entanto, a legislação não estabelece
os direitos humanos. Os direitos humanos são direitos inerentes a cada pessoa
simplesmente por ela ser um humano.
Tratados e outras modalidades do Direito costumam servir para proteger
formalmente os direitos de indivíduos ou grupos contra ações ou abandono dos
governos, que interferem no desfrute de seus direitos humanos.
Algumas das características mais importantes dos direitos humanos são:
4

Os direitos humanos são fundados sobre o respeito pela dignidade e o valor
de cada pessoa;

Os direitos humanos são universais, o que quer dizer que são aplicados de
forma igual e sem discriminação a todas as pessoas;

Os direitos humanos são inalienáveis, e ninguém pode ser privado de seus
direitos humanos; eles podem ser limitados em situações específicas. Por
exemplo, o direito à liberdade pode ser restringido se uma pessoa é
considerada culpada de um crime diante de um tribunal e com o devido
processo legal;

Os direitos humanos são indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes,
já que é insuficiente respeitar alguns direitos humanos e outros não. Na
prática, a violação de um direito vai afetar o respeito por muitos outros;
 Todos os direitos humanos devem, portanto, ser vistos como de igual
importância, sendo igualmente essencial respeitar a dignidade e o valor de
cada pessoa.
1
NORMAS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS
A expressão formal dos direitos humanos se dá através das normas
internacionais de direitos humanos. Uma série de tratados internacionais dos direitos
humanos e outros instrumentos surgiram a partir de 1945, conferindo uma forma legal
aos direitos humanos inerentes.
A criação das Nações Unidas viabilizou um fórum ideal para o desenvolvimento
e a adoção dos instrumentos internacionais de direitos humanos. Outros instrumentos
foram adotados a nível regional, refletindo as preocupações sobre os direitos
humanos particulares a cada região.
A maioria dos países também adotou constituições e outras leis que protegem
formalmente os direitos humanos básicos. Muitas vezes, a linguagem utilizada pelos
Estados vem dos instrumentos internacionais de direitos humanos.
As normas internacionais de direitos humanos consistem, principalmente, de
tratados e costumes, bem como declarações, diretrizes e princípios, entre outros.
5
2
TRATADOS
Um tratado é um acordo entre os Estados, que se comprometem com regras
específicas. Tratados internacionais têm diferentes designações, como pactos, cartas,
protocolos, convenções e acordos. Um tratado é legalmente vinculativo para os
Estados que tenham consentido em se comprometer com as disposições do tratado –
em outras palavras, que são parte do tratado.
Um Estado pode fazer parte de um tratado através de uma ratificação, adesão
ou sucessão.
A ratificação é a expressão formal do consentimento de um Estado em se
comprometer com um tratado. Somente um Estado que tenha assinado o tratado
anteriormente – durante o período no qual o tratado esteve aberto a assinaturas –
pode ratificá-lo.
A ratificação consiste de dois atos processuais: a nível interno, requer a
aprovação pelo órgão constitucional apropriado – como o Parlamento, por exemplo.
A nível internacional, de acordo com as disposições do tratado em questão, o
instrumento de ratificação deve ser formalmente transmitido ao depositário, que pode
ser um Estado ou uma organização internacional como a ONU.
A adesão implica o consentimento de um Estado que não tenha assinado
anteriormente o instrumento. Estados ratificam tratados antes e depois de este ter
entrado em vigor. O mesmo se aplica à adesão.
Um Estado também pode fazer parte de um tratado por sucessão, que acontece
em virtude de uma disposição específica do tratado ou de uma declaração. A maior
parte dos tratados não são auto-executáveis. Em alguns Estados tratados são
superiores à legislação interna, enquanto em outros Estados tratados recebem status
constitucional e em outros apenas certas disposições de um tratado são incorporadas
à legislação interna.
Um Estado pode, ao ratificar um tratado, formular reservas a ele, indicando que,
embora consinta em se comprometer com a maior parte das disposições, não
concorda com se comprometer com certas disposições. No entanto, uma reserva não
pode derrotar o objeto e o propósito do tratado.
Além disso, mesmo que um Estado não faça parte de um tratado ou não tenha
formulado reservas, o Estado pode ainda estar comprometido com as disposições do
6
tratado que se tornaram direito internacional consuetudinário ou constituem normas
imperativas do direito internacional, como a proibição da tortura. Todos os tratados
das Nações Unidas estão reunidos em treaties.un.org.
3
COSTUME
O direito internacional consuetudinário – ou simplesmente “costume” – é o
termo usado para descrever uma prática geral e consistente seguida por Estados,
decorrente de um sentimento de obrigação legal.
Assim, por exemplo, enquanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos
não é, em si, um tratado vinculativo, algumas de suas disposições têm o caráter de
direito internacional consuetudinário.
4
DECLARAÇÕES, RESOLUÇÕES, ATOS NORMATIVOS, LEIS ADOTADAS
PELOS ÓRGÃOS DAS NAÇÕES UNIDAS
Normas gerais do direito internacional – princípios e práticas com os quais a
maior parte dos Estados concordaria – constam, muitas vezes, em declarações,
proclamações, regras, diretrizes, recomendações e princípios.
Apesar de não ter nenhum efeito legal sobre os Estados, elas representam um
consenso amplo por parte da comunidade internacional e, portanto, têm uma força
moral forte e inegável em termos na prática dos Estados, em relação a sua conduta
das relações internacionais.
O valor de tais instrumentos está no reconhecimento e na aceitação por um
grande número de Estados e, mesmo sem o efeito vinculativo legal, podem ser vistos
como uma declaração de princípios amplamente aceitos pela comunidade
internacional.
A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, por
exemplo, recebeu o apoio dos Estados Unidos em 2010, o último dos quatro Estadosmembros da ONU que se opuseram a ela.
Ao adotar a Declaração, os Estados se comprometeram a reconhecer os
direitos dos povos indígenas sob a lei internacional, com o direito de serem
respeitados como povos distintos e o direito de determinar seu próprio
7
desenvolvimento de acordo com sua cultura, prioridades e leis consuetudinárias
(costumes).
5
PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DOS DIREITOS HUMANOS
Não há dúvidas de que os direitos humanos são dotados de indeclinável e
inegável importância; eles são base de todos os ordenamentos jurídicos, requisito
indispensável para se qualificar, verdadeiramente, um Estado como Democrático.
Como já restou assentado pelo Supremo Tribunal Federal, em mais de uma
oportunidade, no Estado de Direito democrático “devem ser intransigentemente
respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos” [1].
Dessa ideia inicial extrai-se uma das justificativas para o desenvolvimento de
uma Teoria Geral dos Direitos Humanos. Um dos tópicos mais relevantes para
compreensão da Teoria é a leitura dos direitos dos homens partindo-se de diferentes
perspectivas históricas.
Dessa forma, almeja-se no presente artigo vislumbrar a historicidade dos
direitos partindo-se de pontos não iguais, embora conectados. Tais perspectivas são:
os marcos mais citados, os pensamentos mais significativos e os documentos mais
relevantes.
É importante sublinhar que aqui se campeia em terrenos de suma
imprescindibilidade dentro da supracitada Teoria Geral, cujo enfoque atende a uma
das principais características dos direitos humanos, qual seja: a sua historicidade.
Esta vem sempre acompanhada de tantas outras características citadas pela mais
vasta
doutrina
inalienabilidade,
(v.g.:
universalidade,
indisponibilidade,
essencialidade,
irrenunciabilidade,
inesgotabilidade,
inexauribilidade,
imprescritibilidade, efetividade, inviolabilidade, complementaridade, limitabilidade,
vedação ao retrocesso, indivisibilidade e inter-relacionaridade).
Adentra-se, então, no estudo da evolução histórica dos direitos humanos
partindo-se da perspectiva relacionada aos marcos mais citados.
Podem ser destacados três marcos históricos fundamentais, quais sejam: o
Iluminismo, a Revolução Francesa e o término da Segunda Guerra Mundial.
8
5.1
O Iluminismo
O Iluminismo (ou Era da Razão) configurou revolução intelectual que se
efetivou no continente europeu, particularmente na França, durante o século XVIII.
Esse movimento representou o auge das transformações culturais iniciadas no século
XIV pelo movimento renascentista, e colocou em destaque os valores da burguesia,
favorecendo o aumento dessa camada social.
O Iluminismo procurava uma explicação por meio da razão para todos os
acontecimentos; rompendo, assim, com as formas de pensar que até o momento eram
aceitas. Alguns princípios podem ser destacados como norteadores da sociedade à
época, quais sejam: a busca da felicidade; a garantia dos direitos, da liberdade
individual e da livre posse de bens pelo governo; a tolerância para a expressão de
ideias; e a igualdade perante a lei[5].
Entre os principais filósofos do movimento, podem ser citados: John Locke
(1632-1704);
Voltaire
(1694-1778);
Jean-Jacques
Rousseau
(1712-1778);
Montesquieu (1689-1755); Denis Diderot (1713-1784); e Jean Le Rond d´Alembert
(1717-1783).
Cabe, nessa altura, também fazer referência ao movimento do Humanismo. Tal
movimento exaltava o valor humano como meio e finalidade. O Humanismo difundiuse por toda a Europa e caracterizou o início da cultura moderna. Para o pensamento
humanista o valor fundamental de uma doutrina é o homem, seu sentimento, sua
originalidade e sua superioridade sobre os outros animais. O homem passa a ser visto
como um ser que pode construir seu próprio destino
5.2
Revolução Francesa
A Revolução Francesa foi um movimento político e social que questionava os
privilégios da nobreza e do clero, bem como o poder absoluto do monarca. Por volta
de 1789, a França enfrentava uma grave crise econômica, sendo que a maioria dos
trabalhadores rurais pagava excessiva carga tributária. Já a indústria funcionava de
forma muito artesanal e o comércio também enfrentava dificuldades.
Dentre as principais vitórias dos revoltosos franceses, está a proclamação da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, documento dos mais
indispensáveis para a evolução concreta dos direitos humanos. Ele assegura, dentre
9
outros direitos, a liberdade, a igualdade e a propriedade. A Declaração, inspirada em
ideias iluministas, serviu de base para a construção de diversas Constituições de
Estados Democráticos. A Revolução Francesa incentivou muitos outros movimentos
revolucionários nas décadas seguintes, marcando a luta pelo fim dos privilégios
sociais e pela promoção da dignidade humana.
O lema da Revolução Francesa era: liberdade, igualdade e fraternidade. Tais
ideias representam as três primeiras e clássicas gerações ou dimensões de direitos.
Nessa conjuntura, calha sublinhar a doutrina de Immanuel Kant, exposta em
suas obras Crítica da Razão Pura (1781), Crítica da Razão Prática (1788) e a Crítica
do Juízo (1790). Com arrimo em uma vertente racionalista, Kant definiu o Estado como
instrumento de produção das leis, representando os cidadãos, sendo a liberdade o
principal fundamento para se valorizar a dignidade humana.
5.3
O término da Segunda Guerra Mundial e o reconhecimento da necessidade
de “olhar” para a consolidação dos direitos humanos.
A Segunda Guerra Mundial foi o fato histórico impulsionador decisivo do
surgimento e da consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos.
O processo de internacionalização dos direitos humanos – que, por sua vez,
pressupõe a delimitação da soberania estatal – passa, assim, a ser uma importante
resposta na busca da reconstrução de um novo paradigma, diante do repúdio
internacional às atrocidades cometidas no holocausto. Todavia, não bastou apenas o
fim da Segunda Guerra Mundial para consolidar o surgimento do Direito Internacional
dos Direitos Humanos, sendo esta sua matriz histórica. Os direitos humanos passam
mesmo a ser importantes na agenda internacional com o advento da Carta das
Nações Unidas, em 1945, bem como com a promulgação da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, em 1948, pelas quais os direitos humanos passaram a ter
atenção central na pauta internacional.
O
processo
de
generalização
da
proteção
dos
direitos
humanos
desencadeouse no plano internacional a partir da adoção em 1948 das Declarações
Universal e Americana dos Direitos Humanos. Era preocupação corrente, na época, a
restauração do direito internacional em que viesse a ser reconhecida a capacidade
processual dos indivíduos e grupos sociais no plano internacional. Para isto
contribuíram de modo decisivo as duras lições legadas pelo holocausto da segunda
10
guerra mundial. A Segunda Guerra Mundial e todos os horrores nela praticados
atestaram o fracasso da humanidade (especialmente das nações ditas poderosas) em
promover e proteger os direitos humanos, mas, igualmente, fez surgir, embora
dolorosamente, as bases desse novo Direito, fundadas, principalmente e
essencialmente, nas urgentes e necessárias promoção e proteção da dignidade da
pessoa humana em âmbito universal. No capítulo a seguir, veremos a cronologia
histórica de alguns marcos importantes para a consolidação dos direitos humanos.
6
PARA A FORMAÇÃO E RECONHECIMENTO DAS LIBERDADES
Como outrora indiciado, a historicidade também pode ser representada pela
cronologia dos documentos importantes para a formação e reconhecimento das
liberdades.
Magna Carta
O primeiro documento majoritariamente referido pela doutrina quanto aos
direitos humanos é a Magna Carta, de 1215. Trata-se de um acordo entre reis e
barões revoltados. Ela direciona-se à proteção dos direitos dos ingleses, originários
da law of the land (lei da terra). Embora restrita aos ingleses, ela é o nascedouro dos
direitos, tendo influenciado inúmeros outros documentos. Seu principal desiderato é a
limitação do poder do rei. A judicialidade é um dos princípios do Estado de Direito.
Prevê, v.g., direito de ir e vir, propriedade privada e graduação da pena do delito.
Petition of Rights
Em 1628 adota-se a Petition of Rights. Ela reafirmou os direitos da Magna
Carta, dando ênfase à, v.g., propriedade e à proibição da detenção arbitrária.
Habeas Corpus Act
O Habeas Corpus Act data de 1679, remete ao habeas corpus, uma das mais
relevantes garantias aos direitos humanos já criadas na história da Humanidade. Este
documento foi fortemente influenciado pela Magna Carta e almejava, principalmente,
garantir o direito de ir e vir.
11
Bill of Rights
A Declaração de Direitos de 1689, ou Bill of Rights, submete a monarquia
inglesa à soberania popular. Ela limita a autoridade real. Ao rei não mais é permitido
suspender leis ou as descumprir, muito menos pode cobrar tributos sem o
consentimento do Parlamento. Assegura-se a supremacia do Parlamento. Neste
momento, são dados passos importantes para a definição da separação de poderes.
Rule of Law
Os quatro documentos citados (Magna Carta, Petition of Rights, Habeas
Corpus Act e Bill of Rights) exaltam a regra da Rule of Law, que dispõe sobre a
necessidade de todos se sujeitam ao Direito (Estado de Direito), inclusive os
detentores do poder.
Declaração de Virgínia
Uma noção mais clara de direitos individuais é instaurada com a Declaração de
Virgínia, de 1776, a qual abre caminho para a independência dos Estados Unidos. Ela
preceitua sobre o direito de igualdade, o poder emanado do povo, o direito à felicidade,
a separação de poderes, o direito geral ao sufrágio e o direito à propriedade. Em 04
de julho de 1776 há também a Declaração Americana da Independência.
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
No ano de 1789, aprova-se a, importante é já citada, Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, proclamada na França. É a mais famosa de todas as
Declarações. É curioso ressaltar que ela ainda está em vigor na França e integra o
bloco de constitucionalidade daquele país. Sua finalidade principal é proteger os
direitos dos homens contra os atos do governo. Seu objetivo imediato é instruir os
indivíduos de seus direitos fundamentais; possuindo, para tanto, interessante caráter
pedagógico. Como é uma Declaração, os direitos nela são apenas recordados, pois
preexistem a ela. A igualdade perante a lei é o elemento essencial da Declaração,
conforme seu art. 6º. O presente documento, decorrente da Revolução Francesa
(liberdade, igualdade e fraternidade), foi a base para a Declaração Universal dos
Direitos Humanos da ONU, de 1948.
Constituição Francesa
12
Outra fonte histórica dos direitos humanos é a Constituição Francesa, de
1848, fundamental para a futura consagração dos direitos econômicos e sociais
(segunda geração) nas Leis Fundamentais dos demais países.
Constituição do México
Mais recente, mas mesmo assim influenciadora, foi a Constituição do México,
de 1917. Ela constitucionalizou de forma expressa os direitos econômicos, sociais e
culturais[17] e exaltou a função social da propriedade. O seu art. 123 tratava de vários
assuntos inéditos em âmbito constitucional, tais como a limitação da jornada de
trabalho, a disciplina do trabalho de menores, bem como a limitação de horas diárias
para os menores, a limitação de horas de jornada de trabalho noturno, o descanso
semanal, o salário mínimo, a igualdade salarial, o direito de greve e outros institutos
inovadores que vieram proteger os hipossuficientes integrantes das relações de
trabalho.
Declaração Russa dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado
A Declaração Russa dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, de 1918,
merece destaque, já que visava, conforme seu Capítulo II, “principalmente a suprimir
toda exploração do homem pelo homem, a abolir completamente a divisão da
sociedade em classes, a esmagar implacavelmente todos os exploradores, a instalar
a organização socialista da sociedade e a fazer triunfar o socialismo em todos os
países (...)”.
