A CULTURA DO ESPETÁCULO

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A CULTURA DO ESPETÁCULO
O papel da grande mídia na representação e
construção das identidades sexuais
Diego Bielinski
Gabriela Andrea Hermosilla
Joaquim Otávio Melo Lima
Sarah Fróz1
1. INTRODUÇÃO
A mídia, enquanto divulgadora e representante das problemáticas
de uma sociedade, e as identidades sexuais, enquanto primeiro
passo para o reconhecimento do indivíduo e de sua funcionalidade no organismo social, são elementos fortemente presentes nas
discussões contemporâneas centradas na pessoa humana. Assim,
a reflexão sobre o relacionamento entre estes elementos é necessária para a melhor compreensão das dinâmicas que permeiam o
ser humano enquanto ser intrinsecamente social.
O momento vivenciado é de exposição intensa das identidades sociais3 pelos meios de comunicação em massa. Esses, ao
representarem as identidades, também agem em direção à construção das mesmas, seja por meio da perpetuação de arquétipos4,
“Toda orientação pressupõe uma desorientação.”
Hans Magnus Enzensberger2
1
Os autores gostariam de agradecer ao amigo André Maia, por seu auxílio e comentários ao texto.
2
ENZENBERGER, H. Topological Studies in Modern Literature. Revista Sur, Buenos
Aires, maio-junho de 1966.
3
Tajfel (1983, p. 290) conceitua identidade social como “aquela parcela do auto-conceito dum indivíduo que deriva do seu conhecimento, da sua pertença a um grupo
(ou grupos) social, juntamente com o significado emocional e de valor associado
àquela pertença”. O autor afirma também que no processo de comparação social existe uma tendência a atribuir valoração negativa ao outgroup (grupo de fora) e positiva
ao ingroup (grupo do qual é pertencente), o que não significa que um indivíduo não
possa ter uma identificação problemática com o próprio grupo (TAJFEL, 1983).
4
Arquétipo é o termo utilizado por C. J. Jung (2000) para se referir aos modelos inatos
presentes no inconsciente coletivo que servem de base para o desenvolvimento da
psique humana, que nascem sociamente, da constante repetição de certa experiência,
sendo naturalizados e inerentes na transição entre gerações e culturas (JUNG, 2000).
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seja através da desconstrução de imagens conservadoras que ditam padrões para o corpo e a sexualidade (LYSARDO-DIAS, 2007).
A mídia, por vezes reducionista, por vezes revolucionária com relação às desigualdades de gênero, está em constante mutação em
relação à representação de valores, pois representa uma sociedade em busca do autoconhecimento que se transforma aceleradamente (BONIN, 2005).
O objetivo do presente artigo consiste em analisar como
essas transformações da mídia abarcam as identidades sexuais,
de forma a construí-las e representá-las. A partir destes estudos,
pretende-se demonstrar como a mídia impacta nas concepções
de mundo a respeito das identidades sexuais de forma a não se
constituir apenas como reprodutora destas, mas como embutida em um processo concomitante de representação e construção,
co-constituindo as relações sociais como tal5.
A temática acerca do impacto exercido pela mídia sobre as
identidades sexuais, ainda que presente maciçamente em todas
as esferas de convívio social – do ambiente privado ao nacional e
ao internacional –, tem a sua percepção reduzida pela internalização de valores e práticas consolidados, estando a mídia em uma
posição de influência tão abundante sobre os indivíduos que se
torna tácita (VESTENA, 2008). Esta influência pode ser, portanto,
positiva ou negativa na direção da formação de uma sociedade
mais tolerante e inclusiva (KUNSCH; FISCHMANN, 2002).
A mídia, em suas configurações mais variadas – televisiva,
impressa, via rádio, online – pode ao mesmo tempo transmitir valores discriminatórios com relação às identidades sexuais,
construindo posições discriminatórias como a homofobia; como
pode ser um dos instrumentos mais eficazes para a mudança
social devido ao seu caráter amplamente difusor (CARACRISTI,
2005). E é neste sentido que a mídia será aqui analisada em seu
relacionamento para com as identidades sexuais.
A Cultura do Espetáculo
tivos que delimita como ocorrerá a influência da mídia sobre as
relações sociais e vice-versa (WOLF, 1987).
Sendo assim, a mídia se torna um meio de formação de identidades sociais que influencia no posicionamento do indivíduo
entre os grupos de referência dos quais é pertencente (família,
amigos, religião, política, sexualidade etc.). Isso ocorre porque a
mídia se constitui como uma grande rede de interação entre os indivíduos que assume um caráter global(HJARVARD, 2008). Essas
interações, no entanto, podem não ser simétricas e a relação entre
aquele que profere um discurso midiático e o destinatário, caso
não sejam conferidos instrumentos de réplica a este, pode assumir
um caráter hegemônico7, de dominação (HJARVARD, 2008).
Trazendo para a análise a perspectiva de Pierre Bourdieu
(1989), pelo caráter difuso da mídia em comparação às relações
pessoais “cara-a-cara”, esta passa a exercer uma dominação suave,
uma forma de poder aparentemente mais amena sobre os indivíduos. Esta forma mais amena de poder é, ao mesmo tempo, mais presente e controladora das práticas sociais por revelar-se como um
dever-ser não explícito. Isto se torna evidente, por exemplo, se considerarmos os padrões “ditados” pela mídia para o comportamento
social. Ela não expressa diretamente que as pessoas ajam, pensem
ou sejam como tal, porém evidencia modelos ideais que, compartilhados e internalizados pela sociedade, tornam-se um dever-ser,
que se mostra mais resistente e persuasivo (BOURDIEU, 1989).
Assim, como demonstra Giroux (1995), observa-se uma retificação da cultura hegemônica por meio de diversos modos simbólicos de produção, textos e discursos que compõem a construção
de significados e refletem o contexto social. A mídia representaria
um destes modos simbólicos de produção, reproduzindo e construindo os valores de grupos dominantes na sociedade, por exemplo, ao privilegiar o comportamento heteronormativo, como se
analisará em seções posteriores (GIROUX, 1995).Para além desta
2. A GRANDE MÍDIA E OS REFLEXOS DA COMUNICAÇÃO
Segundo Shils e Janowitz (1948) apud Wolf (1987), a eficácia dos
mass media 6 – aqui entendidos como a mídia de ampla difusão
social, acessível a setores representativos da sociedade – em promover aquilo a que sua reprodução se propõe só é suscetível de
ser analisada no contexto social em que funcionam. Mais que do
conteúdo que difundem, sua influência depende das características do sistema social que os rodeia. Para estes autores, existe uma
intersecção entre as dinâmicas sociais e os processos comunica-
5
A mídia constitui as relações sociais assim como as relações sociais constituem a mídia (co-constituição). Tal processo será mais bem analisado ao longo do presente artigo.
6
A evolução tecnológica deu espaço para o surgimento da expressão “mídia de massa”, que foi definida por Silveira dos Santos como “meios cuja finalidade habitual não
reside na comunicação interpessoal, mas na transmissão de uma mensagem de um
centro emissor para uma pluralidade de indivíduos receptores” (SANTOS, 1999, p. 10).
7
Em seu sentido etimológico, hegemonia significa simplesmente liderança. Nesta
acepção, hegemonia diz respeito a uma forma particular de dominação, que se pauta
no consenso, sendo exercida, sobretudo por uma classe social ou nação sobre seus
pares (GRAMSCI, 2000). Quanto mais difundida a ideologia, tanto mais sólida a hegemonia e tanto menos necessário o uso da violência explícita (GRAMSCI, 2000).
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visão, a mídia também pode ser entendida como um espaço para a
inclusão de grupos minoritários8 e para a mudança social. Dado o
caráter quase onipresente da mídia nos âmbitos de convivência social, uma reestruturação dos valores e conceitos (incluindo os preconceitos) compartilhados em uma sociedade não pode,nem deve,
ocorrer sem o auxílio da mídia. Como reflexo da comunicação decorrente do campo midiático, os discursos de determinados grupos
sociais, antes invisibilizados pelo discurso dominante, podem se fazer ouvidos e, devido ao grande alcance dos meios de comunicação,
políticas públicas podem ser adotadas no sentido da flexibilização
social9 (PAIVA, 2005). Exemplo deste auxílio que a mídia presta às
políticas de inclusão social e vice-versa, tornando tanto o ambiente
midiático quanto a sociedade mais tolerantes, é o estabelecimento
de cotas para afrodescendentes em propagandas televisivas.
