XXX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Maturidade e desafios da Engenharia de Produção: competitividade das empresas, condições de trabalho, meio ambiente. São Carlos, SP, Brasil, 12 a15 de outubro de 2010. PRÁTICAS DE SUSTENTABILIDADE DA CADEIA PRODUTIVA DE FRUTOS NATIVOS DO CERRADO: UM ESTUDO NO CERRADO GOIANO CLECI GRZEBIELUCKAS (UFSC) [email protected] Lucila Maria de Souza Campos (UFSC) [email protected] Anete Alberton (Univali) [email protected] Sidnei Vieira Marinho (Univali) [email protected] Esta pesquisa tem como objetivo relatar práticas de sustentabilidade da cadeia produtiva de frutos nativos do cerrado. Trata-se de um estudo de caso descritivo, com unidade incorporada, que analisa os processos de uma empresa processadora dde frutos do cerrado e os comercializa em forma de sorvetes e picolés, a forma de aquisição da matéria prima bem como as mudanças ocorridas no sistema de produção agrícola da região. A coleta dos dados foi feita por meio de entrevistas semi-estruturadas, roteiro estruturado e observação direta. O estudo mostrou que a demanda por frutos nativos típicos do cerrado é crescente e que já existe um grande interesse em replantar mudas de frutos nativos para comercialização em função desta demanda. Palavras-chaves: sustentabilidade, cadeia produtiva, cerrado 1. Introdução O Cerrado brasileiro possui 11.268 espécies entre plantas, animais e aves, destas, 40% são endêmicas úteis para a produção de remédios e alimentos (MYERS et al., 2000). Além da biodiversidade, o Cerrado distingue-se como uma grande caixa d‟água no continente sulamericano, captando águas pluviais que abastecem nascentes que formam rios das bacias do Amazonas, Tocantins, Paranaíba, São Francisco, Paraná e Paraguai, além dos imensos Aqüíferos entre eles o Aqüífero Guarani “maior cisterna natural de água doce do mundo” (PROGRAMA CERRADO SUSTENTÁVEL, 2006). Até a década de 1950 o Brasil Central, onde se estende grande parte do Cerrado, era uma região pouco povoada e esquecida. Poucos se aventuravam a cultivar a terra onde as árvores tortuosas imprimiam à paisagem um aspecto agreste. As fazendas que existiam dedicavam-se basicamente à criação de gado, que pastava nos campos abertos e se refugiava do calor e da seca na sombra de árvores de caule lenhoso e copa frondosa. Muitos visitantes da região, incluindo aqueles que por ela passavam em busca de minérios e de terras úmidas na Amazônia, duvidavam da possibilidade de se produzir alimentos (CEBRAC, 1999). Porém, com o desenvolvimento de pesquisas e tecnologias, as regiões dos cerrados passaram a status de importantes pólos de produção nacional. Em 2008 foi responsável por mais de 30% da produção nacional de cereais leguminosas e oleogenosas e abrigando 37% do rebanho nacional (IBGE, 2008). Aliada a essa produção vieram os desmatamentos, as queimadas, uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos. Assim, os cerrados foram modificados com voçorocas, assoreamento e envenenamento dos ecossistemas, restando apenas 21% de área em estado conservado (CI - BRASIL, 2008). Além da pecuária e da produção de grãos, as fruteiras nativas ocupam lugar de destaque no ecossistema do cerrado. Seus frutos já são comercializados, e com grande aceitação na forma de sucos, licores, sorvetes, geléias etc. Existem mais de 58 espécies de frutas nativas do cerrado conhecidas e utilizadas pela população da região e de outros estados. O interesse por essas frutas tem atingido diversos segmentos da sociedade, entre os quais destacam-se agricultores, industriais, donas-de-casa, comerciantes, instituições de pesquisa e assistência técnica, cooperativas, universidades, órgãos de saúde e de alimentação, entre outros (AVIDOS; FERREIRA, 2000). Diante da maior visibilidade e utilidade tanto da região quanto dos frutos do cerrado, o objetivo do presente estudo é relatar práticas de sustentabilidade da cadeia produtiva de frutos nativos do cerrado. 