Constituição alemã de Weimer
A Constituição alemã de Weimer, de 1919, surgiu como fruto da Primeira
Guerra Mundial. O Estado Democrático Social, cujos parâmetros já haviam sido
delineados pela Constituição mexicana de 1917, adquiriu com a Constituição alemã
uma melhor estruturação. E, tal como a Constituição do México, os direitos trabalhistas
e previdenciários ganharam o status de direitos fundamentais. Ela estabeleceu um
novo modelo constitucional para os direitos sociais e influenciou muitas outras, como
a Constituição brasileira de 1934.
Tratado de Versalles, Carta da ONU, e a Declaração Universal dos Direitos
Humanos
13
É possível, por fim, realçar outros documentos, como o Tratado de Versalles,
de 1919 (que criou a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho –
OIT), a Carta da ONU, de 1945, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de
1948.
As atrocidades resultantes da Primeira Grande Guerra (1914-1918) geraram
um sentimento de necessidade de pacificação mundial. Dessa forma, celebrou-se
o Tratado de Versailes, em 28 de junho de 1919. Em anexo a esse documento foi
aprovado o Pacto da Sociedade das Nações ou Liga das Nações.
Além da Liga das Nações foi criada a Organização Internacional do Trabalho,
em 1919, também pelo Tratado de Versailes, ou Tratado de Paz, resultado da
Conferência da Paz. Esse documento entrou em vigor em 10 de janeiro de 1920. A
disciplina da OIT constava, mais especificamente, na Parte XIII do Tratado.
Carta de São Francisco ou Carta da ONU
Em razão do fracasso da Sociedade das Nações em evitar a Segunda Grande
Guerra, celebrou-se a Carta de São Francisco ou Carta da ONU, de 1945. A atual
Organização das Nações Unidas veio substituir a combalida Liga.
Declaração Universal de 1948
Além da Carta da ONU merece referência a Declaração Universal de 1948.
Entretanto, aconselha-se sua compreensão dentro da noção de Carta Internacional
dos Direitos Humanos ou Declaração Internacional de Direitos (International Bill of
Rights)[19].
Carta Internacional dos Direitos Humanos
A Carta Internacional dos Direitos Humanos é constituída por três documentos,
os mais importantes do sistema global, de alcance generalizado, ou seja, integram o
sistema homogêneo[20] ou geral do sistema global da ONU.
Analisar a Carta internacional coincide com a análise de três grandes
instrumentos internacionais de salvaguarda aos direitos humanos em escala global:
a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948; o Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos, de 1966; e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, de 1966. Nessa tessitura, gize-se que o processo “universal dos
direitos humanos teve início com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de
14
1948, (...) afirmando serem os direitos humanos (...) universais, indivisíveis,
interdependentes, inter-relacionados e dotados de unidade (....)”, e se consolidou com
os dois Pactos de Nova York, ambos de 1966.
A despeito da perspectiva adotada (marcos, pensamentos ou documentos), o
estudo da evolução histórica dos direitos humanos conduz à conclusão de que eles
estão em constante processo de enriquecimento, haja vista que a “conquista e a
ampliação do rol de direitos é uma imperativa e constante necessidade mundana, sob
pena de a figura humana, com o passar do tempo, ser relegada a segundo plano; o
que é inconcebível”.
7
ORIGEM DOS DIREITOS HUMANOS
O movimento contemporâneo pelos direitos humanos teve origem na
reconstrução da sociedade ocidental ao final da segunda guerra mundial. Neste
sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, é um marco que veio
responder às atrocidades que aconteceram durante a segunda guerra mundial. Na
verdade, os direitos humanos não surgiram com a declaração universal dos direitos
humanos. Duas histórias podem ser contadas a respeito da sua origem.
A primeira história associa a ideia de direitos humanos a um certo consenso
cultural e religioso. De acordo com essa abordagem, há uma ética ou uma moral
comum a todas as culturas e religiões e que pode ser expressa em termos de direitos.
A segunda história considera os direitos humanos como o resultado de um
longo processo de evolução, que implica numa promessa de progresso e almeja a um
futuro feliz. Esta ideia de progresso inevitável da sociedade humana ganhou força com
o debate filosófico que precedeu e inspirou a Revolução Francesa e resultou na
primeira grande declaração de direitos.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi promulgada em 26 de
agosto de 1789, na França. Ela está intimamente relacionada com a Revolução
Francesa. Para se ter uma ideia da importância que os revolucionários atribuíam ao
tema dos direitos, basta constatar que os deputados passaram uma semana reunidos
na Assembleia Nacional francesa debatendo os artigos que compõem o texto da
declaração. Isso com o país ainda a ferro e a fogo após a tomada da Bastilha em 14
de julho daquele mesmo ano. Havia urgência em divulgar a declaração para legitimar
15
o governo que se iniciava com o afastamento do rei Luís XVI, que seria decapitado
quatro anos depois, em 21 de janeiro de 1793. Era preciso fundamentar o exercício
do poder, não mais na suposta ligação dos monarcas com Deus, mas em princípios
que justificassem e guiassem legisladores e governantes daquele momento em
diante. No dia 20 de agosto de 1789, a Assembleia Nacional francesa começou a
discutir os 24 artigos rascunhados por um grupo de quarenta deputados. Após seis
dias de debates intensos, os deputados haviam aprovado somente 17 artigos. Diante
das medidas urgentes a serem tomadas, no dia 27 de agosto de 1789 os deputados
decidiram encerrar a discussão e adotar os artigos já aprovados como a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão. Sem mencionar o rei, a nobreza ou o clero, a
declaração afirmava que “os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem são
a fundação de todo e qualquer governo”. Quem passa a deter a soberania é a nação,
e não o rei. Todos são proclamados iguais perante a lei, eliminando todos os
privilégios de nascimento. Termos como “homens”, “homem”, “todo homem”, “todos
os homens”, “todos os cidadãos”, “cada cidadão”, “sociedade”, e “todas as
sociedades”, asseguram a universalidade dos direitos afirmados naquele documento.
A reação à sua promulgação foi imediata, chamando a atenção da opinião pública nos
países vizinhos para a questão dos direitos. A reação do inglês Edmund Burke em
Reflections on the Revolution in France, de 1790, constitui inclusive o texto fundador
do conservadorismo.
A importância desse documento nos dias de hoje é ter sido a primeira
declaração de direitos e fonte de inspiração para outras que vieram posteriormente,
como a Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela ONU
(Organização das Nações Unidas), em 1948. Prova disso é a comparação dos
primeiros artigos de ambas:

O Artigo primeiro da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de
1789, diz: “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos.
As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum”.

O Artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948
proclama: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros
com espírito de fraternidade”.
16
Fonte: docplayer.com.br
Ambas as declarações de direitos acima mencionadas ecoam a fórmula solene
de Thomas Jefferson na Declaração de Independência de 1776:
“Tomamos estas verdades como auto evidentes, de que todos os homens
foram criados iguais, e que foram dotados pelo Criador de certos direitos
inalienáveis, dentre os quais estão a Vida, a Liberdade e a busca pela
Felicidade. ”
8
AS DECLARAÇÕES DE DIREITOS
As declarações de direitos se apresentam de maneira parecida: após um
preâmbulo que introduz a temática geral do texto, segue uma lista de artigos que
explicitam vários direitos. Faz-se necessário ressaltar, contudo, que uma declaração
de direitos é muito mais do que uma enumeração de direitos. O preâmbulo da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, revela a intenção dos
seus autores: eles “expõem”, “declaram”, “lembram”.
A Declaração é um ato de reconhecimento: não se trata de um ato criador. Os
direitos por ela enunciados existem, são inerentes à natureza humana. Seria, portanto,
absurdo pretender criá-los. Basta constatar a sua existência.
Este fato é importante porque estabelece a diferença clara entre as declarações
de direitos e os textos legais: uma lei pode ser revogada pela mesma autoridade que
a promulgou, enquanto que um direito não pode ser eliminado porque ninguém é
responsável pela sua criação.
O que podemos fazer é constatar a sua existência e reconhecê-los.
A
Declaração tem um caráter pedagógico: estes direitos foram esquecidos ou ignorados.
17
Faz-se necessário torná-los incontestáveis. Para este efeito, um simples enunciado
não basta, é preciso uma exposição que forneça explicações que convençam o leitor.
A Declaração propõe uma sistematização das relações entre o homem e a
sociedade. O seu caráter doutrinal, sua intenção pedagógica, contrasta com o
empirismo característico dos documentos mais recentes. Nesta declaração de direitos
constata-se a ausência de um caráter efetivador: os constituintes sabiam
perfeitamente que a constatação dos direitos humanos não basta para assegurar o
seu respeito. Depois de declará-los, é ainda preciso garantí-los. Trata-se, contudo, de
duas etapas distintas.
A Declaração indica os direitos que implicam numa garantia, mas a efetivação
dessa garantia incumbe à Constituição, de acordo com a fórmula do artigo 16 da
própria Declaração: “Toda sociedade na qual (…) a garantia dos direitos não é
assegurada não tem constituição.” Constata-se aqui que um certo paradoxo cerca a
ideia de direitos humanos tal qual explicitada pelas declarações de direitos.
Com efeito, se por um lado trata-se de uma ideia bastante utópica e sonhadora,
por outro lado, a efetivação dos direitos remete a várias questões práticas que têm
influência direta na nossa vida cotidiana. Além disso, como conciliar a ideia filosófica
de que os direitos humanos existem desde sempre, pois, estão inevitavelmente
associados à própria existência do ser humano, e a possibilidade de progresso das
condições e da consequente libertação do gênero humano da opressão e das
injustiças que os direitos humanos podem promover na medida em que passam a ser
reconhecidos? Este paradoxo explica porque os direitos humanos foram considerados
por muito tempo como um capricho de sonhadores incorrigíveis.
9
ARTIGOS DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS:
Artigo 1°
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.
Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito
de fraternidade.
Artigo 2°
18
Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades
proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça,
de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional
ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação.
Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político,
jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse
país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de
soberania.
Artigo 3°
Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo 4°
Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato
dos escravos, sob todas as formas, são proibidos.
Artigo 5° Ninguém será submetido à tortura nem a penas ou tratamentos
cruéis, desumanos ou degradantes.
Artigo 6°
Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da
sua personalidade jurídica.
Artigo 7°
Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da
lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a
presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Artigo 8°
Toda a pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais
competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela
Constituição ou pela lei.
Artigo 9°
19
Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo 10°
Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja
equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida
dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal
que contra ela seja deduzida.
Artigo 11°
1- Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a
sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em
que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.
2- Ninguém será condenado por ações ou omissões que, no momento da sua
prática, não constituíam ato delituoso à face do direito interno ou internacional. Do
mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no
momento em que o ato delituoso foi cometido.
Artigo 12°
Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família,
no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação.
Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei.
Artigo 13°
1- Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua
residência no interior de um Estado.
2- Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra,
incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país.
Artigo 14°
1- Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar
de asilo em outros países.
2- Este direito não pode, porém, ser invocado no caso de processo realmente
existente por crime de direito comum ou por atividades contrárias aos fins e aos
princípios das Nações Unidas.
20
Artigo 15°
1- Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade.
2- Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do
direito de mudar de nacionalidade.
Artigo 16°
1- A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de
constituir família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o
casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais.
2- O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos
futuros esposos.
3- A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à
proteção desta e do Estado.
Artigo 17°
1- Toda a pessoa, individual ou coletiva, tem direito à propriedade.
2- Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade.
Artigo 18°
Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de
religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim
em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.
Artigo 19°
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que
implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e
difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de
expressão.
Artigo 20°
1- Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas.
2- Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Artigo 21°
21
1- Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direção dos negócios públicos
do seu país, quer diretamente, quer por intermédio de representantes livremente
escolhidos.
2- Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às
funções públicas do seu país.
3- A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e
deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio
universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde
a liberdade de voto.
Artigo 22°
Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e
pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais
indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia
com a organização e os recursos de cada país.
Artigo 23°
1- Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a
condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2- Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho
igual.
3- Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que
lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e
completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social.
4- Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de
se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses.
Artigo 24°
Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente, a uma
limitação razoável da duração do trabalho e as férias periódicas pagas.
Artigo 25°
1- Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e
à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao
22
vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais
necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na
viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por
circunstâncias independentes da sua vontade.
2- A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais.
Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma proteção
social.
Artigo 26°
1- Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo
menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é
obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos
estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu
mérito.
2- A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao
reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos
raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas
para a manutenção da paz.
3- Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação
a dar aos filhos
Artigo 27°
1- Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da
comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios
que deste resultam.
2- Todos têm direito à proteção dos interesses morais e materiais ligados a
qualquer produção científica, literária ou artística da sua autoria.
Artigo 28°
Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional,
uma ordem capaz de tornar plenamente efetivos os direitos e as liberdades
enunciadas na presente Declaração.
23
Artigo 29°
1- O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é
possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade.
2- No exercício deste direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito
senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o
reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer
as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade
democrática.
3- Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos
contrariamente e aos fins e aos princípios das Nações Unidas.
Artigo 30°
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada de maneira
a envolver para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se entregar a
alguma atividade ou de praticar algum ato destinado a destruir os direitos e liberdades
aqui enunciados.
10 A ORIGEM E FORMAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS INDIVIDUAIS NO
BRASIL
No Brasil, o Estado nacional foi um projeto implantado pelas elites políticas,
desde o Brasil Reinado, passando pelo Brasil Imperial, até a instalação da República.
O povo brasileiro não teve participação direta nesse processo de formação do Estado
nacional. Assim, os direitos fundamentais, tal como aparecem pela primeira vez na
Constituição Imperial de 1824, foram outorgados pelas elites políticas e adquiriram
pouca efetividade.
Nesse contexto histórico, a cidadania foi privilégio de poucos e ainda hoje se
encontra em um processo de formação que se dá em decorrência dos movimentos
sociais e populares que fazem surgir os direitos fundamentais.
No Brasil, desde seu nascimento como Estado independente, foram os
movimentos sociais que deram sentido e efetividade aos direitos fundamentais e à
cidadania.
24
Verificou-se, em nosso processo histórico, uma inversão, pela qual os direitos
fundamentais criados nos textos constitucionais, doados de cima para baixo pelas
elites, nunca foram conhecidos pela população e adquiriram muito pouca efetividade.
Somente na atualidade os movimentos sociais geram e tornam efetivos alguns direitos
fundamentais existentes no País.
Essa inversão, aparentemente contrária a quase tudo o que se tem dito e
ensinado sobre direitos fundamentais da pessoa humana no Brasil, procura denunciar
a teoria individualista dos direitos humanos, a qual, sob a roupagem da subjetividade,
banalizou conquistas históricas da população brasileira, esvaziando os direitos
humanos em seu significado político e jurídico. Quando um povo não produz os
movimentos revolucionários ou perde a memória histórica de movimentos populares
que geraram direitos fundamentais, pode-se dizer que perdeu parte de sua soberania
e cidadania.
Quando os direitos fundamentais não decorrem de conquistas sociais e
populares, mas são concedidos em Cartas Constitucionais, num movimento vertical
de normatização que não conta com a efetiva participação popular no processo
legiferante, como ocorreu no Brasil, eles tornam-se meras ideologias, que banalizam
os significados dos direitos fundamentais e ocultam seu significado jurídico e político.
A possibilidade de tal reflexão só foi possível ao nos depararmos com a situação
histórica e atual dos direitos fundamentais da pessoa humana no Brasil. Trata-se de
se admitir uma dura realidade: a cidadania e os direitos fundamentais no Brasil jamais
alcançaram o sentido histórico, político e jurídico que representaram nos países
europeus ou nos Estados Unidos da América do Norte. E isso se deve, por um lado,
à habilidade de nossas elites políticas de protagonizar um processo civilizatório
patrimonialista e patriarcal e, por outro, à baixa adesão da população a movimentos
sociais, quase sempre derrotados e apagados ou desfigurados em sua importância
histórica e política.
Nos estados nacionais europeus ou mesmo nos Estados Unidos da América
do Norte, as revoluções burguesas foram decorrência do efetivo exercício da
cidadania e fizeram surgir declarações de direitos.
No Brasil, onde o projeto de Estado nacional foi criado artificialmente por uma
elite política imperial, não se verificou o efetivo exercício da cidadania em seus
primeiros séculos de existência. Dessa forma, não houve no País uma revolução
25
burguesa e os direitos fundamentais foram importados de constituições e declarações
de direitos de nações europeias ou norte-americana.
A ideia de cidadania possui uma origem muito antiga, mas que foi reconstruída
e aperfeiçoada em diferentes momentos da história da civilização ocidental, até tornarse um conceito fundamental na luta pela reconstrução dos Estados absolutistas em
Estados democráticos, nos séculos XVII e XVIII.
10.1 A Origem do Conceito de Cidadania e sua Importância para a Advento dos
Estados Modernos
A origem do conceito de cidadania é grega. Foi em Atenas, aproximadamente
no VIII século a.C., que surgiu no Mediterrâneo uma experiência singular: a ideia de
Polis, espécie de cidade autônoma, independente e soberana que era governada, em
última instância, por uma Assembleia de Cidadãos (politai). É verdade que essa
Assembleia de Cidadãos não contava com a participação de todos, mas apenas dos
homens livres e nascidos na própria Polis. Daí decorria que cidadão entre os gregos
antigos era o homem livre, senhor de si e que tinha direito de participar da Assembleia
de Cidadãos.