É importante notar que a reflexão acerca da mídia parte, aqui,
de um contexto democrático, no qual os meios de comunicação
dispõem de certa liberdade regulamentada por leis para o exercício de propagação de informações e no qual as minorias podem ser
representadas na tomada de decisão. Afinal, como afirma Muniz
Sodré (2005, p. 11), “a democracia é um regime de minorias, porque só por meio do processo democrático a minoria pode se fazer
ouvir”. Essas minorias, que não estão categorizadas em uma base
quantitativa, mas sim, qualitativa de desigualdade simbólica, se
manifestam de forma a contrabalancear as estruturas hegemônicas econômicas, políticas e de gênero, entre outras (LOURO, 2008;
ABROMOVAY, 2004).
Assim sendo, a mídia pode atuar como promotora de mudança social ao trabalhar a multiplicidade e o convívio entre os grupos
sociais, levantando a importância de conceitos como os de aceitação, tolerância, igualdade/diferença e pertencimento por meio do
diálogo e da comunicação (SULLIVAN, 1996). A mídia, portanto,
influencia as opiniões e identidades dos indivíduos em sociedade,
como defendido no artigo, e esta influência tende a ser negativa
se não for seguida de esforços em direção à inclusão e à igualdade
social. Para o melhor entendimento dos reflexos, positivos ou negativos, da mídia na atualidade, um breve histórico a seu respeito
se faz necessário, bem como a análise de seu enfoque global e dinamismo, como tratarão as subseções a seguir.
2.1. A gênese e evolução midiática
Briggs e Burke (2006) afirmam que a preocupação com os meios
de comunicação é bem antiga: a retórica, enquanto comunicação
oral e escrita era percebida em Roma e na Grécia Antiga, tendo
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sido estudada, também, na Idade Média e, especialmente, no Renascimento. Com a ascensão da burguesia na Baixa Idade Média,
ocorre uma grande mudança,com uma maior aglomeração nos
centros urbanos, como exorta Berredo Martins,
[t]oda a experiência de mundo antes relegada à esfera íntima da
família, à dimensão individual passa a ser mediada pelos meios
de comunicação; as representações passam a substituir a própria
realidade. Isso porque a aglomeração nos centros urbanos não permite ao indivíduo exercer um controle direto sobre o que acontece
(MARTINS, 2007, p. 12).
De tal forma, os meios de comunicação cresceram em importância, conforme se processou a urbanização; a mídia passou a orientar o ser urbanizado, passando-se de uma cultura homogeneizada das pequenas comunidades rurais para uma heterogeneidade
da comunicação e da cultura nas cidades (MARTINS, 2007).
A percepção do papel social ocupado pela mídia como formadora de opiniões públicas começou a configurar-se a partir da
institucionalização da imprensa moderna no século XVII, quando ocorre o aparecimento do termo opinião pública10; enquanto
que, apenas no século XIX surge a preocupação com as massas11
e o poder de influenciá-las. Isso pode ser observado com o papel
de destaque que a propaganda, especialmente, recebeu após as
Guerras Mundiais12 (MARTINS, 2007; PAIVA, 2005).
8
Segundo Guacira Louro (2008), a expressão “minoritária” não possui pretensão de
aludir a quantidade numérica, entretanto, refere-se a uma atribuição valorativa que
é imputada a um determinado grupo a partir da ótica dominante. Assim, as minorias
nunca poderiam se traduzir como uma inferioridade numérica, mas podem ser compreendidas como maiorias silenciosas ou silenciadas.
9
Flexibilização social está aqui relacionada aos esforços no sentido de maior abertura (política, econômica, cultural e social) a grupos vulneráveis, visando o respeito, os
princípios de igualdade e a tolerância.
10
A opinião corresponde sempre a um juízo formulado a respeito de qualquer fato e a
sua dimensão pública surge quando essa opinião é partilhada com um vasto número
de indivíduos a tal ponto que, a observação emitida poderia ser de qualquer um deles
(SENA, 2007).
11
O conceito de massa diz respeito à atomização sofrida pelos indivíduos que vivem em
sociedade, de forma que eles passam a ter opiniões e gostos quase iguais, tornando-os
primitivos e inexpressivos individualmente (HORKHEIMER, ADORNO, 1986 [1947]).
12
Após a Segunda Guerra Mundial, a partir das lições aprendidas pelo efeito impactante da propaganda na Alemanha de Hitler, cientistas sociais se deram conta da maleabilidade e da influência massiva que tal meio pode ter sobre as massas, tornando-as
manipuláveis, vulneráveis e diminuídas a um reduzido senso comum cultural e político (WELCH, 1999).
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A partir da segunda metade do século XX, já começa a se delinear o formato de como a mídia se apresenta nos dias de hoje,
especialmente devido à melhora gradual da tecnologia, que teve
como grande expoente o aparecimento da televisão na década de
60. Segundo Dal Forno,
a Televisão, com suas características de rapidez, constância, indiferenciação qualitativa13, massificação e de significativa penetração no cotidiano da sociedade, utilizando-se do efeito imagem, é e
sempre será preponderante e contundente na forma de ver, pensar
e representar o real (DAL FORNO, 2011, p.1).
264
Assim, a evolução tecnológica deu espaço para o surgimento da
expressão mídia de massa14. Estudiosos de teorias que discursavam principalmente sobre tal conceito, Adorno e Horkheimer
(1986 [1947]) argumentaram que a mídia comercial produzida
nas estruturas da indústria – que por tais autores é chamado de
indústria cultural – contribuiu para a falência cultural e artística
da sociedade norte-americana. O exemplo máximo de tal falência estaria na indústria de cinema de Hollywood, que produzindo materiais superficiais para as massas, desviaria a atenção da
população para problemas políticos existentes no capitalismo –
nota-se que, além da televisão, o cinema também é classificado
como meio de massa (SANTOS, 1999).
Já a denominação indústria cultural se refere a um caminho
unidirecional de comunicação, no qual uma indústria central encaminha a uma audiência “passiva” todo o conteúdo que deseja
(ADORNO; HORKEHEIRMER, 1986 [1947]). Essa característica
atribui uma grande quantidade de poder à mídia, juntamente com
o fato de que há poucos interesses e esforços insuficientes que são
direcionados ao público que está fora da massa. Para a indústria,
segundo os autores, seria mais conveniente produzir materiais
que visem às massas do que a esses espectadores individualizados. A mídia de massa pode, portanto, objetivar uma alienação
dos espectadores, política ou cultural, dependendo da forma com
que deseja orientar o público. Tais meios podem influenciar e ser
utilizados para controlar toda uma sociedade, desde sua forma de
comportamento até as informações a que tem acesso.
Outro conceito-chave que permite compreender tais mudanças é o da “midiatização”, que explica a importância da mídia na
cultura e na sociedade. Autores como Mazzoleni e Schulz definiram tal conceito como as problemáticas coincidências ou consequências do desenvolvimento dos meios de comunicação de mas-
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sa modernos (MAZZOLENI & SCHULZ, 1999 apud ­HJARVARD,
2008). Algumas dessas problemáticas seriam sentidas, segundo
a literatura, em campos como: a política, exemplificada pelo
caso brasileiro das eleições para presidente em 1989 no Brasil15;
a pesquisa, a partir da interferência exercida sobre a divulgação
e interpretação de conhecimentos científicos16; e a religião, não
apenas por sua difusão e produção, mas também devido a novas
possibilidades permitidas, já que os meios de comunicação interativa permitem, por exemplo, novas formas de engajamento,
adoração e práticas sociais (HJARVARD, 2008). Exemplificações
de tais formas seriam a criação de religiões que adorem figuras
antes inimaginadas, ou que as adorações ocorram em espaços
como a internet, sem haver a necessidade da presença física.
Os conceitos supracitados permitem compreender outra
denominação atribuída à mídia devido a esse papel nas sociedades contemporâneas: a de Quarto Poder17. Tal conceito teria sido
criado pelo inglês Lord Macaulay em 1828, quando afirmou que
a imprensa exerceria um papel dual. Primeiramente seria uma
guardiã dos cidadãos, e posteriormente, “um veículo de informação e da expressão dos cidadãos no exercício de seus direitos.”.