2. Agricultura sustentável O termo agricultura sustentável é conceituado como a prática de agricultura que garante às gerações presentes e futuras, explorar no mesmo espaço de terra a produção necessária para sua subsistência (MUNDEL, 2007). Ferreira (2008) define agricultura sustentável como a busca da maior produtividade possível com maior grau de preservação da natureza, incluindo, a preservação do solo, da água e do ar entre os ciclos produtivos. Ferreira (2008) descreve que existe a necessidade de conservação das terras férteis, e que a forma de exploração deve seguir critérios de manutenção que propiciem uma longa vida útil. A sustentabilidade exige um manejo adequado de recursos naturais expressos tanto em 2 instrumentos de política como em matrizes tecnológicas validadas, e uma estrutura de incentivos que reconheça a heterogeneidade produtiva e social do meio rural (FAO, 2006). Paterniani (2001) destaca que nos últimos anos discute-se cada vez mais o tema agricultura sustentável, uma vez que pela sua própria natureza, a atividade agrícola perturba o meio ambiente em relação à situação silvestre, e que existem exemplos de grave degradação – do solo e do meio ambiente – provocada por atividades agrícolas inadequadas. Paterniani (2001) comenta ainda que, muito embora tenha havido uma agricultura moderna, baseada em desenvolvimentos científicos, que ao mesmo tempo aumente a produtividade, proteja e economize o meio ambiente, tem havido uma preocupação crescente em minimizar eventuais danos. 2.1 Ameaças do cerrado e a outros biomas O Cerrado brasileiro ocupa uma extensão de 2.038.008,4 Km2, representa 23,9% do território nacional e está espalhado em 12 estados brasileiros ocupando: a totalidade do Distrito Federal, 97% de Goiás, 91% de Tocantins, 65% do Maranhão, 6% de Mato Grosso do Sul, 57% de Minas Gerais, 39% de Mato Grosso, 37% do Piauí, 32% de São Paulo, 27% da Bahia, 2% do Paraná e 0,2% de Rondônia. Abriga uma população de mais de 24 milhões de pessoas (IBGE, 2007). O Cerrado possui apenas 3% de sua extensão original protegida por parques e reservas federais e estaduais, a maioria com expansão inferior a 100.000 hectares (CI - BRASIL, 2008). Essa fragilidade de lei de proteção fez o Cerrado fazer parte dos “hotspots” mundiais de biodiversidade, em função de sua riqueza biótica, nível de endemismo e grau de ameaça (MYERS et al, 2000). Myers et al (2000) descrevem que para qualificar como um Hotspots, uma área deve conter no mínimo 0,5% ou 1.5 mil das 300 mil espécies de plantas endêmicas do planeta e que tenham perdido mais de três quartos de sua vegetação original. A base para essa análise utilizou dois critérios: espécies endêmicas e grau de ameaça. A principal fonte de dados para as plantas e vertebrados foram procedentes de mais de cem cientistas, com vasta experiência e preocupados com a questão que atingiu aproximadamente oitocentas referências na literatura profissional (MYERS et al, 2000). Atualmente existem 34 hotspots mundiais, destes, dois são brasileiros, a Mata Atlântica e o Cerrado. A tabela 1 apresenta a lista dos hotspots, a extensão original, habitat remanescente e percentual restante. Habitat remanescente (Km 2) 82.968 Porcentagem 1. Chifre da África Extensão Original (Km 2) 1.659.363 2. Bacia do Mediterrâneo 2.085.292 98.009 5 3. Região da Indo- Birmânia 2.373.057 118.653 5 18.972 5.122 5 1.501.063 100.571 7 297.179 20.803 7 1.233.875 99.944 8 Hotspots 4. Nova Caledônia 5. Sunda 6. Filipinas 7. Brasil Mata Atlântica Restante (%) 5 3 8. Montanhas do Centro Sul da China 262.446 20.996 8 9. Ilhas do Caribe 229.549 22.955 10 10. Montanhas do Arco Oriental 291.250 29.125 10 11. Madagascar e Ilhas do Oceano Índico 600.641 60.046 10 1.017.806 106.870 11 13. Florestas do Guiné/ África Ocidental 620.314 93.047 15 14. Região Irano-Anatólica 988.773 134.966 15 15. Wallacea (Indonésia) 338.494 50.774 15 1.130.019 226.004 20 17. Florestas de Pinho-Encino de Sierra Madre 461,265 92.253 20 18. Província Florística do Cabo 78.555 15.711 20 19. Montanhas da Ásia Central 863.362 172.672 20 20. Japão 373.490 74.698 20 21. Ilhas