O direito de participar da politica, portanto, não era extensivo aos escravos,
mulheres e crianças, mas apenas aos homens livres que exerciam a prática do direito
de decidir sobre os destinos políticos, culturais e econômicos da Polis. A esse direito
de participar da politai e influenciar nos destinos políticos, culturais e econômicos da
cidade se podia compreender como cidadania na Polis grega antiga. Então, como foi
possível que uma invenção tão antiga como a cidadania, nascida na Grécia há mais
de 2.500 anos, chegasse até os dias atuais, adquirindo características próprias e
assumindo importância sine qua non para a vida dos Estados democráticos
modernos? Como esse instituto da cidadania foi fundamental para a construção dos
Estados nacionais e dos Estados modernos?
A resposta para a primeira questão deve ser encontrada na historicidade dos
movimentos sociais dos povos europeus, e que, mais tarde, estendeu-se por todo o
mundo ocidental. Ocorre que a experiência grega de cidadania, entre outras
descobertas do povo grego antigo, influenciou Roma.
Os romanos, depois de terem vivenciado experiências de reinados por um
longo período de sua história, fizeram de Roma uma cidade poderosa belicamente a
26
qual expandiu seus domínios para além de seu território peninsular. Contudo, ao
conquistarem a Grécia, os romanos foram por ela conquistados, porquanto, apesar de
seu grande poderio militar, sob o aspecto cultural, filosófico e político encontravam-se
muitos séculos de atraso em relação aos gregos.
Os romanos logo perceberam essa verdade e passaram a receber significativa
influência do mundo grego em sua vida cultural, política e filosófica. A elite romana
enviava os filhos para estudarem filosofia, oratória e retórica em Atenas. E não era só
isso: a arte da medicina, da arquitetura, da pedagogia, tudo era estudado em Atenas
ou contava com a participação de mestres gregos. Esse encontro da cultura grecoromana ficou conhecido como helenismo.
Roma tornou-se, sob vários aspectos, uma extensão do mundo grego antigo e,
em decorrência da expansão do Império, introduziu entre os povos europeus (então
denominados bárbaros) muitos de seus valores culturais, jurídicos e econômicos. O
cidadão romano possuía um status diferenciado dos demais povos conquistados.
Adquirir cidadania romana implicava em transitar livremente por todo o Império
Romano sem ser detido ou molestado. Esse processo histórico, como se sabe,
perdurou por vários séculos, até a queda de Roma, no século V d.C. e o início da
Idade Média.
Com o advento da Idade Média, a ideia de cidadania quase desapareceu,
porquanto, o fim do Império Romano significou também um período de fragmentação
política e cultural, propiciando o predomínio político gradual da Igreja Católica.
Nos períodos da alta à média Idade Média, as vilas e cidades europeias
formaram-se aos pés dos mosteiros e igrejas. A vida dos homens ilustres e letrados
formava-se sob a influência das ordens religiosas. Os destinos políticos das cidades
já não eram decididos pelas Assembleias dos Cidadãos, mas pela autoridade religiosa
e pelo poder secular, exercido por um príncipe ou rei coroado pelo Papa. Nesse
cenário, a ideia de cidadania foi substituída pela ideia de súdito, que representava o
homem livre submetido ao poder político do Rei. Contudo, a ideia de cidadania
ressurgiria por volta do século XIV com o Renascimento.
Como se sabe, este representou um retorno de muitos dos valores culturais,
jurídicos e filosóficos que eram próprios ao mundo greco-romano. A partir de então,
as cidades e vilas europeias deram início a um lento e gradual processo de
emancipação política em relação ao poder exercido pela Igreja Católica. Ora, esse
processo emancipatório das cidades e vilas europeias deu-se por meio dos
27
movimentos sociais, entre os quais um de grande importância foi a Reforma
Protestante, verificada no início de 1517 a partir das teses de Martinho Lutero. Para a
resposta à segunda indagação, isto é, de que forma esse instituto da cidadania foi
fundamental para a construção dos Estados nacionais e dos Estados modernos, é
preciso destacar a importância da Reforma Protestante e o modo pelo qual contribuiu
para muitos dos fundamentos do surgimento do Estado moderno.
Ocorre que a Reforma Protestante foi um marco histórico que inaugurou valores
éticos e políticos inovadores: o fim do domínio político da Igreja Católica; o surgimento
de liberdades políticas; liberdade de culto e de religião; liberdade de imprensa,
liberdade de pensamento e,principalmente, liberdade de cátedra nas universidades.
Evidentemente o fim do predomínio político da Igreja Católica foi conquista de uma
cidadania efetiva que propiciou um movimento social de grande importância. Lutero
jamais esteve só! Com ele a população alemã enfrentou o poder da Igreja Católica de
sua época e as reformas religiosas deram causa a muitas reformas políticas, as quais
influenciaram outros povos e Estados, como a Inglaterra e a França. Ora, nesse
momento histórico da civilização ocidental, a liberdade de cátedra nas universidades
foi fundamental para o surgimento de novas ideias jurídicas e políticas. Dentre elas,
talvez a mais importante tenha sido a que se propôs a reconstruir o conceito de
cidadania, o qual passou a ser discutido direta ou indiretamente em inúmeras obras
acadêmicas que se popularizaram entre os jovens e acadêmicos de então. Merece
ser mencionadas aquelas de autores iluministas, como Montesquieu, Locke,
Rousseau e Kant, entre outros, que influenciaram no surgimento das revoluções
burguesas e, consequentemente, no aparecimento dos Estados modernos fundados
na cidadania, na democracia constitucional e nos ideais de liberdade, igualdade e
fraternidade. As ideias jurídico-filosóficas que propiciaram a Revolução Americana e
a Revolução Francesa propagaram-se por todo o mundo e pelo novo mundo.
11 A INEXISTÊNCIA DE REVOLUÇÕES BURGUESAS NO BRASIL E SUAS
CONSEQUÊNCIAS
No Brasil não se verificou uma Revolução Burguesa nos moldes como se deu
na América do Norte ou na Europa. A primeira revolta com significado de natureza
semelhante às revoluções burguesas ocorridas na Europa foi a Inconfidência Mineira
(1790). Todos os demais movimentos sociais anteriores, como a Confederação dos
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Tamoios (1562), a formação do Quilombo de Palmares (1602), a Guerra dos Bárbaros
(1682), a Insurreição Pernambucana (1645), a Revolta do Maranhão (1684) ou mesmo
a Guerra dos Mascates (1710), não objetivavam a construção da cidadania e de um
Estado independente nos moldes dos movimentos sociais e revolucionários europeus
e norteamericanos.
A Inconfidência Mineira trouxe em sua base ideológica ideias semelhantes
àquelas divulgadas pelos filósofos iluministas e concretizadas pela Revolução
Francesa e pela Americana, mas seus líderes foram presos e deportados e as
iniciativas não foram vitoriosas. Não caberia aqui uma análise aprofundada das razões
que levaram à derrota dos insurgentes ou as teses sobre a ausência de uma classe
burguesa no Brasil de então. Os fatos significativos decorrentes do movimento
inconfidente foram a construção artificial dos primeiros valores inerentes à ideia de
cidadania moderna e de aspirações por um país independente, republicano, sem que
esse Estado fosse construído sobre fundamentos constitucionais democráticos.
Contudo, a Inconfidência Mineira foi um marco histórico significativo, pois a ela se
sucederam a Conjuração Baiana (1798) e a Revolução Pernambucana (1817). Esse
último movimento defendia a independência de Portugal e reuniu religiosos,
comerciantes e militares que conseguiram prender o governador e constituir o primeiro
governo republicano no Brasil. O movimento se estendeu à Paraíba, Rio Grande do
Norte e parte do Ceará, mas durou menos de três meses. Os revoltosos foram presos
e condenados à morte pelo fuzilamento.
Durante o Império, outros movimentos sociais ocorreram, mas todos saíram
derrotados e desmantelados e seus líderes fuzilados ou enforcados. O primeiro deles
ficou conhecido como a Confederação do Equador (1824) e verificou-se novamente
em Recife. Logo que os insurgentes conquistaram o poder estabeleceram um governo
republicano, que deveria inaugurar um Estado independente, democrático e
constitucional. Todavia, no dia 19 de setembro do mesmo ano, os revolucionários já
estavam derrotados e receberam penas diversas: fuzilamento, forca ou prisão
perpétua. A partir desse movimento, outros irromperam ao longo do período Imperial,
como a Cabanagem (1833) no Pará, a Revolução Farroupilha (1835) no Rio Grande
do Sul, a Sabinada (1837) na Bahia, a Balaiada (1838) no Maranhão e parte do Piauí
e Ceará, e a Revolução Praieira (1848) que se estendeu por vários estados brasileiros
e exigia voto livre e democrático, liberdade de imprensa e trabalho para todos.
Contudo, todos foram derrotados e poucos contribuíram para a formação de um
29
Estado nacional fundado em valores modernos de cidadania. Em vez disso, o que se
viu foi a construção de um Estado Imperial fundado uma economia escravista e uma
elite formada por bacharéis de tradição Coimbrã, que era o oposto dos ideais
revolucionários vitoriosos na França Bonapartista ou na América de George
Washington.
Proclamada a República, outros tantos movimentos sociais se instalaram no
Brasil, como a Revolta Armada de 1893 e a Revolução Federalista, ocorrida no mesmo
ano, no Rio Grande do Sul. Contudo, o movimento social mais radical e que abalou a
nascente República brasileira foi Canudos, no interior da Bahia, onde viviam, em 1896,
cerca de 20 mil pessoas sob o comando do beato Antônio Conselheiro. Ele iniciou-se
em novembro de 1896 e a derrota se deu em outubro de 1897. Foram necessárias
quatro expedições militares para sufocar 25 mil revoltosos. Canudos contribuiu para
denunciar a grande exclusão social existente no Nordeste brasileiro, mas foi
compreendido e classificado pelas elites brasileiras como um movimento messiânico,
comandado por um fanático religioso, sem qualquer fundamentação iluminista ou
revolucionária burguesa.
Outros movimentos sociais menores ocorreram durante os primeiros anos da
República Velha, como a Revolta da Vacina, de 1904 e a Revolta da Chibata, de 1910,
ambas ocorridas na cidade do Rio de Janeiro. Ainda, a Revolta de Juazeiro, de 1914,
em Juazeiro do Norte, interior do estado do Ceará, sob a liderança do padre Cícero,
em que sertanejos pegaram em armas para derrubar o interventor do Estado. O
governo cedeu, devolvendo o poder ao grupo político que antes controlava o Ceará.
A Guerra do Contestado, entre 1912 e 1916, na região dos estados do Paraná e Santa
Catarina, foi um movimento messiânico, com milhares de mortos. Todos esses
movimentos populares, derrotados e desmantelados, possuíam na verdade uma
natureza messiânica reacionária. Todos esses movimentos sociais verificados na
história colonial, imperial e republicana do Brasil não foram decisivos para a
construção da cidadania no Brasil. E não o foram porque não se fundavam em
pressupostos teóricos e revolucionários semelhantes àqueles que inauguraram os
estados burgueses modernos, como se deu na Inglaterra, com a Revolução Gloriosa;
na França, com a Revolução de 1789; ou nos Estados Unidos da América em sua
Revolução da Independência.
Assim sendo, as ideias e ideais de cidadania e de direitos fundamentais no
Brasil foram importados e transladados do continente europeu diretamente para a
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Constituição Imperial de 1824, que inaugurou um capítulo próprio para os Direitos e
Garantias Individuais, e que, no entanto, em outros capítulos de seu texto consolidava
um Estado monárquico, patrimonialista e escravagista.
Essa contradição inexorável contribuiu para que os direitos e garantias
individuais fossem compreendidos no ideário nacional como uma ideologia liberal sem
qualquer efeito concreto sobre a vida política e social do Brasil Imperial. O problema
maior foi que essa ideologia liberal prosseguiu na vida política do País e passou a
constar em todas as Constituições Republicanas, mesmo naquelas elaboradas sob
regimes políticos totalitários, como se deu com a Carta Constitucional de 1937 e a
Carta Constitucional de 1967, com a Emenda Constitucional de 1969.
A cidadania no Brasil, portanto, pode ser compreendida como um fenômeno de
formação recente decorrente de movimentos sociais e sindicais iniciados na primeira
década do século XX e que, sob lideranças anarquistas, exigiram jornadas de trabalho
de oito horas, descanso semanal remunerado, pagamento de horas extras e outras
conquistas trabalhistas que, posteriormente, seriam incorporadas na CLT. Além
desses movimentos sociais das classes trabalhadoras, ocorreram também levantes
militares nas três primeiras décadas do século XX, primeiro no Rio de Janeiro (1922)
e depois em São Paulo (1924). Foi o movimento tenentista, que exigia reformas
profundas no sistema político republicano. Parte desse movimento originou a famosa
Coluna Prestes, que até 1927 foi causa de revoltas por todo o País. Por onde passava,
ateava fogo em Cartórios de Registro de Imóveis para por fim à propriedade privada
injusta, e organizava triagens nos presídios para colocar em liberdade parte dos
detentos que eram considerados vítimas de um sistema capitalista desigual e
excludente.
Foram os movimentos sociais, em suas várias modalidades e categorias, que
propiciaram em outubro de 1930 a Revolução de 30. Para alguns historiadores e
cientistas políticos, foi a primeira Revolução Burguesa ocorrida no Brasil. Apenas dois
anos depois, no dia 9 de julho de 1932, as oligarquias cafeeiras do estado de São
Paulo se rebelaram contra a ditadura Vargas, organizando um movimento popular
conhecido como Revolução de 1932. Apesar da derrota,o movimento representou um
marco nas lutas pelos direitos fundamentais no Brasil e fez que o País construísse a
segunda Constituição Republicana, a Constituição de 1934.
Nas décadas de 1940 e 1950 o Brasil viu florescer seu período de ouro. Na
economia, nas artes, na música e nos esportes surgiu uma geração que construía
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uma sociedade justa e igualitária, procurando diminuir as desigualdades sociais
existentes nos segmentos de classes, intensificando a luta para extinguir o
analfabetismo, instituindo um salário mínimo que buscava concretizar a ideia de
direitos mínimos aos menos favorecidos.
O avanço dos movimentos sociais urbanos e o aparecimento das Ligas
Camponesas, no início da década de 1960 exerceram forte pressão política por
reformas de base na sociedade brasileira, como a exigência de reforma agrária,
erradicação do analfabetismo e fim da desigualdade entre homens e mulheres nas
relações trabalhistas, dentre outras reivindicações políticas. Como reação a esses
movimentos sociais crescentes, as elites políticas, em conjunto com a Igreja Católica,
organizaram o evento denominado “Marcha da família com Deus pela liberdade”, o
qual significou o sinal verde para que as forças militares levassem a termo um golpe
de Estado ocorrido no dia 1º de abril de 1964, fazendo com que o presidente João
Goulart abandonasse o poder e se exilou no Uruguai.
Após o golpe de Estado, os movimentos sociais foram proibidos e duramente
reprimidos, e as lideranças camponesas e sindicais perseguidas e presas. A Lei de
Segurança Nacional foi utilizada para prender as forças oposicionistas e as lideranças
dos movimentos sociais que se erguiam contra a ditadura militar. Milhares foram
assassinados e desaparecidos, mas os movimentos sociais nunca desapareceram
totalmente na luta pela redemocratização do País.
Na década de 1980, a sociedade civil brasileira reorganizou-se em seus
diversos segmentos e deu início a um processo de manifestações políticas que
exigiam o fim do governo militar e a redemocratização. Importante foram os papéis
desempenhados pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que, em suas reuniões
anuais, fazia publicar documento exigindo a normalização da vida política do País e
denunciando os abusos praticados pelo regime militar. De igual importância foram as
atuações da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) pela CNBB (Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil) e pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.
Por fim, em 1984 o governo militar viu-se amplamente derrotado nas eleições
gerais para governadores, deputados federais e senadores. Era o fim da ditadura
militar e o início da redemocratização do Estado brasileiro. Esse momento da história
brasileira foi marcado pela construção de uma nova Constituição Federal, a
Constituição de 1988, a mais democrática e representativa Carta Constitucional do
32
Estado brasileiro. Contudo, um dos efeitos nefastos do período de governo militar no
Brasil foi a desmobilização dos movimentos sociais existentes no Brasil.
12 MOVIMENTOS SOCIAIS E CIDADANIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Na semana de 21 a 24 de janeiro de 1984 ocorreu na cidade de Cascavel,
Paraná, o Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Sem Terra. O Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST), como ficou conhecido, surgia com objetivos bem
definidos: lutar pela terra, pela reforma agrária e pela construção de uma sociedade
justa e igualitária. Até dezembro de 2010 o MST contabilizava aproximadamente 350
mil famílias assentadas e 90 mil famílias acampadas em todo o Brasil. Além disso, o
MST já registra 108 cooperativas de trabalhadores e trabalhadoras sem-terra, 65
unidades agroindustriais e uma história de luta contra a fome e a mortalidade infantil.