Deve-se ao reconhecimento de sua considerável autonomia e
importância, tal como teriam os demais Poderes existentes nas
sociedades democráticas liberais: Judiciário, Legislativo e Executivo (WOLF, 1987).
Desta forma, a partir do panorama histórico e dos conceitos
apresentados sobre a mídia, podem-se compreender melhor alguns dos reflexos que esta vem trazer para a contemporaneidade
em diversos campos. É importante notar, contudo, como lembra
13
Indiferenciação qualitativa refere-se ao fato de não existir muita preocupação, tanto por parte dos produtores quanto dos receptores, com a qualidade da programação
televisiva (DAL FORNO, 2011).
14
Conceito supracitado e explicitado na subseção 2.
O episódio das eleições de 1989 no Brasil tornou-se polêmico devido à grande manipulação que amídia exerceu sobre seu resultado- com Fernando Collor eleito presidente (SEREZA, H., 2009). Para maiores informações, consultar o vídeo disponível
em: <http://www.youtube.com/watch?v=VrpurEkmJkU>.
15
16
A pesquisa sofre manipulação da mídia devido à sua determinação do que pode ser
divulgado e de acordo com o enfoque dado a cada descoberta feita (HJARVARD, 2008).
17
O Quarto Poder surge como uma espécie de contrapeso aos três poderes dos Estados liberais, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. A ideia de Quarto Poder vem
à tona como a de um poder fiscalizador dos outros três poderes e, ao mesmo tempo,
como um poder que influencia os demais poderes, de modo a veicular aspirações da
sociedade civil (IANONI, 2003).
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Peter Burke (SIMOES, 2010), que “a mídia é mero reflexo da sociedade, e tem muito poder para mudar a própria sociedade. É uma
relação dialética”.Ou seja, a sociedade também influencia sobremaneira a forma atuante da mídia, como será visto na próxima
subseção. No entanto, Hernes (1978) nos exorta:
[...] É necessário perguntar quais consequências a mídia tem para as
instituições e para os indivíduos: as formas como a administração
pública, as organizações, os partidos [...] e os negócios funcionam
e como eles se relacionam entre si. [...] do ponto de vista institucional, a questão-chave é: como a mídia altera tanto o funcionamento
interno de outras entidades sociais quanto suas relações mútuas
(HERNES, 1978, p. 181 apud HJARVARD, 2008, p. 56).
2.2. Enfoque global e dinamismo
266
A indústria midiática pode ser compreendida enquanto a coleção
de negócios que permitem o compartilhamento de informações,
estando subdividida emcategorias, como a mídia impressa ou a
mídia audiovisual (HALL, 2001). Tal coleção de negócios envolve
conglomerados empresariais ao redor do mundo, formados por
emissoras de televisão, rádio, jornais ou até agências de publicidade, exercendo, portanto, grande poder econômico e político.
De acordo com Holt e Perren (2009), as primeiras teorias
abarcando o tema da indústria midiática começaram a aparecer
por volta dos anos 1920 a 1950. Uma dessas teorias foi a do modelo
de transmissão (SHANNON; WEAVER, 1949), na qual o poder e a
influência permanecem majoritariamente com o responsável pelas informações – geralmente a indústria ou o governo – tendo o
receptor dessas pouca autoridade. A partir da percepção da força
e importância que uma mensagem transmitida no exemplo desse modelo pode alcançar, a indústria tinha como objetivo vender
bens de consumo através das propagandas de massa, enquanto o
governo objetivava aumentar a participação dos cidadãos na discussão pública. Estes dois objetivos guiaram os primeiros trabalhos da indústria midiática, que focavam, primordialmente, em
propaganda, notícias ou informações programadas.
Contudo, a mídia e sua indústria também são influenciadas
pela sociedade, tendo que se adaptar às suas recorrentes mudanças. A sociedade global pode ser atualmente caracterizada pela
presença de identidades fluidas, relações efêmeras e uma cultura
cultivadora do individualismo e da valorização da superficialidade (SILVA, 2012).As características supracitadas de fluidez e efemeridade levam a mídia a passar atualmente por um processo de
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ajuste, observado com o aparecimento de novas plataformas de
comunicação como as redes sociais.
Apesar de as mídias sociais já terem sido projetadas por volta
dos anos 90, foi apenas nos últimos anos que essas novas ferramentas ganharam importância (NASSIF, 2011). O grande diferencial trazido aos usuários dessas foi a possibilidade de deixar
de se ter um papel tão passivo frente aos materiais e conteúdos
veiculados; a internet, através da sua interatividade, permitiu que
o espectador pudesse ser mais crítico e seletivo quanto aos materiais apresentados pela mídia – podendo interferir e ser visto
com sua opinião, devido ao espaço que a internet permite para
tal. A partir de tais ideias que surge o termo da mídia alternativa:
cada vez mais o meio e a mensagem se confundem, definindo novas técnicas que vêm competir com o estilo publicitário da mídia
clássica. Essas novas abordagens constituem o universo da Mídia
Alternativa (DORDOR, 2007, p. 24).
São, portanto, todos os meios ou canais de comunicação que
não sejam os tradicionais, como a exemplo das plataformas sociais existentes na internet.Além disso, essas novas ferramentas
permitiram mudanças substanciais que puderam ser percebidas
nos campos econômico, ao se juntar consumidores com hábitos
comuns, político, através do ativismo percebido em eleições ou
na derrubada de regimes autoritários, e social, no qual a opinião
pública passa a se tornar peça-chave; já havendo, inclusive, autores, como Nassif, que afirmam que o chamado Quarto Poder passa a ser a mídia de opinião pública (NASSIF, 2011).
Desta forma, a indústria midiática é portadora de diversos
papéis na sociedade. Um deles é o de educação dos espectadores; sua aplicação é observada nas restrições que a mídia possui
a certos artefatos que podem ser danosos à saúde ou inapropriados a certas faixas etárias, como é o caso de programas televisivos que possuem horários específicos para serem expostos, ou
ainda,como é o caso das limitações que as propagandas de cigarros e bebidas alcoólicas contêm. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Paulo em 2007, com o professor Elisaldo
Carlini, comprovou que após a restrição ou até proibição da publicidade de produtos derivados do tabaco no Brasil, consentido
pela Lei n.º 10.167/2000, o número de fumantes no país diminuiu,
segundo afirma Carlini, asseverando o papel educador da mídia:
o primeiro estudo que fizemos em 1987 com estudantes, mas em 27
capitais, mostrava que 22,4% haviam experimentado tabaco, número esse que subiu para 32,7% dez anos depois, num aumento de 50%
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(...). O dado de 2005, de 21,7%, é menor do que o de quase 20 anos
atrás (CARLINI, 2007).
268
Ao se analisar a mídia como agente promotor de novos comportamentos, Taberner foi responsável por uma pesquisa feita em
2006 que comprovou tal característica. Após a morte por infarto
de um importante personagem da mídia brasileira (o humorista
Bussunda, aos 43 anos) ter sido amplamente divulgada na imprensa, o número de pacientes que foram ao maior pronto-socorro cardiológico do país por apresentarem sintomas cardiológicos aumentou, sem haver o aumento paralelo de internações ou
diagnósticos de infarto. Também foi observada uma diminuição
na faixa etária dos pacientes, causada provavelmente por influência do personagem (TABERNER, 2006).
Portanto, é notável que a indústria midiática atua como
grande modeladora de opiniões em nossa sociedade, o que lhe
confere tarefas que extrapolam a simples ideia de transmitir informações (FONSECA, 2010), como será mais bem explorado na
seção subsequente.
3. A CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES SEXUAIS
Numa sociedade em que a sexualidade possui papel primordial,
e na qual se convive com a multiplicidade da orientação sexual, o indivíduo passa a sofrer conflitos de identidade, em face da
diversidade de caminhos que por ele podem ser trilhados (DAVIDOFF, 2001). Assim, a identidade passa a se modelar, majoritariamente, sob determinados contextos e expectativas exteriores
ao indivíduo.
Tal identidade percebida antes da modernidade, como una
e estável, sofreu fragmentações, agora se compondo de diversas
identidades; essas, muitas vezes, mal resolvidas ou até contraditórias. Tal cenário pode acabar gerando uma crise identitária, sobre a qual Stuart Hall afirma:
é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que
está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades
modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social (HALL, 2001, p.7).
