CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E GÊNERO GUARULHOS – SP SUMÁRIO 1 CONTEXTO E DEFINIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS .............................................................. 3 2 NORMAS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS.............................................................. 5 3 TRATADOS ..................................................................................................................................... 6 4 COSTUME ....................................................................................................................................... 7 5 DECLARAÇÕES, RESOLUÇÕES, ATOS NORMATIVOS, LEIS ADOTADAS PELOS ÓRGÃOS DAS NAÇÕES UNIDAS .......................................................................................................................... 7 6 PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DOS DIREITOS HUMANOS........................................................ 8 6.1 O Iluminismo............................................................................................................................ 9 6.2 Revolução Francesa................................................................................................................ 9 6.3 O término da Segunda Guerra Mundial e o reconhecimento da necessidade de “olhar” para a consolidação dos direitos humanos. ................................................................................................. 10 7 PARA A FORMAÇÃO E RECONHECIMENTO DAS LIBERDADES ............................................ 11 8 ORIGEM DOS DIREITOS HUMANOS .......................................................................................... 15 9 AS DECLARAÇÕES DE DIREITOS.............................................................................................. 17 10 ARTIGOS DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS: .................................. 18 11 A ORIGEM E FORMAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS INDIVIDUAIS NO BRASIL ........ 24 11.1 A Origem do Conceito de Cidadania e sua Importância para a Advento dos Estados Modernos 26 12 A INEXISTÊNCIA DE REVOLUÇÕES BURGUESAS NO BRASIL E SUAS CONSEQUÊNCIAS 28 13 MOVIMENTOS SOCIAIS E CIDADANIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO ............................... 33 14 SOCIEDADES MULTICULTURAIS ............................................................................................... 34 14.1 15 Cenário Pós-Colonial............................................................................................................. 36 CONCEITOS DE CULTURA, IDENTIDADE E DIFERENÇA ........................................................ 38 15.1 Identidade Cultural ................................................................................................................ 40 15.2 Igualdade e Diferença ........................................................................................................... 43 15.3 Universalismo e Relativismo ................................................................................................. 44 16 QUESTÕES E TENSÕES NO COTIDIANO: GÊNERO, RAÇA, ORIENTAÇÃO SEXUAL E RELIGIÃO.............................................................................................................................................. 48 17 ETNOCENTRISMO, ESTEREÓTIPO E PRECONCEITO ............................................................ 51 18 DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E DEMOCRACIA ................................................................ 61 2 19 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E SUA RELAÇÃO COM O ESPAÇO ESCOLAR 64 20 CONCEITOS DE GÊNERO, ETNIA E RAÇA: REFLEXÕES SOBRE A DIVERSIDADE CULTURAL NA EDUCAÇÃO ESCOLAR .................................................................................................................. 69 21 BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 74 3 1. CONTEXTO E DEFINIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Fonte:significados.com.br Os direitos humanos são comumente compreendidos como aqueles direitos inerentes ao ser humano. O conceito de Direitos Humanos reconhece que cada ser humano pode desfrutar de seus direitos humanos sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outro tipo, origem social ou nacional ou condição de nascimento ou riqueza. Os direitos humanos são garantidos legalmente pela lei de direitos humanos, protegendo indivíduos e grupos contra ações que interferem nas liberdades fundamentais e na dignidade humana. Estão expressos em tratados, no direito internacional consuetudinário, conjuntos de princípios e outras modalidades do Direito. A legislação de direitos humanos obriga os Estados a agir de uma determinada maneira e proíbe os Estados de se envolverem em atividades específicas. No entanto, a legislação não estabelece os direitos humanos. Os direitos humanos são direitos inerentes a cada pessoa simplesmente por ela ser um humano. Tratados e outras modalidades do Direito costumam servir para proteger formalmente os direitos de indivíduos ou grupos contra ações ou abandono dos governos, que interferem no desfrute de seus direitos humanos. Algumas das características mais importantes dos direitos humanos são: 4 Os direitos humanos são fundados sobre o respeito pela dignidade e o valor de cada pessoa; Os direitos humanos são universais, o que quer dizer que são aplicados de forma igual e sem discriminação a todas as pessoas; Os direitos humanos são inalienáveis, e ninguém pode ser privado de seus direitos humanos; eles podem ser limitados em situações específicas. Por exemplo, o direito à liberdade pode ser restringido se uma pessoa é considerada culpada de um crime diante de um tribunal e com o devido processo legal; Os direitos humanos são indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes, já que é insuficiente respeitar alguns direitos humanos e outros não. Na prática, a violação de um direito vai afetar o respeito por muitos outros; Todos os direitos humanos devem, portanto, ser vistos como de igual importância, sendo igualmente essencial respeitar a dignidade e o valor de cada pessoa. 1 NORMAS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS A expressão formal dos direitos humanos se dá através das normas internacionais de direitos humanos. Uma série de tratados internacionais dos direitos humanos e outros instrumentos surgiram a partir de 1945, conferindo uma forma legal aos direitos humanos inerentes. A criação das Nações Unidas viabilizou um fórum ideal para o desenvolvimento e a adoção dos instrumentos internacionais de direitos humanos. Outros instrumentos foram adotados a nível regional, refletindo as preocupações sobre os direitos humanos particulares a cada região. A maioria dos países também adotou constituições e outras leis que protegem formalmente os direitos humanos básicos. Muitas vezes, a linguagem utilizada pelos Estados vem dos instrumentos internacionais de direitos humanos. As normas internacionais de direitos humanos consistem, principalmente, de tratados e costumes, bem como declarações, diretrizes e princípios, entre outros. 5 2 TRATADOS Um tratado é um acordo entre os Estados, que se comprometem com regras específicas. Tratados internacionais têm diferentes designações, como pactos, cartas, protocolos, convenções e acordos. Um tratado é legalmente vinculativo para os Estados que tenham consentido em se comprometer com as disposições do tratado – em outras palavras, que são parte do tratado. Um Estado pode fazer parte de um tratado através de uma ratificação, adesão ou sucessão. A ratificação é a expressão formal do consentimento de um Estado em se comprometer com um tratado. Somente um Estado que tenha assinado o tratado anteriormente – durante o período no qual o tratado esteve aberto a assinaturas – pode ratificá-lo. A ratificação consiste de dois atos processuais: a nível interno, requer a aprovação pelo órgão constitucional apropriado – como o Parlamento, por exemplo. A nível internacional, de acordo com as disposições do tratado em questão, o instrumento de ratificação deve ser formalmente transmitido ao depositário, que pode ser um Estado ou uma organização internacional como a ONU. A adesão implica o consentimento de um Estado que não tenha assinado anteriormente o instrumento. Estados ratificam tratados antes e depois de este ter entrado em vigor. O mesmo se aplica à adesão. Um Estado também pode fazer parte de um tratado por sucessão, que acontece em virtude de uma disposição específica do tratado ou de uma declaração. A maior parte dos tratados não são auto-executáveis. Em alguns Estados tratados são superiores à legislação interna, enquanto em outros Estados tratados recebem status constitucional e em outros apenas certas disposições de um tratado são incorporadas à legislação interna. Um Estado pode, ao ratificar um tratado, formular reservas a ele, indicando que, embora consinta em se comprometer com a maior parte das disposições, não concorda com se comprometer com certas disposições. No entanto, uma reserva não pode derrotar o objeto e o propósito do tratado. Além disso, mesmo que um Estado não faça parte de um tratado ou não tenha formulado reservas, o Estado pode ainda estar comprometido com as disposições do 6 tratado que se tornaram direito internacional consuetudinário ou constituem normas imperativas do direito internacional, como a proibição da tortura. Todos os tratados das Nações Unidas estão reunidos em treaties.un.org. 3 COSTUME O direito internacional consuetudinário – ou simplesmente “costume” – é o termo usado para descrever uma prática geral e consistente seguida por Estados, decorrente de um sentimento de obrigação legal. Assim, por exemplo, enquanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos não é, em si, um tratado vinculativo, algumas de suas disposições têm o caráter de direito internacional consuetudinário. 4 DECLARAÇÕES, RESOLUÇÕES, ATOS NORMATIVOS, LEIS ADOTADAS PELOS ÓRGÃOS DAS NAÇÕES UNIDAS Normas gerais do direito internacional – princípios e práticas com os quais a maior parte dos Estados concordaria – constam, muitas vezes, em declarações, proclamações, regras, diretrizes, recomendações e princípios. Apesar de não ter nenhum efeito legal sobre os Estados, elas representam um consenso amplo por parte da comunidade internacional e, portanto, têm uma força moral forte e inegável em termos na prática dos Estados, em relação a sua conduta das relações internacionais. O valor de tais instrumentos está no reconhecimento e na aceitação por um grande número de Estados e, mesmo sem o efeito vinculativo legal, podem ser vistos como uma declaração de princípios amplamente aceitos pela comunidade internacional. A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, por exemplo, recebeu o apoio dos Estados Unidos em 2010, o último dos quatro Estadosmembros da ONU que se opuseram a ela. Ao adotar a Declaração, os Estados se comprometeram a reconhecer os direitos dos povos indígenas sob a lei internacional, com o direito de serem respeitados como povos distintos e o direito de determinar seu próprio 7 desenvolvimento de acordo com sua cultura, prioridades e leis consuetudinárias (costumes). 5 PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DOS DIREITOS HUMANOS Não há dúvidas de que os direitos humanos são dotados de indeclinável e inegável importância; eles são base de todos os ordenamentos jurídicos, requisito indispensável para se qualificar, verdadeiramente, um Estado como Democrático. Como já restou assentado pelo Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, no Estado de Direito democrático “devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos” [1]. Dessa ideia inicial extrai-se uma das justificativas para o desenvolvimento de uma Teoria Geral dos Direitos Humanos. Um dos tópicos mais relevantes para compreensão da Teoria é a leitura dos direitos dos homens partindo-se de diferentes perspectivas históricas. Dessa forma, almeja-se no presente artigo vislumbrar a historicidade dos direitos partindo-se de pontos não iguais, embora conectados. Tais perspectivas são: os marcos mais citados, os pensamentos mais significativos e os documentos mais relevantes. É importante sublinhar que aqui se campeia em terrenos de suma imprescindibilidade dentro da supracitada Teoria Geral, cujo enfoque atende a uma das principais características dos direitos humanos, qual seja: a sua historicidade. Esta vem sempre acompanhada de tantas outras características citadas pela mais vasta doutrina inalienabilidade, (v.g.: universalidade, indisponibilidade, essencialidade, irrenunciabilidade, inesgotabilidade, inexauribilidade, imprescritibilidade, efetividade, inviolabilidade, complementaridade, limitabilidade, vedação ao retrocesso, indivisibilidade e inter-relacionaridade). Adentra-se, então, no estudo da evolução histórica dos direitos humanos partindo-se da perspectiva relacionada aos marcos mais citados. Podem ser destacados três marcos históricos fundamentais, quais sejam: o Iluminismo, a Revolução Francesa e o término da Segunda Guerra Mundial. 8 5.1 O Iluminismo O Iluminismo (ou Era da Razão) configurou revolução intelectual que se efetivou no continente europeu, particularmente na França, durante o século XVIII. Esse movimento representou o auge das transformações culturais iniciadas no século XIV pelo movimento renascentista, e colocou em destaque os valores da burguesia, favorecendo o aumento dessa camada social. O Iluminismo procurava uma explicação por meio da razão para todos os acontecimentos; rompendo, assim, com as formas de pensar que até o momento eram aceitas. Alguns princípios podem ser destacados como norteadores da sociedade à época, quais sejam: a busca da felicidade; a garantia dos direitos, da liberdade individual e da livre posse de bens pelo governo; a tolerância para a expressão de ideias; e a igualdade perante a lei[5]. Entre os principais filósofos do movimento, podem ser citados: John Locke (1632-1704); Voltaire (1694-1778); Jean-Jacques Rousseau (1712-1778); Montesquieu (1689-1755); Denis Diderot (1713-1784); e Jean Le Rond d´Alembert (1717-1783). Cabe, nessa altura, também fazer referência ao movimento do Humanismo. Tal movimento exaltava o valor humano como meio e finalidade. O Humanismo difundiuse por toda a Europa e caracterizou o início da cultura moderna. Para o pensamento humanista o valor fundamental de uma doutrina é o homem, seu sentimento, sua originalidade e sua superioridade sobre os outros animais. O homem passa a ser visto como um ser que pode construir seu próprio destino 5.2 Revolução Francesa A Revolução Francesa foi um movimento político e social que questionava os privilégios da nobreza e do clero, bem como o poder absoluto do monarca. Por volta de 1789, a França enfrentava uma grave crise econômica, sendo que a maioria dos trabalhadores rurais pagava excessiva carga tributária. Já a indústria funcionava de forma muito artesanal e o comércio também enfrentava dificuldades. Dentre as principais vitórias dos revoltosos franceses, está a proclamação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, documento dos mais indispensáveis para a evolução concreta dos direitos humanos. Ele assegura, dentre 9 outros direitos, a liberdade, a igualdade e a propriedade. A Declaração, inspirada em ideias iluministas, serviu de base para a construção de diversas Constituições de Estados Democráticos. A Revolução Francesa incentivou muitos outros movimentos revolucionários nas décadas seguintes, marcando a luta pelo fim dos privilégios sociais e pela promoção da dignidade humana. O lema da Revolução Francesa era: liberdade, igualdade e fraternidade. Tais ideias representam as três primeiras e clássicas gerações ou dimensões de direitos. Nessa conjuntura, calha sublinhar a doutrina de Immanuel Kant, exposta em suas obras Crítica da Razão Pura (1781), Crítica da Razão Prática (1788) e a Crítica do Juízo (1790). Com arrimo em uma vertente racionalista, Kant definiu o Estado como instrumento de produção das leis, representando os cidadãos, sendo a liberdade o principal fundamento para se valorizar a dignidade humana. 5.3 O término da Segunda Guerra Mundial e o reconhecimento da necessidade de “olhar” para a consolidação dos direitos humanos. A Segunda Guerra Mundial foi o fato histórico impulsionador decisivo do surgimento e da consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos. O processo de internacionalização dos direitos humanos – que, por sua vez, pressupõe a delimitação da soberania estatal – passa, assim, a ser uma importante resposta na busca da reconstrução de um novo paradigma, diante do repúdio internacional às atrocidades cometidas no holocausto. Todavia, não bastou apenas o fim da Segunda Guerra Mundial para consolidar o surgimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, sendo esta sua matriz histórica. Os direitos humanos passam mesmo a ser importantes na agenda internacional com o advento da Carta das Nações Unidas, em 1945, bem como com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, pelas quais os direitos humanos passaram a ter atenção central na pauta internacional. O processo de generalização da proteção dos direitos humanos desencadeouse no plano internacional a partir da adoção em 1948 das Declarações Universal e Americana dos Direitos Humanos. Era preocupação corrente, na época, a restauração do direito internacional em que viesse a ser reconhecida a capacidade processual dos indivíduos e grupos sociais no plano internacional. Para isto contribuíram de modo decisivo as duras lições legadas pelo holocausto da segunda 10 guerra mundial. A Segunda Guerra Mundial e todos os horrores nela praticados atestaram o fracasso da humanidade (especialmente das nações ditas poderosas) em promover e proteger os direitos humanos, mas, igualmente, fez surgir, embora dolorosamente, as bases desse novo Direito, fundadas, principalmente e essencialmente, nas urgentes e necessárias promoção e proteção da dignidade da pessoa humana em âmbito universal. No capítulo a seguir, veremos a cronologia histórica de alguns marcos importantes para a consolidação dos direitos humanos. 