Investigação epidemiológica: Uma visão geral. Evangelista Rocha

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INVESTIGACAO
EPIDEMIOLOGICA:
TEXTO_ Evang
elista
UMA VISAO GERAL
Rocha
Evangelista Rocha
1 Introdução
Especialista em Cardiologia e em Medicina Interna. Graduado em Chefe de Serviço Hospitalar. Professor Auxiliar da Faculdade de Medicina de Lisboa.
Regente de Disciplina em Epidemiologia Clínica e em Dietética e Nutrição. Responsável pelos módulos de Epidemiologia no Instituto de Altos Estudos
Militares, na Pós-Graduação em Saúde Militar para Oficiais do Exército e no INDEG/ISCTE – Pós-Graduação Gestão de Unidades de Saúde. Investigador
Principal em diversos Ensaios Clínicos.
Resumo do artigo
A investigação epidemiológica tem dado contributos muito importantes para a promoção da saúde e prevenção das doenças, sendo uma ciência básica
da Medicina. Além disso, as técnicas da epidemiologia aplicadas a questões clínicas podem ajudar os clínicos a tomar boas decisões nos cuidados aos
doentes. É este o conceito da epidemiologia clínica e da sua aplicação na prática clínica - a medicina baseada na evidência. No presente texto, faz-se
um abordagem generalista sobre alguns elementos/conceitos fundamentais para a investigação epidemiológica. Caracterizam-se os estudos
simplesmente descritivos, apontando aplicações e destacando o seu interesse, e os objectivos dos estudos analíticos. Depois da população, o ponto de
aplicação da epidemiologia, pois é a esse nível, e não ao nível individual, como a abordagem clínica, que estuda a ocorrência da doença, definem-se
exposição e efeito. Por constituirem aspectos relevantes no desenho da investigação e caracterização dos estudos epidemiológicos, aborda-se, depois,
o sentido direccional, a selecção da amostra e o tempo. No final, apresenta-se a classificação seguida pela maioria dos epidemiologistas: Estudos
Observacionais (Ecológicos, Transversais, Caso-controlo e de Coorte) e Experimentais, em que se destacam os Ensaios Clínicos.
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O contexto histórico da epidemiologia e as suas
contribuições para a promoção da saúde e
prevenção da doença justificaram que tenha
sido reconhecida como essencial na Estratégia
Global da Saúde para Todos pela Assembleia
Mundial de Saúde em Maio de 1988. Com
efeito, a epidemiologia, uma ciência básica da
medicina e da clínica, é fundamental para
caracterizar diversos problemas de saúde,
desde a fase do diagnóstico até ao seu controlo,
pois os estudos baseados apenas em
estatísticas hospitalares são, muitas vezes,
insuficientes para caracterizar o estado de
saúde das populações. Por isso, embora o
pensamento clínico e epidemiológico tenham
características distintas, o objectivo principal de
ambos, a saúde dos indivíduos, só pode ser
atingido se forem aplicados no sentido da sua
complementaridade e, portanto, na lógica da
sua convergência na acção.1
Como a Revista Factores de Risco está mais
direccionada para clínicos, este texto e os
próximos, sobre investigação epidemiológica,
vão ser estruturados focando métodos e
técnicas com interesse para o clínico, isto é, com
a possibilidade de aplicação no âmbito das
principais áreas de interesse da epidemiologia
clínica, o ramo da epidemiologia em que se
aplicam métodos desenvolvidos por epidemiologistas para responder a questões de ordem
clínica, úteis nos cuidados aos doentes:
etiologia, diagnóstico, prognóstico, tratamento,
prevenção, avaliação dos serviços de cuidados
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de saúde, análise de benefícios e riscos. No
entanto, os princípios e métodos epide-miológicos, muitas vezes, sobrepõem-se a diversas
áreas do conhecimento. É o caso dos ensaios
clínicos que se podem aplicar em estudos de
tratamento, prevenção ou avaliação de serviços
de saúde.
“…NOS ESTUDOS
OBSERVACIONAIS,
2 Estudos Descritivos e Analíticos
O INVESTIGADOR MEDE
Um estudo epidemiológico geralmente tem o
objectivo de descrever ou analisar fenómenos
relacionados com a saúde. Num estudo
descritivo, o investigador recolhe dados,
simplificados na apresentação (ex: frequência,
média, mediana, moda, intervalos de variação,
distribuição por sexo, idade, estado civil, área
geográfica, profissão, etc.), do(s) atributo(s)
que pretende caracterizar num grupo de
indivíduos. Neste tipo de estudo não se
investigam associações nem se podem fazer
inferências causais. Dum modo geral, como não
se consegue estudar a população-alvo, opta-se
por estudar uma amostra, seleccionada
segundo métodos adequados, sendo certo, com
este pressuposto, que quanto maior a
representatividade da amostra estudada, mais
válida será a estimativa do indicador da
população (ex: taxa ou média). Além disso,
quanto maior o tamanho da amostra, mais
reprodutível será a estimativa.