da Polinésia e Micronésia 47.239 10.015 21 22. Brasil Cerrado 2.031.990 432.814 22 23. Nova Zelândia 270.197 50.443 22 24. Ghats Ocidentais/ Sri Lanka 189.611 43.611 23 25. Tumbes-Chocó-Madgalena 274.597 65.903 24 1.542.644 385.661 25 27. Província Florística da Califórnia 293.804 73.451 25 28. Maputaland –Pondoland-Albany 274.136 67.163 25 29. Himalaia 741.706 185.427 25 30. Cáucaso 532.658 143.818 27 31. Karoo das Plantas Suculentas 102.691 29.780 29 32. Florestas Valdívias 397.142 119.143 30 33. Sudoeste da Austrália 356.717 107.015 30 34. Ilhas da Melanésia Oriental 99.384 29.815 30 23.490.101 3.379.246 12. Florestas de Afromontane 16. Mesoamérica 26. Andes Tropicais Total Fonte: CI Brasil Tabela 1 – Lista dos biomas que possuem alta biodiversidade e estão ameaçados de extinção Observa-se (Tabela 1) que o Cerrado e a Mata Atlântica brasileira apresentam respectivamente apenas 22% e 8% do seu estado original. Constata-se também que nas regiões com maior extensão, o índice de habitat remanescente é menor, o que caracteriza que os recursos ambientais são vistos e tratados como infinitos. Outra constatação é que, se a devastação da Amazônia continuar nos níveis atuais, em um curto espaço de tempo esse Bioma também entrará na lista dos Hotspots, uma vez que os dados de Detecção de Desmatamento em Tempo Real – DETER, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE apontaram em setembro de 2008 uma extensão de 587 km2 de área desmatada na Região Amazônica. A figura 1 mostra esse desmatamento por estado. 4 Fonte: INPE (2008) Figura 1- Distribuição dos desmatamento da Amazônia em setembro de 2008 O Brasil possui mais três biomas distribuídos em seu território, a Caatinga, o Pantanal, e os Pampas que também merecem especial atenção por estarem sofrendo alterações que ameaçam a biodiversidade. 2.2 Iniciativas para preservar o cerrado O status de ameaça de muitas espécies e as transformações ocorridas nas paisagens do Cerrado tem provocado o surgimento de iniciativas de conservação por parte do governo, de organizações não governamentais (ONGs), pesquisadores e setor privado. As organizações da sociedade civil atuantes no Bioma Cerrado há vários anos, vêm contribuindo com a esfera pública para a efetivação de políticas públicas para a ativa conservação do Cerrado (PROGRAMA CERRADO SUSTENTÁVEL, 2006). Um exemplo é a Rede Cerrado que desde 1996 vem realizando encontros temáticos e/ou regionais, como forma de mobilizar a sociedade local para questões ligadas a conservação e uso sustentável do Cerrado, alertando para os prejuízos ambientais e sociais trazidos pelo rápido processo de ocupação agropecuária da região. Esta rede é norteada por uma Carta de Princípios e defende o cumprimento do Tratado dos Cerrados, documento assinado por várias instituições civis durante o Fórum Global, evento paralelo à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992 (REDE CERRADO, 2008). Esta rede é composta por mais de 300 entidades identificadas com a causa socioambiental no Cerrado, representada por trabalhadores/as rurais, extrativistas, indígenas, quilombolas, raizeiros, quebradeiras de coco, pescadores, ONGs, entre outros que atuam na promoção do desenvolvimento sustentável e na conservação do Cerrado. Destina-se também a desenvolver ações em prol da defesa e promoção dos ecossistemas do Cerrado e de suas populações humanas (REDE CERRADO, 2008). Em 2003, a Rede Cerrado encaminhou um documento conceitual ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) com recomendações para a adoção de medidas urgentes de conservação do Cerrado (KLINK; MACHADO, 2005). Em 2004 foi criado o programa de conservação 5 denominado „Programa Cerrado Sustentável‟ em torno do qual a sociedade brasileira possa efetivar sua participação no desenvolvimento sustentável do cerrado (PROGRAMA CERRADO SUSTENTÁVEL, 2006). Existem outras ONGs que trabalham em defesa do bioma cerrado. A Conservação Internacional - CI-Brasil possui o projeto Águas do Cerrado situado na Estação Ecológica de