6 PARA A FORMAÇÃO E RECONHECIMENTO DAS LIBERDADES Como outrora indiciado, a historicidade também pode ser representada pela cronologia dos documentos importantes para a formação e reconhecimento das liberdades. Magna Carta O primeiro documento majoritariamente referido pela doutrina quanto aos direitos humanos é a Magna Carta, de 1215. Trata-se de um acordo entre reis e barões revoltados. Ela direciona-se à proteção dos direitos dos ingleses, originários da law of the land (lei da terra). Embora restrita aos ingleses, ela é o nascedouro dos direitos, tendo influenciado inúmeros outros documentos. Seu principal desiderato é a limitação do poder do rei. A judicialidade é um dos princípios do Estado de Direito. Prevê, v.g., direito de ir e vir, propriedade privada e graduação da pena do delito. Petition of Rights Em 1628 adota-se a Petition of Rights. Ela reafirmou os direitos da Magna Carta, dando ênfase à, v.g., propriedade e à proibição da detenção arbitrária. Habeas Corpus Act O Habeas Corpus Act data de 1679, remete ao habeas corpus, uma das mais relevantes garantias aos direitos humanos já criadas na história da Humanidade. Este documento foi fortemente influenciado pela Magna Carta e almejava, principalmente, garantir o direito de ir e vir. 11 Bill of Rights A Declaração de Direitos de 1689, ou Bill of Rights, submete a monarquia inglesa à soberania popular. Ela limita a autoridade real. Ao rei não mais é permitido suspender leis ou as descumprir, muito menos pode cobrar tributos sem o consentimento do Parlamento. Assegura-se a supremacia do Parlamento. Neste momento, são dados passos importantes para a definição da separação de poderes. Rule of Law Os quatro documentos citados (Magna Carta, Petition of Rights, Habeas Corpus Act e Bill of Rights) exaltam a regra da Rule of Law, que dispõe sobre a necessidade de todos se sujeitam ao Direito (Estado de Direito), inclusive os detentores do poder. Declaração de Virgínia Uma noção mais clara de direitos individuais é instaurada com a Declaração de Virgínia, de 1776, a qual abre caminho para a independência dos Estados Unidos. Ela preceitua sobre o direito de igualdade, o poder emanado do povo, o direito à felicidade, a separação de poderes, o direito geral ao sufrágio e o direito à propriedade. Em 04 de julho de 1776 há também a Declaração Americana da Independência. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão No ano de 1789, aprova-se a, importante é já citada, Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada na França. É a mais famosa de todas as Declarações. É curioso ressaltar que ela ainda está em vigor na França e integra o bloco de constitucionalidade daquele país. Sua finalidade principal é proteger os direitos dos homens contra os atos do governo. Seu objetivo imediato é instruir os indivíduos de seus direitos fundamentais; possuindo, para tanto, interessante caráter pedagógico. Como é uma Declaração, os direitos nela são apenas recordados, pois preexistem a ela. A igualdade perante a lei é o elemento essencial da Declaração, conforme seu art. 6º. O presente documento, decorrente da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade), foi a base para a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948. Constituição Francesa 12 Outra fonte histórica dos direitos humanos é a Constituição Francesa, de 1848, fundamental para a futura consagração dos direitos econômicos e sociais (segunda geração) nas Leis Fundamentais dos demais países. Constituição do México Mais recente, mas mesmo assim influenciadora, foi a Constituição do México, de 1917. Ela constitucionalizou de forma expressa os direitos econômicos, sociais e culturais[17] e exaltou a função social da propriedade. O seu art. 123 tratava de vários assuntos inéditos em âmbito constitucional, tais como a limitação da jornada de trabalho, a disciplina do trabalho de menores, bem como a limitação de horas diárias para os menores, a limitação de horas de jornada de trabalho noturno, o descanso semanal, o salário mínimo, a igualdade salarial, o direito de greve e outros institutos inovadores que vieram proteger os hipossuficientes integrantes das relações de trabalho. Declaração Russa dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado A Declaração Russa dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, de 1918, merece destaque, já que visava, conforme seu Capítulo II, “principalmente a suprimir toda exploração do homem pelo homem, a abolir completamente a divisão da sociedade em classes, a esmagar implacavelmente todos os exploradores, a instalar a organização socialista da sociedade e a fazer triunfar o socialismo em todos os países (...)”. Constituição alemã de Weimer A Constituição alemã de Weimer, de 1919, surgiu como fruto da Primeira Guerra Mundial. O Estado Democrático Social, cujos parâmetros já haviam sido delineados pela Constituição mexicana de 1917, adquiriu com a Constituição alemã uma melhor estruturação. E, tal como a Constituição do México, os direitos trabalhistas e previdenciários ganharam o status de direitos fundamentais. Ela estabeleceu um novo modelo constitucional para os direitos sociais e influenciou muitas outras, como a Constituição brasileira de 1934. Tratado de Versalles, Carta da ONU, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos 13 É possível, por fim, realçar outros documentos, como o Tratado de Versalles, de 1919 (que criou a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho – OIT), a Carta da ONU, de 1945, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. As atrocidades resultantes da Primeira Grande Guerra (1914-1918) geraram um sentimento de necessidade de pacificação mundial. Dessa forma, celebrou-se o Tratado de Versailes, em 28 de junho de 1919. Em anexo a esse documento foi aprovado o Pacto da Sociedade das Nações ou Liga das Nações. Além da Liga das Nações foi criada a Organização Internacional do Trabalho, em 1919, também pelo Tratado de Versailes, ou Tratado de Paz, resultado da Conferência da Paz. Esse documento entrou em vigor em 10 de janeiro de 1920. A disciplina da OIT constava, mais especificamente, na Parte XIII do Tratado. Carta de São Francisco ou Carta da ONU Em razão do fracasso da Sociedade das Nações em evitar a Segunda Grande Guerra, celebrou-se a Carta de São Francisco ou Carta da ONU, de 1945. A atual Organização das Nações Unidas veio substituir a combalida Liga. Declaração Universal de 1948 Além da Carta da ONU merece referência a Declaração Universal de 1948. Entretanto, aconselha-se sua compreensão dentro da noção de Carta Internacional dos Direitos Humanos ou Declaração Internacional de Direitos (International Bill of Rights)[19]. Carta Internacional dos Direitos Humanos A Carta Internacional dos Direitos Humanos é constituída por três documentos, os mais importantes do sistema global, de alcance generalizado, ou seja, integram o sistema homogêneo[20] ou geral do sistema global da ONU. Analisar a Carta internacional coincide com a análise de três grandes instrumentos internacionais de salvaguarda aos direitos humanos em escala global: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948; o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966; e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966. Nessa tessitura, gize-se que o processo “universal dos direitos humanos teve início com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 14 1948, (...) afirmando serem os direitos humanos (...) universais, indivisíveis, interdependentes, inter-relacionados e dotados de unidade (....)”, e se consolidou com os dois Pactos de Nova York, ambos de 1966. A despeito da perspectiva adotada (marcos, pensamentos ou documentos), o estudo da evolução histórica dos direitos humanos conduz à conclusão de que eles estão em constante processo de enriquecimento, haja vista que a “conquista e a ampliação do rol de direitos é uma imperativa e constante necessidade mundana, sob pena de a figura humana, com o passar do tempo, ser relegada a segundo plano; o que é inconcebível”. 7 ORIGEM DOS DIREITOS HUMANOS O movimento contemporâneo pelos direitos humanos teve origem na reconstrução da sociedade ocidental ao final da segunda guerra mundial. Neste sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, é um marco que veio responder às atrocidades que aconteceram durante a segunda guerra mundial. Na verdade, os direitos humanos não surgiram com a declaração universal dos direitos humanos. Duas histórias podem ser contadas a respeito da sua origem. A primeira história associa a ideia de direitos humanos a um certo consenso cultural e religioso. De acordo com essa abordagem, há uma ética ou uma moral comum a todas as culturas e religiões e que pode ser expressa em termos de direitos. A segunda história considera os direitos humanos como o resultado de um longo processo de evolução, que implica numa promessa de progresso e almeja a um futuro feliz. Esta ideia de progresso inevitável da sociedade humana ganhou força com o debate filosófico que precedeu e inspirou a Revolução Francesa e resultou na primeira grande declaração de direitos. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi promulgada em 26 de agosto de 1789, na França. Ela está intimamente relacionada com a Revolução Francesa. Para se ter uma ideia da importância que os revolucionários atribuíam ao tema dos direitos, basta constatar que os deputados passaram uma semana reunidos na Assembleia Nacional francesa debatendo os artigos que compõem o texto da declaração. Isso com o país ainda a ferro e a fogo após a tomada da Bastilha em 14 de julho daquele mesmo ano. Havia urgência em divulgar a declaração para legitimar 15 o governo que se iniciava com o afastamento do rei Luís XVI, que seria decapitado quatro anos depois, em 21 de janeiro de 1793. Era preciso fundamentar o exercício do poder, não mais na suposta ligação dos monarcas com Deus, mas em princípios que justificassem e guiassem legisladores e governantes daquele momento em diante. No dia 20 de agosto de 1789, a Assembleia Nacional francesa começou a discutir os 24 artigos rascunhados por um grupo de quarenta deputados. Após seis dias de debates intensos, os deputados haviam aprovado somente 17 artigos. Diante das medidas urgentes a serem tomadas, no dia 27 de agosto de 1789 os deputados decidiram encerrar a discussão e adotar os artigos já aprovados como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Sem mencionar o rei, a nobreza ou o clero, a declaração afirmava que “os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem são a fundação de todo e qualquer governo”. Quem passa a deter a soberania é a nação, e não o rei. Todos são proclamados iguais perante a lei, eliminando todos os privilégios de nascimento. Termos como “homens”, “homem”, “todo homem”, “todos os homens”, “todos os cidadãos”, “cada cidadão”, “sociedade”, e “todas as sociedades”, asseguram a universalidade dos direitos afirmados naquele documento. A reação à sua promulgação foi imediata, chamando a atenção da opinião pública nos países vizinhos para a questão dos direitos. A reação do inglês Edmund Burke em Reflections on the Revolution in France, de 1790, constitui inclusive o texto fundador do conservadorismo. A importância desse documento nos dias de hoje é ter sido a primeira declaração de direitos e fonte de inspiração para outras que vieram posteriormente, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela ONU (Organização das Nações Unidas), em 1948. Prova disso é a comparação dos primeiros artigos de ambas: O Artigo primeiro da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, diz: “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum”. O Artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 proclama: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. 16 Fonte: docplayer.com.br Ambas as declarações de direitos acima mencionadas ecoam a fórmula solene de Thomas Jefferson na Declaração de Independência de 1776: “Tomamos estas verdades como auto evidentes, de que todos os homens foram criados iguais, e que foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, dentre os quais estão a Vida, a Liberdade e a busca pela Felicidade. ” 8 AS DECLARAÇÕES DE DIREITOS As declarações de direitos se apresentam de maneira parecida: após um preâmbulo que introduz a temática geral do texto, segue uma lista de artigos que explicitam vários direitos. Faz-se necessário ressaltar, contudo, que uma declaração de direitos é muito mais do que uma enumeração de direitos. O preâmbulo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, revela a intenção dos seus autores: eles “expõem”, “declaram”, “lembram”. A Declaração é um ato de reconhecimento: não se trata de um ato criador. Os direitos por ela enunciados existem, são inerentes à natureza humana. Seria, portanto, absurdo pretender criá-los. Basta constatar a sua existência. Este fato é importante porque estabelece a diferença clara entre as declarações de direitos e os textos legais: uma lei pode ser revogada pela mesma autoridade que a promulgou, enquanto que um direito não pode ser eliminado porque ninguém é responsável pela sua criação. O que podemos fazer é constatar a sua existência e reconhecê-los. A Declaração tem um caráter pedagógico: estes direitos foram esquecidos ou ignorados. 17 Faz-se necessário torná-los incontestáveis. Para este efeito, um simples enunciado não basta, é preciso uma exposição que forneça explicações que convençam o leitor. A Declaração propõe uma sistematização das relações entre o homem e a sociedade. O seu caráter doutrinal, sua intenção pedagógica, contrasta com o empirismo característico dos documentos mais recentes. Nesta declaração de direitos constata-se a ausência de um caráter efetivador: os constituintes sabiam perfeitamente que a constatação dos direitos humanos não basta para assegurar o seu respeito. Depois de declará-los, é ainda preciso garantí-los. Trata-se, contudo, de duas etapas distintas. A Declaração indica os direitos que implicam numa garantia, mas a efetivação dessa garantia incumbe à Constituição, de acordo com a fórmula do artigo 16 da própria Declaração: “Toda sociedade na qual (…) a garantia dos direitos não é assegurada não tem constituição.” Constata-se aqui que um certo paradoxo cerca a ideia de direitos humanos tal qual explicitada pelas declarações de direitos. Com efeito, se por um lado trata-se de uma ideia bastante utópica e sonhadora, por outro lado, a efetivação dos direitos remete a várias questões práticas que têm influência direta na nossa vida cotidiana. Além disso, como conciliar a ideia filosófica de que os direitos humanos existem desde sempre, pois, estão inevitavelmente associados à própria existência do ser humano, e a possibilidade de progresso das condições e da consequente libertação do gênero humano da opressão e das injustiças que os direitos humanos podem promover na medida em que passam a ser reconhecidos? Este paradoxo explica porque os direitos humanos foram considerados por muito tempo como um capricho de sonhadores incorrigíveis. 9 ARTIGOS DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS: Artigo 1° Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. Artigo 2° 18 Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania. Artigo 3° Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo 4° Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos. Artigo 5° Ninguém será submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Artigo 6° Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da sua personalidade jurídica. Artigo 7° Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. Artigo 8° Toda a pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei. Artigo 9° 19 Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado. Artigo 10° Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida. Artigo 11° 1- Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas. 2- Ninguém será condenado por ações ou omissões que, no momento da sua prática, não constituíam ato delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em que o ato delituoso foi cometido. Artigo 12° Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei. Artigo 13° 1- Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado. 2- Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país. Artigo 14° 1- Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países. 2- Este direito não pode, porém, ser invocado no caso de processo realmente existente por crime de direito comum ou por atividades contrárias aos fins e aos princípios das Nações Unidas. 20 Artigo 15° 1- Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade. 2- Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade. Artigo 16° 1- A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais. 2- O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos futuros esposos. 3- A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção desta e do Estado. Artigo 17° 1- Toda a pessoa, individual ou coletiva, tem direito à propriedade. 2- Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade. Artigo 18° Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos. Artigo 19° Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão. Artigo 20° 1- Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas. 2- Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação. Artigo 21° 21 1- Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direção dos negócios públicos do seu país, quer diretamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2- Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país. 3- A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto. Artigo 22° Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país. Artigo 23° 1- Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2- Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual. 3- Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social. 4- Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses. Artigo 24° Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e as férias periódicas pagas. Artigo 25° 1- Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao 22 vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. 2- A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma proteção social. Artigo 26° 1- Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito. 2- A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. 3- Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos Artigo 27° 1- Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam. 2- Todos têm direito à proteção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica, literária ou artística da sua autoria. Artigo 28° Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efetivos os direitos e as liberdades enunciadas na presente Declaração. 23 Artigo 29° 1- O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade. 2- No exercício deste direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática. 3- Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente e aos fins e aos princípios das Nações Unidas. Artigo 30° Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada de maneira a envolver para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se entregar a alguma atividade ou de praticar algum ato destinado a destruir os direitos e liberdades aqui enunciados. 10 A ORIGEM E FORMAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS INDIVIDUAIS NO BRASIL No Brasil, o Estado nacional foi um projeto implantado pelas elites políticas, desde o Brasil Reinado, passando pelo Brasil Imperial, até a instalação da República. O povo brasileiro não teve participação direta nesse processo de formação do Estado nacional. Assim, os direitos fundamentais, tal como aparecem pela primeira vez na Constituição Imperial de 1824, foram outorgados pelas elites políticas e adquiriram pouca efetividade. Nesse contexto histórico, a cidadania foi privilégio de poucos e ainda hoje se encontra em um processo de formação que se dá em decorrência dos movimentos sociais e populares que fazem surgir os direitos fundamentais. No Brasil, desde seu nascimento como Estado independente, foram os movimentos sociais que deram sentido e efetividade aos direitos fundamentais e à cidadania. 