Desta forma, frente às diferentes identidades sexuais, a sociedade
enfrenta uma falta de estabilidade ao se deparar com tais paradigmas novos, cabendo-lhe o dever de garantir o acesso aos di-
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reitos de igualdade e de expressão aos indivíduos, algo que nem
sempre se observa na prática (COMAN, 2003).
Exemplos notáveis de desrespeito à construção das diferentes
identidades sexuais podem ser diariamente percebidos sob a forma
de preconceito, homofobia ou discriminação (SULLIVAN, 1996). O
preconceito pode ser entendido como “fazer um julgamento prematuro, inadequado sobre a coisa em questão”, de acordo com Robert (1991). A partir de tal conceito, pode-se haver espaço para o
aparecimento da discriminação e até de atitudes violentas, visto
que o preconceito pode ser gerador daqueles (D’EMILIO, 1983).
A discriminação caracteriza-se pela forma arbitrária tanto
de pensar quanto de agir, servindo para manter as distâncias e
diferenças sociais entre um indivíduo e outro (DAVIDOFF, 2001;
SULLIVAN, 1996). Uma forma conhecida de aplicação discriminatória é a homofobia, na qual é negada a possibilidade do outro
ser diferente; o indivíduo discriminador baseia-se em estigmas
preconceituosos, estando, de tal forma, inabilitado para uma aceitação social completa (JUNQUEIRA, 2009).
Mais especificamente, a homofobia é a forma de preconceito
e discriminação destinada contra os homossexuais (JUNQUEIRA,
2009). Essa pode ser expressapor meio de atos violentos físicos
que atingem a integridade corporal do indivíduo, ou por atos não
violentos, mas injuriosos, ferindo a isonomia18 de direitos e a interação social dos atingidos (JUNQUEIRA, 2009).
Com o objetivo de refrear atos discriminatórios, proteger as
variadas identidades sexuais e promover uma maior coesão social, existem diversos documentos internacionais tratando dos
temas supracitados (COMAN, 2003), tanto de instrumentos regionais como de internacionais. Na resolução 2.653 de 7 de julho 2012 daOrganização dos Estados Americanos, na Convenção
Europeia dos Direitos Humanos de 1950 do Conselho da Europa
e no Tratado de Amsterdam de 1999 da União Europeia há claro
tratamento da matéria. Os documentos supracitados exortama
necessidade proteção e o combate à discriminação com base
em orientação sexual ou identidade de gênero (BIELINSKI et al.,
2012, p. 215). Assim, tais passos representaram uma grande evolução, no âmbito internacional (BIELINSKI et al., 2012; COMAN,
2003), pois simbolizam o crescente apoio àsdiversasidentidades
sexuais e a busca pelo fim dos preconceitos e pela igualdade entre os indivíduos (COMAN, 2003).
18
Princípio segundo o qual todos são iguais perante a lei, não podendo haver nenhuma distinção em relação a pessoas que estejam na mesma situação (HOLANDA, 1996).
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Simulação das Nações Unidas para Secundaristas | 2013
3.1. Orientação Sexual e Identidade de Gênero
270
Os estudos a respeito das orientações sexuais, ou seja, expressões
da sexualidade19, só começaram a aparecer nos meios acadêmicos
a partir da entrada do século XX (AMERICAN PSYCHOLOGICAL
ASSOCIATION, 2009). A pluralidade sexual ainda era um tabu
muito forte na sociedade, e esses estudos iniciais foram realizados
por alguns autores como August Forel (1874), Iwan Bloch (1922),
Havelock Ellis (1905) e Sigmund Freud (1905).
Ainda que de significativa importância, essas primeiras observações não ganharam muita repercussão devido ao conservadorismo nos meios tradicionais. No entanto, eventos como
a homossexualidade podem ser observados ao longo de toda a
história, tanto em seres humanos quanto nos outros membros do
reino animal (DAVIDOFF, 2001). Nos últimos 30 anos, a literatura
a esse respeito cresceu consideravelmente e diversos estudos foram realizados sob diferentes pontos de vista: biológico, médico,
político, econômico, cultural etc. (DAVIDOFF, 2001).A desmistificação desse assunto permitiu uma maior compreensão sobre
ele e em relação aos indivíduos que se expressam sexualmente
de forma não tradicional (o padrão heteronormativo20), ainda
que tal assunto seja controverso até os dias atuais (LOURO, 2004;
JUNQUEIRA, 2009).
O conceito estabelecido pelo indivíduo para definir a si próprio como pertencente ao gênero masculino ou feminino é chamado de identidade de gênero (ABROMOVAY, 2004; D’EMILIO,
1983). Essa identidade é definida a partir de uma combinação de
diversos fatores intrínsecos e extrínsecos ao indivíduo. Tais fatores abrangem as esferas históricas, políticas, religiosas, sociais
etc. Os indivíduos absorvem as forças normativas exprimidas por
essas condições e as desenvolvem internamente de acordo com
suas próprias interpretações do que é pertencer a cada um desses
gêneros, ou ao menos, do que é desempenhar o papel construído
ao longo dos anos atribuído a esse gênero (BIELINSKI et al., 2012).
As características comportamentais e sociais atribuídas aos
indivíduos pertencentes a cada gênero não são fixas, e ganham
interpretação distintas de acordo com a sociedade e o período
histórico em que vivem (KIMMEL; PLANTE, 2004). No Japão feudal, por exemplo, eram aceitas relações sexuais entre os homens
samurais. A identidade de gênero extrapola a identidade sexual
do indivíduo. Esta é definida a partir da formação biológica do ser
humano, ou seja, se a pessoa possui o aparelho reprodutor masculino ou feminino (KIMMEL; PLANTE, 2004).
A Cultura do Espetáculo
A identidade de gênero abrange as dimensões sociais e psicológicas, o que implica que o indivíduo pode se identificar ou
não com o gênero correspondente ao órgão sexual que possui
­(BIELINSKI et al., 2012). Existem casos, ainda que mais raros,
onde o indivíduo se identifica com ambos os gêneros, ou até mesmo nenhum (DAVIDOFF, 2001).
De acordo com W. Yule (2000), a identidade de gênero do
indivíduo começa a se manifestar nos primeiros anos de sua infância e geralmente se consolida a partir do terceiro ano de idade.
Outro conceito comumente utilizado nos estudos de sexualidade
é o de Gender Role (Papel de gênero). Esse conceito se refere à capacidade do indivíduo de externalizar no ambiente em que vive o
comportamento e os maneirismos atribuídos tradicionalmente a
cada gênero (YULE, 2000).
Em outras palavras, o sujeito que pertence ao sexo masculino (definido pelo órgão reprodutor que possui) e se identifica
com o gênero feminino pode expressar ou não essa identidade, se
comportando na sociedade de acordo com os padrões estabelecidos por ela(ABROMOVAY, 2004; SULLIVAN, 1996). A expressão
dessa identidade no meio social é o que chamamos de papel de
gênero(DAVIDOFF, 2001).
É importante notar que identidade de gênero21 e orientação
sexual são conceitos independentes e distintos (GHOSH, 2009).
Um indivíduo que nasceu com o órgão sexual masculino e se
identifica com o gênero feminino, ao se relacionar sexualmente com membros do sexo masculino, não pode ser classificado
como homossexual. Uma vez que ele (o indivíduo) se enxerga
como uma mulher, sua atração sexual por homens representa um
comportamento heterossexual (SULLIVAN, 1996; AMERICAN
18
A orientação sexual pode ser entendida como a identidade atribuída a um indivíduo em função de seu desejo e conduta sexuais (RIOS, 2001, p. 388).
20
A heteronormatividade visa regular e normatizar modos de ser e de viver os desejos
corporais e a sexualidade. De acordo com o que está socialmente estabelecido para
as pessoas, numa perspectiva biologicista e determinista, há duas – e apenas duas –
possibilidades de locação das pessoas quanto à anatomia sexual humana, ou seja,
feminino/fêmea ou masculino/macho (MEYER; PETRY, 2011, p. 155).