Águas Emendadas no Distrito Federal. A The Nature Conservancy – TNC auxilia e dá suporte à implementação, monitoramento e avaliação de projetos que possam ajudar a proteger a biodiversidade do Cerrado. O Fundo Mundial para Vida Selvagem – WWF-Brasil em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do DF forma professores, alunos e mobiliza a comunidade do entorno da Unidade para conservar os recursos hídricos da região. A Fundação Pró-Natureza - FUNATURA possui o Projeto de Implementação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural - RPPN em dois Parques Nacionais do bioma Cerrado Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO) e Parque Nacional Grande Sertão Veredas (MG). Há também a ONG PEQUI - Pesquisa e Conservação do Cerrado, fundada em 2000 cuja missão é promover a conservação do Cerrado, seja com resultados científicos, seja com ações políticas, onde todos estão envolvidos com a causa ambientalista em suas diversas áreas: biologia, ecologia, geologia, direito, economia dentre outras. Seus projetos são financiados por fontes nacionais e internacionais e seus propósitos vão desde a constituição de parques urbanos com áreas conservadas de Cerrado, até a criação de novas Unidades de Conservação (PEQUI, 2006). 2.3 Ganhos com práticas de agricultura sustentável do Cerrado Diante dos crescentes problemas decorrentes da aceleração dos processos naturais, muitos são os que preconizam formas de utilização dos recursos naturais que permitem o equilíbrio econômico, social e ambiental do Cerrado. Alguns exemplos podem ser citados como, a Indústria de Frutos do Cerrado em Goiânia, a Cooperativa de Pequenos Produtores Rurais de Japonvar – MG, a Associação dos Produtores e Beneficiadores de Frutos do Cerrado BENFRUC em Damianópolis - GO, Bacia do Xingu – MT e muitos outros que utilizam os recursos naturais do Cerrado como fonte de renda sustentável. O Estado de Minas Gerais é composto por 57% de Cerrado e Japonvar- MG faz parte desse bioma (KLINK; MACHADO, 2005). Informações da Agência Sebrae de Notícias – ASN (2007) dão conta de que somente em 2006, mais de 900 pessoas obtiveram alguma renda entregando frutos nativos ou de fundo de quintal para a cooperativa de Japonvar- MG. Esses frutos geraram uma receita aproximada de R$200 mil, 100 postos de trabalho diretos e mais 80 indiretos. O município possui aproximadamente 8,2 mil habitantes e mais de 5 mil estão envolvidos com a coleta do pequi – fruto típico de cerrado. Na concepção de Antônio Carlos Pereira – técnico do Sebrae da região, a cultura do fruto é fundamental para a sobrevivência dessa população e preservação do Cerrado. Destaca-se que os produtores cooperados têm como clientes garantidos as entidades públicas de educação e assistência social que utilizam o pequi com arroz, macarrão ou carne e são pratos que entraram para o cardápio da instituição e agradaram em sabor e preço (ASN, 2007). Outro produto de destaque na região é a Fava D'anta, árvore que é extraída a rutina, princípio ativo de medicamentos que gera em cada safra cerca de R$ 4 milhões para os municípios do 6 norte do Estado de Minas Gerais. Além do pequi e da Fava D'anta, a cooperativa processa outras 15 variedades de frutas típicas da região, como coquinho azedo, cagaita, araticum, mangaba, buriti, manga, goiaba e laranja, em unidade de beneficiamento própria (ASN, 2007). A BENFRUC é composta por 20 associados e foi criada em 2004 para promover a organização, a capacitação e a busca de soluções comuns para os catadores e produtores de pequi, o desenvolvimento sustentável da região e a valorização do preço dos produtos. Com apoio da Fundação Banco do Brasil a BENFRUC inaugurou sua Agroindústria de Processamento de Frutos do Cerrado que irá beneficiar além dos associados e familiares, cerca de 500 extrativistas que vendem seus produtos para a associação. A agroindústria beneficiará também frutos dos municípios de Mambaí e Sítio d‟Abadia-GO (SEBRAEGO,2008). Uma pesquisa realizada na Bacia do Xingu, formada por 35 municípios