24 Verificou-se, em nosso processo histórico, uma inversão, pela qual os direitos fundamentais criados nos textos constitucionais, doados de cima para baixo pelas elites, nunca foram conhecidos pela população e adquiriram muito pouca efetividade. Somente na atualidade os movimentos sociais geram e tornam efetivos alguns direitos fundamentais existentes no País. Essa inversão, aparentemente contrária a quase tudo o que se tem dito e ensinado sobre direitos fundamentais da pessoa humana no Brasil, procura denunciar a teoria individualista dos direitos humanos, a qual, sob a roupagem da subjetividade, banalizou conquistas históricas da população brasileira, esvaziando os direitos humanos em seu significado político e jurídico. Quando um povo não produz os movimentos revolucionários ou perde a memória histórica de movimentos populares que geraram direitos fundamentais, pode-se dizer que perdeu parte de sua soberania e cidadania. Quando os direitos fundamentais não decorrem de conquistas sociais e populares, mas são concedidos em Cartas Constitucionais, num movimento vertical de normatização que não conta com a efetiva participação popular no processo legiferante, como ocorreu no Brasil, eles tornam-se meras ideologias, que banalizam os significados dos direitos fundamentais e ocultam seu significado jurídico e político. A possibilidade de tal reflexão só foi possível ao nos depararmos com a situação histórica e atual dos direitos fundamentais da pessoa humana no Brasil. Trata-se de se admitir uma dura realidade: a cidadania e os direitos fundamentais no Brasil jamais alcançaram o sentido histórico, político e jurídico que representaram nos países europeus ou nos Estados Unidos da América do Norte. E isso se deve, por um lado, à habilidade de nossas elites políticas de protagonizar um processo civilizatório patrimonialista e patriarcal e, por outro, à baixa adesão da população a movimentos sociais, quase sempre derrotados e apagados ou desfigurados em sua importância histórica e política. Nos estados nacionais europeus ou mesmo nos Estados Unidos da América do Norte, as revoluções burguesas foram decorrência do efetivo exercício da cidadania e fizeram surgir declarações de direitos. No Brasil, onde o projeto de Estado nacional foi criado artificialmente por uma elite política imperial, não se verificou o efetivo exercício da cidadania em seus primeiros séculos de existência. Dessa forma, não houve no País uma revolução 25 burguesa e os direitos fundamentais foram importados de constituições e declarações de direitos de nações europeias ou norte-americana. A ideia de cidadania possui uma origem muito antiga, mas que foi reconstruída e aperfeiçoada em diferentes momentos da história da civilização ocidental, até tornarse um conceito fundamental na luta pela reconstrução dos Estados absolutistas em Estados democráticos, nos séculos XVII e XVIII. 10.1 A Origem do Conceito de Cidadania e sua Importância para a Advento dos Estados Modernos A origem do conceito de cidadania é grega. Foi em Atenas, aproximadamente no VIII século a.C., que surgiu no Mediterrâneo uma experiência singular: a ideia de Polis, espécie de cidade autônoma, independente e soberana que era governada, em última instância, por uma Assembleia de Cidadãos (politai). É verdade que essa Assembleia de Cidadãos não contava com a participação de todos, mas apenas dos homens livres e nascidos na própria Polis. Daí decorria que cidadão entre os gregos antigos era o homem livre, senhor de si e que tinha direito de participar da Assembleia de Cidadãos. O direito de participar da politica, portanto, não era extensivo aos escravos, mulheres e crianças, mas apenas aos homens livres que exerciam a prática do direito de decidir sobre os destinos políticos, culturais e econômicos da Polis. A esse direito de participar da politai e influenciar nos destinos políticos, culturais e econômicos da cidade se podia compreender como cidadania na Polis grega antiga. Então, como foi possível que uma invenção tão antiga como a cidadania, nascida na Grécia há mais de 2.500 anos, chegasse até os dias atuais, adquirindo características próprias e assumindo importância sine qua non para a vida dos Estados democráticos modernos? Como esse instituto da cidadania foi fundamental para a construção dos Estados nacionais e dos Estados modernos? A resposta para a primeira questão deve ser encontrada na historicidade dos movimentos sociais dos povos europeus, e que, mais tarde, estendeu-se por todo o mundo ocidental. Ocorre que a experiência grega de cidadania, entre outras descobertas do povo grego antigo, influenciou Roma. Os romanos, depois de terem vivenciado experiências de reinados por um longo período de sua história, fizeram de Roma uma cidade poderosa belicamente a 26 qual expandiu seus domínios para além de seu território peninsular. Contudo, ao conquistarem a Grécia, os romanos foram por ela conquistados, porquanto, apesar de seu grande poderio militar, sob o aspecto cultural, filosófico e político encontravam-se muitos séculos de atraso em relação aos gregos. Os romanos logo perceberam essa verdade e passaram a receber significativa influência do mundo grego em sua vida cultural, política e filosófica. A elite romana enviava os filhos para estudarem filosofia, oratória e retórica em Atenas. E não era só isso: a arte da medicina, da arquitetura, da pedagogia, tudo era estudado em Atenas ou contava com a participação de mestres gregos. Esse encontro da cultura grecoromana ficou conhecido como helenismo. Roma tornou-se, sob vários aspectos, uma extensão do mundo grego antigo e, em decorrência da expansão do Império, introduziu entre os povos europeus (então denominados bárbaros) muitos de seus valores culturais, jurídicos e econômicos. O cidadão romano possuía um status diferenciado dos demais povos conquistados. Adquirir cidadania romana implicava em transitar livremente por todo o Império Romano sem ser detido ou molestado. Esse processo histórico, como se sabe, perdurou por vários séculos, até a queda de Roma, no século V d.C. e o início da Idade Média. Com o advento da Idade Média, a ideia de cidadania quase desapareceu, porquanto, o fim do Império Romano significou também um período de fragmentação política e cultural, propiciando o predomínio político gradual da Igreja Católica. Nos períodos da alta à média Idade Média, as vilas e cidades europeias formaram-se aos pés dos mosteiros e igrejas. A vida dos homens ilustres e letrados formava-se sob a influência das ordens religiosas. Os destinos políticos das cidades já não eram decididos pelas Assembleias dos Cidadãos, mas pela autoridade religiosa e pelo poder secular, exercido por um príncipe ou rei coroado pelo Papa. Nesse cenário, a ideia de cidadania foi substituída pela ideia de súdito, que representava o homem livre submetido ao poder político do Rei. Contudo, a ideia de cidadania ressurgiria por volta do século XIV com o Renascimento. Como se sabe, este representou um retorno de muitos dos valores culturais, jurídicos e filosóficos que eram próprios ao mundo greco-romano. A partir de então, as cidades e vilas europeias deram início a um lento e gradual processo de emancipação política em relação ao poder exercido pela Igreja Católica. Ora, esse processo emancipatório das cidades e vilas europeias deu-se por meio dos 27 movimentos sociais, entre os quais um de grande importância foi a Reforma Protestante, verificada no início de 1517 a partir das teses de Martinho Lutero. Para a resposta à segunda indagação, isto é, de que forma esse instituto da cidadania foi fundamental para a construção dos Estados nacionais e dos Estados modernos, é preciso destacar a importância da Reforma Protestante e o modo pelo qual contribuiu para muitos dos fundamentos do surgimento do Estado moderno. Ocorre que a Reforma Protestante foi um marco histórico que inaugurou valores éticos e políticos inovadores: o fim do domínio político da Igreja Católica; o surgimento de liberdades políticas; liberdade de culto e de religião; liberdade de imprensa, liberdade de pensamento e,principalmente, liberdade de cátedra nas universidades. Evidentemente o fim do predomínio político da Igreja Católica foi conquista de uma cidadania efetiva que propiciou um movimento social de grande importância. Lutero jamais esteve só! Com ele a população alemã enfrentou o poder da Igreja Católica de sua época e as reformas religiosas deram causa a muitas reformas políticas, as quais influenciaram outros povos e Estados, como a Inglaterra e a França. Ora, nesse momento histórico da civilização ocidental, a liberdade de cátedra nas universidades foi fundamental para o surgimento de novas ideias jurídicas e políticas. Dentre elas, talvez a mais importante tenha sido a que se propôs a reconstruir o conceito de cidadania, o qual passou a ser discutido direta ou indiretamente em inúmeras obras acadêmicas que se popularizaram entre os jovens e acadêmicos de então. Merece ser mencionadas aquelas de autores iluministas, como Montesquieu, Locke, Rousseau e Kant, entre outros, que influenciaram no surgimento das revoluções burguesas e, consequentemente, no aparecimento dos Estados modernos fundados na cidadania, na democracia constitucional e nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. As ideias jurídico-filosóficas que propiciaram a Revolução Americana e a Revolução Francesa propagaram-se por todo o mundo e pelo novo mundo. 11 A INEXISTÊNCIA DE REVOLUÇÕES BURGUESAS NO BRASIL E SUAS CONSEQUÊNCIAS No Brasil não se verificou uma Revolução Burguesa nos moldes como se deu na América do Norte ou na Europa. A primeira revolta com significado de natureza semelhante às revoluções burguesas ocorridas na Europa foi a Inconfidência Mineira (1790). Todos os demais movimentos sociais anteriores, como a Confederação dos 28 Tamoios (1562), a formação do Quilombo de Palmares (1602), a Guerra dos Bárbaros (1682), a Insurreição Pernambucana (1645), a Revolta do Maranhão (1684) ou mesmo a Guerra dos Mascates (1710), não objetivavam a construção da cidadania e de um Estado independente nos moldes dos movimentos sociais e revolucionários europeus e norteamericanos. A Inconfidência Mineira trouxe em sua base ideológica ideias semelhantes àquelas divulgadas pelos filósofos iluministas e concretizadas pela Revolução Francesa e pela Americana, mas seus líderes foram presos e deportados e as iniciativas não foram vitoriosas. Não caberia aqui uma análise aprofundada das razões que levaram à derrota dos insurgentes ou as teses sobre a ausência de uma classe burguesa no Brasil de então. Os fatos significativos decorrentes do movimento inconfidente foram a construção artificial dos primeiros valores inerentes à ideia de cidadania moderna e de aspirações por um país independente, republicano, sem que esse Estado fosse construído sobre fundamentos constitucionais democráticos. Contudo, a Inconfidência Mineira foi um marco histórico significativo, pois a ela se sucederam a Conjuração Baiana (1798) e a Revolução Pernambucana (1817). Esse último movimento defendia a independência de Portugal e reuniu religiosos, comerciantes e militares que conseguiram prender o governador e constituir o primeiro governo republicano no Brasil. O movimento se estendeu à Paraíba, Rio Grande do Norte e parte do Ceará, mas durou menos de três meses. Os revoltosos foram presos e condenados à morte pelo fuzilamento. Durante o Império, outros movimentos sociais ocorreram, mas todos saíram derrotados e desmantelados e seus líderes fuzilados ou enforcados. O primeiro deles ficou conhecido como a Confederação do Equador (1824) e verificou-se novamente em Recife. Logo que os insurgentes conquistaram o poder estabeleceram um governo republicano, que deveria inaugurar um Estado independente, democrático e constitucional. Todavia, no dia 19 de setembro do mesmo ano, os revolucionários já estavam derrotados e receberam penas diversas: fuzilamento, forca ou prisão perpétua. A partir desse movimento, outros irromperam ao longo do período Imperial, como a Cabanagem (1833) no Pará, a Revolução Farroupilha (1835) no Rio Grande do Sul, a Sabinada (1837) na Bahia, a Balaiada (1838) no Maranhão e parte do Piauí e Ceará, e a Revolução Praieira (1848) que se estendeu por vários estados brasileiros e exigia voto livre e democrático, liberdade de imprensa e trabalho para todos. Contudo, todos foram derrotados e poucos contribuíram para a formação de um 29 Estado nacional fundado em valores modernos de cidadania. Em vez disso, o que se viu foi a construção de um Estado Imperial fundado uma economia escravista e uma elite formada por bacharéis de tradição Coimbrã, que era o oposto dos ideais revolucionários vitoriosos na França Bonapartista ou na América de George Washington. Proclamada a República, outros tantos movimentos sociais se instalaram no Brasil, como a Revolta Armada de 1893 e a Revolução Federalista, ocorrida no mesmo ano, no Rio Grande do Sul. Contudo, o movimento social mais radical e que abalou a nascente República brasileira foi Canudos, no interior da Bahia, onde viviam, em 1896, cerca de 20 mil pessoas sob o comando do beato Antônio Conselheiro. Ele iniciou-se em novembro de 1896 e a derrota se deu em outubro de 1897. Foram necessárias quatro expedições militares para sufocar 25 mil revoltosos. Canudos contribuiu para denunciar a grande exclusão social existente no Nordeste brasileiro, mas foi compreendido e classificado pelas elites brasileiras como um movimento messiânico, comandado por um fanático religioso, sem qualquer fundamentação iluminista ou revolucionária burguesa. Outros movimentos sociais menores ocorreram durante os primeiros anos da República Velha, como a Revolta da Vacina, de 1904 e a Revolta da Chibata, de 1910, ambas ocorridas na cidade do Rio de Janeiro. Ainda, a Revolta de Juazeiro, de 1914, em Juazeiro do Norte, interior do estado do Ceará, sob a liderança do padre Cícero, em que sertanejos pegaram em armas para derrubar o interventor do Estado. O governo cedeu, devolvendo o poder ao grupo político que antes controlava o Ceará. A Guerra do Contestado, entre 1912 e 1916, na região dos estados do Paraná e Santa Catarina, foi um movimento messiânico, com milhares de mortos. Todos esses movimentos populares, derrotados e desmantelados, possuíam na verdade uma natureza messiânica reacionária. Todos esses movimentos sociais verificados na história colonial, imperial e republicana do Brasil não foram decisivos para a construção da cidadania no Brasil. E não o foram porque não se fundavam em pressupostos teóricos e revolucionários semelhantes àqueles que inauguraram os estados burgueses modernos, como se deu na Inglaterra, com a Revolução Gloriosa; na França, com a Revolução de 1789; ou nos Estados Unidos da América em sua Revolução da Independência. Assim sendo, as ideias e ideais de cidadania e de direitos fundamentais no Brasil foram importados e transladados do continente europeu diretamente para a 30 Constituição Imperial de 1824, que inaugurou um capítulo próprio para os Direitos e Garantias Individuais, e que, no entanto, em outros capítulos de seu texto consolidava um Estado monárquico, patrimonialista e escravagista. Essa contradição inexorável contribuiu para que os direitos e garantias individuais fossem compreendidos no ideário nacional como uma ideologia liberal sem qualquer efeito concreto sobre a vida política e social do Brasil Imperial. O problema maior foi que essa ideologia liberal prosseguiu na vida política do País e passou a constar em todas as Constituições Republicanas, mesmo naquelas elaboradas sob regimes políticos totalitários, como se deu com a Carta Constitucional de 1937 e a Carta Constitucional de 1967, com a Emenda Constitucional de 1969. A cidadania no Brasil, portanto, pode ser compreendida como um fenômeno de formação recente decorrente de movimentos sociais e sindicais iniciados na primeira década do século XX e que, sob lideranças anarquistas, exigiram jornadas de trabalho de oito horas, descanso semanal remunerado, pagamento de horas extras e outras conquistas trabalhistas que, posteriormente, seriam incorporadas na CLT. Além desses movimentos sociais das classes trabalhadoras, ocorreram também levantes militares nas três primeiras décadas do século XX, primeiro no Rio de Janeiro (1922) e depois em São Paulo (1924). Foi o movimento tenentista, que exigia reformas profundas no sistema político republicano. Parte desse movimento originou a famosa Coluna Prestes, que até 1927 foi causa de revoltas por todo o País. Por onde passava, ateava fogo em Cartórios de Registro de Imóveis para por fim à propriedade privada injusta, e organizava triagens nos presídios para colocar em liberdade parte dos detentos que eram considerados vítimas de um sistema capitalista desigual e excludente. Foram os movimentos sociais, em suas várias modalidades e categorias, que propiciaram em outubro de 1930 a Revolução de 30. Para alguns historiadores e cientistas políticos, foi a primeira Revolução Burguesa ocorrida no Brasil. Apenas dois anos depois, no dia 9 de julho de 1932, as oligarquias cafeeiras do estado de São Paulo se rebelaram contra a ditadura Vargas, organizando um movimento popular conhecido como Revolução de 1932. Apesar da derrota,o movimento representou um marco nas lutas pelos direitos fundamentais no Brasil e fez que o País construísse a segunda Constituição Republicana, a Constituição de 1934. Nas décadas de 1940 e 1950 o Brasil viu florescer seu período de ouro. Na economia, nas artes, na música e nos esportes surgiu uma geração que construía 31 uma sociedade justa e igualitária, procurando diminuir as desigualdades sociais existentes nos segmentos de classes, intensificando a luta para extinguir o analfabetismo, instituindo um salário mínimo que buscava concretizar a ideia de direitos mínimos aos menos favorecidos. O avanço dos movimentos sociais urbanos e o aparecimento das Ligas Camponesas, no início da década de 1960 exerceram forte pressão política por reformas de base na sociedade brasileira, como a exigência de reforma agrária, erradicação do analfabetismo e fim da desigualdade entre homens e mulheres nas relações trabalhistas, dentre outras reivindicações políticas. Como reação a esses movimentos sociais crescentes, as elites políticas, em conjunto com a Igreja Católica, organizaram o evento denominado “Marcha da família com Deus pela liberdade”, o qual significou o sinal verde para que as forças militares levassem a termo um golpe de Estado ocorrido no dia 1º de abril de 1964, fazendo com que o presidente João Goulart abandonasse o poder e se exilou no Uruguai. Após o golpe de Estado, os movimentos sociais foram proibidos e duramente reprimidos, e as lideranças camponesas e sindicais perseguidas e presas. A Lei de Segurança Nacional foi utilizada para prender as forças oposicionistas e as lideranças dos movimentos sociais que se erguiam contra a ditadura militar. Milhares foram assassinados e desaparecidos, mas os movimentos sociais nunca desapareceram totalmente na luta pela redemocratização do País. Na década de 1980, a sociedade civil brasileira reorganizou-se em seus diversos segmentos e deu início a um processo de manifestações políticas que exigiam o fim do governo militar e a redemocratização. Importante foram os papéis desempenhados pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que, em suas reuniões anuais, fazia publicar documento exigindo a normalização da vida política do País e denunciando os abusos praticados pelo regime militar. De igual importância foram as atuações da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Por fim, em 1984 o governo militar viu-se amplamente derrotado nas eleições gerais para governadores, deputados federais e senadores. Era o fim da ditadura militar e o início da redemocratização do Estado brasileiro. Esse momento da história brasileira foi marcado pela construção de uma nova Constituição Federal, a Constituição de 1988, a mais democrática e representativa Carta Constitucional do 32 Estado brasileiro. Contudo, um dos efeitos nefastos do período de governo militar no Brasil foi a desmobilização dos movimentos sociais existentes no Brasil. 