21
Shuvo Ghosh (2009) tem uma visão interessante acerca da definição de identidade
de gênero. Consoante a suas ideias, no universo científico é importante diferenciar os
termos “sexo” e “gênero”. “Gênero” é entendido como influenciado pelas interações
sociais, pela história de vida de cada indivíduo e por sua própria identificação como
homem, mulher ou intersexo. “Sexo”, por sua vez, vem de sexus, latim para gônadas (as
quais são interpretadas pela aparência genital externa). Assim, haveria uma discrepância entre os dois, e, de um modo bem simplificado, identidade sexual relacionar-se-ia
com a genitália e identidade de gênero com o cérebro (BIELINSKI et al., 2012).
271
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas | 2013
272
PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION, 2009).Da mesma forma, independente de sua atração por membros do mesmo sexo, uma mulher homossexual se aceita e se reconhece em seu corpo feminino.
A orientação sexual do indivíduo é também outro conceito
complexo e abrangente. Ainda que as classificações de sexualidade tenham valor acadêmico tais rótulos são muito reduzidos e
não conseguem capturar completamente as peculiaridades que
envolvem os anseios sexuais dos seres humanos (O’FLAHERTY;
FISHER, 2011).
Até recentemente não havia uma classificação, ou um nome
“científico” para o sujeito que se atraísse sexualmente por pessoas
do mesmo sexo. As sociedades ocidentais modernas trabalhavam
somente com a ideia de sodomia22, ligada apenas com a prática
sexual homossexual masculina (COMAN, 2003). Esse fenômeno era, geralmente, criminalizado. Atualmente a grande maioria
das pessoas se identifica como heterossexual (quando se sentem
atraídas por indivíduos do sexo oposto), ou homossexual (caso
se sintam atraídas por pessoas do mesmo sexo). Outros também
se dizem bissexuais, ou seja, sentem-se atraídos por pessoas de
ambos os sexos (RIOS, 2001).Vale notar que, em se tratando de
orientação sexual, existem ainda casos de indivíduos que não se
atraem por nenhum gênero, ainda que esse grupo seja minoritário (PRETES; VIANNA, 2007).
Essa classificação, como citado, não abrange todos os fenômenos da sexualidade humana. Existem casos de pessoas que se
assumem heterossexuais, mas expressam, em algum momento,
comportamentos homossexuais23. Tal fenômeno geralmente é
nominado de homossexualidade episódica (GIDDENS, 1993). É
importante também ressaltar que o comportamento afetivo pode
ser classificado de forma diferente quando em se tratando de pares de homens ou mulheres (RIOS, 2001, p. 384; e ABROMOVAY;
CASTRO; SILVA, 2004, p. 278).
Algumas características e elementos são atribuídos às pessoas gays e lésbicas, mas classificá-las é um fenômeno muito complexo que implica cair nos riscos de reducionismo e estereotipação desses indivíduos, como denotado no documento Avoiding
heterossexual bias in language24, daAssociação Americana de Psicologia. Entre preferências de atuação sexual, quantidade de parceiros em uma relação, relacionamentos exclusivos ou não, entre
outros pontos, é possível dizer que a sexualidade humana é tão
complexa quanto à natureza humana em si, e se altera a cada dia.
A classificação desse tipo de comportamento parte da noção,
também construída, de que existe uma normatividade sexual, ou
A Cultura do Espetáculo
seja, existe um padrão matriz de expressão sexual, que consideraria desvio tudo que o extrapolasse (SULLIVAN, 1996). Esse padrão seria o dos indivíduos heterossexuais que se envolvem em
relações exclusivas com um só parceiro, no qual o homem geralmente assume um papel principal e cabe a mulher um papel secundário (LOURO, 2004; DAVIDOFF, 2001).
As teorias feministas desempenharam um papel fundamental no século XX, que pôs em xeque o papel construído e delimitado para as mulheres. Questionar até que ponto existem características específicas intrínsecas aos homens e às mulheres e em
que medida elas são construídas e herdadas ao longo das gerações é fundamental para enfraquecer as relações de poder que se
escondem por trás delas (LOURO, 2004; DAVIDOFF, 2001).
O espaço conquistado pelas mulheres nas sociedades ocidentais contemporâneas muito se deve a esses mesmos questionamentos e às lutas que partiram deles (NOLASCO-SILVA; 2012).
Da mesma forma, a análise sistêmica dos fenômenos da sexualidade humana é igualmente importante para desmarginalizar as
identidades sexuais que fogem ao mainstream, e os indivíduos
que as expressam (NOLASCO-SILVA; 2012).
3.2. Relações de gênero
As identidades sexuais e de gênero, para além de uma referência
biológica, cristalizam-se por meio do enquadramento em práticas histórico-sociais inteligíveis como masculinas ou femininas,
determinando papéis sociais a partir de crenças e expectativas
compartilhadas entre o indivíduo e a sociedade a qual integra. As
22
A expressão latina sodomia é possivelmente o termo mais antigo utilizado para designar as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo, e tem sua origem nos textos
do Livro do Gênesis, no Antigo Testamento, em razão do relato da destruição da cidade de Sodoma. A interpretação da teologia moral cristã definiu o termo sodomita
como aquele que, semelhantemente aos habitantes de Sodoma, prática atos sexuais
com pessoas do mesmo sexo (SPENCER, 1995, p.59-63; TREVISAN, 2000, p.63-73;
VAINFAS, 1989, p.144-180 apud PRETES; VIANNA, p. 322).
23
Alfred Kinsey e seus colaboradores demonstraram que tendências homo e heterossexuais existem em quase todos os seres humanos e que suas proporções se inserem
em uma escala que vai de homossexualidade exclusiva (grau 6 da Escala Kinsey) até
heterossexualidade exclusiva (grau 0). Cada grau intermediário representaria uma
proporção mais ou menos forte de inclinação homo ou heterossexual. Por exemplo,
o grau 3 corresponderia a um equilíbrio absoluto entre as duas tendências, isto é, a
bissexualidade. Um dos maiores méritos dessa escala está em evitar o maniqueísmo
de muitos que se propõe estudar a homossexualidade (DANIEL; BAUDRY, 1973, p. 50
apud BIELINSKI et al., 2012).
24
Evitando preconceitos heterossexuais na linguagem (tradução nossa).
273
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas | 2013
274
identidades sexuais agem como dispositivos que categorizam os
indivíduos e, simultaneamente, lhes concebem funções específicas na convivência com os demais (NOLASCO-SILVA; SILVA, 2012).
Grande parte dos problemas sociais perceptíveis hoje com
relação a gêneros e sexualidades tem como raiz a relação corpo-sexo-gênero (BUTLER, 1993).Para ilustrar a normatização a partir
desta relação, visualiza-se o seguinte caso: uma pessoa possui um
fenótipo que a caracteriza como um homem, logo possui afeição
por mulheres e deve assumir uma postura em sociedade que o associe ao masculino, por meio das atitudes, dos discursos, da forma
como se veste, entre outros. Judith Butler(1993) elucida a questão
por meio da formulação dos conceitos de metafísica da substância e de identidade performativamente constituída. Butler (1993)
busca reconstruir o conceito de gênero, que, para a teoria feminista, seria entendido como algo socialmente construído25, em oposição ao conceito de sexo, tido como “natural”. Para tanto, a autora
tenta apartar a ideia de gênero de uma metafísica da substância.
O sexo seria tradicionalmente entendido como substância,
aquilo que é idêntico a si e não pode ser extraído da pessoa sem
que a essência desta seja perdida, enquanto o gênero seria observado como um “atributo” de pessoa, aquilo que se une à substância na formação do ser. Para a autora, o gênero não denotaria
uma substância. Ele seria “contextual”, fluido e constituído pela
“convergência entre conjuntos específicos de relação cultural e
historicamente convergentes” (BUTLER, 1993, p. 35).
Butler (1993) analisa a questão das identidades de gênero
de uma forma bem particular, enxergando as categorias de “homem” e “mulher” não como identidades, mas como estilos, que
estariam relacionados a uma performance das práticas sociais
internalizadas como sendo “masculinas” ou “femininas”. Esta
nova “catalogação” proposta pela autora seria mais eficaz para
lidar com as demandas emergentes na sociedade atual, em que
um sujeito pode possuir atributos físicos reconhecidos como
masculinos e características no campo performático-semântico
que o direcione à categoria de mulher. É o caso de homossexuais
e transgêneros26, por exemplo.