no Estado de Mato Grosso, teve como objetivo verificar a viabilidade econômica de alguns produtos da agricultura familiar e comparar o potencial de geração de renda destes produtos com a rentabilidade atual dos produtos dominantes como soja e pecuária (ECOCIENTE, 2006; Y IKATU XINGU, 2006). Para esse estudo foram selecionados três produtos alternativos (Guaraná, Seringa e Pequi) e dois dominantes (Soja e Pecuária). A tabela 2 apresenta os resultados econômicos por hectare de cada produto. Produtos Guaraná Pequi Seringa Soja Pecuária Fonte: Adaptado de Ecociente (2006) Rentabilidade/hectare R$736,00 a R$7.002,00 R$4.050,00 R$5.425,00 R$135,38 R$138,91 Tabela 2: Rentabilidade por hectares dos produtos alternativos e dominantes Verifica-se, que com o manejo sustentado das culturas alternativas é possível criar novos produtos alimentares e industriais e atender a variadas demandas de consumo, obtendo ganhos econômicos sustentáveis. 3. Procedimentos metodológicos A natureza da presente pesquisa é um estudo de caso descritivo com unidade incorporada, (um mesmo estudo que envolve mais de uma unidade de análise) (YIN, 2001) e tem como objetivo relatar práticas de sustentabilidade da cadeia produtiva de frutos nativos do cerrado. A principal unidade de análise foi a Empresa Frutos do Cerrado, estabelecida em Goiânia GO e a unidade incorporada foram os agricultores da Região de Goiás, fornecedores dos frutos para a empresa. Segundo Godoy (2006), o estudo de caso descritivo apresenta um relato detalhado de um fenômeno social que evolve, por exemplo, sua configuração, estrutura, atividades, mudanças no tempo e relacionamento com outros fenômenos. São considerados importantes na medida em que apresentam informações sobre fenômenos pouco estudados e formam uma base de 7 dados para futuros trabalhos comparativos e de formulação de teorias. Yin (2001) acredita que em geral, os estudos de caso são os preferidos diante de questões do tipo “como” e “por que”, quando o pesquisador possui controle reduzido sobre os acontecimentos. O foco se encontra em fenômenos contemporâneos, inseridos em algum contexto da vida real e que tentam esclarecer o motivo pelo qual uma decisão ou um conjunto de decisões foram tomadas, como foram implementadas quais resultados alcançados. “O estudo de caso é uma espécie de histórico de um fenômeno, extraído de múltiplas fontes de evidências onde qualquer fato relevante à corrente de eventos que descrevem o fenômeno é um dado potencial para análise” (MIGUEL, 2007, p.223). A coleta dos dados foi feita por meio de entrevistas semi-estruturadas, roteiros estruturados e observação direta. As entrevistas foram realizadas com o fundador da empresa, o sócio gerente, o engenheiro de alimentos responsável pela produção e com três agricultores, fornecedores de frutos nativos para a empresa. Foram levantadas informações relacionadas ao tempo de atuação no mercado à decisão de processar frutos do cerrado, as preocupações ambientais, quais projetos estão sendo implantados para a conservação e preservação do cerrado, bem como os procedimentos de produção, compras, vendas etc. 4. Resultados e discussões A Empresa Frutos do Cerrado iniciou suas atividades em 1996, quando na época o seu fundador era vendedor ambulante de picolés e sorvetes. Segundo ele, as pessoas, em tom de brincadeira, pediam se ele vendia picolé de pequi (fruto típico do cerrado e muito utilizado na culinária goiana) que até então não existia. Esses pedidos fizeram com que ele tomasse a iniciativa de fabricar picolés de pequi salgados, porém sem sucesso. A partir daí vieram várias tentativas, não apenas com o pequi, mas também com outros frutos. Assim, iniciou-se uma demanda por picolés e sorvetes derivados de frutos nativos do cerrado na região de Goiás, fazendo com que várias outras indústrias de picolés e sorvetes iniciassem a produção com esses frutos. Segundo o fundador, para provar os frutos, ele utilizava a filosofia do seu avô que dizia “todo o fruto que passarinho come os humanos