12 MOVIMENTOS SOCIAIS E CIDADANIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO Na semana de 21 a 24 de janeiro de 1984 ocorreu na cidade de Cascavel, Paraná, o Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Sem Terra. O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), como ficou conhecido, surgia com objetivos bem definidos: lutar pela terra, pela reforma agrária e pela construção de uma sociedade justa e igualitária. Até dezembro de 2010 o MST contabilizava aproximadamente 350 mil famílias assentadas e 90 mil famílias acampadas em todo o Brasil. Além disso, o MST já registra 108 cooperativas de trabalhadores e trabalhadoras sem-terra, 65 unidades agroindustriais e uma história de luta contra a fome e a mortalidade infantil. Destaca-se também que cerca de 120 mil crianças e adolescentes frequentam escolas construídas em terras que antes pertenciam a latifúndios improdutivos. O MST tem contribuído para a questão da cidadania no Brasil lutando pela terra, pois, quanto maior for o número de famílias assentadas, menor será o êxodo rural e o número de famílias morando em favelas nas cidades. Ademais, ao combater o latifúndio e ao assentar famílias sem-terra, o MST propicia o surgimento de cooperativas para sustentar o trabalho dessas famílias e a escolaridade para crianças e adolescentes, contribuindo para a questão dos direitos humanos e da cidadania no Brasil. O MST é um movimento social que trabalha com populações excluídas, procurando assentar famílias em propriedades rurais improdutivas, criando cooperativas e propiciando trabalho para milhares de trabalhadores rurais. Em 1997 surgiu no seio da sociedade brasileira o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) com o objetivo de garantir o direito à moradia e construir uma cidade justa e igualitária. O movimento não visa somente àqueles que não têm moradia, mas alcança também os desprovidos de condição humana digna e que vivem em estado de miserabilidade. A falta de moradia é o principal fator contrário a uma vida com dignidade. Desde 1940 o problema da moradia tornou-se muito grave no Brasil, pois as habitações dos grandes centros urbanos tornaram-se insuficientes para abrigar a população expulsa do campo no processo de êxodo rural. 33 Historicamente o MTST iniciou suas atividades em 1997, quando 5.200 famílias construíram casas em um terreno desapropriado na cidade de Campinas/SP. Esse movimento foi considerado a maior ocupação em área urbana da América Latina, conhecido como Parque Oziel. Em 1998, o MTST passou a realizar ocupações nas cidades de Guarulhos, Diadema, Itapevi e também no Nordeste e no Rio de Janeiro, e as ocupações chegaram a representar a conquista de 10 mil casas populares. Entre os anos de 2001 a 2003 a atuação estendeu-se a todo o Brasil. Em Guarulhos/SP, próximo da Rodovia Presidente Dutra, houve a ocupação conhecida como Anita Garibaldi, que teve a participação de 10 mil pessoas. Em Osasco/SP, ocorreu a ocupação Carlos Lamarca, onde ficava o antigo Lar Consolador da Verdade; e, em São Bernardo do Campo/SP foi feita a ocupação Santo Dias, localizada num terreno de propriedade da Volkswagen, porém no dia 9 de agosto do mesmo ano a Tropa de Choque da Polícia Militar invadiu o terreno e expulsou os ocupantes semteto. Atualmente, o MTST vem contribuindo para um dos mais importantes direitos fundamentais: o direito à moradia que é condição sine qua non para a cidadania. 13 SOCIEDADES MULTICULTURAIS O multiculturalismo é conhecido como um fenômeno que estabelece a coexistência de várias culturas em um mesmo espaço territorial e nacional. Ele é muito comum em nossa época, pois graças aos importantes avanços tecnológicos, ao desenvolvimento das comunicações e da interligação de diferentes partes do mundo, todas as sociedades podem receber informação sobre outras. Ao mesmo tempo, o crescimento das migrações e a travessia legal das fronteiras colaboram com a mistura de culturas e sociedades. As relações entre esses ‘’grupos’’ podem ser de aceitação e tolerância ou de conflito e rejeição. Isso vai depender da história da sociedade em questão, das políticas públicas propostas pelo Estado e, principalmente, do modo específico como a cultura dominante do território é imposta ou se impõe para todas as outras. A convivência entre culturas diferentes não é uma questão nova, mas que se se intensificou nos últimos anos devido a acontecimentos marcantes. 34 Não é possível entender o multiculturalismo fora do contexto do fenômeno da globalização. O desenvolvimento acelerado dos meios de transporte e das tecnologias de comunicação aproximaram diferentes regiões do mundo, criando redes industriais e financeiras complexas e uma economia multinacional, interdependente e insubmissa às fronteiras nacionais. Com o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos passam a hegemonizar culturalmente todo o planeta. Seus produtos, filmes, músicas e formas de ver as coisas se espalham globalmente gerando o que se chama de “americanização” do mundo. Frente a esse fenômeno de hegemonização dos padrões culturais globais, as culturas tradicionais se fortaleceram, reagindo contra a massificação dos modos de ser. Por outro lado, apesar da massificação, vemos que essas comunidades culturais locais são capazes de se apropriar de partes da cultura americana, transformando-as em uma algo novo e diferente do original. No Brasil, o funk e rap são um exemplo claro dessa possibilidade. Atualmente, o conceito de raça quando aplicado a humanidade causa inúmeras polêmicas, porque a área biológica comprovou que as diferenças genéticas entre os seres humanos são mínimas, por isso não se admite mais que a humanidade é constituída por raças. No entanto na década de 1970, o Movimento Negro Unificado e os teóricos que defendiam a causa, ressignificaram o conceito de raça como uma construção social forjada nas tensas relações entre brancos, negros e indígenas. Muitas vezes simulados como harmoniosos, não tinha relação com o conceito biológico de raça cunhado no século XIX, e que hoje está superado. O termo raça usado nesse contexto, segundo Petronilha Beatriz Silva (BRASIL, 2004), tem uma conotação política e é utilizado com freqüência nas relações sociais brasileiras, para informar como determinadas características físicas, como cor da pele, tipo de cabelo, entre outras, influenciam, interferem e até mesmo determina o destino e o lugar social dos sujeitos no interior da sociedade brasileira. O conceito de raça ao ser usado com conotação política permite, por exemplo, aos negros valorizar a característica que difere das outras populações e romper com as teorias raciais que foram formuladas no século XIX e até hoje permeia o imaginário popular. Outros processos importantes que influenciam no surgimento das sociedades multiculturais, são as lutas pela independência que ocorrem nas colônias europeias da segunda metade do século XX, especialmente na África e na Ásia. 35 13.1 Cenário Pós-Colonial Fonte: cartacapital.com.br O cenário pós-colonial gera um processo de resgate das culturas tradicionais locais e, ao mesmo tempo, pela ligação histórica, desencadeia um movimento migratório para os países colonizadores. Também os conflitos de ordem étnica, religiosa e política, além das deficiências econômicas, são fatores que aumentam o fluxo migratório. Incentivado por tudo isso e pelo próprio cenário criado pela globalização, esse movimento migratório transforma de modo profundo as nações que receberam os imigrantes, colocando em cheque a capacidade dos estados modernos de gerirem sua nova configuração multicultural. Alguns países democráticos têm buscado promover a aceitação e incorporação de culturas diferentes em seus territórios, valorizando a possibilidade de se constituírem enquanto nações pluriétnicas. No entanto, em outros países, a negação de direitos sociais e a perseguição de minorias culturais são práticas oficiais. Muitas vezes, ainda que exista uma política multiculturalista oficial, a perseguição é praticada por pessoas comuns, inflamadas por um sentimento de nacionalismo e rejeição ao outro. Os ataques violentos organizados por civis aos abrigos de refugiados de origem árabe na Alemanha são um exemplo disso. O multiculturalismo emerge a partir das reivindicações de minorias étnicas que sofrem de opressão histórica em seus territórios, como os negros e as populações indígenas por todo continente americano, incluindo o Brasil. O debate em torno desse tema é muito importante e traz à tona a forma como lidamos, enquanto sociedade, com as diferenças étnicas, culturais e religiosas que nos cercam. De um modo genérico o multiculturalismo pode ser entendido como a gestão de um fenômeno social assentado na refração das culturas postas em maior contato a partir da segunda metade do século XX. O cerne político da questão está na luta por 36 mais justiça social. O ponto de inflexão é posto na democracia. Portanto, uma luta por oportunidades, mais respeito à diferença e menos desigualdade. Enfim, é um fenômeno adensado pela conquista dos direitos civis. Como resultado prático buscamse melhorias em termos legais, econômicos, políticos sociais e culturais para as denominadas minorias. O multiculturalismo configura-se como política de gestão da multiculturalidade e/ou movimentos culturais demandados pela valorização da diferença como fator de expressão de identidade(s). Este, enquanto movimento de ideias, resulta de um tipo de consciência coletiva para a qual as orientações do agir humano se oporia a toda forma de centrismos (SEMPRINI, 1999). Assim, esta política afronta as concepções monoculturais das sociedades etnocêntricas. Os Estados Unidos da América, Canadá, Austrália, Inglaterra, Espanha e outros mais são exemplos de países onde as sociedades passaram a assumir formalmente a multiculturalidade. Deste feito, tais países engendraram políticas públicas como formas de gestão da pluralidade cultural. A América Latina, e nesta o Brasil, também se pôs diante da necessidade de valorizar a diversidade cultural (UNESCO, 2002). Valorização está situada na legislação e na formatação de políticas públicas específicas. Coroando esta política pública encontram-se programas antirracistas. Um lado prático destes consiste em levar professores/as e alunos/as a intervir em casos de “constrangimento racial e cultural”. A dimensão pedagógica do programa tem como finalidade a identificação das práticas racistas sistêmicas implicadas na definição de políticas e práticas de imigração, moradia, emprego e educação. No Brasil é disputado o reconhecimento da diferença através de políticas compensatórias (índios, negros, pessoas com alguma deficiência, mulheres, jovens, idosos, gays, etc.). Não obstante, este reconhecimento é marcado por contradições próprias da formação política e cultural expressa em desigualdades sociais. O Estado brasileiro assumiu a multiculturalidade como um condicionante da estruturação social. Por isso, pôs no corpo da Lei Maior (Brasil, 1988) este feito cultural como marca da formação social do país. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, Lei 9394/96, (BRASIL, 1996) trouxe uma concepção de educação para a diversidade cultural. Este processo de reforma estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (BRASIL, 1998). 37 Em outros âmbitos legais foram implantadas políticas públicas na forma de ações afirmativas nas universidades. A Lei nº 12.711/2012 foi sancionada em agosto de 2012. Ela garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. O restante (50%) das vagas permanece no processo de seleção universal. A reforma universitária está atravessada por este eixo transversal. Neste processo reformista foi criada a Secretaria de Promoção de Políticas de Igualdades Raciais – SEPPIR e A Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI. Outras reformulações hão sido desenvolvidas para o fortalecimento de grupos sociais discriminados ou postos à margem da sociedade. São políticas encorajadoras das questões multiculturais. Estas, portanto, constroemse mediante desafios. Porque a expressão das mesmas desloca poderes. O que tenciona relações antes mantidas em uma aura de naturalização. 14 CONCEITOS DE CULTURA, IDENTIDADE E DIFERENÇA Fonte: portalmie.com Nos últimos tempos a cultura tem sido o foco das discussões antropológicas devido ao estudo de sua evolução ser essencial à compreensão da diversidade cultural da espécie humana. Conforme Laraia (1996), o termo “cultura” foi definido pela primeira vez, no final do século XVIII, por Edward Tylor que através do termo germânico “Kultur”, que significava os aspectos espirituais de uma comunidade, com a palavra francesa “Civilization”, que significava as realizações materiais de um povo. 38 Ao tratar do conceito de cultura, a sociologia se ocupa em entender os aspectos aprendidos que o ser humano, em contato social, adquire ao longo de sua convivência. Esses aspectos, compartilhados entre os indivíduos que fazem parte deste grupo de convívio específico, refletem especificamente a realidade social desses sujeitos. Características como a linguagem, modo de se vestir em ocasiões específicas são algumas características que podem ser determinadas por uma cultura que acaba por ter como função possibilitar a cooperação e a comunicação entre aqueles que dela fazem parte. A cultura possui tanto aspectos tangíveis - objetos ou símbolos que fazem parte do seu contexto - quanto intangíveis - ideias, normas que regulam o comportamento, formas de religiosidade. Esses aspectos constroem a realidade social dividida por aqueles que a integram, dando forma a relações e estabelecendo valores e normas. Esses valores são características que são consideradas desejáveis ou indesejáveis no comportamento dos indivíduos que fazem parte de uma cultura, como por exemplo o princípio da honestidade que é visto como característica extremamente desejável em nossa sociedade. As normas são um conjunto de regras formadas a partir dos valores de uma cultura, que servem para regular o comportamento daqueles que dela fazem parte. O valor do princípio da honestidade faz com que a desonestidade seja condenada dentro dos limites convencionados pelos integrantes dessa cultura, compelindo os demais integrantes a agir dentro do que é estipulado como “honesto”. As normas e os valores possuem grandes variações nas diferentes culturas que observamos. Em algumas culturas, como no Japão, o valor da educação é tão forte que falhar em exames escolares é visto como uma vergonha tremenda para a família do estudante. Existe, então, a norma de que estudar e ter bom desempenho acadêmico é uma das mais importantes tarefas de um jovem japonês e a pressão social que esse valor exerce sobre ele é tão forte que há um grande número de suicídios relacionados a falhas escolares. Para nós, no entanto, a ideia do suicídio motivado por uma falha escolar parece ser loucura. Mesmo dentro de uma mesma sociedade podem existir divergências culturais. Alguns grupos, ou pessoas, podem ter fortes valores baseados em crenças religiosas, enquanto outras prefirem a lógica do progresso científico para compreender o mundo. A diversidade cultural é um fato em nossa realidade globalizada, onde o contato entre o que consideramos familiar e o que consideramos estranho é comum. Ideias 39 diferentes, comportamento, contato com línguas estrangeiras ou com a culinária de outras culturas tornou-se tão corriqueiro em nosso dia a dia que mal paramos para pensar no impacto que sofremos diariamente, seja na adoção de expressões de línguas estrangeiras ou na incorporação de alimentos exóticos em nossa rotina alimentar. Uma cultura não é estática, ela está em constante mudança de acordo com os acontecimentos vividos por seus integrantes. Valores que possuíam força no passado se enfraquecem no novo contexto vivido pelas novas gerações, a depender das novas necessidades que surgem, já que o mundo social também não é estático. Movimentos contraculturais, como o punk ou o rock, são exemplos claros do processo de mudança de valores culturais que algumas sociedades viveram de forma generalizada. O contato com culturas diferentes também modifica alguns aspectos de nossa cultura. O processo de aculturação, onde uma cultura absorve ou adota certos aspectos de outra a partir do seu convívio, é comum em nossa realidade globalizada, onde temos contato quase perpétuo com culturas de todas as formas e lugares possíveis. 14.1 Identidade Cultural A identidade cultural ainda é bastante discutida dentro dos círculos teóricos das Ciências Sociais em face de sua complexidade. Entre as possíveis formas de entendimento da ideia de identidade cultural, existem duas concepções distintas que devemos destacar dentro dos estudos sociológicos mais recentes. Essas concepções de identidade são brevemente explicadas por Anthony Giddens, sociólogo britânico, e nos ajudarão a entender melhor esse conceito. 