A inteligibilidade do gênero, ou seja, a identificação de um
sujeito por meio das categorias de gênero entendidas como “normais” (homens e mulheres), neste caso, fica comprometida.E é
esta dificuldade em delimitar um “sujeito por trás do ato”, nos termos da Butler (1993), que provoca comportamentos ou reações
inesperadas por quem observa esses sujeitos não normativamente categorizáveis, gerando atos de preconceito discriminação,
A Cultura do Espetáculo
como visto anteriormente, e dificultando a inserção do sujeito na
estrutura que separa e determina os indivíduos binariamente27.
Todas as concepções vistas até aqui – identidades, ordem, gênero – fazem parte da vida de qualquer indivíduo, que, desde a
mais tenra idade, se encontra em posições de determinação de seu
papel social por meio das instituições das quais faz parte (FOUCAULT, 1999) e dos símbolos que permeiam a realidade existente
(BOURDIEU, 1989). São as instituições sociais – escola, religião, família, mídia – que conduzem o sujeito na identificação e produção
de sua função social, disciplinando-o por meio dos costumes e da
cultura identitária:
numa sociedade hierarquizada e normativa como a nossa, ter um
sexo significa, antes de qualquer coisa, ser capaz de atender a uma
série de exigências que se faz necessária para a inserção de um determinado indivíduo nos moldes de um papel pré-concebido (NOLASCO-SILVA; SILVA, 2012, p.4).
Estes papéis socialmente institucionalizados e legitimados
são generalizantes e não consideram a particularidade de cada
indivíduo(NOLASCO-SILVA; SILVA, 2012). A normatização das
identidades sexuais não apenas desconsideraria a complexidade
existente dos seres humanos, mas ainda os aprisionaria nas próprias
categorias por estes legitimadas. Exemplo deste aprisionamento
são os jogos de virilidade apontados por Pierre Bourdieu (2002).
25
O Construtivismo Social configura-se como um corpo teórico originado na Psicologia e na Sociologia, que se expandiu para diversas outras áreas do conhecimento.
Para seus seguidores, o indivíduo é entendido como agente que transforma constantemente a estrutura social na qual está envolto, assim como é moldado por esta estrutura. Portanto, assim organizado, este indivíduo constrói o mundo ao descrevê-lo
(GRANDESSO, 1999). Os construtivistas assumem, ainda, que o significado das coisas
e os símbolos são socialmente construídos a partir da interação em sociedade, não
são características inatas da mente ou propriedade inerente dos objetos ou eventos
do mundo (MASCOLO; POLLACK, 1997).
26
Segundo Vencato (2003, p. 194), “nos últimos anos, principalmente no final da década de1990, o termo transgender tem surgido, para designar algumas das pessoas
que praticam crossdressing”. De acordo com Jayme (apud VENCATO, 2003, p. 195), “o
termo transgender era utilizado em textos internacionais para definir, de modo geral,
travestis, transexuais, transformistas, drags e andróginos, levando em conta que há
particularidades entre esses sujeitos”.
27
A ordem binária diz respeito ao pensamento dicotômico no qual os significados
conhecidos e compartilhados entre os sujeitos estão imersos. Exemplos destes binarismos são os pares homem/mulher, eu/outro, natureza/cultura, mente/corpo, cheio/
vazio, entre outros.
275
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas | 2013
276
Segundo este, os homens, para manter a ordem em que são
dominantes, necessitam constantemente “provar” a sua virilidade por meio de ações e discursos diários de legitimação de sua
heteronormatividade. Assim, tornam-se prisioneiros destas ações
e discursos a ponto de não poderem se expressar livremente, mas
de terem que atuar performaticamente de acordo com as convenções sociais vigentes (BOURDIEU, 2002).
Assim, analisou-se, na presente seção, o impacto social exercido pelas identidades sexuais e de gênero, identificando-se dinâmicas e dispositivos de poder fundantes e legitimadores da ordem
social. Esta ordem, pautada no binarismo e que torna equânime
concepções como as de corpo, sexo e gênero, deixa margem para
comportamentos discriminatórios em relação a ações e identidades dadas como “anomalias” sociais.
Pode-se dizer que a sociedade ocidental, em determinadas
circunstâncias, tem caminhado no sentido de maior desprendimento destas hierarquias de gênero (NOLASCO-SILVA; SILVA,
2012). No entanto, como afirma Mark Twain apud Jablonski (1995,
p. 159) “não nos libertamos de um hábito atirando-o pela janela: é preciso fazê-lo descer a escada degrau por degrau”, de forma
que práticas construídas durante milênios não serão dissolvidas
tão facilmente do imaginário social. A reconstrução se faz através
de um trabalho contínuo e persistente.
4. A CULTURA DO ESPETÁCULO: A RELAÇÃO ENTRE
A MÍDIA E REPRESENTAÇÕES SEXUAIS
As expressões de sexualidade do ser humano são construídas socialmente (LOURO, 2008), sendo produto das condições históricas,
culturais e políticas que constituem uma sociedade. Dessa forma,a
sexualidade,longe de ser um “domínio da natureza”(FOUCAULT,
1987) é considerada aqui como um “fato social28” enquanto condutas, como fundadora da identidade e como domínio a ser exploradocientificamente (BOZON e GIAMI, 1999 apud ANJOS, 2000).
Destarte, somada a essa característica social da sexualidade,
existe o papel poderoso da grande mídia, que influencia o processo de construção e representação das identidades sexuais na
sociedade (HJARVARD, 2008).
Assim, pode-se observar que os distintoscanaisde mídia, que
alcançam atualmente grande parte da população mundial, servem
como transmissores de informações, conceitos, tradições, costumes e são formadores de opinião (HJARVARD, 2008). Além disso, a
mass media corrobora para o fenômeno complexo que pode exer-
A Cultura do Espetáculo
cer um papel influenciadorna construção, representação e aceitação da identidade sexual do indivíduo. Cabe ressaltar, assim, que
a mídia é um reflexo da sociedade que retrata e reproduz em si as
relações de poder presentes em nosso cotidiano (LOURO, 2004).
São veiculados, então, por meio da grande mídia, os padrões
hegemônicos da sociedade, perpetuando e reforçando o comportamento normativo-social. Como foi visto nas seções anteriores
do artigo, quando foi tratado sobre a questão das minorias como
um todo e o seu papel na sociedade, a padronização do comportamento constrange o diferente, que por essência teria um papel
secundário, tanto na mídia quanto na sociedade (LOURO, 2004;
HJARVARD, 2008).
Como formadora de opinião, portanto, a mídia modela as
identidades culturais e sexuais a partir dessa hegemonia, e de forma geral, problematiza o que foge ao senso determinado como
comum. No campo da sexualidade,o poder de normatização é
abrangente: a mídia reproduz os padrões heteronormativos pré-estabelecidos (JUNQUEIRA, 2009) e apresenta as diferentes representações deorientação sexual e identidade de gênero. Assim,
dá-se origem a transmissão de estereótipos para representar os
grupos minoritários, o que leva a classificações nas quais o indivíduo deve necessariamente se deixar representar, constrangendo
sua individualidade (MAIA, 2009).
Não obstante, a força midiática na atualidade é ambígua, pois
da mesma forma que serve como reprodutora de padrões comportamentais, ela pode servir como ferramenta de combate à intolerância e de inclusão social (LOURO, 2004). A recente democratização relativa das ferramentas de comunicaçãoexplicada na seção
2.2, especialmente o uso da internet e das redes sociais, criou um
espaço que permite o diálogo e a discussão por parte das pessoas
pertencentes às diversas formas de identidade sexual, o que seráapresentado melhor na subseção 4.2 (SOARES, 2011).Assim, esse
acesso permite aos grupos minoritários uma maior visibilidade e
um espaço tolerante e abrangente no qual os indivíduos possam
interagir ecomunicar suas dificuldades (SODRÉ, 2005).
Percebe-se, então, que a mídia é em si um reflexo da sociedade com a qual dialoga (WOLF, 1987; SODRÉ; 2005; ABROMOVAY,
2004), pois se molda às realidades sociais instauradas, obtendo
28
Émile Durkheim (1984), define: “É um fato social toda a maneira de fazer, fixada
ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coação exterior; ou ainda, que é
geral no conjunto de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência
própria, independente das suas manifestações individuais” (1984, p. 92).
277
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas | 2013
uma relação recíproca de transformação e adaptação com a sociedade. Assim, sociedade e mídia se aproveitam dos fatores negativos e positivos de sua relação.