Destaca-se também que cerca de 120 mil crianças e adolescentes frequentam
escolas construídas em terras que antes pertenciam a latifúndios improdutivos. O MST
tem contribuído para a questão da cidadania no Brasil lutando pela terra, pois, quanto
maior for o número de famílias assentadas, menor será o êxodo rural e o número de
famílias morando em favelas nas cidades. Ademais, ao combater o latifúndio e ao
assentar famílias sem-terra, o MST propicia o surgimento de cooperativas para
sustentar o trabalho dessas famílias e a escolaridade para crianças e adolescentes,
contribuindo para a questão dos direitos humanos e da cidadania no Brasil.
O MST é um movimento social que trabalha com populações excluídas,
procurando assentar famílias em propriedades rurais improdutivas, criando
cooperativas e propiciando trabalho para milhares de trabalhadores rurais.
Em 1997 surgiu no seio da sociedade brasileira o Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto (MTST) com o objetivo de garantir o direito à moradia e
construir uma cidade justa e igualitária. O movimento não visa somente àqueles que
não têm moradia, mas alcança também os desprovidos de condição humana digna e
que vivem em estado de miserabilidade. A falta de moradia é o principal fator contrário
a uma vida com dignidade.
Desde 1940 o problema da moradia tornou-se muito grave no Brasil, pois as
habitações dos grandes centros urbanos tornaram-se insuficientes para abrigar a
população expulsa do campo no processo de êxodo rural.
33
Historicamente o MTST iniciou suas atividades em 1997, quando 5.200 famílias
construíram casas em um terreno desapropriado na cidade de Campinas/SP. Esse
movimento foi considerado a maior ocupação em área urbana da América Latina,
conhecido como Parque Oziel.
Em 1998, o MTST passou a realizar ocupações nas cidades de Guarulhos,
Diadema, Itapevi e também no Nordeste e no Rio de Janeiro, e as ocupações
chegaram a representar a conquista de 10 mil casas populares.
Entre os anos de 2001 a 2003 a atuação estendeu-se a todo o Brasil. Em
Guarulhos/SP, próximo da Rodovia Presidente Dutra, houve a ocupação conhecida
como Anita Garibaldi, que teve a participação de 10 mil pessoas. Em Osasco/SP,
ocorreu a ocupação Carlos Lamarca, onde ficava o antigo Lar Consolador da Verdade;
e, em São Bernardo do Campo/SP foi feita a ocupação Santo Dias, localizada num
terreno de propriedade da Volkswagen, porém no dia 9 de agosto do mesmo ano a
Tropa de Choque da Polícia Militar invadiu o terreno e expulsou os ocupantes semteto. Atualmente, o MTST vem contribuindo para um dos mais importantes direitos
fundamentais: o direito à moradia que é condição sine qua non para a cidadania.
13 SOCIEDADES MULTICULTURAIS
O multiculturalismo é conhecido como um fenômeno que estabelece a
coexistência de várias culturas em um mesmo espaço territorial e nacional. Ele é muito
comum em nossa época, pois graças aos importantes avanços tecnológicos, ao
desenvolvimento das comunicações e da interligação de diferentes partes do mundo,
todas as sociedades podem receber informação sobre outras. Ao mesmo tempo, o
crescimento das migrações e a travessia legal das fronteiras colaboram com a mistura
de culturas e sociedades.
As relações entre esses ‘’grupos’’ podem ser de aceitação e tolerância ou de
conflito e rejeição. Isso vai depender da história da sociedade em questão, das
políticas públicas propostas pelo Estado e, principalmente, do modo específico como
a cultura dominante do território é imposta ou se impõe para todas as outras. A
convivência entre culturas diferentes não é uma questão nova, mas que se se
intensificou nos últimos anos devido a acontecimentos marcantes.
34
Não é possível entender o multiculturalismo fora do contexto do fenômeno da
globalização. O desenvolvimento acelerado dos meios de transporte e das tecnologias
de comunicação aproximaram diferentes regiões do mundo, criando redes industriais
e financeiras complexas e uma economia multinacional, interdependente e insubmissa
às fronteiras nacionais. Com o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos passam a
hegemonizar culturalmente todo o planeta. Seus produtos, filmes, músicas e formas
de ver as coisas se espalham globalmente gerando o que se chama de
“americanização” do mundo.
Frente a esse fenômeno de hegemonização dos padrões culturais globais, as
culturas tradicionais se fortaleceram, reagindo contra a massificação dos modos de
ser. Por outro lado, apesar da massificação, vemos que essas comunidades culturais
locais são capazes de se apropriar de partes da cultura americana, transformando-as
em uma algo novo e diferente do original. No Brasil, o funk e rap são um exemplo
claro dessa possibilidade.
Atualmente, o conceito de raça quando aplicado a humanidade causa inúmeras
polêmicas, porque a área biológica comprovou que as diferenças genéticas entre os
seres humanos são mínimas, por isso não se admite mais que a humanidade é
constituída por raças. No entanto na década de 1970, o Movimento Negro Unificado
e os teóricos que defendiam a causa, ressignificaram o conceito de raça como uma
construção social forjada nas tensas relações entre brancos, negros e indígenas.
Muitas vezes simulados como harmoniosos, não tinha relação com o conceito
biológico de raça cunhado no século XIX, e que hoje está superado. O termo raça
usado nesse contexto, segundo Petronilha Beatriz Silva (BRASIL, 2004), tem uma
conotação política e é utilizado com freqüência nas relações sociais brasileiras, para
informar como determinadas características físicas, como cor da pele, tipo de cabelo,
entre outras, influenciam, interferem e até mesmo determina o destino e o lugar social
dos sujeitos no interior da sociedade brasileira. O conceito de raça ao ser usado com
conotação política permite, por exemplo, aos negros valorizar a característica que
difere das outras populações e romper com as teorias raciais que foram formuladas
no século XIX e até hoje permeia o imaginário popular.
Outros processos importantes que influenciam no surgimento das sociedades
multiculturais, são as lutas pela independência que ocorrem nas colônias europeias
da segunda metade do século XX, especialmente na África e na Ásia.
35
13.1 Cenário Pós-Colonial
Fonte: cartacapital.com.br
O cenário pós-colonial gera um processo de resgate das culturas tradicionais
locais e, ao mesmo tempo, pela ligação histórica, desencadeia um movimento
migratório para os países colonizadores. Também os conflitos de ordem étnica,
religiosa e política, além das deficiências econômicas, são fatores que aumentam o
fluxo migratório. Incentivado por tudo isso e pelo próprio cenário criado pela
globalização, esse movimento migratório transforma de modo profundo as nações que
receberam os imigrantes, colocando em cheque a capacidade dos estados modernos
de gerirem sua nova configuração multicultural.
Alguns países democráticos têm buscado promover a aceitação e incorporação
de culturas diferentes em seus territórios, valorizando a possibilidade de se
constituírem enquanto nações pluriétnicas. No entanto, em outros países, a negação
de direitos sociais e a perseguição de minorias culturais são práticas oficiais. Muitas
vezes, ainda que exista uma política multiculturalista oficial, a perseguição é praticada
por pessoas comuns, inflamadas por um sentimento de nacionalismo e rejeição ao
outro. Os ataques violentos organizados por civis aos abrigos de refugiados de origem
árabe na Alemanha são um exemplo disso. O multiculturalismo emerge a partir das
reivindicações de minorias étnicas que sofrem de opressão histórica em seus
territórios, como os negros e as populações indígenas por todo continente americano,
incluindo o Brasil. O debate em torno desse tema é muito importante e traz à tona a
forma como lidamos, enquanto sociedade, com as diferenças étnicas, culturais e
religiosas que nos cercam.
De um modo genérico o multiculturalismo pode ser entendido como a gestão
de um fenômeno social assentado na refração das culturas postas em maior contato
a partir da segunda metade do século XX. O cerne político da questão está na luta por
36
mais justiça social. O ponto de inflexão é posto na democracia. Portanto, uma luta por
oportunidades, mais respeito à diferença e menos desigualdade. Enfim, é um
fenômeno adensado pela conquista dos direitos civis. Como resultado prático buscamse melhorias em termos legais, econômicos, políticos sociais e culturais para as
denominadas minorias.
O multiculturalismo configura-se como política de gestão da multiculturalidade
e/ou movimentos culturais demandados pela valorização da diferença como fator de
expressão de identidade(s). Este, enquanto movimento de ideias, resulta de um tipo
de consciência coletiva para a qual as orientações do agir humano se oporia a toda
forma de centrismos (SEMPRINI, 1999). Assim, esta política afronta as concepções
monoculturais das sociedades etnocêntricas.
Os Estados Unidos da América, Canadá, Austrália, Inglaterra, Espanha e
outros mais são exemplos de países onde as sociedades passaram a assumir
formalmente a multiculturalidade. Deste feito, tais países engendraram políticas
públicas como formas de gestão da pluralidade cultural. A América Latina, e nesta o
Brasil, também se pôs diante da necessidade de valorizar a diversidade cultural
(UNESCO, 2002). Valorização está situada na legislação e na formatação de políticas
públicas específicas.
Coroando esta política pública encontram-se programas antirracistas. Um lado
prático destes consiste em levar professores/as e alunos/as a intervir em casos de
“constrangimento racial e cultural”. A dimensão pedagógica do programa tem como
finalidade a identificação das práticas racistas sistêmicas implicadas na definição de
políticas e práticas de imigração, moradia, emprego e educação.
No Brasil é disputado o reconhecimento da diferença através de políticas
compensatórias (índios, negros, pessoas com alguma deficiência, mulheres, jovens,
idosos, gays, etc.). Não obstante, este reconhecimento é marcado por contradições
próprias da formação política e cultural expressa em desigualdades sociais.
O Estado brasileiro assumiu a multiculturalidade como um condicionante da
estruturação social. Por isso, pôs no corpo da Lei Maior (Brasil, 1988) este feito cultural
como marca da formação social do país. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDBEN, Lei 9394/96, (BRASIL, 1996) trouxe uma concepção de educação
para a diversidade cultural. Este processo de reforma estabeleceu as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (BRASIL, 1998).
37
Em outros âmbitos legais foram implantadas políticas públicas na forma de
ações afirmativas nas universidades. A Lei nº 12.711/2012 foi sancionada em agosto
de 2012. Ela garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno
nas
universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos
oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação
de jovens e adultos. O restante (50%) das vagas permanece no processo de seleção
universal. A reforma universitária está atravessada por este eixo transversal. Neste
processo reformista foi criada a Secretaria de Promoção de Políticas de Igualdades
Raciais – SEPPIR e A Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão – SECADI. Outras reformulações hão sido desenvolvidas para
o fortalecimento de grupos sociais discriminados ou postos à margem da sociedade.
São políticas encorajadoras das questões multiculturais. Estas, portanto, constroemse mediante desafios. Porque a expressão das mesmas desloca poderes. O que
tenciona relações antes mantidas em uma aura de naturalização.
14 CONCEITOS DE CULTURA, IDENTIDADE E DIFERENÇA
Fonte: portalmie.com
Nos últimos tempos a cultura tem sido o foco das discussões antropológicas
devido ao estudo de sua evolução ser essencial à compreensão da diversidade
cultural da espécie humana. Conforme Laraia (1996), o termo “cultura” foi definido
pela primeira vez, no final do século XVIII, por Edward Tylor que através do termo
germânico “Kultur”, que significava os aspectos espirituais de uma comunidade, com
a palavra francesa “Civilization”, que significava as realizações materiais de um povo.
38
Ao tratar do conceito de cultura, a sociologia se ocupa em entender os aspectos
aprendidos que o ser humano, em contato social, adquire ao longo de sua convivência.
Esses aspectos, compartilhados entre os indivíduos que fazem parte deste grupo de
convívio específico, refletem especificamente a realidade social desses sujeitos.
Características como a linguagem, modo de se vestir em ocasiões específicas são
algumas características que podem ser determinadas por uma cultura que acaba por
ter como função possibilitar a cooperação e a comunicação entre aqueles que dela
fazem parte.
A cultura possui tanto aspectos tangíveis - objetos ou símbolos que fazem parte
do seu contexto - quanto intangíveis - ideias, normas que regulam o comportamento,
formas de religiosidade. Esses aspectos constroem a realidade social dividida por
aqueles que a integram, dando forma a relações e estabelecendo valores e normas.
Esses valores são características que são consideradas desejáveis ou
indesejáveis no comportamento dos indivíduos que fazem parte de uma cultura, como
por exemplo o princípio da honestidade que é visto como característica extremamente
desejável em nossa sociedade.
As normas são um conjunto de regras formadas a partir dos valores de uma
cultura, que servem para regular o comportamento daqueles que dela fazem parte. O
valor do princípio da honestidade faz com que a desonestidade seja condenada dentro
dos limites convencionados pelos integrantes dessa cultura, compelindo os demais
integrantes a agir dentro do que é estipulado como “honesto”. As normas e os valores
possuem grandes variações nas diferentes culturas que observamos. Em algumas
culturas, como no Japão, o valor da educação é tão forte que falhar em exames
escolares é visto como uma vergonha tremenda para a família do estudante. Existe,
então, a norma de que estudar e ter bom desempenho acadêmico é uma das mais
importantes tarefas de um jovem japonês e a pressão social que esse valor exerce
sobre ele é tão forte que há um grande número de suicídios relacionados a falhas
escolares. Para nós, no entanto, a ideia do suicídio motivado por uma falha escolar
parece ser loucura.
Mesmo dentro de uma mesma sociedade podem existir divergências culturais.
Alguns grupos, ou pessoas, podem ter fortes valores baseados em crenças religiosas,
enquanto outras prefirem a lógica do progresso científico para compreender o mundo.
A diversidade cultural é um fato em nossa realidade globalizada, onde o contato entre
o que consideramos familiar e o que consideramos estranho é comum. Ideias
39
diferentes, comportamento, contato com línguas estrangeiras ou com a culinária de
outras culturas tornou-se tão corriqueiro em nosso dia a dia que mal paramos para
pensar no impacto que sofremos diariamente, seja na adoção de expressões de
línguas estrangeiras ou na incorporação de alimentos exóticos em nossa rotina
alimentar.
Uma cultura não é estática, ela está em constante mudança de acordo com os
acontecimentos vividos por seus integrantes. Valores que possuíam força no passado
se enfraquecem no novo contexto vivido pelas novas gerações, a depender das novas
necessidades que surgem, já que o mundo social também não é estático. Movimentos
contraculturais, como o punk ou o rock, são exemplos claros do processo de mudança
de valores culturais que algumas sociedades viveram de forma generalizada.
O contato com culturas diferentes também modifica alguns aspectos de nossa
cultura. O processo de aculturação, onde uma cultura absorve ou adota certos
aspectos de outra a partir do seu convívio, é comum em nossa realidade globalizada,
onde temos contato quase perpétuo com culturas de todas as formas e lugares
possíveis.
14.1 Identidade Cultural
A identidade cultural ainda é bastante discutida dentro dos círculos teóricos
das Ciências Sociais em face de sua complexidade. Entre as possíveis formas de
entendimento da ideia de identidade cultural, existem duas concepções distintas que
devemos destacar dentro dos estudos sociológicos mais recentes. Essas concepções
de identidade são brevemente explicadas por Anthony Giddens, sociólogo britânico, e
nos ajudarão a entender melhor esse conceito.
40
Fonte: pt.slideshare.net
O conceito de identidade refere-se a uma parte mais individual do sujeito social,
mas que ainda assim é totalmente dependente do âmbito comum e da convivência
social. De forma geral, entende-se por identidade aquilo que se relaciona com o
conjunto de entendimentos que uma pessoa possui sobre si mesma e sobre tudo
aquilo que lhe é significativo. Esse entendimento é construído a partir de determinadas
fontes de significado que são construídas socialmente, como o gênero, nacionalidade
ou classe social, e que passam a ser usadas pelos indivíduos como plataforma de
construção de sua identidade.
Dentro desse conceito de identidade, há duas distinções importantes que
devemos entender antes de prosseguirmos. A teoria sociológica distingue duas
apreensões: a identidade social e a autoidentidade.
A identidade social refere-se às características atribuídas a um indivíduo pelos
outros, o que serve como uma espécie de categorização realizada pelos demais
indivíduos para identificar o que uma pessoa em particular é. Portanto, o título
profissional de médico, por exemplo, quando atribuído a um sujeito, possui uma série
de qualidades predefinidas no contexto social que são atribuídas aos indivíduos que
exercem essa profissão. A partir disso, o sujeito posiciona-se e é posicionado em seu
âmbito social em relação a outros indivíduos que partilham dos mesmos atributos.
O conceito de autoidentidade (ou a identidade pessoal) refere-se à formulação
de um sentido único que atribuímos a nós mesmos e à nossa relação individual que
desenvolvemos com o restante do mundo. A escola teórica do “interacionismo
simbólico” é o principal ponto de apoio para essa ideia, já que parte da noção de que
é diante da interação entre o indivíduo e o mundo exterior que surge a formação de
41
um sentido de “si mesmo”. Esse diálogo entre mundo interior do indivíduo e mundo
exterior da sociedade molda a identidade do sujeito que se forma a partir de suas
escolhas no decorrer de sua vida.