40 Fonte: pt.slideshare.net O conceito de identidade refere-se a uma parte mais individual do sujeito social, mas que ainda assim é totalmente dependente do âmbito comum e da convivência social. De forma geral, entende-se por identidade aquilo que se relaciona com o conjunto de entendimentos que uma pessoa possui sobre si mesma e sobre tudo aquilo que lhe é significativo. Esse entendimento é construído a partir de determinadas fontes de significado que são construídas socialmente, como o gênero, nacionalidade ou classe social, e que passam a ser usadas pelos indivíduos como plataforma de construção de sua identidade. Dentro desse conceito de identidade, há duas distinções importantes que devemos entender antes de prosseguirmos. A teoria sociológica distingue duas apreensões: a identidade social e a autoidentidade. A identidade social refere-se às características atribuídas a um indivíduo pelos outros, o que serve como uma espécie de categorização realizada pelos demais indivíduos para identificar o que uma pessoa em particular é. Portanto, o título profissional de médico, por exemplo, quando atribuído a um sujeito, possui uma série de qualidades predefinidas no contexto social que são atribuídas aos indivíduos que exercem essa profissão. A partir disso, o sujeito posiciona-se e é posicionado em seu âmbito social em relação a outros indivíduos que partilham dos mesmos atributos. O conceito de autoidentidade (ou a identidade pessoal) refere-se à formulação de um sentido único que atribuímos a nós mesmos e à nossa relação individual que desenvolvemos com o restante do mundo. A escola teórica do “interacionismo simbólico” é o principal ponto de apoio para essa ideia, já que parte da noção de que é diante da interação entre o indivíduo e o mundo exterior que surge a formação de 41 um sentido de “si mesmo”. Esse diálogo entre mundo interior do indivíduo e mundo exterior da sociedade molda a identidade do sujeito que se forma a partir de suas escolhas no decorrer de sua vida. Diante do que já foi esclarecido, que o conceito de identidade cultural faz alusão à construção identitária de cada indivíduo em seu contexto cultural. Em outras palavras, a identidade cultural está relacionada com a forma como vemos o mundo exterior e como nos posicionamos em relação a ele. Esse processo é contínuo e perpétuo, o que significa que a identidade de um sujeito está sempre sujeita a mudanças. Nesse sentido, a identidade cultural preenche os espaços de mediação entre o mundo “interior” e o mundo “exterior”, entre o mundo pessoal e o mundo público. Nesse processo, ao mesmo tempo que projetamos nossas particularidades sobre o mundo exterior (ações individuais de vontade ou desejo particular), também internalizamos o mundo exterior (normas, valores, língua...). É nessa relação que construímos nossas identidades. Algumas pessoas consideram a globalização um perigo para a preservação da diversidade cultural, pois acreditam na perda de costumes tradicionais e típicos de cada sociedade, dando lugar à características globais e "impessoais". Com o intuito de tentar preservar a riqueza da diversidade cultural dos países, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) criou a "Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural". A Declaração da UNESCO sobre Diversidade Cultural reconhece as múltiplas culturas como uma "herança comum da humanidade", e é considerada o primeiro instrumento que promove e protege a diversidade cultural e o diálogo intercultural entre as nações. Já o Brasil, é um país incrivelmente rico em diversidade cultural, devido a sua extensão territorial e a pluralidade de colonizações e influências que sofreu ao longo do processo de construção da sociedade brasileira. As diferenças são bastante visíveis mesmo entre as diferentes regiões do país: norte, nordeste, centro-oeste, sudeste e sul. Nas regiões norte e nordeste, a predominância é das tradições indígenas e africanas, sincretizadas com os costumes dos povos europeus, que colonizaram o país. Na região centro-oeste, onde predomina o Pantanal, existe ainda uma grande presença da diversidade cultural indígena, com forte influência da culinária mineira e paulista. No sudeste e sul destacam-se costumes de origem europeia, com colônias 42 portuguesas, germânicas, italianas e espanholas que, ainda hoje, mantêm a cultura típica de seus países de origem. 14.2 Igualdade e Diferença Igualdade e diferença são temas velhos a despeito de sua permanência no debate atual. Esses temas estiveram enlaçados com os processos históricos emergentes e alcançaram várias formas de aparição histórico-discursiva que nem sempre combinavam a igualdade como oposto a uma desigualdade naturalizada, que demandava busca de soluções, como por exemplo, na era na Antiguidade. Clássica, cuja igualdade não era universalizável aos “não cidadãos”, aos “bárbaros”, mas sim, apenas aos cidadãos. Os responsáveis pela dignidade do conceito de igualdade de forma mais universal foram as filosofias humanistas dos séculos XVI e XVII, a ética cristã, os Iluministas do século XVIII e o marxismo do século XIX. Entretanto, a noção de igualdade persistente na cultura ocidental está indissociavelmente ligada ao Cristianismo, o qual enxerga cada homem individualmente, como uma pessoa singular, diferente, mas igual perante Deus e dotado da mesma origem. Assim, a noção de igualdade para o Cristianismo está intimamente ligada à noção de diferença: igualdade porque pela origem comum não há homem superior e nem inferior, e diferença porque na relação entre homem e Deus existe desigualdade entre criatura e Criador. E essa idéia de uma igualdade perante Deus foi ao longo do tempo sendo aperfeiçoada e codificada como igualdade perante a lei. Partindo desse suposto, o princípio de isonomia ou de igualdade, legalmente reconhecido e garantido pelos textos constitucionais dos países com regime político democrático, como é o caso do Brasil, afirma que todos são iguais sem distinção de qualquer natureza, porém a estrutura concreta das sociedades revela as diversidades de ordem cultural, social, de gênero, étnico-racial e as interferências das mesmas nas condições de vida e de história dessas sociedades e a necessidade da busca de uma igualdade material, substantiva, que perpassa pelo reconhecimento do direito a diferença. Noutras palavras, existem dois tipos de igualdade: a legal – àquela que está presente em dispositivos jurídicos; e a material – àquela que se consubstancia na vida 43 cotidiana, garantindo que todos os sujeitos usufruam os mesmos direitos e oportunidades. Entretanto, o direito a igualdade material, real, só se legitima quando o direito as diferenças são respeitadas. Com efeito, nas sociedades pluriétnicas, a noção de neutralidade do Estado, nas esferas econômica e social, se traduz na crença de que a mera introdução de dispositivos legais é o suficiente para garantir a existência de uma sociedade harmônica, onde independentemente da diversidade, seria assegurado a todos a efetiva igualdade de acesso aos bens produzidos pela humanidade, mas a discriminação se dá exatamente quando indivíduos são tratados iguais em situações diferentes, e quando diferentes, em situações iguais. Nesse contexto, a discussão de igualdade tem trazido à cena as várias coletividades, as diversas demandas específicas dos grupos excluídos histórica e culturalmente, como as mulheres, os índios, os negros, os homossexuais, os deficientes, etc., que lutam pelo direito às diferenças como pressuposto ao direito à igualdade, ou seja, uma discriminação positiva. 14.3 Universalismo e Relativismo Com o processo de internacionalização dos direitos humanos, compreendido como um fenômeno do pós-guerra - de 1945 em diante - houve a necessidade premente de se formalizar, em diversas cartas, declarações e pactos internacionais, um rol mínimo de direitos, individuais e coletivos, que os Estados e as Organizações Internacionais se comprometem a respeitar, manter e promover. O objetivo era fomentar o reconhecimento e a valorização da dignidade da pessoa humana, independentemente, das diversidades culturais e do regime jurídico adotado por cada Estado. Fonte:pulpitocristao.com 44 Nesse ínterim, foi idealizado um complexo sistema de proteção dos direitos humanos, o qual, num contexto global é exercido pela ONU, e, nas perspectivas regionais, pelas organizações internacionais. Destacam-se os sistemas: europeu, africano, asiático e interamericano. Acredita-se que parte das monstruosas violações aos direitos humanos da era Hitler poderiam ter sido evitadas, caso tais sistemas existissem. Pela adoção do novo paradigma, o qual situa a tutela dos direitos humanos como tema de legítimo interesse internacional, foi necessário restringir o conceito de soberania estatal, a qual se caracterizava, até então, por sua natureza ilimitada. Assim, a proteção dos direitos humanos não deve mais, reduzir-se ao âmbito interno de cada Estado, visto que a violação dos direitos humanos não é um problema doméstico, mas sim, uma questão que afeta toda a comunidade internacional. A concepção universalista, notadamente demarcada a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, oferece como contra-argumentos à crítica relativista, os seguintes: a) No que pertine ao argumento filosófico, os universalistas refutam as visões antropocêntricas e cosmoteleológicas, afirmando que os direitos expressos nas declarações de direitos humanos não têm o condão de abranger todas as nuanças da vida em sociedade. Ainda nesse sentido, os universalistas argumentam que é possível identificar traços comuns em qualquer sociedade, como, por exemplo, a valorização da dignidade da pessoa humana e a proteção contra opressão ou arbítrio. Nessa esteira, afirma-se a idéia de um núcleo mínimo de direitos os quais merecem a salvaguarda em nível global: b) Contra a crítica da imposição da cultura ocidental aos demais povos, como expressão imperialista, os universalistas reagem à postura relativista afirmando que vários Estados promovem graves e generalizadas violações aos direitos humanos, sob a justificativa da manutenção da identidade cultural. O discurso relativista, nesses termos, estaria impregnado de conveniência e segundas intenções, haja vista valer-se como ideologia para oprimir as populações subjugadas por essas práticas vis e inexpugnáveis, 45 e, ao mesmo tempo, para impedir a interferência da sociedade internacional na seara dos direitos humanos. Para reforçar essa crítica, ainda, era imprescindível refutar o argumento da falta de representatividade dos Estados na adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, o que para os relativistas era um sinal da arrogância dos países ocidentais. Assim, em 1993, foi adotada a Declaração e Programa de Ação de Viena. Neste acordo internacional houve a tentativa, via normativa, de se afirmar a universalidade como característica intrínseca aos direitos humanos. Para tanto o fórum de Viena contou com a participação de 171 Estados, os quais de forma livre e consensual acordaram que, resguardadas as particularidades culturais, os direitos humanos devem possuir um caráter protetivo de cunho universal, conforme dispõe o seguinte dispositivo: “Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contexto histórico, cultural e religioso, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais. ” Desta forma, pode-se inferir que, se a Declaração de 1948 consagrou a perspectiva ocidental da definição dos direitos humanos, foi em Viena, em 1993, que se efetivou a tese da universalidade, haja vista os amplos debates que se travaram, em uma arena política mais numerosa e representativa das diversas perspectivas regionais e culturais, os quais repercutiram, inclusive, na modificação de algumas tradições ocidentais. c) No que concerne à crítica da supervalorização dos direitos humanos, na perspectiva individual, os universalistas explicam que, em face da fragilidade do indivíduo frente ao Estado, ao capital privado e, até mesmo, à comunidade, era necessário elencar um rol mínimo de direitos que resguardassem a dignidade humana, minimizando os aspectos negativos, inerentes a vulnerabilidade individual, em situações de opressão e desigualdade extrema. Soma-se a isso a inexistência de impedimentos normativos para assunção de deveres, isto é, os direitos 46 consagrados nas declarações de direitos humanos podem ser implementados à luz dos deveres correlatos. Esta interpenetração, direitos-deveres, é salutar e deve ser fomentada para possibilitar uma aproximação entre as culturas, num contexto de aprendizado recíproco. d) Para refutar o argumento do direcionamento geopolítico dos direitos humanos, os universalistas reconhecem a existência desse tipo de prática instrumentalização-interesse, entretanto acentuam que tal assertiva não é, de forma alguma, exclusiva da seara humanista. Em outros termos, essa censura pode ser estendida a qualquer tema do Direito Internacional, visto que, na Sociedade internacional a correlação de forças não é isonômica, tão pouco homogênea, o que facilita a seletividade das normas internacionais de acordo com a influência política. Assim, a crítica deve recair não sobre o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mas sim sobre as próprias características da sociedade internacional, cujos atores principais, Estados, são, ao mesmo tempo, produtores, destinatários e aplicadores da norma internacional, podendo então interpretá-la de modo unilateral para atingir seus fins”. Por derradeiro, rebate-se a crítica “desenvolvimentista” à perspectiva universalista dos direitos humanos, afirmando-se que a inexistência de recursos econômico-financeiros não deve servir de mote a permitir uma postergação ad infinitum do gozo destes direitos. Ademais é preciso lembrar que os direitos previstos nas declarações de direitos humanos são denominados de mínimo ético irredutível ou mínimo existencial, ou seja, compõe o rol mínimo de direitos e garantias que devem ser asseguradas para possibilitar a existência de uma vida digna. Nesse sentido, vislumbra-se que as políticas de Estado devem ser orientadas, prima facie, para a implementação fático-jurídica dos direitos humanos, os quais, em muitos casos, também são direitos fundamentais, por estarem também previstos nas diversas Constituições estatais. Além disso, é falacioso o argumento de que a existência de riquezas fomenta a implementação dos Direitos Humanos, em especial, os econômicos, sociais e culturais. A realidade dos Estados é demarcada por grandes 47 desigualdades econômicas internas, as quais almeijam a grande população do acesso a tais direitos, mantendo o status quo de seletas elites locais. 15 QUESTÕES E TENSÕES NO COTIDIANO: GÊNERO, RAÇA, ORIENTAÇÃO SEXUAL E RELIGIÃO Fonte:radiocidadecaratinga.com.br Nos diversos contextos culturais existem fronteiras simbólicas que delimitam, de forma semipermeável, as diferenças entre os indivíduos e grupos sociais. Quando tais fronteiras se tornam rígidas, não permeáveis, e passam a qualificar alguns grupos a partir da desqualificação constante e difusa de outros grupos, percebemos o preconceito em ação, ou seja, a discriminação. Quando estas fronteiras rígidas são alvos de transgressão, percebemos a violência e a intolerância, subjacentes às práticas discriminatórias, em relação aos/às supostos/as 'transgressores/as'. Para a manutenção das desigualdades sociais é fundamental que tais fronteiras sejam respeitadas, não importando o preço pago em termos de sofrimento psíquico. Afinal, sentir-se inferiorizado/a ou desqualificado/a por defeitos pressupostos não é, certamente, uma experiência agradável. Apesar dessa fragmentação, gênero, raça, etnia, religião e sexualidade estão intimamente imbricados na vida social e na história das sociedades ocidentais e, portanto, necessitam de uma abordagem conjunta. Para trabalhar estes temas de forma transversal, é fundamental manter uma perspectiva não essencialista em relação às diferenças. A adoção dessa perspectiva justifica-se eticamente, uma vez 48 que o processo de naturalização das diferenças étnico-raciais, de gênero ou de orientação sexual, que marcou os séculos XIX e XX, vinculou-se à restrição do acesso à cidadania a negros, indígenas, mulheres e homossexuais. Lembremos, por exemplo, que até o início do século XX uma das justificativas para a não extensão às mulheres do direito ao voto baseava-se na ideia de que elas possuíam um cérebro menor e menos desenvolvido que o dos homens. Este imperativo de encontrar no corpo as razões de tais diferenças, ou seja, de essencializá-las ou naturalizá-las, explica-se pela preponderância formal dos princípios políticos do Iluminismo, muito especialmente do princípio da igualdade. Depois da Revolução Francesa, nas democracias liberais modernas, apenas desigualdades naturais, inscritas nos corpos, podiam justificar o não acesso pleno à cidadania. Alguns autores vêm mostrando como discursos homofóbicos, misóginos ou sexistas e racistas estão profundamente articulados. Um dos exemplos mais interessantes diz respeito ao modo pelo qual, na Alemanha nazista, a ascensão do discurso racista afetou não apenas as mulheres judias ou ciganas, consideradas racialmente inferiores. Como se tratava de “proteger” a chamada raça ariana, considerada superior às demais, passou a ser atribuído às mulheres “arianas” o ambíguo estatuto de “mães da raça”. E para cumprir esse papel deveriam ficar fora do espaço público, permanecendo em casa e ocupando-se apenas da tarefa de criar filhos “racialmente puros”. Vê-se aqui a adoção do racismo como política de Estado acabou implicando a reclusão das mulheres ao espaço doméstico. Vale lembrar que, ainda na Alemanha nazista, o racismo anti-semita articulou-se também à discriminação de homossexuais. Vistos, como os judeus, como ameaças à raça ariana, acabaram igualmente sendo enviados a campos de concentração. Além de relações históricas, há em situações bem cotidianas uma espécie de sinergia entre atitudes e discursos racistas, sexistas e homofóbicos. Um exemplo talvez banal: se um adolescente ou aluno manifesta qualquer sinal de homossexualidade, logo aparece alguém o chamando de “mulherzinha” ou “mariquinha”. O que poucos se perguntam é por que ser chamado de mulher pode ser ofensivo. Em que sentido ser feminino é mau? Aqui pode ser visto o modo como a misoginia e a homofobia se misturam e se reforçam. A discriminação em relação às mulheres ou ao feminino articula-se à discriminação dos sexualmente diferentes, daqueles que são sexualmente atraídos por pessoas do mesmo sexo. 49 O sofrimento que emerge dessa situação para adolescentes de ambos os sexos talvez só possa ser realmente avaliado por aqueles/as que foram submetidos/as a tais processos de estigmatização e marginalização. Além disso, frequentemente o discurso racista utiliza características atribuídas às mulheres para inferiorizar negros/as, indígenas ou outros grupos considerados inferiores: “São mais impressionáveis, mais imprevidentes, mais descontrolados, mais impulsivos” etc. e, como as mulheres, estariam mais próximos da natureza, devendo ser tutelados, ou seja, tratados como crianças, incapazes de exercer plenamente seus direitos políticos. Assim, diferentes desigualdades se sobrepõem e se reforçam. Faz todo o sentido, portanto, discuti-las em conjunto, pois aquele que é considerado como cidadão, o sujeito político por excelência, é homem, branco e heterossexual. Em torno dele constrói-se todo um universo de diferenças desvalorizadas, de subcidadãos e subcidadãs. Precisamos, portanto, ir além da promoção de uma atitude apenas tolerante para com a diferença, o que em si já é uma grande tarefa, sem dúvida. Afinal, as sociedades fazem parte do fluxo mais geral da vida e a vida só persevera, só se renova, só resiste às forças que podem destruí-la através da produção contínua e incansável de diferenças, de infinitas variações. As sociedades também estão em fluxo contínuo, produzindo a cada geração novas ideias, novos estilos, novas identidades, novos valores e novas práticas sociais. Não precisamos recuar tanto no tempo para encontrar diferentes formas de organização social e manifestações culturais: nossos antepassados agiam e pensavam de forma muito diversa da nossa. Num passado não muito distante, a situação da mulher no Brasil, por exemplo, era bastante distinta da atual. Os costumes de muitas famílias da nossa oligarquia rural exigiam que os pais escolhessem aquele que desposaria sua filha. Uma série de fatores influía na decisão dos pais e mães: desde alianças antigas entre as famílias, obrigações recíprocas, promessas feitas, às vezes, antes do nascimento dos filhos e filhas, até mesmo questões como o dote e os interesses econômicos, contando muito pouco o desejo dos filhos e das filhas. Hoje as coisas são bem diferentes e, embora uma série de elementos de diversas ordens interfira na escolha do/a parceiro/a, o desejo individual é representado pela coletividade como decisivo. 