Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 6º Colóquio Internacional Marx e Engels GT 6: Trabalho, capitalismo e socialismo A IDEOLOGIA BURGUESA E A EJA: PERSPECTIVAS DOS ALUNOS Jefferson Baia Machado1 Roniel Vaz de Lima2 Saulo Oliveira Miranda3 André Rodrigues Guimarães4 Ao longo da história a escola tem se consolidado como o principal lócus formativo socialmente reconhecido. Trata-se de uma instituição que legitima o saber dominante e conduz a formação humana de acordos com os condicionantes sócioprodutivos. Assim, trata-se de uma instituição que sempre atuou na consolidação de dada visão de mundo – controlando hegemonicamente inclusive os sujeitos excluídos de qualquer processo de escolarização. Atualmente, a escolarização da população é defendida pela classe dominante. Desde a Revolução Industrial, tornou-se necessário o treinamento dos trabalhadores em centros de formação de mão-de-obra. Com isso, o modo de produção tornou-se parâmetro para a própria educação escolar. Para Rossi a educação escolar é parte da reprodução das relações sociais vigentes5. Cabe às instituições de ensino habilitar a classe trabalhadora para as funções produtivas. Para compreender a função social e os objetivos formativos da escola na contemporaneidade é preciso entender as relações estruturais da sociedade capitalista. É a partir do modo de produção, do que e como os homens produzem sua existência, que podemos explicar a função que a escola desempenha na sociedade. Isto significa dizer que precisamos ter como elemento originário da análise sobre os sistemas de ensino atuais as necessidades produtivas.6 1 Licenciado Pleno em Pedagogia (UNIFAP) e professor da rede municipal de Santana-AP. Licenciado Pleno em Pedagogia (UNIFAP), membro do Grupo de Estudos Marxismo, Trabalho e Educação (GEMTE/UNIFAP). 3 Licenciado Pleno em Pedagogia (UNIFAP). 4 Mestre em Desenvolvimento Regional (UNIFAP), professor de Política Educacional (UNIFAP) e coordenador do GEMTE/UNIFAP. 5 Wagner Rossi, Capitalismo e educação. São Paulo, Moraes, 1980. 6 André Guimarães, O papel da escola na sociedade capitalista: as percepções dos professores da educação de jovens e adultos. Dissertação de Mestrado Integrado em Desenvolvimento Regional/UNIFAP. Macapá, 2008, p. 20. 2 Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. Com a intensa transformação e inovação tecnológica dos processos de produção capitalista é necessária uma formação contínua do trabalhador para a adaptação aos novos moldes de produzir. Isso leva a uma expansão da escolarização de jovens e adultos trabalhadores, com o intuito de atender aos interesses capitalistas de formação. No Brasil, a partir da década de 1930, momento em que o processo de industrialização se intensifica, são iniciadas as primeiras ações nacionalmente organizadas para o atendimento educacional das camadas populares. Nesse processo, ainda que com caráter eminentemente excludente, são formuladas algumas políticas públicas de EJA (Educação de Jovens e Adultos). Assim, é a partir da sociedade capitalista excludente brasileira que devemos perceber a EJA7. Para além das ações estatais para esse público, a consolidação de tal situação é fundamental o controle no âmbito ideológico. Daí surge a necessidade de analisarmos a relação existente entre o modo de produção capitalista e a percepção dos alunos EJA sobre a escola e essa modalidade de ensino. Trata-se de uma reflexão sobre a materialização do discurso ideológico do capital na fala dos alunos jovens e adultos. Nesse sentido, realizamos entrevistas com alunos jovens e adultos de uma escola de ensino fundamental da rede municipal de Santana (Amapá) no período de setembro a outubro de 2008. O papel ideológico da escola na sociedade capitalista Ao longo da história o homem sempre criou formas de se relacionar com o meio material, transformando o meio para a manutenção de sua vida. Através do trabalho o ser humano relaciona-o com a natureza material8. Nesse processo consolida-se um conjunto de idéias que explicam e conduzem as condutas humanas. Há uma relação intrínseca entre o modo de produção de dada sociedade com toda a mentalidade criada a fim de que se mantenham as condições necessárias de sua afirmação: as idéias/ideologias justificam e conduzem a produção material. Assim sendo, as ideologias não se originam no campo da consciência humana. Essas representações têm base material, nas experiências humanas de sua relação material com o meio. Podemos dizer que não é a idéia que determina a vida real, mas sim a relação material que determina a idéia. 7 Sônia Rummert, “A educação de jovens e adultos trabalhadores no século XXI: o ‘novo’ que reitera a antiga destituição de direitos”. Sísifo Revista de Ciências da Educação. Lisboa, n. 2, 2007. 