Diante do que já foi esclarecido, que o conceito de identidade cultural faz alusão
à construção identitária de cada indivíduo em seu contexto cultural. Em outras
palavras, a identidade cultural está relacionada com a forma como vemos o mundo
exterior e como nos posicionamos em relação a ele. Esse processo é contínuo e
perpétuo, o que significa que a identidade de um sujeito está sempre sujeita a
mudanças. Nesse sentido, a identidade cultural preenche os espaços de mediação
entre o mundo “interior” e o mundo “exterior”, entre o mundo pessoal e o mundo
público. Nesse processo, ao mesmo tempo que projetamos nossas particularidades
sobre o mundo exterior (ações individuais de vontade ou desejo particular), também
internalizamos o mundo exterior (normas, valores, língua...). É nessa relação que
construímos nossas identidades.
Algumas pessoas consideram a globalização um perigo para a preservação da
diversidade cultural, pois acreditam na perda de costumes tradicionais e típicos de
cada sociedade, dando lugar à características globais e "impessoais".
Com o intuito de tentar preservar a riqueza da diversidade cultural dos países,
a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)
criou a "Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural".
A Declaração da UNESCO sobre Diversidade Cultural reconhece as múltiplas
culturas como uma "herança comum da humanidade", e é considerada o primeiro
instrumento que promove e protege a diversidade cultural e o diálogo intercultural
entre as nações.
Já o Brasil, é um país incrivelmente rico em diversidade cultural, devido a sua
extensão territorial e a pluralidade de colonizações e influências que sofreu ao longo
do processo de construção da sociedade brasileira. As diferenças são bastante
visíveis mesmo entre as diferentes regiões do país: norte, nordeste, centro-oeste,
sudeste e sul.
Nas regiões norte e nordeste, a predominância é das tradições indígenas e
africanas, sincretizadas com os costumes dos povos europeus, que colonizaram o
país. Na região centro-oeste, onde predomina o Pantanal, existe ainda uma grande
presença da diversidade cultural indígena, com forte influência da culinária mineira e
paulista. No sudeste e sul destacam-se costumes de origem europeia, com colônias
42
portuguesas, germânicas, italianas e espanholas que, ainda hoje, mantêm a cultura
típica de seus países de origem.
14.2 Igualdade e Diferença
Igualdade e diferença são temas velhos a despeito de sua permanência no
debate atual. Esses temas estiveram enlaçados com os processos históricos
emergentes e alcançaram várias formas de aparição histórico-discursiva que nem
sempre combinavam a igualdade como oposto a uma desigualdade naturalizada, que
demandava busca de soluções, como por exemplo, na era na Antiguidade.
Clássica, cuja igualdade não era universalizável aos “não cidadãos”, aos
“bárbaros”, mas sim, apenas aos cidadãos. Os responsáveis pela dignidade do
conceito de igualdade de forma mais universal foram as filosofias humanistas dos
séculos XVI e XVII, a ética cristã, os Iluministas do século XVIII e o marxismo do
século XIX. Entretanto, a noção de igualdade persistente na cultura ocidental está
indissociavelmente
ligada
ao
Cristianismo,
o
qual
enxerga
cada
homem
individualmente, como uma pessoa singular, diferente, mas igual perante Deus e
dotado da mesma origem.
Assim, a noção de igualdade para o Cristianismo está intimamente ligada à
noção de diferença: igualdade porque pela origem comum não há homem superior e
nem inferior, e diferença porque na relação entre homem e Deus existe desigualdade
entre criatura e Criador. E essa idéia de uma igualdade perante Deus foi ao longo do
tempo sendo aperfeiçoada e codificada como igualdade perante a lei.
Partindo desse suposto, o princípio de isonomia ou de igualdade, legalmente
reconhecido e garantido pelos textos constitucionais dos países com regime político
democrático, como é o caso do Brasil, afirma que todos são iguais sem distinção de
qualquer natureza, porém a estrutura concreta das sociedades revela as diversidades
de ordem cultural, social, de gênero, étnico-racial e as interferências das mesmas nas
condições de vida e de história dessas sociedades e a necessidade da busca de uma
igualdade material, substantiva, que perpassa pelo reconhecimento do direito a
diferença.
Noutras palavras, existem dois tipos de igualdade: a legal – àquela que está
presente em dispositivos jurídicos; e a material – àquela que se consubstancia na vida
43
cotidiana, garantindo que todos os sujeitos usufruam os mesmos direitos e
oportunidades.
Entretanto, o direito a igualdade material, real, só se legitima quando o direito
as diferenças são respeitadas. Com efeito, nas sociedades pluriétnicas, a noção de
neutralidade do Estado, nas esferas econômica e social, se traduz na crença de que
a mera introdução de dispositivos legais é o suficiente para garantir a existência de
uma sociedade harmônica, onde independentemente da diversidade, seria
assegurado a todos a efetiva igualdade de acesso aos bens produzidos pela
humanidade, mas a discriminação se dá exatamente quando indivíduos são tratados
iguais em situações diferentes, e quando diferentes, em situações iguais.
Nesse contexto, a discussão de igualdade tem trazido à cena as várias
coletividades, as diversas demandas específicas dos grupos excluídos histórica e
culturalmente, como as mulheres, os índios, os negros, os homossexuais, os
deficientes, etc., que lutam pelo direito às diferenças como pressuposto ao direito à
igualdade, ou seja, uma discriminação positiva.
14.3 Universalismo e Relativismo
Com o processo de internacionalização dos direitos humanos, compreendido
como um fenômeno do pós-guerra - de 1945 em diante - houve a necessidade
premente de se formalizar, em diversas cartas, declarações e pactos internacionais,
um rol mínimo de direitos, individuais e coletivos, que os Estados e as Organizações
Internacionais se comprometem a respeitar, manter e promover.
O objetivo era fomentar o reconhecimento e a valorização da dignidade da
pessoa humana, independentemente, das diversidades culturais e do regime jurídico
adotado por cada Estado.
Fonte:pulpitocristao.com
44
Nesse ínterim, foi idealizado um complexo sistema de proteção dos direitos
humanos, o qual, num contexto global é exercido pela ONU, e, nas perspectivas
regionais, pelas organizações internacionais. Destacam-se os sistemas: europeu,
africano, asiático e interamericano. Acredita-se que parte das monstruosas violações
aos direitos humanos da era Hitler poderiam ter sido evitadas, caso tais sistemas
existissem.
Pela adoção do novo paradigma, o qual situa a tutela dos direitos humanos
como tema de legítimo interesse internacional, foi necessário restringir o conceito de
soberania estatal, a qual se caracterizava, até então, por sua natureza ilimitada.
Assim, a proteção dos direitos humanos não deve mais, reduzir-se ao âmbito interno
de cada Estado, visto que a violação dos direitos humanos não é um problema
doméstico, mas sim, uma questão que afeta toda a comunidade internacional.
A concepção universalista, notadamente demarcada a partir da Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948, oferece como contra-argumentos à crítica
relativista, os seguintes:
a) No que pertine ao argumento filosófico, os universalistas refutam as visões
antropocêntricas e cosmoteleológicas, afirmando que os direitos expressos
nas declarações de direitos humanos não têm o condão de abranger todas
as nuanças da vida em sociedade.
Ainda nesse sentido, os universalistas argumentam que é possível identificar
traços comuns em qualquer sociedade, como, por exemplo, a valorização da
dignidade da pessoa humana e a proteção contra opressão ou arbítrio. Nessa esteira,
afirma-se a idéia de um núcleo mínimo de direitos os quais merecem a salvaguarda
em nível global:
b) Contra a crítica da imposição da cultura ocidental aos demais povos, como
expressão imperialista, os universalistas reagem à postura relativista
afirmando que vários Estados promovem graves e generalizadas violações
aos direitos humanos, sob a justificativa da manutenção da identidade
cultural. O discurso relativista, nesses termos, estaria impregnado de
conveniência e segundas intenções, haja vista valer-se como ideologia para
oprimir as populações subjugadas por essas práticas vis e inexpugnáveis,
45
e, ao mesmo tempo, para impedir a interferência da sociedade internacional
na seara dos direitos humanos.
Para reforçar essa crítica, ainda, era imprescindível refutar o argumento da falta
de representatividade dos Estados na adoção da Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948, o que para os relativistas era um sinal da arrogância dos países
ocidentais. Assim, em 1993, foi adotada a Declaração e Programa de Ação de Viena.
Neste acordo internacional houve a tentativa, via normativa, de se afirmar a
universalidade como característica intrínseca aos direitos humanos. Para tanto o
fórum de Viena contou com a participação de 171 Estados, os quais de forma livre e
consensual acordaram que, resguardadas as particularidades culturais, os direitos
humanos devem possuir um caráter protetivo de cunho universal, conforme dispõe o
seguinte dispositivo:
“Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes e
inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos
humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a
mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser
levadas em consideração, assim como diversos contexto histórico, cultural e
religioso, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos
e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos,
econômicos e culturais. ”
Desta forma, pode-se inferir que, se a Declaração de 1948 consagrou a
perspectiva ocidental da definição dos direitos humanos, foi em Viena, em 1993, que
se efetivou a tese da universalidade, haja vista os amplos debates que se travaram,
em uma arena política mais numerosa e representativa das diversas perspectivas
regionais e culturais, os quais repercutiram, inclusive, na modificação de algumas
tradições ocidentais.
c) No que concerne à crítica da supervalorização dos direitos humanos, na
perspectiva individual, os universalistas explicam que, em face da
fragilidade do indivíduo frente ao Estado, ao capital privado e, até
mesmo, à comunidade, era necessário elencar um rol mínimo de direitos
que resguardassem a dignidade humana, minimizando os aspectos
negativos, inerentes a vulnerabilidade individual, em situações de
opressão e desigualdade extrema. Soma-se a isso a inexistência de
impedimentos normativos para assunção de deveres, isto é, os direitos
46
consagrados nas declarações de direitos humanos podem ser
implementados à luz dos deveres correlatos. Esta interpenetração,
direitos-deveres, é salutar e deve ser fomentada para possibilitar uma
aproximação entre as culturas, num contexto de aprendizado recíproco.
d) Para refutar o argumento do direcionamento geopolítico dos direitos
humanos, os universalistas reconhecem a existência desse tipo de
prática instrumentalização-interesse, entretanto acentuam que tal
assertiva não é, de forma alguma, exclusiva da seara humanista. Em
outros termos, essa censura pode ser estendida a qualquer tema do
Direito Internacional, visto que, na Sociedade internacional a correlação
de forças não é isonômica, tão pouco homogênea, o que facilita a
seletividade das normas internacionais de acordo com a influência
política.
Assim, a crítica deve recair não sobre o Direito Internacional dos Direitos
Humanos, mas sim sobre as próprias características da sociedade internacional, cujos
atores principais, Estados, são, ao mesmo tempo, produtores, destinatários e
aplicadores da norma internacional, podendo então interpretá-la de modo unilateral
para atingir seus fins”.
Por derradeiro, rebate-se a crítica “desenvolvimentista” à perspectiva
universalista dos direitos humanos, afirmando-se que a inexistência de recursos
econômico-financeiros não deve servir de mote a permitir uma postergação ad
infinitum do gozo destes direitos. Ademais é preciso lembrar que os direitos previstos
nas declarações de direitos humanos são denominados de mínimo ético irredutível ou
mínimo existencial, ou seja, compõe o rol mínimo de direitos e garantias que devem
ser asseguradas para possibilitar a existência de uma vida digna.
Nesse sentido, vislumbra-se que as políticas de Estado devem ser orientadas,
prima facie, para a implementação fático-jurídica dos direitos humanos, os quais, em
muitos casos, também são direitos fundamentais, por estarem também previstos nas
diversas Constituições estatais. Além disso, é falacioso o argumento de que a
existência de riquezas fomenta a implementação dos Direitos Humanos, em especial,
os econômicos, sociais e culturais. A realidade dos Estados é demarcada por grandes
47
desigualdades econômicas internas, as quais almeijam a grande população do acesso
a tais direitos, mantendo o status quo de seletas elites locais.
15
QUESTÕES E TENSÕES NO COTIDIANO: GÊNERO, RAÇA, ORIENTAÇÃO
SEXUAL E RELIGIÃO
Fonte:radiocidadecaratinga.com.br
Nos diversos contextos culturais existem fronteiras simbólicas que delimitam,
de forma semipermeável, as diferenças entre os indivíduos e grupos sociais. Quando
tais fronteiras se tornam rígidas, não permeáveis, e passam a qualificar alguns grupos
a partir da desqualificação constante e difusa de outros grupos, percebemos o
preconceito em ação, ou seja, a discriminação. Quando estas fronteiras rígidas são
alvos de transgressão, percebemos a violência e a intolerância, subjacentes às
práticas discriminatórias, em relação aos/às supostos/as 'transgressores/as'. Para a
manutenção das desigualdades sociais é fundamental que tais fronteiras sejam
respeitadas, não importando o preço pago em termos de sofrimento psíquico. Afinal,
sentir-se inferiorizado/a ou desqualificado/a por defeitos pressupostos não é,
certamente, uma experiência agradável.
Apesar dessa fragmentação, gênero, raça, etnia, religião e sexualidade estão
intimamente imbricados na vida social e na história das sociedades ocidentais e,
portanto, necessitam de uma abordagem conjunta. Para trabalhar estes temas de
forma transversal, é fundamental manter uma perspectiva não essencialista em
relação às diferenças. A adoção dessa perspectiva justifica-se eticamente, uma vez
48
que o processo de naturalização das diferenças étnico-raciais, de gênero ou de
orientação sexual, que marcou os séculos XIX e XX, vinculou-se à restrição do acesso
à cidadania a negros, indígenas, mulheres e homossexuais.
Lembremos, por exemplo, que até o início do século XX uma das justificativas
para a não extensão às mulheres do direito ao voto baseava-se na ideia de que elas
possuíam um cérebro menor e menos desenvolvido que o dos homens. Este
imperativo de encontrar no corpo as razões de tais diferenças, ou seja, de
essencializá-las ou naturalizá-las, explica-se pela preponderância formal dos
princípios políticos do Iluminismo, muito especialmente do princípio da igualdade.
Depois da Revolução Francesa, nas democracias liberais modernas, apenas
desigualdades naturais, inscritas nos corpos, podiam justificar o não acesso pleno à
cidadania.
Alguns autores vêm mostrando como discursos homofóbicos, misóginos ou
sexistas e racistas estão profundamente articulados. Um dos exemplos mais
interessantes diz respeito ao modo pelo qual, na Alemanha nazista, a ascensão do
discurso racista afetou não apenas as mulheres judias ou ciganas, consideradas
racialmente inferiores. Como se tratava de “proteger” a chamada raça ariana,
considerada superior às demais, passou a ser atribuído às mulheres “arianas” o
ambíguo estatuto de “mães da raça”. E para cumprir esse papel deveriam ficar fora
do espaço público, permanecendo em casa e ocupando-se apenas da tarefa de criar
filhos “racialmente puros”. Vê-se aqui a adoção do racismo como política de Estado
acabou implicando a reclusão das mulheres ao espaço doméstico. Vale lembrar que,
ainda na Alemanha nazista, o racismo anti-semita articulou-se também à
discriminação de homossexuais. Vistos, como os judeus, como ameaças à raça
ariana, acabaram igualmente sendo enviados a campos de concentração.
Além de relações históricas, há em situações bem cotidianas uma espécie de
sinergia entre atitudes e discursos racistas, sexistas e homofóbicos. Um exemplo
talvez banal: se um adolescente ou aluno manifesta qualquer sinal de
homossexualidade, logo aparece alguém o chamando de “mulherzinha” ou
“mariquinha”. O que poucos se perguntam é por que ser chamado de mulher pode ser
ofensivo. Em que sentido ser feminino é mau? Aqui pode ser visto o modo como a
misoginia e a homofobia se misturam e se reforçam. A discriminação em relação às
mulheres ou ao feminino articula-se à discriminação dos sexualmente diferentes,
daqueles que são sexualmente atraídos por pessoas do mesmo sexo.
49
O sofrimento que emerge dessa situação para adolescentes de ambos os
sexos talvez só possa ser realmente avaliado por aqueles/as que foram submetidos/as
a tais processos de estigmatização e marginalização. Além disso, frequentemente o
discurso racista utiliza características atribuídas às mulheres para inferiorizar
negros/as, indígenas ou outros grupos considerados inferiores:
“São mais impressionáveis, mais imprevidentes, mais descontrolados, mais
impulsivos” etc. e, como as mulheres, estariam mais próximos da natureza, devendo
ser tutelados, ou seja, tratados como crianças, incapazes de exercer plenamente seus
direitos políticos.
Assim, diferentes desigualdades se sobrepõem e se reforçam. Faz todo o
sentido, portanto, discuti-las em conjunto, pois aquele que é considerado como
cidadão, o sujeito político por excelência, é homem, branco e heterossexual. Em torno
dele constrói-se todo um universo de diferenças desvalorizadas, de subcidadãos e
subcidadãs.
Precisamos, portanto, ir além da promoção de uma atitude apenas tolerante
para com a diferença, o que em si já é uma grande tarefa, sem dúvida. Afinal, as
sociedades fazem parte do fluxo mais geral da vida e a vida só persevera, só se
renova, só resiste às forças que podem destruí-la através da produção contínua e
incansável de diferenças, de infinitas variações. As sociedades também estão em
fluxo contínuo, produzindo a cada geração novas ideias, novos estilos, novas
identidades, novos valores e novas práticas sociais.