50 A diversidade das manifestações culturais se estende não só no tempo, mas também no espaço. Se dirigirmos o olhar para os diferentes continentes, encontraremos costumes que nos parecerão, à luz dos nossos, curiosos ou aberrantes. Do mesmo modo que os povos falam diferentes línguas, eles expressam das formas mais variadas os seus valores culturais. O nascimento de uma criança será festejado de forma variada se estivermos em São Paulo, na Guiné- Bissau ou no norte da Suécia: a um mesmo fato aparente – o nascimento – diferentes culturas atribuem significados distintos que são perceptíveis por meio de suas manifestações. 16 ETNOCENTRISMO, ESTEREÓTIPO E PRECONCEITO Etnocentrismo, estereótipo, preconceito e discriminação são ideias e comportamentos que negam humanidade àqueles e àquelas que são suas vítimas. A situação tem melhorado graças à atuação dos movimentos sociais e de políticas públicas específicas. E você? Como pode contribuir para a mudança? Fonte: megaarquivo.files.wordpress.com A reação diante da alteridade faz parte da própria natureza das sociedades. Em diferentes épocas, sociedades particulares reagiram de formas específicas diante do contato com uma cultura diversa à sua. Um fenômeno, porém, caracteriza todas 51 as sociedades humanas: o estranhamento diante de costumes de outros povos e a avaliação de formas de vida distintas a partir dos elementos da sua própria cultura. A este estranhamento chamamos etnocentrismo. Por exemplo, todas as culturas definem o que as pessoas devem levar como vestimenta e adorno. Muitas vezes, a cultura ocidental se negou a ver nas pinturas corporais ou em diferentes adornos e adereços dos grupos indígenas sul-americanos os correspondentes às nossas roupas, e criou-se a idéia de que o “índio” andaria pelado, avaliando tal comportamento como “errado”. Recentemente, com a onda ecológica, o que no passado fora condenado, passou a ser valorizado, ou seja, a nudez de “índios e índias” os colocaria de forma mais salutar em maior contato com a natureza. Nada mais equivocado do que falar do “índio” de forma indiscriminada: o etnocentrismo não permite ver, por um lado, que o “índio” não existe como algo genérico, mas nas manifestações específicas de cada cultura – Bororo, Nhambiquara, Guarani, Cinta-Larga, Pataxó etc. – e por outro, que o “índio” nem anda “pelado” nem está mais próximo da natureza, pela simples ausência de vestimentas ocidentais. Os Zoé, índios Tupi do rio Cuminapanema (PA), por exemplo, utilizam botoques labiais; os homens, estojos penianos e as mulheres, tiaras e outros adornos sem os quais jamais apareceriam em público. São elementos que os diferenciam definitivamente dos animais e que marcam a sua vida em sociedade, da mesma forma que o uso de roupas na nossa cultura. Vê-se, com naturalidade, que mulheres, e atualmente também os homens, furem suas orelhas e usem brincos. Ninguém vê no ato de furar as orelhas um signo de barbárie e o uso de brincos é sinônimo de coqueteria para homens e mulheres. Há pouco tempo, homens que usassem brincos eram tidos como homossexuais ou afeminados. O uso de botoques labiais por diversos grupos indígenas do Brasil não foi, porém, incorporado da mesma forma. Os brincos que as indianas usam no nariz eram vistos com estranheza, pois o nariz não era considerado o lugar “certo” para colocar brincos, segundo o padrão de beleza ocidental predominante no país, até chegarem os piercings, cada vez mais adotados pelos jovens. O etnocentrismo consiste em julgar, a partir de padrões culturais próprios, como “certo” ou “errado”, “feio” ou “bonito”, “normal” ou “anormal” os comportamentos e as formas de ver o mundo dos outros povos, desqualificando suas práticas e até negando sua humanidade. Assim, percebemos como o etnocentrismo se relaciona com o conceito de estereótipo, que consiste na generalização e atribuição de valor (na 52 maioria das vezes negativo) a algumas características de um grupo, reduzindo-o a essas características e definindo os “lugares de poder” a serem ocupados. É uma generalização de julgamentos subjetivos feitos em relação a um determinado grupo, impondo-lhes o lugar de inferior e o lugar de incapaz no caso dos estereótipos negativos. No cotidiano, temos expressões que reforçam os estereótipos: “tudo farinha do mesmo saco”; “tal pai, tal filho”; “só podia ser mulher”; “nordestino é preguiçoso”; “serviço de negro”; e uma série de outras expressões e ditados populares específicos de cada região do país. Os estereótipos são uma maneira de “biologizar” as características de um grupo, isto é, considerá-las como fruto exclusivo da biologia, da anatomia. O processo de naturalização ou biologização das diferenças étnico-raciais, de gênero ou de orientação sexual, que marcou os séculos XIX e XX, vinculou-se à restrição da cidadania a negros, mulheres e homossexuais. Uma das justificativas até o início do século XX para a não extensão às mulheres do direito de voto baseava-se na idéia de que possuíam um cérebro menor e menos desenvolvido que o dos homens. A homossexualidade, por sua vez, era tida como uma espécie de anomalia da natureza. Nas democracias modernas, apenas desigualdades naturais podiam justificar o não acesso pleno à cidadania. No interior de nossa sociedade, encontramos uma série de atitudes etnocêntricas e biologicistas. Muitos acreditaram que havia várias raças e sub-raças, que determinariam, geneticamente, as capacidades das pessoas. Da mesma forma, pesquisas foram realizadas para provar que o cérebro das mulheres funcionava de modo diferente do cérebro dos homens. Esses temas serão aprofundados nos Módulos Relações de Gênero e Relações Étnico-Raciais. Encontramos um exemplo de intolerância religiosa na relação com o candomblé e outras religiões de matriz africana. O sacrifício animal no candomblé e em outras religiões afrobrasileiras tem sido considerado como sinônimo de barbárie pelos praticantes de outros credos: trata-se, contudo, simplesmente, de uma forma específica para que homens e mulheres entrem em contato com o divino, com os deuses – neste caso, os orixás - cada qual com a sua preferência, no que diz respeito ao sacrifício. Outras religiões pregam formas diversas de contato com o divino e condenam as práticas do candomblé como “erradas” e “bárbaras”, ou como “feitiçaria”, a partir de seus próprios preceitos religiosos. O preconceito de alguns seguimentos religiosos tem levado seus seguidores a atacar, com pedras e paus, terreiros e roças. 53 O espiritismo kardecista, hoje praticado nas mais diferentes partes do Brasil, foi durante muito tempo perseguido por aqueles que, adotando um ponto de vista católico ou médico, afirmavam serem as práticas espíritas próprias de charlatães. Se boa parte dos/as brasileiros/as se define como católica, a verdade é que somos um país cruzado por múltiplas crenças. Até mesmo no interior do próprio catolicismo há diferentes práticas religiosas: somos um país plural. A constituição garante a liberdade religiosa e de crença, e as instituições devem promover o respeito entre os praticantes de diferentes religiões, além de preservar o direito não adotam qualquer prática religiosa. No entanto, é bastante comum encontrarmos crianças e adolescentes que exibem com orgulho para seus/suas educadores/as os símbolos de sua primeira comunhão, enquanto famílias que cultuam religiões de matriz africana são pejorativamente chamadas de “macumbeiras”, sendo discriminadas por suas identidades religiosas. O estereótipo funciona como um carimbo que alimenta os preconceitos ao definir a priori quem são e como são as pessoas. Sendo assim, o etnocentrismo se aproxima também do preconceito, que, como diz a palavra, é algo que vem antes (pré) do conhecimento (conceito), ou seja, antes de conhecer já defino “o lugar” daquela pessoa ou grupo. Um outro significado da palavra “conceito” é “juízo” e, assim sendo, preconceito seria um “prejuízo” para quem o sofre, mas também para quem o exerce, pois, não entra em contato com o outro e/ou a outra. Fonte: empoderadasnagestao.wordpress.com O preconceito relativo às práticas religiosas afro-brasileiras está profundamente arraigado na sociedade brasileira por essas práticas estarem associadas a negros e negras, grupo historicamente estigmatizado e excluído. Os 54 cultos afro-brasileiros seriam contrários ao “normal e natural” cristianismo europeu. Teremos um módulo dedicado ao estudo das relações étnico raciais e ao estudo histórico, cultural e pedagógico da presença dos negros no Brasil, assim como tratará das reivindicações e das conquistas dos movimentos negros. Para efeito desse exemplo, porém, vale lembrar que expressões culturais como o samba, a capoeira e o candomblé foram, durante décadas, proibidas e perseguidas pela polícia. Isso mostra que essas práticas foram incorporadas aos símbolos nacionais no interior de processos extremamente complexos. O caso mais evidente é o samba, que de “música de negros” passou a ser caracterizado como “música nacional”. As religiões afro-brasileiras, no entanto, ainda enfrentam um profundo preconceito por parte de amplos setores da sociedade: há quem considere o candomblé como uma “dança folclórica”, negando, como consequência, seu conteúdo religioso; há também quem o caracteriza como uma “prática atrasada”. Em ambos os casos, seu caráter religioso é negado e não é tomado em pé de igualdade com outras práticas e crenças. Ora, tanto o candomblé quanto a umbanda são religiões extremamente complexas, são práticas rituais sofisticados e fazem parte de um sistema mítico que – da mesma forma que a Bíblia – explica a origem da humanidade, suas relações com o mundo natural e com o mundo sobrenatural. Os grupos que compõem as religiões afro-brasileiras possuem o conhecimento de um código – que se expressa por intermédio da religião – desconhecido por outros setores da população. Enquanto códigos e expressões culturais de determinados grupos, as diferentes religiões afro-brasileiras devem ser olhadas com respeito. Além das práticas religiosas, em nossa sociedade, existem práticas que sofrem um profundo preconceito por parte dos setores hegemônicos, ou seja, por parte daqueles que se aproximam do que é considerado “correto” segundo os que detêm poder. Seguindo essa lógica, as práticas homossexuais e homo afetivas, são condenadas, vistas como transtorno, perturbação ou desvio à “normal e natural” heterossexualidade. Aqueles e aquelas que manifestavam desejos diferentes dos comportamentos heterossexuais, além de condenados por várias religiões, foram enquadrados/as no campo patológico e estudados/as pela medicina psiquiátrica que buscava a cura para aquele mal. Foi necessária a contribuição de outros campos do conhecimento para romper com a idéia de “homossexualismo” como doença e 55 construir os conceitos de homossexualidade e de orientação sexual, incluindo a sexualidade como constitutiva da identidade de todas as pessoas. O preconceito contra pessoas com orientação sexual diferenciada vem sendo fortemente combatido pelo Movimento LGBT. Consideradas, no passado, um pecado pela religião (e por muitos até hoje), uma doença pela medicina, um desvio de conduta pela psicologia, as práticas homoeróticas, nas últimas décadas, têm contribuído para a superação do estigma que as reprova e persegue. Embora se trate de um grupo social ainda fortemente estigmatizado, é inegável que a atuação dos movimentos sociais tem provocado mudanças no imaginário e agregado conhecimentos sobre a homossexualidade, de maneira a tirá-la da “clandestinidade”. Há pouco mais de uma década, era impensável a “Parada do Orgulho Gay”, atualmente denominada Parada LGBT, por exemplo, que ocorre em boa parte das grandes cidades brasileiras. Cada vez mais vemos homossexuais ocupando a cena pública de diferentes formas. A atual luta pela parceria civil constitui uma das muitas bandeiras dos movimentos homossexuais com apoio de vários outros movimentos sociais. Fonte: pedrovallsfeurosa.com.br No conjunto das conquistas político-sociais da atuação do Movimento LGBT, se enquadra a sensibilização da população de modo geral para as formas de discriminação por orientação sexual, que tem levado estudantes a abandonarem a escola, por não suportarem o sofrimento causado pelas piadinhas e ameaças cotidianas dentro e fora dos muros escolares. Esses mesmos movimentos têm apontado a urgência de inclusão, no currículo escolar, da diversidade de orientação sexual, como forma de superação de preconceitos e enfrentamento da homofobia. 56 Questões de gênero, religião, raça/etnia ou orientação sexual e sua combinação direcionam práticas preconceituosas e discriminatórias da sociedade contemporânea. Se o estereótipo e o preconceito estão no campo das ideias, a discriminação está no campo da ação, ou seja, é uma atitude. É a atitude de discriminar, de negar oportunidades, de negar acesso, de negar humanidade. Nessa perspectiva, a omissão e a invisibilidade também são consideradas atitudes, também se constituem em discriminação. O predomínio de livros didáticos e paradidáticos em que a figura da mulher é ausente ou caracterizada como menos qualificada que o homem contribui para uma imagem de inferioridade feminina, por um lado, e superioridade masculina, por outro. É o caso dos livros em que a mulher ocupa os lugares de menos prestígio, como, por exemplo, a organização e limpeza da casa, ou quando aparece como ajudante nas atividades masculinas, como enfermeiras e garçonetes. Silenciosamente, vão sendo demarcados, com uma linha nada imaginária, os lugares dos homens e os lugares das mulheres. E os homens e as mulheres que fugirem desse roteiro pré-definido terão seus valores humanos ameaçados ou violados. O grupo social, respaldado por um conjunto de idéias machistas, exercerá seu controle e fortalecerá os mecanismos de exclusão e negação de oportunidades iguais. É importante destacar que há mudanças acontecendo. No que se refere às mulheres, por exemplo, historicamente em situação de desigualdade com relação aos homens, sua entrada progressiva no mercado de trabalho, seu acesso a ambientes antes considerados “masculinos” e, inclusive, a predominância feminina em determinadas profissões liberais se deram em meio a um processo de transformação pautado, entre outros fatores, pelas demandas dos movimentos feministas, muito vigorosos em todos os países ocidentais, nas últimas décadas. Esse processo veio acompanhado de uma profunda discussão sobre a construção das feminilidades e masculinidades nos diferentes processos de educação e pela organização política das mulheres na luta contra o preconceito e as discriminações e pela construção da igualdade. A superação das discriminações implica a elaboração de políticas públicas específicas e articuladas. Os exemplos relativos às mulheres, aos homossexuais masculinos e femininos, às populações negra e indígena tiveram a intenção não apenas de explicitar que as práticas preconceituosas e discriminatórias – misoginia, homofobia e racismo – existem no interior da nossa sociedade, mas também que 57 essas mesmas práticas vêm sofrendo profundas transformações em função da atuação dos próprios movimentos sociais, feministas, LGBT, negros e indígenas. Tais movimentos têm evidenciado o quanto as discriminações se dão de formas combinadas e sobrepostas, refletindo um modelo social e econômico que nega direitos e considera inferiores mulheres, gays, lésbicas, transexuais, travestis, negros, indígenas. A desnaturalização das desigualdades exige um olhar transdisciplinar, que, em vez de colocar cada seguimento numa caixinha isolada, convoca as diferentes ciências, disciplinas e saberes para compreender a correlação entre essas formas de discriminação e construir formas igualmente transdisciplinares de enfrentá-las e de promover a igualdade. Daquilo que vimos refletindo até aqui, fica evidente que a escola é instituiçãoparte da sociedade e por isso não poderia se isentar dos benefícios ou das mazelas produzidos por essa mesma sociedade. A escola é, portanto, influenciada pelos modos de pensar e de se relacionar da/na sociedade, ao mesmo tempo em que os influencia, contribuindo para suas transformações. Ao identificarmos o cenário de discriminações e preconceitos, vemos no espaço da escola as possibilidades de particular contribuição para alteração desse processo. A escola, por seus propósitos, pela obrigatoriedade legal e por abrigar distintas diversidades (de origem, de gênero, sexual, étnico-racial, cultural etc), torna-se responsável – juntamente com estudantes, familiares, comunidade, organizações governamentais e não governamentais – por construir caminhos para a eliminação de preconceitos e de práticas discriminatórias. Educar para a valorização da diversidade não é, portanto, tarefa apenas daqueles/as que fazem parte do cotidiano da escola; é responsabilidade de toda a sociedade e do Estado. Compreendemos que não se faz uma educação de qualidade sem uma educação cidadã, uma educação que valorize a diversidade. Reconhecemos, porém, que a escola tem uma antiga trajetória normalizadora e homogeneizadora que precisa ser revista. O ideal de homogeneização levava a crer que os/as estudantes negros/as, indígenas, transexuais, lésbicas, meninos e meninas deveriam se adaptar às normas e à normalidade. Com a repetição de imagens, linguagens, contos e repressão aos comportamentos “anormais” (ser canhoto, por exemplo) se levariam os “desviantes” à integração ao grupo, passando da minimização à eliminação das diferenças (defeitos). E o que seria normal? Ser homem-macho? Ser mulher feminina? Ser negro quase branco? Ser gay sem gestos “afetados”? Espera-se que o discriminado se esforce e 58 adapte-se às regras para que ele, o diferente, seja tratado como “igual”. Nessa visão, “se o aluno for eliminando suas singularidades indesejáveis, será aceito em sua plenitude” (CASTRO, 2006, p 217). Essa concepção de educação justificou e justifica, ainda hoje, a fala de educadores e educadoras, os quais, ainda que reconheçam a existência de discriminações dentro e fora da escola, acreditam que é melhor “ficar em silêncio”. Falar do tema seria acordar preconceitos antes adormecidos, podendo provocar um efeito contrário: em vez de reduzir os