Num estudo analítico, o principal objectivo é a
inferência causal. Um ou mais grupos são
estudados na perspectiva de se encontrarem
associações entre o estado de saúde e outras
MAS NÃO INTERVEM
NA EXPOSIÇÃO
…NOS ESTUDOS
EXPERIMENTAIS,
O INVESTIGADOR
TEM UM PAPEL ACTIVO
AO ALTERAR UM
DETERMINANTE
DA DOENÇA…”
variáveis, de tipo causa-efeito. Como nos
estudos descritivos, deve seleccionar-se uma
amostra representativa da população alvo.
Os estudos descritivos são muito úteis para
estudar a incidência e prevalência de doenças
na população, são a base da maioria das
estatísticas vitais, muitas vezes obtidas por
rotina pelas autoridades de saúde, servem para
descrever a história natural ou os dados clínicos
nos doentes com uma doença específica e
podem sugerir ao investigador hipóteses para o
desenvolvimento de estudos analíticos. São, por
isso, muitas vezes, o primeiro passo numa
investigação epidemiológica. Todavia, neste
texto, o enfoque vai para os estudos analíticos
na medida em que os estudos sobre etiologia,
tratamento, prognóstico, prevenção ou
avaliação dos serviços de saúde se baseiam em
inferências causais.
Em qualquer dos tipos de estudos, o objectivo
deve ser muito bem definido antes do desenho
do estudo e da colheita de dados. Na verdade,
o objectivo vai condicionar a população alvo e
as variáveis/atributos a descrever ou a interrelacionar. No caso de se tratar dum estudo
analítico, o investigador geralmente coloca uma
questão que se enquadra deste modo: “Uma
exposição da população a determinado agente
provocará determinado efeito?” Significa,
portanto, que o investigador tem de definir a
população alvo, a exposição e o efeito que vai
estudar.
EXPOSIÇÃO PRÉVIA,
ambiental/comportamental (ex: poluição
atmosférica, álcool, fumo do tabaco), um
tratamento, prescrito pelo médico assistente
(exposição passiva) ou pelo investigador
(exposição activa). Assim, nos estudos
observacionais, o investigador mede mas não
intervem na exposição, resultando esta duma
exposição natural ou por prescrição médica,
facto que dificulta a comparação dos grupos
pois nada garante que a susceptibilidade dos
grupos antes da exposição fosse igual. Este tipo
de estudos têm maior potencial de viés por
variáveis confundíveis. Nos estudos experimentais, o investigador tem um papel activo
ao alterar um determinante da doença, tal
como uma exposição ou um comportamento,
ou a progressão da doença, com um
tratamento. Se esta intervenção for aleatória, o
risco de viés é muito reduzido. Daí que os
estudos experimentais aleatorizados tenham
uma força de evidência em causalidade
superior à dos estudos observacionais.
O efeito num estudo analítico é o
resultado/consequência que o investigador julga
ser causado/(a) pela exposição (ex: morte,
doença, dor, desconforto, qualidade de vida, cura).
O estudo de associação entre exposição e efeito
depende da escala de medição, diferente para
variáveis contínuas ou categoriais, e da variação
dos factores. Por outro lado, quando se investigam
possíveis causas ou factores de risco, podem ser
estudados múltiplos factores, embora isso coloque
mais dificuldades na inferência estatística.
ISTO É, DO EFEITO
4 Os três eixos do desenho da investigação
epidemiológica
“UM ESTUDO DE COORTE
É UM ESTUDO EM QUE OS
INDIVÍDUOS-PARTICIPANTES
SÃO SEGUIDOS DEPOIS DA
EXPOSIÇÃO ATÉ AO EFEITO,
ISTO É, DA CAUSA PARA
O EFEITO. NOS ESTUDOS
CASO-CONTROLO,
AO CONTRÁRIO DOS DE
COORTE, OS INDIVÍDUOS
SÃO ESTUDADOS DO
EFEITO PARA A EVENTUAL
3 Exposição e Efeito
A exposição é o factor que o investigador julga
ser responsável ou co-responsável pelo efeito
em estudo. Pode ser de natureza diversa,
intrínseca/constitucional (ex: idade, sexo,
etnia),
tipo
sanguíneo,
corpulência,
PARA A CAUSA.”
Depois de se definir o objectivo da investigação
analítica e, portanto, a população, exposições e
efeitos, o passo seguinte é planear o desenho
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do estudo. Este engloba três aspectos distintos:
o sentido direccional, a selecção da amostra e o
tempo.2
A característica direccional refere-se à ordem
em que a exposição e o efeito são investigados:
para diante, da exposição para o efeito; para
trás, do efeito para a exposição; ou em
simultâneo, quando a exposição e o efeito são
determinados no mesmo ponto em termos de
tempo. A selecção da amostra refere-se aos
critérios para escolher os participantes no
estudo e que se podem basear na exposição, no
efeito ou em outros critérios. O tempo refere-se
à relação entre o tempo próprio do estudo e os
tempos (calendário) da exposição e do efeito:
histórico, quando a exposição e o efeito
ocorreram antes do estudo; concorrente,
quando a exposição e o efeito são contemporâneos (com a investigação); ou tempo misto.