Desta forma, a cultura do espetáculo aqui denominada é arelaçãoentre mídia e sociedade,um como produtor e o outro como
ator, desenhando suas influências recíprocas na criação e reprodução dos diferentes juízos de valor relativos à forma de lidar
com os grupos LGBTTT e as relações de gênero homem e mulher
­(PAIVA, 2005, p. 10; JABLONSKI, 1995).Assim,
[o] espetáculo, que é a afirmação da aparência e a afirmação de
toda a vida humana – isto é, social. (...) sob todas as suas formas
particulares – informação ou propaganda, publicidade ou consumo
direto de divertimentos – constitui o modelo atual da vida dominante na sociedade (DEBORD, 1997, p. 16).
278
Nesta peça, então, a direção é conjunta e o cenário é global, mas
a cena muda de acordo com o tempo. Por isso, faz-se necessária
a análise da evolução histórica dessa relação e do poder da mídia
nos dias atuais, a ser realizado a seguir.
4.1. O surgimento e amadurecimento dos atores LGBTTT29
Dada importância dos elementos sociais e históricos na construção e representação das identidades sexuais, nesta subseção
analisar-se-áo papel da grande mídia no contexto de representação dos grupos LGBTTT e das relações de gênero, as quais veem
se modificando ao longo do tempo.
A gênese da relação entre a representação das identidades sexuais e a influência da grande mídia é difícil de ser datada. Contudo, ela pode ser associada ao surgimento do movimento em busca dos direitos e liberdades da comunidade LGBTTT na década
de 1970, pois foi durante esse período que as minorias sexuais começaram a ser retratadas com mais frequência nos canais de televisão e na rádio, especialmente nos Estados Unidos(SILVA, 2005).
À época, o grande marco do movimento LGBTTT foi a Rebelião de Stonewall, datada de 28 de junho de 1969. O episódio
ocorreu no bar Stonewall Inn, na cidade de Nova York, no qual
foi alvo de uma da frequentes investidas da polícia estadunidense
contra estabelecimentos frequentados pela comunidade LGBTTT (BIELINSKI et al., 2012).Assim, a ocorrência foi um marco pela
resistência dos cidadãos que se rebelaram contra os policiais e resistiram às sumárias prisões (BIELINSKI et al., 2012). Silva (2005)
denota que o evento levou a uma maior visibilidade para a comu-
A Cultura do Espetáculo
nidade homossexual, inaugurando novos estilos de vida, “era a
nova tradição do confronto em vez da fuga (SILVA, 2005, p. 234)”.
O acontecido na cidade de Nova Iorque foi interpretado como
o início da luta pelos direitos LGBTTT. Foi a primeira vez que um
grande público mostrou capacidade de organização e de vontade
na luta contra medidas discriminatóriasbaseadas em orientação
sexual, tornando a data da Rebelião o dia internacional do Orgulho Gay e Lésbico (COMAN, 2003).
A partir disso, a comunidade LGBTTT passou a ganhar espaço na mídia. Outras manifestações ganharam notoriedade e
foram retratadas em noticiários, o que permitiu sua exposição
nos meios de comunicação. Na década de 1980, foi a experiência
do combate à AIDS quepermitiuao movimento desenvolver suas
capacidades organizativas, como em campanhas de massa, permitindo a criação de diversas associações LGBTTT(BIELINSKI et
al., 2012, p. 16).
Com isso, a visibilidade dos grupos LGBTTT alcançou níveis
mais sensíveis. O surto da doença foi tema de diversos programas e reportagens jornalísticas, com uma abordagem inicial por
vezes preconceituosa(PAIVA; 2005; SODRÉ, 2005). Assim, o crescimento dos índices da AIDS era por vezes relacionado com o
comportamento sexual dos homens gays, tido como promíscuo e
perigoso. Dentro da mídia, a homossexualidade masculina estava diretamente atrelada com o chamado “câncer gay” e o espaço
adquirido pela busca por direitos por esse grupo se reduziu a essa
relação sexualidade-doença(PAIVA; 2005; SODRÉ, 2005).
No entanto,após o avanço de meios preventivos e a adoção
de políticas públicas, além da quebra do paradigma entre a AIDS
e os homossexuais, a abordagem da comunidade LGBTTT na mídia mudou completamente. Nos últimos 20 anosa mídia passou a
ter uma abordagem mais pluralista e a inclusão de personagens
LGBTTT em seriados, filmes, novelas, programas de entrevista e
etc. aumentou exponencialmente (PAIVA, 2005).
4.2. O poder da mídiasobre a construção das identidades sexuais
O amplo alcance conquistado pela televisão, em parceria com
um crescente número de horas que os telespectadores passam
em frente às telas, concede a esse meio de comunicação uma
função educativa (SPOSITO, 2001). Os espectadores absorvem
as diversas informações e conceitos transmitidos pela televisão
29
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Transgêneros e Travestis.
279
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas | 2013
280
para somar aos seus conhecimentos. Tal fenômeno cria uma relação de ampla influência cultural por parte desse tipo de mídia na
construção da identidade da audiência (SPOSITO, 2001).
A televisão não só retrata a sociedade como também dita normas de identidade e comportamento aos seus espectadores. Dessa forma, tal influência pode ser controversa ao tratar de assuntos
complexos como a sexualidade. A mídia televisiva, dessa forma,
peca por utilizar reducionismos e conceitos equivocados ao
tratar de forma superficial as minorias sexuais. Os homens gays,
por exemplo, são comumente retratados de forma afeminada e
caricata. Esse tipo de abordagem cria obstáculos paraa assimilação posterior da complexa questão que é a sexualidade humana
(SPOSITO, 2001; WOLF, 1987).
Tais mensagens são por vezes absorvidas pelo telespectador
como verdade. Bourdieu (1989) afirma que, para a construção
da identidade de indivíduos e grupos, são criadas normatizações e padronizações visando à manutenção de um perfil que
facilite o exercício do poder simbólico hegemônico da sociedade
(BOURDIEU, 1989).
Logo, os ídolos caucasianos e heterossexuais são geralmente vistos como a norma (tipo ideal dos heróis ou dos galãs, por
exemplo), enquanto os personagens homossexuais geralmente assumem papéis secundários. Cabe ressaltar, contudo, que a
popularização da televisão nos anos recentes contribuiu para a
criação de segmentos televisivos mais variados, que exploram
assuntos diversos buscando alcançar audiência na maioria dos
setores da sociedade. Essa amplitude gerou mensagens mais plurais a respeito das minorias sexuais.
A partir dos anos 90, personagens homossexuais passam a ser
inseridos de forma mais natural em diversas situações não necessariamente conflituosas (MAIA, 2009; SODRÉ, 2005). Esse tipo de
fenômeno é forte principalmente no mundo ocidental onde os
seriados importados (principalmente estadunidenses, que geralmente abordam a questão de forma mais diversa) passaram a ser
transmitidos através das companhias de TV (ALONGE, 2012).
Programas que abordam a questão LGBTTT são cada vez
mais comuns, e dessa forma a figura homossexual passa a ser vista de forma menos marginal nesse tipo de mídia. Não obstante,
a tendência homogeneizante da mídia se recria na abordagem
do homossexual (ALONGE, 2012). Isso ocorre, por exemplo, ao
se criar estereótipos do comportamento homossexual, que são
absorvidos pelos próprios homossexuais, igualmente sujeitos ás
influências da mídia.
A Cultura do Espetáculo
É estabelecido um sentimento de pertencimento a uma categoria construída com certos padrões estereotipados de comportamento. Lugares comuns e reducionismos são utilizados para
representar o comportamento homossexual (ALONGE, 2012).
Isso cria por parte da mídia um modelo de interpretação das
identidades desse grupo que é, por vezes, externo a ele. Tal interpretação gera um padrão de influência grande na construção da
sexualidade dos indivíduos e constrange sua liberdade individual
(SOARES, 2011).
É importante notar que a divisão do espaço ao retratar as minorias sexuais nos veículos midiáticos varia consideravelmente
também dentro desse grupo. Uma pesquisa realizada em 2010,
(SOARES, 2011), mostra que, em relação ao discurso sobre as
minorias sexuais nos meios de comunicação, menos de um terço
dos textos diziam respeito a travestis e transexuais. Quando estas
travestis eram retratadas, falava-se necessariamente da violência
em torno delas ou de escândalos sexuais. (SOARES, 2011). Os homens gays, por exemplo, têm uma representação muito maior e
mais plural do que as mulheres gays, e principalmente, do que os
transexuais (SOARES, 2011). Tal diferença na frequência e no tipo
de abordagem dada aos distintos grupos se relaciona, uma vez
mais, com as relações de poder dentro da sociedade.