preconceitos, aumentá-los. E, nos silêncios, no “currículo explícito e oculto”, vão se reproduzindo desigualdades. Quando a escola não oferece possibilidades concretas de legitimação das diversidades (nas falas, nos textos escolhidos, nas imagens veiculadas na escola etc) o que resta aos alunos e alunas, senão a luta cotidiana para adaptar-se ao que esperam deles/as ou conformarse com o status de “desviante” ou reagir aos xingamentos e piadinhas e configurar entre os indisciplinados? E, por último, abandonar a escola. A diversidade está presente em cada entrelinha, em cada imagem, em cada dado, nas diferentes áreas do conhecimento, valorizando-a ou negando-a. É no ambiente escolar que as diversidades podem ser respeitadas ou negadas. É da relação entre educadores/as, entre estes/as e os/as educandos/as e entre os educandos/as que nascerá a aprendizagem da convivência e do respeito à diversidade. “A diversidade, devidamente reconhecida, é um recurso social dotado de alta potencialidade pedagógica e libertadora. A sua valorização é indispensável para o desenvolvimento e a inclusão de todos os indivíduos. Políticas socioeducacionais e práticas pedagógicas inclusivas, voltadas a garantir a permanência, a formação de qualidade, a igualdade de oportunidades e o reconhecimento das diversas orientações sexuais e identidades de gênero [e étnicoraciais], contribuem para a melhoria do contexto educacional e apresentam um potencial transformador que ultrapassa os limites da escola, em favor da consolidação da democracia” (Texto-base da Conferência Nacional de LGBT – Direitos Humanos e Políticas Públicas: o caminho para garantir a cidadania de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, p. 19, 2008) É no ambiente escolar que os/as estudantes podem construir suas identidades individuais e de grupo, podem exercitar o direito e o respeito à diferença. Faz-se necessário contextualizar o currículo, “cultivar uma cultura de abertura ao novo, para ser capaz de absorver e reconhecer a importância da afirmação da 59 identidade, levando em conta os valores culturais” dos/as estudantes e seus familiares, favorecendo que estudantes e educadores/as respeitem os valores positivos que emergem do confronto dessas diferenças, possibilitando, ainda, desativar a carga negativa e eivada de preconceitos que marca a visão discriminatória de grupos sociais, com base em sua origem étnico-racial, suas crenças religiosas, suas práticas culturais, seu modo de viver a sexualidade. Trata-se, portanto, de tarefa transdisciplinar, pela qual todos os educadores e educadoras são responsáveis. Cada área do conhecimento pode e tem a contribuir para que as realidades de discriminação sejam desveladas, seja recuperando os processos históricos, seja analisando estatísticas, seja numa leitura crítica da literatura ou na inclusão de autores de grupos discriminados ou que abordem o tema. Espera-se, portanto, que uma prática educativa de enfrentamento das desigualdades e valorização da diversidade vá além, sendo capaz de promover diálogos, a convivência e o engajamento na promoção da igualdade. Não se trata, simplesmente, de desenvolver metodologias para trabalhar a diversidade e tampouco com “os diversos”. É, antes de tudo, rever as relações que se dão no ambiente escolar na perspectiva do respeito à diversidade e de construção da igualdade, contribuindo para a superação das assimetrias nas relações entre homens e mulheres, entre negros/as e brancos/as, entre brancos/as e indígenas entre homossexuais e heterossexuais e para a qualidade da educação para todos e todas. É no ambiente escolar que crianças e jovens podem se dar conta de que somos todos diferentes e que é a diferença, e não o temor ou a indiferença, que deve atiçar a nossa curiosidade. E mais: é na escola que crianças e jovens podem ser, juntamente com os professores e as professoras, promotores e promotoras da transformação do Brasil em um país respeitoso, orgulhoso e disseminador da sua diversidade. 60 17 DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E DEMOCRACIA Fonte: ibradd.org.br É no período pós-guerra que surge o Direito Internacional dos Direitos Humanos como uma tentativa de situar os direitos fundamentais na base da ordem internacional contemporânea. Para que esse objetivo fosse alcançado, seria necessária uma universalização e internacionalização desses direitos, ou seja, a questão dos Direitos Humanos deveria ir além das fronteiras dos Estados Nacionais. Esse processo de internacionalização acabou gerando o surgimento de um sistema normativo internacional, voltado para a proteção e amparo dos direitos fundamentais. O sistema internacional de proteção dos direitos humanos dialoga com os sistemas nacionais para a garantia e o respeito aos direitos e às liberdades fundamentais dos indivíduos. Todavia, se o Estado se torna negligente frente ao compromisso de promoção dos Direitos Humanos, o sistema internacional possui legitimidade para cobrar desses Estados. Essa legitimidade tem lugar, sobretudo, quando se estabelece uma efetiva relação do Estado Nacional com a ordem internacional, no sentido de garantia dos direitos fundamentais. De outra maneira: quando o Estado aceita o aparato internacional. Nessa perspectiva, a intervenção internacional é uma medida que reflete apenas em um auxílio ou em um complemento à proteção interna desses direitos. O processo de internacionalização dos direitos humanos desencadeia a democratização do cenário internacional, uma vez que surge a sociedade civil internacional, composta por organizações não governamentais e por indivíduos, que 61 passam a poder acionar órgãos internacionais em casos de violação dos direitos humanos. Por essas razões, a dimensão da cidadania no exercício de garantia dos direitos humanos, sobretudo no plano internacional, sugere que o favorecimento do acesso às Cortes internacionais a indivíduos ou grupos organizados, não só contribui para a efetivação dos direitos humanos, como se realiza, propriamente, o entendimento de que o sistema internacional de proteção desses direitos envolve um sistema legal juridicamente vinculante, podendo ser exigível, portanto, diretamente pela cidadania. É preciso, no entanto, refletir sobre como a proteção dos direitos humanos costuma se realizar no interior de ordenamentos jurídicos internos dos Estados democráticos e, sobretudo para os objetivos deste trabalho, na democracia brasileira. As declarações francesas de 1789 e americana de 1776, no início da idade contemporânea, trazem a ideia de cidadania apoiada em um discurso liberal, em que os direitos fundamentais se relacionavam à ideia de liberdade, segurança e propriedade. Estabeleciam, desse modo, os direitos civis e políticos. Já no período entre guerras, surge a preocupação com o discurso social da cidadania, sendo valorizada a ideia de igualdade (na dimensão dos direitos sociais e econômicos), como uma tentativa de eliminar a exploração econômica conforme tratava a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de 1918, da extinta República Soviética Russa. A separação entre os direitos civis e políticos e os direitos sociais acerca da cidadania tem fim com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Aquele texto reúne todos os tipos direitos fundamentais, que agora não podem mais ser pensados isoladamente. Além disso, a Declaração Universal estabelece que os Direitos Humanos são universais e inerentes aos seres humanos. Somando esses dois aspectos, a Declaração de 1948 traz a concepção contemporânea de cidadania. Representando uma nova dimensão sobre o que passa a ser um sujeito de direito: a partir de então, se fala em categorias de direitos, segundo suas condições particulares. Nessa linha, ganha relevo discussões sobre os direitos das mulheres, dos grupos raciais e de quaisquer sujeitos que costumam ser discriminados ou constitua alguma espécie de minoria que precise de uma dimensão de afirmação de seus direitos. É preciso pensar, nesse cenário, se a Constituição brasileira de 1988 acolhe essa nova dimensão de cidadania, tal como descrita. A Constituição brasileira 62 adota a indivisibilidade dos direitos humanos. Ou seja, ela proclama ser inconcebível separar os direitos civis e políticos dos direitos sociais, econômicos e culturais. Nesse quesito, ela atende a concepção de cidadania que se delineou. No que diz respeito ao alcance universal dos Direitos Humanos, a Carta de 1988 também está em consonância com a concepção contemporânea de cidadania, tendo em vista que seu texto afirma que todos são iguais e que os direitos fundamentais são inerentes à pessoa humana. A Constituição brasileira também concebe os direitos fundamentais como um tema de interesse internacional. Além disso, a ordem constitucional estabelecida em 1988 acolhe aquela nova dimensão de sujeito de direito, concreto e categorizado, segundo suas particularidades. Em seu texto, fica clara a divisão em capítulos dedicados a categorias como idosos, crianças e adolescentes, direitos dos índios, entre outros, dessa maneira propondo um tratamento específico para esses grupos. Dessa forma, a Constituição brasileira parece dialogar fortemente com essa nova dimensão de sujeito de direito internacional, e propriamente com a nova concepção de cidadania, tal como apresentada. Para além disso, é possível analisar a responsabilidade do Estado na consolidação da cidadania brasileira observando três elementos essenciais da ideia de cidadania no cenário da discussão sobre Direitos Humanos, refletidos na Constituição brasileira: a indivisibilidade e a universalidade da ideia de direitos humanos, e a característica de especificidade dos sujeitos de direito. A Constituição brasileira assegura todos os tipos de direitos fundamentais e garante a efetividade de seus preceitos. Por essa razão, a todos esses direitos são assegurados a mesma garantia de proteção na ordem jurídica interna. A Carta de 1988 também estabelece o princípio da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, dessa forma vinculando os Poderes Públicos ao dever de promover esses direitos de forma plena e efetiva. Quanto à universalidade dos direitos fundamentais, o Estado brasileiro leva isso em consideração em relação a todos os indivíduos. Além disso, o país é obrigado a observar plenamente na ordem interna os acordos internacionais firmados que tratam dos direitos e garantias fundamentais e que foram ratificados pelo Estado brasileiro. Uma reflexão sobre Direitos Humanos, sobretudo quando se pensa a democracia brasileira e seu passado (recente) de autoritarismo, passa pela necessidade de se analisar a responsabilidade do Estado na consolidação da 63 cidadania no Brasil. A Constituição Federal de 1988 é considerada, por muitos, um marco da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos no Brasil, importando, desse modo, em uma redefinição do Estado e dos direitos fundamentais no país, após longos vinte e um anos de ditadura militar. A importância com o bem-estar social e a preservação da dignidade humana é tão expressiva que a Constituição eleva os direitos e garantias fundamentais ao patamar de cláusulas pétreas. A Carta de 1988 inova ao extrapolar os limites dos direitos individuais e tutelar também os direitos coletivos (direitos que se aplicam a classes ou categorias sociais). Além disso, ela estabelece a aplicabilidade imediata das normas que dizem respeito aos direitos fundamentais. Aquilo que Flávia Piovesan chama de um “constitucionalismo concretizador dos direitos fundamentais”. Os direitos sociais também são tratados na Constituição com a mesma dimensão. O artigo 6º da Constituição estabelece uma série de direitos, como à educação, à saúde e ao trabalho, entre outros. Não obstante, o importante é ressaltar que a Constituição estabelece “uma ordem social com um amplo universo de normas que enunciam programas, tarefas, diretrizes e fins a serem perseguidos pelo estado e pela sociedade”. Por outro lado, além da ordem social, a Constituição de 1988 também estabeleceu uma ordem econômica, marcada pelo intervencionismo estatal em prol do bem-estar social. Isto corresponderia, em linhas gerais, ao modelo de “Estado de Bem estar Social. 18 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E SUA RELAÇÃO COM O ESPAÇO ESCOLAR “Direitos humanos” uma expressão que abrange diversas concepções e abordagens em torno de um conjunto de direitos que fazem parte da própria natureza humana e da dignidade a ela inerente. A proteção a tais direitos é resultado de um lento processo histórico que foi se reconhecendo legislativamente a partir dos imperativos sociais postos ao longo do tempo. No entanto, ressalte-se que este processo ainda está em evolução, tendo em vista que em algumas sociedades ainda se identificam poucos avanços em relação aos direitos humanos. Bobbio (2004) destaca que os direitos humanos são históricos, 64 modificáveis, suscetíveis de constante transformação e alargamento de seus horizontes, relacionando-se à própria civilização humana em seus diferentes níveis sociais de desenvolvimento. Dessa forma, torna-se essencial discutir acerca deste conceito para que se possa compreendê-lo em sua amplitude diante das constantes transformações histórico-sociais, bem como sua relação intrínseca com a educação. Os direitos humanos podem ser definidos como um conjunto de instituições que concretizam, em cada tempo histórico, as necessidades sociais relacionadas à sua dignidade. Tais necessidades devem ser reconhecidas positivamente pelo ordenamento jurídico conferindo a estes direitos o caráter de universalidade. Nesse sentido, Pérez Luño (1999, p. 48) leciona que os direitos humanos são um “[...] conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretiza as exigências da dignidade, da liberdade, da igualdade humana”. No entanto, embora o reconhecimento dos direitos humanos e sua consequente positivação em algumas regulamentações, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, tenham se expandido ao longo dos anos, ainda vislumbramse constantes afrontas a tais direitos evidenciando-se a necessidade de constante observância dos dispositivos postos visando o respeito e a garantia de proteção a todos em suas diversidades. Para Gorczevski (2005), os direitos humanos são universais, absolutos e inerentes ao homem, não dependendo de concessão por parte do Estado, entretanto, apesar de inerentes à natureza humana, o “[...] seu reconhecimento e proteção é o resultado de um longo processo histórico, que ocorreu de forma lenta e gradual, passando por várias fases e, eventualmente, com alguns retrocessos”. Os direitos humanos trazem o sentido de igualdade entre os sujeitos ao representarem o reconhecimento de que todos são dignos do mesmo respeito, independentemente de diferenças biológicas ou sociais. Não há, pois, distinção entre os sujeitos de direitos. Ainda que não se identifique um conceito único de tais direitos, pode-se indicar um núcleo central comum: a ideia de universalidade. Esta característica de universalidade é essencial para se chegar à uma definição de direitos humanos, pois, sem atribuir a estes o caráter de universalidade, corre-se o risco de criarem-se fragmentações em sua titularidade, concebendo-se a existência de direitos cabíveis apenas a determinados grupos sociais. Assim, falar que os direitos humanos apresentam a característica da universalidade, significa dizer que os mesmos são inerentes a todos os homens, pelo 65 simples fato de serem humanos, em todas as épocas e espaços sociais, devendo ser respeitados indistintamente. Nesse contexto, a lei escrita positiva tais direitos, tornando-se igualmente aplicável a todos. Segundo Gorczevski (2009) os direitos humanos constituem-se em valores superiores existentes no mundo axiológico concretizados por meio dos direitos fundamentais positivados. Tem-se, portanto, a necessidade de evidenciar a distinção entre direitos fundamentais e direitos humanos, tendo em vista as constantes concepções de serem termos sinônimos. Os direitos humanos são direitos naturais cabíveis a todos os homens, independente de nacionalidade, enquanto que os direitos fundamentais referem-se à positivação destes direitos nos respectivos ordenamentos jurídicos pátrios. Pode-se afirmar que os direitos fundamentais nascem da positivação dos direitos humanos, significa a consolidação dos direitos naturais do indivíduo na ordem jurídica positiva. A positivação por meio da letra da lei constitui-se em maior garantia ao sujeito, tendo em vista a concretização da tutela jurídica destes direitos pelo Estado, que assume o dever de observá-los e respeitá-los como fundamento da igualdade e respeito aos seus cidadãos. No entanto, apesar da existência de inúmeros instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos, estes ainda são constantemente violados desencadeando situações de violência e caos social em algumas situações. As condições mínimas para a existência digna são comumente inobservadas, direitos fundamentais como a vida e a liberdade são desrespeitados pelos próprios sujeitos, destacando-se ainda as situações de omissão e afronta aos direitos humanos pelo próprio Estado como na deterioração do meio ambiente, na desigualdade social, no desemprego e na omissão diante da criminalidade (RAYO, 2004). O respeito aos direitos humanos é, portanto, indispensável à sobrevivência do próprio homem no planeta, observando-se que não nos são dados pelo Estado ou construídos a partir da luta de terceiros, mas são construídos pelo cotidiano social. Estes direitos acompanham a evolução social, sendo alvo de contínuas mudanças e refletindo as lutas e necessidades dos sujeitos. Dessa forma, estes direitos precisam de instrumentos que colaborem na sua conscientização para uma efetiva aplicabilidade dos mesmos. A educação é certamente um dos instrumentos mais poderosos de consolidação dos direitos humanos. Como prática social, a educação em direitos 66 humanos constitui-se em política transformadora da sociedade e do homem, trazendo em si a possibilidade de superação de fenômenos como a pobreza, a violência, a desigualdade e a exclusão social. Assim, o processo educativo traz em si a potencial formação humana e promoção dos direitos humanos. A educação constitui-se em instrumento que possibilita a promoção dos direitos humanos visto que é parte integrante da dignidade humana por formar e conscientizar socialmente o indivíduo para o exercício pleno de sua cidadania. Pode-se dizer que a educação é pressuposto fundamental para o indivíduo realizar-se plenamente como ser humano na sociedade. Em se tratando de direitos humanos a educação assume papel considerável, pois abrange a função de humanizar o humano (SAVIANI, 1989). No entanto, educar não se trata apenas de depositar ou transmitir conteúdos dissociados da realidade vivenciada pelo aluno, esta prática, reconhecida por Freire (1997) como “educação bancária”. Dessa forma, ao evidenciar o papel preponderante da educação na consolidação dos direitos humanos faz-se necessário destacar que aquela se refere a um processo educativo crítico, participativo, que visa a superação