4.1 Sentido Direccional
Um estudo de coorte é um estudo em que os
indivíduos-participantes são seguidos depois da
exposição até ao efeito, isto é, da causa para o
efeito.
Nos estudos caso-controlo, ao contrário dos de
coorte, os indivíduos são estudados do efeito
para a eventual exposição prévia, isto é, do
efeito para a causa.
Nos estudos transversais, a exposição e o efeito
são investigados simultaneamente, não sendo
portanto óbvio que a exposição tenha precedido
o efeito, facto que dificulta muitas vezes inferir
sobre causalidade em estudos transversais.
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4.2 Selecção da amostra
A selecção da amostra, quando o interesse da
investigação é a associação entre exposição e
efeito, na maioria das vezes, é feita pela
exposição ou pelo efeito. Se a exposição é rara,
será necessário incluir um número suficiente de
indivíduos expostos de modo que, no final do
estudo, os resultados permitam atingir
significado estatístico. Podem escolher-se grupos
com exposição e sem exposição, ou com
diferentes níveis de exposição, ou indivíduos
expostos a dois ou mais tratamentos ou
comportamentos (estilos de vida). Este tipo de
selecção aplica-se aos estudos de coorte. Quando
o efeito é raro, pode ser necessário a selecção
pelo efeito (doença). Aplica-se nos estudos casocontrolo, em que os casos (indivíduos com o
efeito) são comparados com o grupo de
indivíduos sem o efeito (controlos) relativamente
à exposição prévia. De qualquer modo, é muito
importante que as amostras seleccionadas sejam
representativas da população alvo, o que nem
sempre é fácil garantir.
Uma maneira de assegurar a representatividade
é por amostragem aleatória. Na forma simples,
cada membro tem a mesma probabilidade de
ser seleccionado para o estudo. Obtida a lista da
população alvo, após a sua numeração, pode
ser utilizada uma tabela de números aleatórios
ou uma lista gerada em computador para
escolher os participantes no estudo.
Na amostragem aleatória estratificada, os
indivíduos de alguns subgrupos (clínicos,
sociodemográficos ou outros) são seleccionados
com maior frequência, de modo a garantir que
a amostra seja representativa da população
alvo. A amostragem aleatória por clusters,
Quadro I
Usos dos termos “prospectivo” e “retrospectivo”
Aspecto
metodológico
“Prospectivo”
“Retrospectivo”
Sentido direccional
Para a frente
Para trás
Selecção da amostra
Por exposição
Por efeito
Concorrente
Histórico
Tempo
Hipótese a testar
A priori (antes da
análise dos dados)
Post hoc (gerada após
análise dos dados)
Fonte: Ref.2
Quadro II
Tipos de estudos epidemiológicos
Tipo de Estudo
Nome alternativo
Unidade do estudo
Estudos Observacionais
1. A importância da investigação epidemiológica
(Editorial)- Evangelista Rocha, J. M. Pereira Miguel.
Rev. Port. Cardiol.1997; 16 (9): 667-71.
Estudos descritivos
Estudos analíticos
Ecológicos
De correlação
Populações
Transversais
Prevalência
Indivíduos
Caso-Controlo
Caso-Referência
Indivíduos
Coorte
Follow-up
Indivíduos
2. Kramer MS. Clinical Epidemiology and
Biostatistics - A Primer for Clinical Investigators
and Decision-Makers. Springer-Verlag Berlin
Heidelberg 1988; 37-46.
3. Beaglehole R, Bonita R, Kjellström T. Basic
epidemiology. WHO. Geneva 1993; 31-53.
Estudos Experimentais
Ensaios aleatorizados
controlados
Ensaios Clínicos
Estudos de campo
Estudos comunitários
Bibliografia
Doentes
Pessoas saudáveis
Estudos de intervenção
comunitária
Comunidades
Fonte: Ref.3
envolve agrupamentos naturais de alguns grupos
(ex: escolas, habitações ou aldeamentos).
4.3 Tempo
Quando a exposição e o efeito ocorrem (ou
começam) antes da selecção dos participantes
no estudo, o tempo é histórico. Podem, contudo,
ocorrer depois do início do estudo (concorrentes). Ou, como em muito estudos, a
exposição pode ter ocorrido no passado, mas o
efeito ocorre durante o estudo. È o designado
tempo misto.
4.4 Estudos “Prospectivos e Retrospectivos”
Estas designações foram muito comuns para
descreverem desenhos de estudos epide-
miológicos mas, porque foram geradoras de
muita confusão, como se pode verificar na
Tabela 1, passaram a ser evitadas.
5 Notas finais - Classificação dos estudos
epidemiológicos
Como a lógica da inferência causal e as
expressões estatísticas das associações
exposição-efeito dependem sobretudo do
sentido direccional, este eixo serve como o
eixo major da classificação dos estudos
epidemiológicos que se apresenta a seguir no
(Quadro II).
Evangelista Rocha
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