Não precisamos recuar tanto no tempo para encontrar diferentes formas de
organização social e manifestações culturais: nossos antepassados agiam e
pensavam de forma muito diversa da nossa. Num passado não muito distante, a
situação da mulher no Brasil, por exemplo, era bastante distinta da atual. Os costumes
de muitas famílias da nossa oligarquia rural exigiam que os pais escolhessem aquele
que desposaria sua filha. Uma série de fatores influía na decisão dos pais e mães:
desde alianças antigas entre as famílias, obrigações recíprocas, promessas feitas, às
vezes, antes do nascimento dos filhos e filhas, até mesmo questões como o dote e os
interesses econômicos, contando muito pouco o desejo dos filhos e das filhas. Hoje
as coisas são bem diferentes e, embora uma série de elementos de diversas ordens
interfira na escolha do/a parceiro/a, o desejo individual é representado pela
coletividade como decisivo.
50
A diversidade das manifestações culturais se estende não só no tempo, mas
também no espaço. Se dirigirmos o olhar para os diferentes continentes,
encontraremos costumes que nos parecerão, à luz dos nossos, curiosos ou
aberrantes. Do mesmo modo que os povos falam diferentes línguas, eles expressam
das formas mais variadas os seus valores culturais. O nascimento de uma criança
será festejado de forma variada se estivermos em São Paulo, na Guiné- Bissau ou no
norte da Suécia: a um mesmo fato aparente – o nascimento – diferentes culturas
atribuem significados distintos que são perceptíveis por meio de suas manifestações.
16 ETNOCENTRISMO, ESTEREÓTIPO E PRECONCEITO
Etnocentrismo, estereótipo, preconceito e discriminação são ideias e
comportamentos que negam humanidade àqueles e àquelas que são suas vítimas. A
situação tem melhorado graças à atuação dos movimentos sociais e de políticas
públicas específicas. E você? Como pode contribuir para a mudança?
Fonte: megaarquivo.files.wordpress.com
A reação diante da alteridade faz parte da própria natureza das sociedades.
Em diferentes épocas, sociedades particulares reagiram de formas específicas diante
do contato com uma cultura diversa à sua. Um fenômeno, porém, caracteriza todas
51
as sociedades humanas: o estranhamento diante de costumes de outros povos e a
avaliação de formas de vida distintas a partir dos elementos da sua própria cultura. A
este estranhamento chamamos etnocentrismo.
Por exemplo, todas as culturas definem o que as pessoas devem levar como
vestimenta e adorno. Muitas vezes, a cultura ocidental se negou a ver nas pinturas
corporais ou em diferentes adornos e adereços dos grupos indígenas sul-americanos
os correspondentes às nossas roupas, e criou-se a idéia de que o “índio” andaria
pelado, avaliando tal comportamento como “errado”. Recentemente, com a onda
ecológica, o que no passado fora condenado, passou a ser valorizado, ou seja, a
nudez de “índios e índias” os colocaria de forma mais salutar em maior contato com a
natureza. Nada mais equivocado do que falar do “índio” de forma indiscriminada: o
etnocentrismo não permite ver, por um lado, que o “índio” não existe como algo
genérico, mas nas manifestações específicas de cada cultura – Bororo, Nhambiquara,
Guarani, Cinta-Larga, Pataxó etc. – e por outro, que o “índio” nem anda “pelado” nem
está mais próximo da natureza, pela simples ausência de vestimentas ocidentais. Os
Zoé, índios Tupi do rio Cuminapanema (PA), por exemplo, utilizam botoques labiais;
os homens, estojos penianos e as mulheres, tiaras e outros adornos sem os quais
jamais apareceriam em público. São elementos que os diferenciam definitivamente
dos animais e que marcam a sua vida em sociedade, da mesma forma que o uso de
roupas na nossa cultura.
Vê-se, com naturalidade, que mulheres, e atualmente também os homens,
furem suas orelhas e usem brincos. Ninguém vê no ato de furar as orelhas um signo
de barbárie e o uso de brincos é sinônimo de coqueteria para homens e mulheres. Há
pouco tempo, homens que usassem brincos eram tidos como homossexuais ou
afeminados. O uso de botoques labiais por diversos grupos indígenas do Brasil não
foi, porém, incorporado da mesma forma. Os brincos que as indianas usam no nariz
eram vistos com estranheza, pois o nariz não era considerado o lugar “certo” para
colocar brincos, segundo o padrão de beleza ocidental predominante no país, até
chegarem os piercings, cada vez mais adotados pelos jovens.
O etnocentrismo consiste em julgar, a partir de padrões culturais próprios, como
“certo” ou “errado”, “feio” ou “bonito”, “normal” ou “anormal” os comportamentos e as
formas de ver o mundo dos outros povos, desqualificando suas práticas e até negando
sua humanidade. Assim, percebemos como o etnocentrismo se relaciona com o
conceito de estereótipo, que consiste na generalização e atribuição de valor (na
52
maioria das vezes negativo) a algumas características de um grupo, reduzindo-o a
essas características e definindo os “lugares de poder” a serem ocupados. É uma
generalização de julgamentos subjetivos feitos em relação a um determinado grupo,
impondo-lhes o lugar de inferior e o lugar de incapaz no caso dos estereótipos
negativos. No cotidiano, temos expressões que reforçam os estereótipos: “tudo farinha
do mesmo saco”; “tal pai, tal filho”; “só podia ser mulher”; “nordestino é preguiçoso”;
“serviço de negro”; e uma série de outras expressões e ditados populares específicos
de cada região do país.
Os estereótipos são uma maneira de “biologizar” as características de um
grupo, isto é, considerá-las como fruto exclusivo da biologia, da anatomia. O processo
de naturalização ou biologização das diferenças étnico-raciais, de gênero ou de
orientação sexual, que marcou os séculos XIX e XX, vinculou-se à restrição da
cidadania a negros, mulheres e homossexuais.
Uma das justificativas até o início do século XX para a não extensão às
mulheres do direito de voto baseava-se na idéia de que possuíam um cérebro menor
e menos desenvolvido que o dos homens. A homossexualidade, por sua vez, era tida
como uma espécie de anomalia da natureza. Nas democracias modernas, apenas
desigualdades naturais podiam justificar o não acesso pleno à cidadania.
No interior de nossa sociedade, encontramos uma série de atitudes
etnocêntricas e biologicistas. Muitos acreditaram que havia várias raças e sub-raças,
que determinariam, geneticamente, as capacidades das pessoas. Da mesma forma,
pesquisas foram realizadas para provar que o cérebro das mulheres funcionava de
modo diferente do cérebro dos homens. Esses temas serão aprofundados nos
Módulos Relações de Gênero e Relações Étnico-Raciais.
Encontramos um exemplo de intolerância religiosa na relação com o candomblé
e outras religiões de matriz africana. O sacrifício animal no candomblé e em outras
religiões afrobrasileiras tem sido considerado como sinônimo de barbárie pelos
praticantes de outros credos: trata-se, contudo, simplesmente, de uma forma
específica para que homens e mulheres entrem em contato com o divino, com os
deuses – neste caso, os orixás - cada qual com a sua preferência, no que diz respeito
ao sacrifício. Outras religiões pregam formas diversas de contato com o divino e
condenam as práticas do candomblé como “erradas” e “bárbaras”, ou como “feitiçaria”,
a partir de seus próprios preceitos religiosos. O preconceito de alguns seguimentos
religiosos tem levado seus seguidores a atacar, com pedras e paus, terreiros e roças.
53
O espiritismo kardecista, hoje praticado nas mais diferentes partes do Brasil, foi
durante muito tempo perseguido por aqueles que, adotando um ponto de vista católico
ou médico, afirmavam serem as práticas espíritas próprias de charlatães. Se boa parte
dos/as brasileiros/as se define como católica, a verdade é que somos um país cruzado
por múltiplas crenças. Até mesmo no interior do próprio catolicismo há diferentes
práticas religiosas: somos um país plural. A constituição garante a liberdade religiosa
e de crença, e as instituições devem promover o respeito entre os praticantes de
diferentes religiões, além de preservar o direito não adotam qualquer prática religiosa.
No entanto, é bastante comum encontrarmos crianças e adolescentes que exibem
com orgulho para seus/suas educadores/as os símbolos de sua primeira comunhão,
enquanto famílias que cultuam religiões de matriz africana são pejorativamente
chamadas de “macumbeiras”, sendo discriminadas por suas identidades religiosas.
O estereótipo funciona como um carimbo que alimenta os preconceitos ao
definir a priori quem são e como são as pessoas. Sendo assim, o etnocentrismo se
aproxima também do preconceito, que, como diz a palavra, é algo que vem antes (pré)
do conhecimento (conceito), ou seja, antes de conhecer já defino “o lugar” daquela
pessoa ou grupo. Um outro significado da palavra “conceito” é “juízo” e, assim sendo,
preconceito seria um “prejuízo” para quem o sofre, mas também para quem o exerce,
pois, não entra em contato com o outro e/ou a outra.
Fonte: empoderadasnagestao.wordpress.com
O
preconceito
relativo
às
práticas
religiosas
afro-brasileiras
está
profundamente arraigado na sociedade brasileira por essas práticas estarem
associadas a negros e negras, grupo historicamente estigmatizado e excluído. Os
54
cultos afro-brasileiros seriam contrários ao “normal e natural” cristianismo europeu.
Teremos um módulo dedicado ao estudo das relações étnico raciais e ao estudo
histórico, cultural e pedagógico da presença dos negros no Brasil, assim como tratará
das reivindicações e das conquistas dos movimentos negros. Para efeito desse
exemplo, porém, vale lembrar que expressões culturais como o samba, a capoeira e
o candomblé foram, durante décadas, proibidas e perseguidas pela polícia. Isso
mostra que essas práticas foram incorporadas aos símbolos nacionais no interior de
processos extremamente complexos.
O caso mais evidente é o samba, que de “música de negros” passou a ser
caracterizado como “música nacional”. As religiões afro-brasileiras, no entanto, ainda
enfrentam um profundo preconceito por parte de amplos setores da sociedade: há
quem considere o candomblé como uma “dança folclórica”, negando, como
consequência, seu conteúdo religioso; há também quem o caracteriza como uma
“prática atrasada”. Em ambos os casos, seu caráter religioso é negado e não é tomado
em pé de igualdade com outras práticas e crenças. Ora, tanto o candomblé quanto a
umbanda são religiões extremamente complexas, são práticas rituais sofisticados e
fazem parte de um sistema mítico que – da mesma forma que a Bíblia – explica a
origem da humanidade, suas relações com o mundo natural e com o mundo
sobrenatural. Os grupos que compõem as religiões afro-brasileiras possuem o
conhecimento de um código – que se expressa por intermédio da religião –
desconhecido por outros setores da população. Enquanto códigos e expressões
culturais de determinados grupos, as diferentes religiões afro-brasileiras devem ser
olhadas com respeito.
Além das práticas religiosas, em nossa sociedade, existem práticas que sofrem
um profundo preconceito por parte dos setores hegemônicos, ou seja, por parte
daqueles que se aproximam do que é considerado “correto” segundo os que detêm
poder. Seguindo essa lógica, as práticas homossexuais e homo afetivas, são
condenadas, vistas como transtorno, perturbação ou desvio à “normal e natural”
heterossexualidade. Aqueles e aquelas que manifestavam desejos diferentes dos
comportamentos heterossexuais, além de condenados por várias religiões, foram
enquadrados/as no campo patológico e estudados/as pela medicina psiquiátrica que
buscava a cura para aquele mal. Foi necessária a contribuição de outros campos do
conhecimento para romper com a idéia de “homossexualismo” como doença e
55
construir os conceitos de homossexualidade e de orientação sexual, incluindo a
sexualidade como constitutiva da identidade de todas as pessoas.
O preconceito contra pessoas com orientação sexual diferenciada vem sendo
fortemente combatido pelo Movimento LGBT. Consideradas, no passado, um pecado
pela religião (e por muitos até hoje), uma doença pela medicina, um desvio de conduta
pela psicologia, as práticas homoeróticas, nas últimas décadas, têm contribuído para
a superação do estigma que as reprova e persegue. Embora se trate de um grupo
social ainda fortemente estigmatizado, é inegável que a atuação dos movimentos
sociais tem provocado mudanças no imaginário e agregado conhecimentos sobre a
homossexualidade, de maneira a tirá-la da “clandestinidade”. Há pouco mais de uma
década, era impensável a “Parada do Orgulho Gay”, atualmente denominada Parada
LGBT, por exemplo, que ocorre em boa parte das grandes cidades brasileiras. Cada
vez mais vemos homossexuais ocupando a cena pública de diferentes formas. A atual
luta pela parceria civil constitui uma das muitas bandeiras dos movimentos
homossexuais com apoio de vários outros movimentos sociais.
Fonte: pedrovallsfeurosa.com.br
No conjunto das conquistas político-sociais da atuação do Movimento LGBT,
se enquadra a sensibilização da população de modo geral para as formas de
discriminação por orientação sexual, que tem levado estudantes a abandonarem a
escola, por não suportarem o sofrimento causado pelas piadinhas e ameaças
cotidianas dentro e fora dos muros escolares. Esses mesmos movimentos
têm
apontado a urgência de inclusão, no currículo escolar, da diversidade de orientação
sexual, como forma de superação de preconceitos e enfrentamento da homofobia.
56
Questões de gênero, religião, raça/etnia ou orientação sexual e sua
combinação direcionam práticas preconceituosas e discriminatórias da sociedade
contemporânea. Se o estereótipo e o preconceito estão no campo das ideias, a
discriminação está no campo da ação, ou seja, é uma atitude. É a atitude de
discriminar, de negar oportunidades, de negar acesso, de negar humanidade. Nessa
perspectiva, a omissão e a invisibilidade também são consideradas atitudes, também
se constituem em discriminação.
O predomínio de livros didáticos e paradidáticos em que a figura da mulher é
ausente ou caracterizada como menos qualificada que o homem contribui para uma
imagem de inferioridade feminina, por um lado, e superioridade masculina, por outro.
É o caso dos livros em que a mulher ocupa os lugares de menos prestígio, como, por
exemplo, a organização e limpeza da casa, ou quando aparece como ajudante nas
atividades masculinas, como enfermeiras e garçonetes. Silenciosamente, vão sendo
demarcados, com uma linha nada imaginária, os lugares dos homens e os lugares
das mulheres. E os homens e as mulheres que fugirem desse roteiro pré-definido terão
seus valores humanos ameaçados ou violados. O grupo social, respaldado por um
conjunto de idéias machistas, exercerá seu controle e fortalecerá os mecanismos de
exclusão e negação de oportunidades iguais.
É importante destacar que há mudanças acontecendo. No que se refere às
mulheres, por exemplo, historicamente em situação de desigualdade com relação aos
homens, sua entrada progressiva no mercado de trabalho, seu acesso a ambientes
antes considerados “masculinos” e, inclusive, a predominância feminina em
determinadas profissões liberais se deram em meio a um processo de transformação
pautado, entre outros fatores, pelas demandas dos movimentos feministas, muito
vigorosos em todos os países ocidentais, nas últimas décadas. Esse processo veio
acompanhado de uma profunda discussão sobre a construção das feminilidades e
masculinidades nos diferentes processos de educação e pela organização política das
mulheres na luta contra o preconceito e as discriminações e pela construção da
igualdade.
A superação das discriminações implica a elaboração de políticas públicas
específicas e articuladas. Os exemplos relativos às mulheres, aos homossexuais
masculinos e femininos, às populações negra e indígena tiveram a intenção não
apenas de explicitar que as práticas preconceituosas e discriminatórias – misoginia,
homofobia e racismo – existem no interior da nossa sociedade, mas também que
57
essas mesmas práticas vêm sofrendo profundas transformações em função da
atuação dos próprios movimentos sociais, feministas, LGBT, negros e indígenas. Tais
movimentos têm evidenciado o quanto as discriminações se dão de formas
combinadas e sobrepostas, refletindo um modelo social e econômico que nega
direitos e considera inferiores mulheres, gays, lésbicas, transexuais, travestis, negros,
indígenas. A desnaturalização das desigualdades exige um olhar transdisciplinar, que,
em vez de colocar cada seguimento numa caixinha isolada, convoca as diferentes
ciências, disciplinas e saberes para compreender a correlação entre essas formas de
discriminação e construir formas igualmente transdisciplinares de enfrentá-las e de
promover a igualdade.
Daquilo que vimos refletindo até aqui, fica evidente que a escola é instituiçãoparte da sociedade e por isso não poderia se isentar dos benefícios ou das mazelas
produzidos por essa mesma sociedade. A escola é, portanto, influenciada pelos
modos de pensar e de se relacionar da/na sociedade, ao mesmo tempo em que os
influencia, contribuindo para suas transformações. Ao identificarmos o cenário de
discriminações e preconceitos, vemos no espaço da escola as possibilidades de
particular contribuição para alteração desse processo. A escola, por seus propósitos,
pela obrigatoriedade legal e por abrigar distintas diversidades (de origem, de gênero,
sexual, étnico-racial, cultural etc), torna-se responsável – juntamente com estudantes,
familiares, comunidade, organizações governamentais e não governamentais – por
construir caminhos para a eliminação de preconceitos e de práticas discriminatórias.