também podem comer”. As atividades de processamento dos frutos iniciaram-se nos fundos do quintal da casa do fundador. Atualmente possui uma rede familiar, com empresas independentes, que industrializam picolés e sorvetes atuando em Goiânia – GO, Uberlândia – MG e em Limeira – SP. Juntas essas empresas produzem 78 mil picolés e 3.500 kg de sorvete por dia. Esses produtos são comercializados por mais de 100 franqueados, distribuídas em Goiânia e interior de Goiás, Brasília, Mato Grosso do Sul, Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Tocantins. O presente estudo foi realizado somente na empresa de Goiânia onde se deu o inicio das atividades com esses frutos. O quadro de funcionários da empresa é composto por 12 na produção, sendo dois engenheiros de alimentos, responsáveis pela qualidade do produto, mais 3 no departamento administrativo. Conta também com um departamento de marketing, responsável pela divulgação dos produtos principalmente em feiras e eventos. Dispõe ainda de uma unidade despolpadora localizada em Abadia – GO, a cinqüenta quilômetros de Goiânia, com capacidade de processamento e armazenamento de 120 toneladas de polpas por ano. Nesta unidade existem dois empregados fixos e os demais são temporários que realizam o descascamento dos frutos de forma manual. Em época de safra esta unidade emprega mais de 30 pessoas, na sua maioria mulheres. Já o despolpamento de alguns frutos é feito com uma 8 máquina, porém, alguns são de forma manual, pois o mercado ainda não oferece equipamentos para esse fim. Após esses processos essa matéria prima é armazenada em câmaras frias e em seguida enviada para a empresa para serem processadas. A figura 1 apresenta os frutos descascados de cajá-manga e as polpas armazenadas. Fonte: Dados da pesquisa Figura 2 - Frutas de caja-manga descadas e as polpas armazenadas na câmara fria O cajá-manga não é um fruto típico do cerrado, mas se adapta e produz muito bem na região. A empresa processa 44 variedades de frutos, sendo 18 típicos de região de cerrado e representam 60% da produção. A tabela 2 apresenta a lista desses frutos. Araça Cajuzinho do cerrado Araticum Curriola Bacuri Gabirobinha Brejaúba Guapeva Buriti Jatobá Cagaita Lichia Fonte: Dados da pesquisa Mamacadela Mangaba Mutamba Murici Pequi Taperebá Tabela 2: Frutos do cerrado processados na empresa Frutos do Cerrado A capacidade produtiva da empresa é de 16 mil picolés e 1.300 litros de sorvete por dia. A figura 3 mostra o processo de produção de picolé e sorvetes de cajá-manga. 9 Fonte: Dados da pesquisa Figura 3 - Processo de industrialização dos picolés e sorvetes de caja-manga A coleta dos frutos é realizada pelo fundador da empresa, que em épocas de safra percorre diversas regiões produtoras e compra os frutos coletados pelos agricultores num total de 120 fornecedores. Segundo ele, estes fornecedores atendem apenas 50% da demanda, já que estes produtos já estão sendo comercializados em Nova Jersey nos Estados Unidos e em negociação com Barcelona na Espanha. Esses frutos geralmente são provenientes de fazendas ou áreas íngremes e encostas onde ainda não foram desmatadas. Nessas áreas são coletados 70% dos frutos e o restante permanece para reprodução. 4.1 Ações de melhorias ambientais em prol da sustentabilidade A empresa possui diversas ações de preservação e melhorias ambientais. Construiu um reservatório de água da chuva com capacidade de armazenamento de 7 mil litros de água e é ligado diretamente para a rede fluvial da empresa. Possui um tanque de decantação que a cada três meses retira o bolo fecal e a água vai para a rede de esgoto sem os resíduos. Está dentro do projeto de economia de energia implantado pela distribuidora de energia de Goiás – Acelg, em que no período das 18 às 21 horas a energia das máquinas de produção é desligada automaticamente. Os palitos dos picolés são provenientes de reflorestamento e as embalagens do sorvete são biodegradáveis. Possui também o projeto cerrado vida, onde utiliza os resíduos dos frutos para recompor