dos contextos de alienação e opressão a que estão submetidos os sujeitos no contexto capitalista. Este processo, que habilita o indivíduo para a conscientização do contexto sócio-histórico em que vive e seu consequente questionamento, perpassa necessariamente pelo estudo e reflexão constante da temática relativa aos direitos humanos. A educação para os direitos humanos deve contribuir: Para o fortalecimento do respeito aos direitos e liberdades fundamentais do ser humano. Ao pleno desenvolvimento da pessoa humana e sua dignidade; a prática da tolerância, do respeito à diversidade de gênero e cultura, da amizade entre todas as nações, povos indígenas e grupos raciais, étnicos e religiosos. E a possibilidade de todas as pessoas participarem efetivamente de uma sociedade livre. Assim, os princípios da igualdade e da não discriminação devem nortear a educação em direitos humanos de maneira que, neste contexto, desenvolvam-se atividades que considerem a experiência e o contexto social vivenciado pelos alunos, permitindo que os mesmos compreendam e atendam às suas necessidades a fim de buscar as devidas soluções compatíveis com o ordenamento jurídico na garantia de 67 proteção aos direitos humanos. Dessa forma, estabelece-se um processo educativo que visa não apenas a transmissão de conteúdos técnicos a fim de capacitar o aluno para o mercado de trabalho, mas, antes de tudo, busca-se prepará-lo para a vida, para a construção de uma cultura onde prevaleça o respeito a todos em suas diversidades. O sistema educacional posto não contribui com a construção desta cultura quando aceita as desigualdades sociais como naturais, legitimando as diferenças de classe, raça, gênero, etnia, dentre outras, executando o processo de reprodução das diferenças sociais em sala de aula e promovendo a exclusão. Faz-se necessário suscitar um exercício contínuo de reflexão crítica que ofereça aos alunos condições de posicionarem-se como sujeitos ativos no processo educativo. Nesse sentido, desenvolveram-se regulamentações nacional e internacionalmente a fim de efetivar a educação em direitos humanos. Em 2003 iniciou-se a elaboração do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH). Em 2005 foram realizados encontros estaduais para difundi-lo, que resultaram em contribuições da sociedade para aperfeiçoar também o documento. Em 2004, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou o Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos com o objetivo de avançar na implementação de programas de educação em direitos humanos, bem como na promoção de ações e fortalecimento de parcerias desde o nível internacional até os níveis locais. Os estudos de Silva (2005) mostram que apesar da diversidade cultural, étnico racial e de gênero serem assuntos já registrados nos documentos oficiais do governo, nas diretrizes curriculares de ensino e na legislação de modo geral, em se tratando de ensino, ainda existem falhas nos conteúdos programáticos dos livros didáticos e dos currículos escolares que tendem a apresentar ainda como padrão o homem, branco e heterossexual. Nesse sentido, com intuito de refletirmos sobre as possibilidades de ação pedagógica para tratar da diversidade cultural na educação escolar, questionamos: como trabalhar os conceitos de gênero, raça, e etnia na sala de aula, com o propósito de valorizar as múltiplas identidades constituintes no ambiente escolar? Silva (2005) afirma que nos livros didáticos, nos currículos escolares e nas falas dos professores, ainda há uma invisibilidade ou a visibilidade subalterna de diversos grupos sociais, como os negros, os indígenas e as mulheres. O preconceito instituído e manifestado na prática pedagógica pode levar tais grupos a uma auto rejeição e 68 rejeição ao seu grupo social, comprometendo os processos constitutivos de sua identidade(s). Costa (2008) afirma que a diferença não é uma marca do sujeito, mas sim uma marca que o constituem socialmente, e se estabeleceu como uma forma de exclusão, ser diferente na educação ainda significa ser excluído e/ou ser sub-representado nas instâncias sociais. Reconhecer que somos diferentes para estabelecer a existência de uma diversidade cultural no Brasil, não é suficiente para combater os estereótipos e os estigmas que ainda marginalizam milhares de crianças em nossas escolas e milhares de adultos em nossa sociedade. 19 CONCEITOS DE GÊNERO, ETNIA E RAÇA: REFLEXÕES SOBRE A DIVERSIDADE CULTURAL NA EDUCAÇÃO ESCOLAR Nossa história é marcada pela eliminação simbólica e/ou física do “outro”. Os processos de negação desses “outros”, na maioria das vezes, ocorreram no plano das representações e do imaginário social quando estabelecemos os conceitos do que é ser belo, ser mulher, ou até mesmo do que é ser brasileiro. Ao tratar a questão da diversidade cultural, Abramowicz (2006) diz que todo o brasileiro vive uma situação no mínimo, inusitada. De um lado, há o discurso de que nós somos um povo único, fruto de um intenso processo de miscigenação e mestiçagem, que gerou uma nação singular com indivíduos culturalmente diversificados. De outro, vivenciamos em nossas relações cotidianas inúmeras práticas preconceituosas, discriminatórias e racistas em relação a alguns segmentos da população, como, as mulheres, os indígenas e os afrodescendentes. Na atualidade mesmo com manutenção de vários padrões de comportamento, de beleza, os documentos relacionados à educação brasileira outorgam que somos um país construído tendo por base a diversidade cultural. Mas o que significa diversidade cultural em um país onde os diversos grupos sociais são marginalizados em suas representações? Para Anete Abramowicz (2006, p12) “diversidade pode significar variedade, diferença e multiplicidade. A diferença é qualidade do que é diferente; o que distingue uma coisa de outra, a falta de igualdade ou de semelhança”. Nesse sentido, podemos afirmar que onde há diversidade existe diferença. 69 Candau (2005) afirma que: “Não se deve contrapor igualdade a diferença. De fato, a igualdade não está oposta à diferença, e sim à desigualdade, e diferença não se opõem à igualdade, e sim à padronização, à produção em série, à uniformidade, a sempre o “mesmo”, à mesmice” (CANDAU, 2005, p. 19). Reconhecer a diferença é questionar os conceitos homogêneos, estáveis e permanentes que excluem o ou a diferente. As certezas que foram socialmente construídas devem se fragilizar e desvanecer. Para tanto, é preciso desconstruir, pluralizar, ressignificar, reinventar identidades e subjetividades, saberes, valores, convicções, horizonte de sentidos. Somos obrigados a assumir o múltiplo, o plural, o diferente, o híbrido, na sociedade como um todo (CANDAU, 2005). Falar sobre diversidade e gênero não pode ser só um exercício de perceber os diferentes, de tolerar o “outro”. Antes de tolerar, respeitar e admitir a diferença é preciso explicar como essa diferença é produzida e quais são jogos de poder estabelecido por ela. Como nos alerta Silva (2000), a diversidade biológica pode ser um produto da natureza, mas o mesmo não se pode dizer sobre a diversidade cultural, pois, de acordo com autor, a diversidade cultural não é um ponto de origem, ela é em vez disso um processo conduzido pelas relações de poderes constitutivos da sociedade que estabelece “outro” diferente do “eu” e “eu” diferente do “outro” como uma forma de exclusão e marginalização. Uma ação pedagógica realmente pautada na diversidade cultural e na questão do gênero deve ter como princípio uma política curricular da identidade e da diferença. Tem obrigação de ir além das benevolentes declarações de boa vontade para com a diferença, ela coloca em seu centro uma teoria que permita não só reconhecer e celebrar a diferença, mas também questionála, a fim de perceber como ela discursivamente está constituída. Costa (2008), identidade e diferença são inseparáveis, dependendo uma da outra. Elas são produzidas na trama da linguagem, a identidade e a diferença são construídas dentro de um discurso, por isso precisamos compreendê-las como são produzidas em locais históricos e institucionais por meio do discurso. Foucault argumenta que: [...] são os discursos eles mesmos que exercem seu próprio controle; procedimentos que funcionam, sobretudo, a título de princípios de classificação, de ordenação, de distribuição, como se tratasse desta vez, de submeter outra dimensão do discurso: a do acontecimento e do acaso” (FOUCAULT, 2002 p.21). 70 Compreendemos que o discurso por meio da afirmação de conceitos essencialistas não historicizados, são incapazes de perceber os processos de mudanças e de transformações sociais que padronizam e marginalizam os diversos grupos sociais. Para Hall (2000), os conceitos devem ser historicizados para perceber como eles são construídos dentro de uma prática discursiva que se envolve nas relações assimétricas de poder. Os professores e as professoras que percebem em sua ação pedagógica como os conceitos de gênero, raça e etnia são socialmente construídos e discursivamente usados para marginalizar o “outro” estarão, de fato, contribuindo para a constituição de uma diversidade cultural que não seja apenas tolerante, mas que perceba que “eu” e o “outro” temos os mesmos direitos e devemos ter a mesma representatividade, tanto nos conteúdos escolares quanto nas instituições sociais. Os conceitos de gênero, raça e etnia ao serem trabalhados na sala de aula em uma perspectiva da valorização da(s) identidade(s) dos múltiplos sujeitos que convivem no mesmo espaço da escola devem ter um posicionamento político, a fim de desconstruir os estereótipos e os estigmas que foram atribuídos historicamente à alguns grupos sociais. A questão de gênero a ser trabalhado na sala de aula, deve começar pelo entendimento de como esse conceito gênero ganhou contornos políticos. O conceito de gênero surgiu entre as estudiosas feministas para se contrapor à ideia da essência, recusando qualquer explicação pautada no determinismo biológico, que pudessem explicitar comportamento de homens e mulheres, empreendendo, dessa forma, uma visão naturalista, universal e imutável do comportamento. Tal determinismo serviu para justificar as desigualdades entre ambos, a partir de suas diferenças físicas. De acordo com as autoras Louro (1997) e Braga (2007), a expressão gênero começou a ser utilizado justamente para marcar as diferenças entre homens e mulheres não são apenas de ordem física e biológica. Como não existe natureza humana da cultura, para as autoras, a diferença sexual anatômica não pode mais ser pensada isolada das construções socioculturais em que estão imersas. A diferença biológica é apenas o ponto de partida para a construção social do que é ser homem ou ser mulher. O sexo é atribuído ao biológico enquanto gênero e é uma construção social e histórica. A noção de gênero aponta para a dimensão das relações sociais do feminino e do masculino (BRAGA, 2007). 71 O termo étnico segundo Silva (2000), marca as relações tensas por causa das diferenças na cor da pele e nos traços fisionômicos que caracterizam a raiz cultural plantada ancestralidade dos mais diversos grupos, que difere em visão de mundo, valores e princípios de origem indígena, europeia ou asiática. O termo étnico é fundamental para demarcar que indivíduo pode ter a mesma cor da pele que o outro, a mesmo tipo de cabelo e traços culturais e sociais que os distingue, caracterizando assim etnias diferentes. Os professores e as professoras que se posicionam criticamente em relação ao conceito de gênero, raça e etnia podem instituir discursivamente uma “vontade de verdade” de um grupo social, para utilizar a expressão de Foucault (2002). Mobilizar uma ação contra os padrões e os processos de exclusões instituídos é um grande passo para implantação de uma diversidade cultural, pois as diferenças são socialmente construídas e estão envolvidas com as relações de poder. De um modo geral, mulheres, negros e indígenas são sub-representados no espaço escolar, seja no currículo escolar, nos livros didáticos e também no posicionamento do professor na sala de aula. Citamos alguns exemplos dessas subrepresentações e/ou estereotipias dos estudos realizados por Silva (2005, p. 35) do livro Ciranda do Saber, para a 2ª série do ensino fundamental. Existe na página 64 do livro, uma caricatura de uma menina com uma atividade escolar, com uma cabeça enorme, sentada à escrivaninha, com livro nas mãos. O texto abaixo coloca em dúvida seu interesse pelos estudos através das seguintes frases: ___A menina da gravura parece gostar de estudar ___Será que ela gosta de estudar? O professor ou a professora pode começar a questionar com seus alunos se gostar de estudar é inerente ao fato de ser menino ou ser menina. Questionar frases tão comuns em nosso cotidiano como: Isso não é coisa de menino? Em uma perspectiva histórica, podemos afirmar que o conceito de gênero menino e menina foram produzidos no interior das relações sociais e faz parte do nosso cotidiano, por isso, aprendemos a repeti-los e naturalizamos. Como nos relata Vieira e Maciel (2008), esse simples substantivo comum que varia quanto ao gênero, mas não só de acordo com a gramática da língua portuguesa, os seres humanos são classificados como pertencentes ao sexo masculino ou ao sexo feminino. Essa diferença de matriz biológica é extensiva a todos os indivíduos da 72 espécie humana. Aprendemos a considerar que associado ao nome menino ou menina, algumas características e comportamentos precisam existir, pois tais características quando se trabalha conceito político do termo gênero, podemos questionar comportamentos pré-estabelecidos e com isso desconstruir os estereótipos. Silva (2005, p.138), ainda nos relata que no livro de Caminho Certo, indicado para a 3º série, a história O menino que queria mudar de cor, no decorrer do texto surgem as seguintes frases: __ A ideia me surgiu quando minha mãe pegou preparado e com ele se pôs a tirar da panela o carvão grudado no fundo. __ [...] eu juntei o pó restante e com ele esfreguei a barriga de perna. Esfreguei, Esfreguei e vi que, diante de tanto dor, era impossível tirar todo o negro da pele. O ato realizado pelo menino da história propicia a visualização de que “ser negro” é algo negativo que deve ser apagado. Ao utilizar o conceito de étnico-racial em uma dimensão política percebermos os mecanismos sócio históricos que levaram esse menino a esfregar sua pele para mudar a sua cor. É uma forma de se auto rejeitar como um negro. Ensinar que a diferença pode ser bela, que a diversidade é enriquecedora e não pode ser sinônimo de desigualdade, pode evitar ações como essa da história do livro O menino que queria mudar de cor. Com isso, rompermos com as verdades socialmente construídas de que para ser belo, tenho que ser branco e ser magro. Na educação escolar, trabalhar na perspectiva da diversidade cultural significa uma ação pedagógica que vai além do reconhecimento de que os alunos sentados nas cadeiras de uma sala de aula são diferentes, por terem suas características individuais e pertencentes a um grupo social, mas é preciso efetivar uma pedagogia da valorização das diferenças. Entendemos que o primeiro passo para isso é defender uma educação questionadora dos conceitos essencialistas e tratá-los como categorias socialmente constituídas no decorrer dos discursos históricos. 73 20 BIBLIOGRAFIA ABRAMOWICK, Anete; SILVÉRIO, Valter Roberto; OLIVEIRA, Fabiana; TEBET, Gabriela Guarnieri de Campos. Trabalhando a diferença na educação infantil. São Paulo: Moderna, 2006. BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional: legitimidade democrática e instrumentos de realização. 2. ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. BRAGA, Eliane Maio. A questão do Gênero e da sexualidade na educação. In: RODRIGUES, Eliane; ROSIN, Sheila Maria (orgs). Infância e práticas educativas. Maringá – Pr. EDUEM. 2007. BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 10 jan. 2003. BRASIL. Ministério da Educação. Lei Federal nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Dispõe sobre as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília-DF, 1996. BRASIL. Ministério da Educação.______. Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm Acesso em: 12 jan 2020. BOBBIO, N. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 10. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. CANDAU, Maria Vera. Sociedade multicultural e educação: tensões e desafios. In CANDAU, Maria Vera (org). Cultura(s) e educação: entre o crítico e pós-crítico. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. CANDAU, Vera Maria, et al. Oficinas Pedagógicas de Direitos Humanos. Petrópolis: Vozes, 2003. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais. São Paulo: RT, 2008. COSTA, Marisa Vorraber. Currículo e pedagogia em tempo de proliferação da diferença: Trajetórias e processos de ensinar e aprender: sujeitos, currículos e culturas – XIV ENDIPE; Porto Alegre – RS: Edipucrs, 2008. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Trad. Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola, 2002. (1 ed. 1996, Série Leituras Filosóficas). 74 HALL, Stuart. Quem precisa da identidade? In; SILVA, Tomaz Tadeu (org). Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos culturais. Petrópolis-RJ: Editora Vozes; 2000. LOURO. Guacira. L. Gênero, sexualidade e educação. Petropóles: Vozes 1997. ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php . Acesso em 19/3/2020. PÉREZ LUÑO, A.E. Derechos humanos, Estado de derecho y constitución. 5ª ed., Madrid, Tecnos, 1999. MOREIRA, A. F. B. & CANDAU, V. M. (Mar/Ago, 2003). Educação escolar e cultura(s): construindo caminho. Revista Brasileira de Educação, nº. 23, (pp. 156 – 168), Rio de Janeiro, Brasil. SEMPRINI, A. Multiculturalismo. Bauru, EDUSC, 1999. SILVA, Ana Célia da. Desconstruindo a Discriminação do Negro no Livro Didático – Salvador, BA, EDUFBA, 2005. SILVA, Tomaz Tadeu. A produção social da identidade e da diferença. In; SILVA, Tomaz Tadeu (org). Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos culturais. Petrópolis-RJ: Editora Vozes; 2000. UNESCO. Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, 2002. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000127160_por. Acesso em 19/3/2020. VIEIRA, Renata; MACIEL, Lizete Bomura. Menino Brinca de boneca? Contribuição da teoria histórico-cultural para se pensar o preconceito em sala de aula. In: Trajetórias e processos de ensinar e aprender: sujeitos, currículos e culturas – XIV ENDIPE; Porto Alegre – RS: Edipucrs, 2008. RAYO, J. T. Educação em direitos humanos. Porto Alegre: Artmed, 2004. GORCZEVSKI, Clovis. A necessária revisão do conceito de cidadania [recurso eletrônico]: movimentos sociais e novos protagonistas na esfera pública democrática / Clovis Gorczevski e Nuria Belloso Martin. - Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2011. GORCZEVSKI, Clovis. (org.) Direito & Educação. Porto Alegre: UFRGS, 2005. PÉREZ LUÑO, A.E. Derechos humanos, Estado de derecho y constitución. 5ª ed., Madrid, Tecnos, 1999. RAYO, J. T. Educação em direitos humanos. Porto Alegre: Artmed, 2004. 75