Educar para a valorização da diversidade não é, portanto, tarefa apenas daqueles/as
que fazem parte do cotidiano da escola; é responsabilidade de toda a sociedade e do
Estado.
Compreendemos que não se faz uma educação de qualidade sem uma
educação cidadã, uma educação que valorize a diversidade. Reconhecemos, porém,
que a escola tem uma antiga trajetória normalizadora e homogeneizadora que precisa
ser revista. O ideal de homogeneização levava a crer que os/as estudantes negros/as,
indígenas, transexuais, lésbicas, meninos e meninas deveriam se adaptar às normas
e à normalidade. Com a repetição de imagens, linguagens, contos e repressão aos
comportamentos “anormais” (ser canhoto, por exemplo) se levariam os “desviantes” à
integração ao grupo, passando da minimização à eliminação das diferenças (defeitos).
E o que seria normal? Ser homem-macho? Ser mulher feminina? Ser negro quase
branco? Ser gay sem gestos “afetados”? Espera-se que o discriminado se esforce e
58
adapte-se às regras para que ele, o diferente, seja tratado como “igual”. Nessa visão,
“se o aluno for eliminando suas singularidades indesejáveis, será aceito em sua
plenitude” (CASTRO, 2006, p 217).
Essa concepção de educação justificou e justifica, ainda hoje, a fala de
educadores e educadoras, os quais, ainda que reconheçam a existência de
discriminações dentro e fora da escola, acreditam que é melhor “ficar em silêncio”.
Falar do tema seria acordar preconceitos antes adormecidos, podendo provocar um
efeito contrário: em vez de reduzir os preconceitos, aumentá-los. E, nos silêncios, no
“currículo explícito e oculto”, vão se reproduzindo desigualdades. Quando a escola
não oferece possibilidades concretas de legitimação das diversidades (nas falas, nos
textos escolhidos, nas imagens veiculadas na escola etc) o que resta aos alunos e
alunas, senão a luta cotidiana para adaptar-se ao que esperam deles/as ou conformarse com o status de “desviante” ou reagir aos xingamentos e piadinhas e configurar
entre os indisciplinados? E, por último, abandonar a escola.
A diversidade está presente em cada entrelinha, em cada imagem, em cada
dado, nas diferentes áreas do conhecimento, valorizando-a ou negando-a.
É no ambiente escolar que as diversidades podem ser respeitadas ou negadas.
É da relação entre educadores/as, entre estes/as e os/as educandos/as e entre os
educandos/as que nascerá a aprendizagem da convivência e do respeito à
diversidade. “A diversidade, devidamente reconhecida, é um recurso social dotado de
alta potencialidade pedagógica e libertadora. A sua valorização é indispensável para
o desenvolvimento e a inclusão de todos os indivíduos.
Políticas socioeducacionais e práticas pedagógicas inclusivas, voltadas a
garantir a permanência, a formação de qualidade, a igualdade de oportunidades e o
reconhecimento das diversas orientações sexuais e identidades de gênero [e étnicoraciais], contribuem para a melhoria do contexto educacional e apresentam um
potencial transformador que ultrapassa os limites da escola, em favor da consolidação
da democracia” (Texto-base da Conferência Nacional de LGBT – Direitos Humanos e
Políticas Públicas: o caminho para garantir a cidadania de gays, lésbicas, bissexuais,
travestis e transexuais, p. 19, 2008) É no ambiente escolar que os/as estudantes
podem construir suas identidades individuais e de grupo, podem exercitar o direito e
o respeito à diferença.
Faz-se necessário contextualizar o currículo, “cultivar uma cultura de abertura
ao novo, para ser capaz de absorver e reconhecer a importância da afirmação da
59
identidade, levando em conta os valores culturais” dos/as estudantes e seus
familiares, favorecendo que estudantes e educadores/as respeitem os valores
positivos que emergem do confronto dessas diferenças, possibilitando, ainda,
desativar a carga negativa e eivada de preconceitos que marca a visão discriminatória
de grupos sociais, com base em sua origem étnico-racial, suas crenças religiosas,
suas práticas culturais, seu modo de viver a sexualidade. Trata-se, portanto, de tarefa
transdisciplinar, pela qual todos os educadores e educadoras são responsáveis. Cada
área do conhecimento pode e tem a contribuir para que as realidades de discriminação
sejam desveladas, seja recuperando os processos históricos, seja analisando
estatísticas, seja numa leitura crítica da literatura ou na inclusão de autores de grupos
discriminados ou que abordem o tema.
Espera-se, portanto, que uma prática educativa de enfrentamento das
desigualdades e valorização da diversidade vá além, sendo capaz de promover
diálogos, a convivência e o engajamento na promoção da igualdade. Não se trata,
simplesmente, de desenvolver metodologias para trabalhar a diversidade e tampouco
com “os diversos”. É, antes de tudo, rever as relações que se dão no ambiente escolar
na perspectiva do respeito à diversidade e de construção da igualdade, contribuindo
para a superação das assimetrias nas relações entre homens e mulheres, entre
negros/as e brancos/as, entre brancos/as e indígenas entre homossexuais e
heterossexuais e para a qualidade da educação para todos e todas.
É no ambiente escolar que crianças e jovens podem se dar conta de que somos
todos diferentes e que é a diferença, e não o temor ou a indiferença, que deve atiçar
a nossa curiosidade. E mais: é na escola que crianças e jovens podem ser, juntamente
com os professores e as professoras, promotores e promotoras da transformação do
Brasil em um país respeitoso, orgulhoso e disseminador da sua diversidade.
60
17 DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E DEMOCRACIA
Fonte: ibradd.org.br
É no período pós-guerra que surge o Direito Internacional dos Direitos
Humanos como uma tentativa de situar os direitos fundamentais na base da ordem
internacional contemporânea. Para que esse objetivo fosse alcançado, seria
necessária uma universalização e internacionalização desses direitos, ou seja, a
questão dos Direitos Humanos deveria ir além das fronteiras dos Estados Nacionais.
Esse processo de internacionalização acabou gerando o surgimento de um
sistema normativo internacional, voltado para a proteção e amparo dos direitos
fundamentais. O sistema internacional de proteção dos direitos humanos dialoga com
os sistemas nacionais para a garantia e o respeito aos direitos e às liberdades
fundamentais dos indivíduos. Todavia, se o Estado se torna negligente frente ao
compromisso de promoção dos Direitos Humanos, o sistema internacional possui
legitimidade para cobrar desses Estados.
Essa legitimidade tem lugar, sobretudo, quando se estabelece uma efetiva
relação do Estado Nacional com a ordem internacional, no sentido de garantia dos
direitos fundamentais. De outra maneira: quando o Estado aceita o aparato
internacional. Nessa perspectiva, a intervenção internacional é uma medida que
reflete apenas em um auxílio ou em um complemento à proteção interna desses
direitos. O processo de internacionalização dos direitos humanos desencadeia a
democratização do cenário internacional, uma vez que surge a sociedade civil
internacional, composta por organizações não governamentais e por indivíduos, que
61
passam a poder acionar órgãos internacionais em casos de violação dos direitos
humanos.
Por essas razões, a dimensão da cidadania no exercício de garantia dos
direitos humanos, sobretudo no plano internacional, sugere que o favorecimento do
acesso às Cortes internacionais a indivíduos ou grupos organizados, não só contribui
para a efetivação dos direitos humanos, como se realiza, propriamente, o
entendimento de que o sistema internacional de proteção desses direitos envolve um
sistema legal juridicamente vinculante, podendo ser exigível, portanto, diretamente
pela cidadania. É preciso, no entanto, refletir sobre como a proteção dos direitos
humanos costuma se realizar no interior de ordenamentos jurídicos internos dos
Estados democráticos e, sobretudo para os objetivos deste trabalho, na democracia
brasileira.
As declarações francesas de 1789 e americana de 1776, no início da idade
contemporânea, trazem a ideia de cidadania apoiada em um discurso liberal, em que
os direitos fundamentais se relacionavam à ideia de liberdade, segurança e
propriedade. Estabeleciam, desse modo, os direitos civis e políticos. Já no período
entre guerras, surge a preocupação com o discurso social da cidadania, sendo
valorizada a ideia de igualdade (na dimensão dos direitos sociais e econômicos),
como uma tentativa de eliminar a exploração econômica conforme tratava a
Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de 1918, da extinta
República Soviética Russa.
A separação entre os direitos civis e políticos e os direitos sociais acerca da
cidadania tem fim com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Aquele
texto reúne todos os tipos direitos fundamentais, que agora não podem mais ser
pensados isoladamente. Além disso, a Declaração Universal estabelece que os
Direitos Humanos são universais e inerentes aos seres humanos. Somando esses
dois aspectos, a Declaração de 1948 traz a concepção contemporânea de cidadania.
Representando uma nova dimensão sobre o que passa a ser um sujeito de direito: a
partir de então, se fala em categorias de direitos, segundo suas condições
particulares. Nessa linha, ganha relevo discussões sobre os direitos das mulheres,
dos grupos raciais e de quaisquer sujeitos que costumam ser discriminados ou
constitua alguma espécie de minoria que precise de uma dimensão de afirmação de
seus direitos. É preciso pensar, nesse cenário, se a Constituição brasileira de 1988
acolhe essa nova dimensão de cidadania, tal como descrita. A Constituição brasileira
62
adota a indivisibilidade dos direitos humanos. Ou seja, ela proclama ser inconcebível
separar os direitos civis e políticos dos direitos sociais, econômicos e culturais. Nesse
quesito, ela atende a concepção de cidadania que se delineou.
No que diz respeito ao alcance universal dos Direitos Humanos, a Carta de
1988 também está em consonância com a concepção contemporânea de cidadania,
tendo em vista que seu texto afirma que todos são iguais e que os direitos
fundamentais são inerentes à pessoa humana.
A Constituição brasileira também concebe os direitos fundamentais como um
tema de interesse internacional. Além disso, a ordem constitucional estabelecida em
1988 acolhe aquela nova dimensão de sujeito de direito, concreto e categorizado,
segundo suas particularidades. Em seu texto, fica clara a divisão em capítulos
dedicados a categorias como idosos, crianças e adolescentes, direitos dos índios,
entre outros, dessa maneira propondo um tratamento específico para esses grupos.
Dessa forma, a Constituição brasileira parece dialogar fortemente com essa nova
dimensão de sujeito de direito internacional, e propriamente com a nova concepção
de cidadania, tal como apresentada.
Para além disso, é possível analisar a responsabilidade do Estado na
consolidação da cidadania brasileira observando três elementos essenciais da ideia
de cidadania no cenário da discussão sobre Direitos Humanos, refletidos na
Constituição brasileira: a indivisibilidade e a universalidade da ideia de direitos
humanos, e a característica de especificidade dos sujeitos de direito. A Constituição
brasileira assegura todos os tipos de direitos fundamentais e garante a efetividade de
seus preceitos. Por essa razão, a todos esses direitos são assegurados a mesma
garantia de proteção na ordem jurídica interna. A Carta de 1988 também estabelece
o princípio da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, dessa forma
vinculando os Poderes Públicos ao dever de promover esses direitos de forma plena
e efetiva. Quanto à universalidade dos direitos fundamentais, o Estado brasileiro leva
isso em consideração em relação a todos os indivíduos. Além disso, o país é obrigado
a observar plenamente na ordem interna os acordos internacionais firmados que
tratam dos direitos e garantias fundamentais e que foram ratificados pelo Estado
brasileiro.
Uma reflexão sobre Direitos Humanos, sobretudo quando se pensa a
democracia brasileira e seu passado (recente) de autoritarismo, passa pela
necessidade de se analisar a responsabilidade do Estado na consolidação da
63
cidadania no Brasil. A Constituição Federal de 1988 é considerada, por muitos, um
marco da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos no
Brasil, importando, desse modo, em uma redefinição do Estado e dos direitos
fundamentais no país, após longos vinte e um anos de ditadura militar.
A importância com o bem-estar social e a preservação da dignidade humana é
tão expressiva que a Constituição eleva os direitos e garantias fundamentais ao
patamar de cláusulas pétreas. A Carta de 1988 inova ao extrapolar os limites dos
direitos individuais e tutelar também os direitos coletivos (direitos que se aplicam a
classes ou categorias sociais). Além disso, ela estabelece a aplicabilidade imediata
das normas que dizem respeito aos direitos fundamentais. Aquilo que Flávia Piovesan
chama de um “constitucionalismo concretizador dos direitos fundamentais”. Os
direitos sociais também são tratados na Constituição com a mesma dimensão. O
artigo 6º da Constituição estabelece uma série de direitos, como à educação, à saúde
e ao trabalho, entre outros. Não obstante, o importante é ressaltar que a Constituição
estabelece “uma ordem social com um amplo universo de normas que enunciam
programas, tarefas, diretrizes e fins a serem perseguidos pelo estado e pela
sociedade”.
Por outro lado, além da ordem social, a Constituição de 1988 também
estabeleceu uma ordem econômica, marcada pelo intervencionismo estatal em prol
do bem-estar social. Isto corresponderia, em linhas gerais, ao modelo de “Estado de
Bem estar Social.
18 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E SUA RELAÇÃO COM O
ESPAÇO ESCOLAR
“Direitos humanos” uma expressão que abrange diversas concepções e
abordagens em torno de um conjunto de direitos que fazem parte da própria natureza
humana e da dignidade a ela inerente. A proteção a tais direitos é resultado de um
lento processo histórico que foi se reconhecendo legislativamente a partir dos
imperativos sociais postos ao longo do tempo.
No entanto, ressalte-se que este processo ainda está em evolução, tendo em
vista que em algumas sociedades ainda se identificam poucos avanços em relação
aos direitos humanos. Bobbio (2004) destaca que os direitos humanos são históricos,
64
modificáveis, suscetíveis de constante transformação e alargamento de seus
horizontes, relacionando-se à própria civilização humana em seus diferentes níveis
sociais de desenvolvimento. Dessa forma, torna-se essencial discutir acerca deste
conceito para que se possa compreendê-lo em sua amplitude diante das constantes
transformações histórico-sociais, bem como sua relação intrínseca com a educação.
Os direitos humanos podem ser definidos como um conjunto de instituições que
concretizam, em cada tempo histórico, as necessidades sociais relacionadas à sua
dignidade. Tais necessidades devem ser reconhecidas positivamente pelo
ordenamento jurídico conferindo a estes direitos o caráter de universalidade. Nesse
sentido, Pérez Luño (1999, p. 48) leciona que os direitos humanos são um “[...]
conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretiza as
exigências da dignidade, da liberdade, da igualdade humana”.
No entanto, embora o reconhecimento dos direitos humanos e sua
consequente positivação em algumas regulamentações, como a Declaração Universal
dos Direitos do Homem, tenham se expandido ao longo dos anos, ainda vislumbramse constantes afrontas a tais direitos evidenciando-se a necessidade de constante
observância dos dispositivos postos visando o respeito e a garantia de proteção a
todos em suas diversidades.
Para Gorczevski (2005), os direitos humanos são universais, absolutos e
inerentes ao homem, não dependendo de concessão por parte do Estado, entretanto,
apesar de inerentes à natureza humana, o “[...] seu reconhecimento e proteção é o
resultado de um longo processo histórico, que ocorreu de forma lenta e gradual,
passando por várias fases e, eventualmente, com alguns retrocessos”. Os direitos
humanos trazem o sentido de igualdade entre os sujeitos ao representarem o
reconhecimento de que todos são dignos do mesmo respeito, independentemente de
diferenças biológicas ou sociais. Não há, pois, distinção entre os sujeitos de direitos.
Ainda que não se identifique um conceito único de tais direitos, pode-se indicar
um núcleo central comum: a ideia de universalidade. Esta característica de
universalidade é essencial para se chegar à uma definição de direitos humanos, pois,
sem atribuir a estes o caráter de universalidade, corre-se o risco de criarem-se
fragmentações em sua titularidade, concebendo-se a existência de direitos cabíveis
apenas a determinados grupos sociais.
Assim, falar que os direitos humanos apresentam a característica da
universalidade, significa dizer que os mesmos são inerentes a todos os homens, pelo
65
simples fato de serem humanos, em todas as épocas e espaços sociais, devendo ser
respeitados indistintamente. Nesse contexto, a lei escrita positiva tais direitos,
tornando-se igualmente aplicável a todos. Segundo Gorczevski (2009) os direitos
humanos constituem-se em valores superiores existentes no mundo axiológico
concretizados por meio dos direitos fundamentais positivados.
Tem-se, portanto, a necessidade de evidenciar a distinção entre direitos
fundamentais e direitos humanos, tendo em vista as constantes concepções de serem
termos sinônimos. Os direitos humanos são direitos naturais cabíveis a todos os
homens, independente de nacionalidade, enquanto que os direitos fundamentais
referem-se à positivação destes direitos nos respectivos ordenamentos jurídicos
pátrios.
Pode-se afirmar que os direitos fundamentais nascem da positivação dos
direitos humanos, significa a consolidação dos direitos naturais do indivíduo na ordem
jurídica positiva. A positivação por meio da letra da lei constitui-se em maior garantia
ao sujeito, tendo em vista a concretização da tutela jurídica destes direitos pelo
Estado, que assume o dever de observá-los e respeitá-los como fundamento da
igualdade e respeito aos seus cidadãos.