áreas degradadas. Outros projetos também são desenvolvidos, tais como a doação de sementes para a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA, Agência Rural Goiás, Agência Municipal do Meio Ambiente de Goiânia e Clube da Semente para utilização em artesanato, pesquisas e viveiros particulares. Construiu um auditório com capacidade de 30 pessoas para ministrar palestras aos estudantes e pesquisadores em geral. Ainda possui uma área de 4 hectares com mais de 100 espécies de frutos plantados e que serve de pesquisa para os diversos órgãos ambientais, universidades e pessoas interessadas. Também foi solicitado ao sócio proprietário informações sobre a quantidade de frutos do cerrado processadas há cinco anos, atualmente, e quais as expectativas futuras, para daqui a cinco anos. Há cinco anos a empresa processava em média 60 toneladas de frutos, atualmente 120 toneladas e as expectativas para daqui cinco anos é de 250 toneladas por ano. Quanto ao 10 preço da matéria prima o mesmo destacou que a oferta é que determina o preço, porém, acredita que estes irão se elevar em média 40%. Esta demanda por frutos nativos pela empresa despertou nos agricultores o interesse em preservar o cerrado. Em seus depoimentos os mesmos disseram que atualmente os frutos estão gerando maior renda do que a criação de gado, e que no passado, em épocas da seca estes realizavam queimadas ou cortes das árvores frutíferas para plantios de culturas, no entanto, atualmente fazem aterros para preservar as áreas que possuem variedades de espécies nativas. Observou-se que já existe um grande interesse em replantar mudas de frutos nativos para comercialização e os órgãos como Secretaria da Agricultura e Embrapa estão incentivando esta prática, o que representa um ponto positivo em defesa da preservação do cerrado. Em uma palestra sobre Reserva Legal num dia de campo sobre frutos do cerrado em Arenópolis – GO, o diretor da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás – FAEG salientou a importância em preservar o cerrado e lamentou que no passado ele próprio possuía uma área toda coberta de pequi e utilizou um correntão para destruí-lo. Segundo ele, naquela época, a visão era simplesmente o estalar das raízes, porém hoje, ele considera que aquilo foi o grito do pequi. 5. Considerações finaisi O objetivo deste estudo foi relatar práticas de sustentabilidade da cadeia produtiva de frutos nativos do cerrado. Em uma visão panorâmica pôde-se observar que a demanda por frutos típicos do cerrado é crescente, pois já existem varias indústrias de picolés e sorvetes utilizando esses frutos como matéria prima, e a produção extrativista não atende esta demanda devido a devastação para a produção de monoculturas e pecuária. Também existem alguns agricultores que no passado ateavam fogo para preparar áreas de cultura agrícola destruindo estes frutos e atualmente estão construindo aterros a fim de proteger estas áreas produtivas, além de outros que já estão formando pomares com replantio destes frutos. Observou-se que os estudos que tratam da viabilidade econômica dos frutos nativos do cerrado são incipientes, demandando, portanto, estudos e análises mais abrangentes que incluam benefícios dos serviços ambientais tais como créditos de carbono, capacidade fármaco, ciclagem da água, bem como os custos ambientais da degradação ambiental e perda da biodiversidade gerada pela agricultura e pecuária tradicional. Sugere-se, portanto, que sejam construídos modelos que incluam estas variáveis a fim de verificar os reais ganhos obtidos com culturas mais sustentáveis, capazes de gerar renda e ao mesmo tempo preservar e conservar as espécies. Referências ASN, - Agência Sebrae de Notícias - DF. Cooperados de Minas lucram com coleta do pequi. . 2007. Disponível em:<http://asn.interjornal.com.br/noticia_pdf.kmf?noticia=6455730> Acesso em: 08 de julho de 2008. AVIDOS, Maria F. D; FERREIRA, Lucas T. Frutos dos cerrados: preservação gera muitos frutos. 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