A influência do capitalismo e do livre comércio dentro da
mídia gerou um espaço maior para os grupos homossexuais,
uma vez que esses geralmente representam umaporcentagem
importante dos consumidores. Atualmente, nos Estados Unidos,
15 milhões de pessoas assumem serem gays. Isso corresponde a
um gasto anual na faixa entre US$ 250 bilhões e US$ 350 bilhões
(ALONGE, 2012). Tal poder de mercado impulsionou a criação de
segmentos midiáticos que dialoguem respeitosamente com esse
tipo de grupo a fim de obter vantagens na busca mercadológica
pelo grupo. Dessa forma, o interesse comercial em programas e
publicidade voltados para os grupos homossexuais auxilia a sua
inserção dentro da mídia e possibilita uma maior assimilação social por parte dos grupos não gays (ALONGE, 2012).
O advento da tecnologia da internet e a inclusão digital que
democratizou tal ferramenta nos últimos anos permitiu uma inserção midiática muito importante por parte dos integrantes dos
grupos LGBTTT (MAIA, 2009). A internet criou mecanismos que
facilitam enormemente o acesso, diálogo e interação com grupos
de apoio e ONGs que lutam pela causa LGBTTT (MAIA, 2009).
Espaços de denúncia e reflexão sobre a pluralidade sexual foram criados na rede.Atualmente, a internet pode ser vista como o
281
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas | 2013
282
maior espaço de homossociabilidade, que permite aos seus usuários compartilharem experiências, problemas etc. Do ponto de
vista político, a internet facilita a organização de movimentos que
lutam pelas liberdades individuais, pela conquista de direitos das
minorias e pela luta contra a constante violência sofrida pelos indivíduos desses grupos (SODRÉ, 2005). Os indivíduos encontram,
na internet,em função de sua característica democrática, um
ambiente permissivo para a expressão de suas identidades ainda
marginalizadas nos espaços tradicionais da sociedade. Através
de web blogs, chats e comunidades online as minorias sexuais
podem afirmar e construírem juntas suas identidades (SODRÉ,
2005). Tais identidades ganham voz, o que permite a esses grupos
extrapolarem os estereótipos criados para classificar suas sexualidades (PAIVA, 2005; HJARVARD, 2008).
Em relação às mídias impressas, a forma de retratar a diversidade sexual se dá segundo as peculiaridades desse próprio tipo
de meio de comunicação (PAIVA, 1995). As revistas, por exemplo,
se pautam por uma estrutura mais especifica ligada aos interesses
do leitor. Elas são divididas em revistas científicas, humorísticas,
esportivas etc. Nesse tipo de divisão existe uma normatização de
gênero ao criar uma secção entre revistas masculinas e femininas,
pautadas numa visão tradicional de um comportamento que seria específico de cada gênero. Tal dualismo reflete os estereótipos
onde os assuntos caros às mulheres são aqueles que se referem à
criação dos filhos, tarefas domésticas, beleza e “comportamento
feminino” (FELIPE, 2012), e aos homens cabem o papel de provedor de família, assuntos automobilísticos e esportivos.
Obviamente, tais mídias se adaptaram, ao longo dos anos, a
partir da maior inserção das mulheres no mercado de trabalho e
na conquista de um espaço social mais amplo pelos movimentos feministas (FELIPE, 2012). Em relação às minorias sexuais, a
mídia impressa também segue essa setorização de assuntos. Encontra-se no mercado revistas voltadas ao público LGBTTT que
seguem o padrão da mídia televisiva: a maior parte dos segmentos impressos é voltada para o público gay masculino (SODRÉ,
2005). Tais revistas tratam de comportamento, moda e afirmação
social. Esse tipo de revista é mais comum na Europa e nas Américas, onde a liberdade sexual geralmente é maiorem virtude de
governos democráticose liberais, que tendem a respeitar as liberdades das minorias.
De forma geral, podemos dizer que a mídia acompanha a
transformação da sociedade em sentido amplo. Seu viés capitalista garante que ela terá uma abordagem que siga os padrões de
A Cultura do Espetáculo
consumo dos diversos setores sociais. Destarte, a conquista de
liberdades e direitos às minorias sexuais no plano social é refletida, também, na visibilidade mais plural de tais grupos no plano
midiático (ABROMOVAY, 2004).
A maior aceitação social dos grupos LGBTTT, assim como a
assimilação pela grande maioria do pluralismo sexual nas sociedades em que vivem, vem acompanhada de uma transformação
da maneira de abordar esse tipo de assunto também nos meios
de comunicação, uma vez que os veículos midiáticos procuram
dialogar com a sociedade que representam (MAIA, 2009; SODRÉ,
2005). A democratização da mídiae a visibilidade conquistada
pelos movimentos sociais que militam pela causa LGBTT garantiram uma pluralidade maior na abordagem das minorias sexuais
(PAIVA, 2005).
A influência cultural dos meios de comunicação ainda constrange a construção individual da identidade sexual e de gênero.
Estereótipos ainda são perpetuados na retratação de personagens
homossexuais, constantemente vistos como seres afeminados e
frágeis (RIOS, 2008). A visibilidade dos grupos transexuais, por
exemplo, ainda é quase nula. Tal marginalização dessas minorias
na mídia contribui para sua marginalização na sociedade, o que
estimula atos de intolerância e homofobia (JUNQUEIRA, 2009).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma mudança sempre deixa o caminho aberto para outras.
Nicolau Maquiavel30
Em suma, a grande mídia, pelo seu elemento de acessibilidade e
ampla difusão, influencia e modela a formação de opiniões, tanto
na construção de conceitos e identidades quanto em sua representação. Contudo, levando em consideração a relação histórica
entre mídia e sociedade, observa-se que a intervenção dos meios
de comunicação sob os assuntos relacionados às identidades sexuais gera prerrogativas negativas e positivas.
A identidade sexual pode ser considerada o primeiro passo
para o reconhecimento de um indivíduo e sua funcionalidade no
organismo social (NOLASCO-SILVA; SILVA, 2012).Desta forma, devido à característica de “fato social” atribuída à sexualidade huma-
30
MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Coleção Os pensadores. Nova Cultural: São Paulo, 1999,
cap. 2.
283
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas | 2013
284
na (FOUCAULT, 2000), ao lidar com questões de orientação sexual,
identidade de gênero e relações de gênero, as principais reações
negativas são o preconceito e a intolerância. Assim, originam-se
novos paradigmas sociais: como o machismo, a homofobia e transfobia (LOURO, 2004). Sob a ótica, enfim, das reações positivas, a
evolução da mídia ao incorporar personagens homoafetivos e grupos minoritários pode resultar em uma verdadeira inclusão social
destes indivíduos, que antes eram marginalizados pela sociedade.
Existe, então, uma evolução nítida da grande mídia quanto à
naturalidade da abordagem da temática das representações das
identidades sexuais. Não obstante, ainda há muito para se caminhar. A mudança social em relação aos preconceitos ensejados
pelas diferenças identitárias sexuais requer a transformação no
imaginário social. A mídia, se utilizada em sua matriz educadora
de princípios e valores mais igualitários, deve ser vista como ferramenta eficaz para tais fins.
Esta aplicação, para que não seja desvirtuada em sua mensagem para o receptor da mídia, deve ser antecedida pela discussão
e reformulação das estruturas midiáticas, na tentativa de frear
certo empoderamento exaustivo no qual se sustentam os “gigantes” da comunicação. Assim, a democratização dos e nos meios
de comunicação se fazem fundamentais para uma abordagem
mais plural das minorias sexuais e para o fortalecimento das liberdades individuais.
A cultura do espetáculo, que tem a mídia como produtora e a
sociedade como ator, em direção conjunta, só poderá avançar para
além de seus horizontes atuais com o reconhecimento da necessidade de mudança. Nesta relação entre sociedade e mídia, portanto, políticas governamentais, regionais e internacionais podem
agir para combater e eliminar o preconceito, além de promover a
inclusão e proteção de qualquer identidade sexual ou de gênero.
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