No entanto, apesar da existência de inúmeros instrumentos internacionais de
proteção aos direitos humanos, estes ainda são
constantemente violados
desencadeando situações de violência e caos social em algumas situações. As
condições mínimas para a existência digna são comumente inobservadas, direitos
fundamentais como a vida e a liberdade são desrespeitados pelos próprios sujeitos,
destacando-se ainda as situações de omissão e afronta aos direitos humanos pelo
próprio Estado como na deterioração do meio ambiente, na desigualdade social, no
desemprego e na omissão diante da criminalidade (RAYO, 2004).
O respeito aos direitos humanos é, portanto, indispensável à sobrevivência do
próprio homem no planeta, observando-se que não nos são dados pelo Estado ou
construídos a partir da luta de terceiros, mas são construídos pelo cotidiano social.
Estes direitos acompanham a evolução social, sendo alvo de contínuas mudanças e
refletindo as lutas e necessidades dos sujeitos. Dessa forma, estes direitos precisam
de instrumentos que colaborem na sua conscientização para uma efetiva
aplicabilidade dos mesmos.
A educação é certamente um dos instrumentos mais poderosos de
consolidação dos direitos humanos. Como prática social, a educação em direitos
66
humanos constitui-se em política transformadora da sociedade e do homem, trazendo
em si a possibilidade de superação de fenômenos como a pobreza, a violência, a
desigualdade e a exclusão social. Assim, o processo educativo traz em si a potencial
formação humana e promoção dos direitos humanos. A educação constitui-se em
instrumento que possibilita a promoção dos direitos humanos visto que é parte
integrante da dignidade humana por formar e conscientizar socialmente o indivíduo
para o exercício pleno de sua cidadania. Pode-se dizer que a educação é pressuposto
fundamental para o indivíduo realizar-se plenamente como ser humano na sociedade.
Em se tratando de direitos humanos a educação assume papel considerável,
pois abrange a função de humanizar o humano (SAVIANI, 1989). No entanto, educar
não se trata apenas de depositar ou transmitir conteúdos dissociados da realidade
vivenciada pelo aluno, esta prática, reconhecida por Freire (1997) como “educação
bancária”.
Dessa forma, ao evidenciar o papel preponderante da educação na
consolidação dos direitos humanos faz-se necessário destacar que aquela se refere
a um processo educativo crítico, participativo, que visa a superação dos contextos de
alienação e opressão a que estão submetidos os sujeitos no contexto capitalista. Este
processo, que habilita o indivíduo para a conscientização do contexto sócio-histórico
em que vive e seu consequente questionamento, perpassa necessariamente pelo
estudo e reflexão constante da temática relativa aos direitos humanos.
A educação para os direitos humanos deve contribuir:

Para o fortalecimento do respeito aos direitos e liberdades fundamentais do
ser humano.

Ao pleno desenvolvimento da pessoa humana e sua dignidade; a prática da
tolerância, do respeito à diversidade de gênero e cultura, da amizade entre
todas as nações, povos indígenas e grupos raciais, étnicos e religiosos.

E a possibilidade de todas as pessoas participarem efetivamente de uma
sociedade livre.
Assim, os princípios da igualdade e da não discriminação devem nortear a
educação em direitos humanos de maneira que, neste contexto, desenvolvam-se
atividades que considerem a experiência e o contexto social vivenciado pelos alunos,
permitindo que os mesmos compreendam e atendam às suas necessidades a fim de
buscar as devidas soluções compatíveis com o ordenamento jurídico na garantia de
67
proteção aos direitos humanos. Dessa forma, estabelece-se um processo educativo
que visa não apenas a transmissão de conteúdos técnicos a fim de capacitar o aluno
para o mercado de trabalho, mas, antes de tudo, busca-se prepará-lo para a vida, para
a construção de uma cultura onde prevaleça o respeito a todos em suas diversidades.
O sistema educacional posto não contribui com a construção desta cultura
quando aceita as desigualdades sociais como naturais, legitimando as diferenças de
classe, raça, gênero, etnia, dentre outras, executando o processo de reprodução das
diferenças sociais em sala de aula e promovendo a exclusão. Faz-se necessário
suscitar um exercício contínuo de reflexão crítica que ofereça aos alunos condições
de posicionarem-se como sujeitos ativos no processo educativo.
Nesse
sentido,
desenvolveram-se
regulamentações
nacional
e
internacionalmente a fim de efetivar a educação em direitos humanos. Em 2003
iniciou-se a elaboração do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
(PNEDH). Em 2005 foram realizados encontros estaduais para difundi-lo, que
resultaram em contribuições da sociedade para aperfeiçoar também o documento. Em
2004, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou o Programa Mundial de
Educação em Direitos Humanos com o objetivo de avançar na implementação de
programas de educação em direitos humanos, bem como na promoção de ações e
fortalecimento de parcerias desde o nível internacional até os níveis locais.
Os estudos de Silva (2005) mostram que apesar da diversidade cultural, étnico
racial e de gênero serem assuntos já registrados nos documentos oficiais do governo,
nas diretrizes curriculares de ensino e na legislação de modo geral, em se tratando de
ensino, ainda existem falhas nos conteúdos programáticos dos livros didáticos e dos
currículos escolares que tendem a apresentar ainda como padrão o homem, branco e
heterossexual. Nesse sentido, com intuito de refletirmos sobre as possibilidades de
ação pedagógica para tratar da diversidade cultural na educação escolar,
questionamos: como trabalhar os conceitos de gênero, raça, e etnia na sala de aula,
com o propósito de valorizar as múltiplas identidades constituintes no ambiente
escolar?
Silva (2005) afirma que nos livros didáticos, nos currículos escolares e nas falas
dos professores, ainda há uma invisibilidade ou a visibilidade subalterna de diversos
grupos sociais, como os negros, os indígenas e as mulheres. O preconceito instituído
e manifestado na prática pedagógica pode levar tais grupos a uma auto rejeição e
68
rejeição ao seu grupo social, comprometendo os processos constitutivos de sua
identidade(s).
Costa (2008) afirma que a diferença não é uma marca do sujeito, mas sim uma
marca que o constituem socialmente, e se estabeleceu como uma forma de exclusão,
ser diferente na educação ainda significa ser excluído e/ou ser sub-representado nas
instâncias sociais. Reconhecer que somos diferentes para estabelecer a existência de
uma diversidade cultural no Brasil, não é suficiente para combater os estereótipos e
os estigmas que ainda marginalizam milhares de crianças em nossas escolas e
milhares de adultos em nossa sociedade.
19 CONCEITOS DE GÊNERO, ETNIA E RAÇA: REFLEXÕES SOBRE A
DIVERSIDADE CULTURAL NA EDUCAÇÃO ESCOLAR
Nossa história é marcada pela eliminação simbólica e/ou física do “outro”. Os
processos de negação desses “outros”, na maioria das vezes, ocorreram no plano das
representações e do imaginário social quando estabelecemos os conceitos do que é
ser belo, ser mulher, ou até mesmo do que é ser brasileiro.
Ao tratar a questão da diversidade cultural, Abramowicz (2006) diz que todo o
brasileiro vive uma situação no mínimo, inusitada. De um lado, há o discurso de que
nós somos um povo único, fruto de um intenso processo de miscigenação e
mestiçagem, que gerou uma nação singular com indivíduos culturalmente
diversificados. De outro, vivenciamos em nossas relações cotidianas inúmeras
práticas preconceituosas, discriminatórias e racistas em relação a alguns segmentos
da população, como, as mulheres, os indígenas e os afrodescendentes.
Na atualidade mesmo com manutenção de vários padrões de comportamento,
de beleza, os documentos relacionados à educação brasileira outorgam que somos
um país construído tendo por base a diversidade cultural. Mas o que significa
diversidade cultural em um país onde os diversos grupos sociais são marginalizados
em suas representações?
Para Anete Abramowicz (2006, p12) “diversidade pode significar variedade,
diferença e multiplicidade. A diferença é qualidade do que é diferente; o que distingue
uma coisa de outra, a falta de igualdade ou de semelhança”. Nesse sentido, podemos
afirmar que onde há diversidade existe diferença.
69
Candau (2005) afirma que: “Não se deve contrapor igualdade a diferença. De
fato, a igualdade não está oposta à diferença, e sim à desigualdade, e diferença não
se opõem à igualdade, e sim à padronização, à produção em série, à uniformidade, a
sempre o “mesmo”, à mesmice” (CANDAU, 2005, p. 19).
Reconhecer a diferença é questionar os conceitos homogêneos, estáveis e
permanentes que excluem o ou a diferente. As certezas que foram socialmente
construídas devem se fragilizar e desvanecer. Para tanto, é preciso desconstruir,
pluralizar, ressignificar, reinventar identidades e subjetividades, saberes, valores,
convicções, horizonte de sentidos. Somos obrigados a assumir o múltiplo, o plural, o
diferente, o híbrido, na sociedade como um todo (CANDAU, 2005).
Falar sobre diversidade e gênero não pode ser só um exercício de perceber os
diferentes, de tolerar o “outro”. Antes de tolerar, respeitar e admitir a diferença é
preciso explicar como essa diferença é produzida e quais são jogos de poder
estabelecido por ela. Como nos alerta Silva (2000), a diversidade biológica pode ser
um produto da natureza, mas o mesmo não se pode dizer sobre a diversidade cultural,
pois, de acordo com autor, a diversidade cultural não é um ponto de origem, ela é em
vez disso um processo conduzido pelas relações de poderes constitutivos da
sociedade que estabelece “outro” diferente do “eu” e “eu” diferente do “outro” como
uma forma de exclusão e marginalização. Uma ação pedagógica realmente pautada
na diversidade cultural e na questão do gênero deve ter como princípio uma política
curricular da identidade e da diferença. Tem obrigação de ir além das benevolentes
declarações de boa vontade para com a diferença, ela coloca em seu centro uma
teoria que permita não só reconhecer e celebrar a diferença, mas também questionála, a fim de perceber como ela discursivamente está constituída.
Costa (2008), identidade e diferença são inseparáveis, dependendo uma da
outra. Elas são produzidas na trama da linguagem, a identidade e a diferença são
construídas dentro de um discurso, por isso precisamos compreendê-las como são
produzidas em locais históricos e institucionais por meio do discurso.
Foucault argumenta que: [...] são os discursos eles mesmos que exercem seu
próprio controle; procedimentos que funcionam, sobretudo, a título de princípios de
classificação, de ordenação, de distribuição, como se tratasse desta vez, de submeter
outra dimensão do discurso: a do acontecimento e do acaso” (FOUCAULT, 2002
p.21).
70
Compreendemos que o discurso por meio da afirmação de conceitos
essencialistas não historicizados, são incapazes de perceber os processos de
mudanças e de transformações sociais que padronizam e marginalizam os diversos
grupos sociais.
Para Hall (2000), os conceitos devem ser historicizados para perceber como
eles são construídos dentro de uma prática discursiva que se envolve nas relações
assimétricas de poder. Os professores e as professoras que percebem em sua ação
pedagógica como os conceitos de gênero, raça e etnia são socialmente construídos e
discursivamente usados para marginalizar o “outro” estarão, de fato, contribuindo para
a constituição de uma diversidade cultural que não seja apenas tolerante, mas que
perceba que “eu” e o “outro” temos os mesmos direitos e devemos ter a mesma
representatividade, tanto nos conteúdos escolares quanto nas instituições sociais.
Os conceitos de gênero, raça e etnia ao serem trabalhados na sala de aula em
uma perspectiva da valorização da(s) identidade(s) dos múltiplos sujeitos que
convivem no mesmo espaço da escola devem ter um posicionamento político, a fim
de desconstruir os estereótipos e os estigmas que foram atribuídos historicamente à
alguns grupos sociais.
A questão de gênero a ser trabalhado na sala de aula, deve começar pelo
entendimento de como esse conceito gênero ganhou contornos políticos. O conceito
de gênero surgiu entre as estudiosas feministas para se contrapor à ideia da essência,
recusando qualquer explicação pautada no determinismo biológico, que pudessem
explicitar comportamento de homens e mulheres, empreendendo, dessa forma, uma
visão naturalista, universal e imutável do comportamento. Tal determinismo serviu
para justificar as desigualdades entre ambos, a partir de suas diferenças físicas.
De acordo com as autoras Louro (1997) e Braga (2007), a expressão gênero
começou a ser utilizado justamente para marcar as diferenças entre homens e
mulheres não são apenas de ordem física e biológica. Como não existe natureza
humana da cultura, para as autoras, a diferença sexual anatômica não pode mais ser
pensada isolada das construções socioculturais em que estão imersas.
A diferença biológica é apenas o ponto de partida para a construção social do
que é ser homem ou ser mulher. O sexo é atribuído ao biológico enquanto gênero e é
uma construção social e histórica. A noção de gênero aponta para a dimensão das
relações sociais do feminino e do masculino (BRAGA, 2007).
71
O termo étnico segundo Silva (2000), marca as relações tensas por causa das
diferenças na cor da pele e nos traços fisionômicos que caracterizam a raiz cultural
plantada ancestralidade dos mais diversos grupos, que difere em visão de mundo,
valores e princípios de origem indígena, europeia ou asiática.
O termo étnico é fundamental para demarcar que indivíduo pode ter a mesma
cor da pele que o outro, a mesmo tipo de cabelo e traços culturais e sociais que os
distingue, caracterizando assim etnias diferentes. Os professores e as professoras
que se posicionam criticamente em relação ao conceito de gênero, raça e etnia podem
instituir discursivamente uma “vontade de verdade” de um grupo social, para utilizar a
expressão de Foucault (2002).
Mobilizar uma ação contra os padrões e os processos de exclusões instituídos
é um grande passo para implantação de uma diversidade cultural, pois as diferenças
são socialmente construídas e estão envolvidas com as relações de poder.
De um modo geral, mulheres, negros e indígenas são sub-representados no
espaço escolar, seja no currículo escolar, nos livros didáticos e também no
posicionamento do professor na sala de aula. Citamos alguns exemplos dessas subrepresentações e/ou estereotipias dos estudos realizados por Silva (2005, p. 35) do
livro Ciranda do Saber, para a 2ª série do ensino fundamental. Existe na página 64 do
livro, uma caricatura de uma menina com uma atividade escolar, com uma cabeça
enorme, sentada à escrivaninha, com livro nas mãos.
O texto abaixo coloca em dúvida seu interesse pelos estudos através das
seguintes frases:
___A menina da gravura parece gostar de estudar
___Será que ela gosta de estudar?
O professor ou a professora pode começar a questionar com seus alunos se
gostar de estudar é inerente ao fato de ser menino ou ser menina. Questionar frases
tão comuns em nosso cotidiano como: Isso não é coisa de menino?
Em uma perspectiva histórica, podemos afirmar que o conceito de gênero
menino e menina foram produzidos no interior das relações sociais e faz parte do
nosso cotidiano, por isso, aprendemos a repeti-los e naturalizamos.
Como nos relata Vieira e Maciel (2008), esse simples substantivo comum que
varia quanto ao gênero, mas não só de acordo com a gramática da língua portuguesa,
os seres humanos são classificados como pertencentes ao sexo masculino ou ao sexo
feminino. Essa diferença de matriz biológica é extensiva a todos os indivíduos da
72
espécie humana. Aprendemos a considerar que associado ao nome menino ou
menina, algumas características e comportamentos precisam existir, pois tais
características quando se trabalha conceito político do termo gênero, podemos
questionar
comportamentos pré-estabelecidos
e
com
isso
desconstruir
os
estereótipos.
Silva (2005, p.138), ainda nos relata que no livro de Caminho Certo, indicado
para a 3º série, a história O menino que queria mudar de cor, no decorrer do texto
surgem as seguintes frases:
__ A ideia me surgiu quando minha mãe pegou preparado e com ele se pôs a
tirar da panela o carvão grudado no fundo.
__ [...] eu juntei o pó restante e com ele esfreguei a barriga de perna. Esfreguei,
Esfreguei e vi que, diante de tanto dor, era impossível tirar todo o negro da pele.
O ato realizado pelo menino da história propicia a visualização de que “ser
negro” é algo negativo que deve ser apagado. Ao utilizar o conceito de étnico-racial
em uma dimensão política percebermos os mecanismos sócio históricos que levaram
esse menino a esfregar sua pele para mudar a sua cor. É uma forma de se auto rejeitar
como um negro.
Ensinar que a diferença pode ser bela, que a diversidade é enriquecedora e
não pode ser sinônimo de desigualdade, pode evitar ações como essa da história do
livro O menino que queria mudar de cor. Com isso, rompermos com as verdades
socialmente construídas de que para ser belo, tenho que ser branco e ser magro.
Na educação escolar, trabalhar na perspectiva da diversidade cultural significa
uma ação pedagógica que vai além do reconhecimento de que os alunos sentados
nas cadeiras de uma sala de aula são diferentes, por terem suas características
individuais e pertencentes a um grupo social, mas é preciso efetivar uma pedagogia
da valorização das diferenças. Entendemos que o primeiro passo para isso é defender
uma educação questionadora dos conceitos essencialistas e tratá-los como categorias
socialmente constituídas no decorrer dos discursos históricos.
73
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