8 Louis Althusser, Aparelhos ideológicos do Estado. São Paulo, Edições Graal, 1985. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. Não se trata, como na concepção idealista da história, de procurar uma categoria em cada período, mas sim de permanecer sempre sobre o solo da história real; não de explicar a práxis a partir da história real, mas de explicar as formações ideológicas a partir das práxis material; chegandose, por conseguinte, ao resultado de que todas as formas e todos os produtos da consciência não podem ser dissolvidos por força da crítica espiritual, pela dissolução na “autoconsciência” ou pela transformação em “fantasmas”, “espectros”, “visões” etc. - mas só podem ser dissolvidos pela derrocada prática das relações reais de onde emanam estas tapeações idealistas; não é a critica, mas a revolução a força motriz da história, assim como o da religião, da filosofia e de qualquer outro tipo de teoria.9 A análise sobre as idéias dominantes não podem desconsiderar a forma como a humanidade produz materialmente sua existência. Nas sociedades de classe não podemos analisar tal relação sem deixar de compreender o fenômeno ideológico da confirmação de uma verdade imposta por uma classe, que torna sua mentalidade como a única e indiscutível10. Quem detém os meios produtivos controla e forma uma mentalidade geral dos dominados. Com isso, consolidam-se processos formativos afinados aos interesses dominantes. Na sociedade capitalista é a escola, como instituição formativa socialmente reconhecida, um dos principais instrumentos de controle social. A sua função principal é preparar mão-de-obra para o mercado e proporcionar a confirmação e reprodução do sistema produtivo capitalista11. Na contemporaneidade a escola é uma instituição que hegemonicamente reproduz a ideologia do capital. Trata-se de um aparelho ideológico do Estado, pois assegura, além da formação instrumental dos trabalhadores, a manutenção ideológica da estrutura social burguesa12. A produção burguesa se torna parâmetro para a produção intelectual. A cultura escolar é uma cultura particular, da classe dominante transformada em cultura legitima, objetivável e indiscutível. Na verdade, ela é arbritária e de natureza social, resultado de uma seleção que define. O que é estimável, distinto, ou ao contrário, vulgar e comum.13 Esse processo de dominação ideológica omite a exclusão estrutural da sociedade capitalista e o caráter dual dos sistemas de ensinos burgueses. Para tal, é preciso mascarar os fins das da escolarização burguesa e consolidar no âmbito da hegemonia construções teóricas que reafirmem essa lógica. Dentre essas formulações ideológicas se 9 Karl Marx; Friedrich Engels, A ideologia alemã. São Paulo, Martins Fontes, 1987, p. 56. István Mészáros, O poder da ideologia. São Paulo, Boitempo, 2004. 11 Gaudêncio Frigotto, A produtividade da escola improdutiva: um (re)exame das relações entre educação e estrutura econômica social e capitalista. 5ª edição. São Paulo, Cortez, 1993. 12 Althusser, op. cit. 13 Pierre Bourdieu, Reprodução cultural e reprodução social. São Paulo, Perspectiva, 1974, p. 114. 10 Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. encontra a Teoria do Capital Humano14. Essa teoria trata-se de uma aplicação funcional e reducionista da educação aos interesses do mercado de trabalho capitalista, para atender às demandas produtivas vigentes. O processo de escolarização é um elemento fundamental na formação do capital humano, o que incrementa de forma progressiva a riqueza social15. Com as recentes transformações do mundo produtivo, iniciadas na década de 1970, a uma modificação no ideal formativo. A Teoria do Capital Humano é modificada a fim de ajustar, cada vez mais individualmente os sujeitos aos novos desígnios produtivos. Trata-se como alerta Gentili16 de formar o trabalhador para a empregabilidade. Isso representa ao sujeito estar disponível para qualquer ou nenhum lugar no mercado de trabalho. Com o advento da produção flexível o trabalho humano também será constantemente descartado para permitir a movimentação do capital. Como mercadoria, a força de trabalho, precisa ajustar-se as necessidades da atual fase capitalista, precisa ser competitiva, vendável e descartável. A necessidade de reprodução capitalista em tempos flexíveis intensifica a precariedade das condições de vida dos trabalhadores. Aumentar a expropriação do trabalho é, para a ótica burguesa, elemento fundamental para a recuperação da economia capitalista.17 Para efetivar tal processo é fundamental que os sujeitos estejam afinados com a ideologia dominante. Para além de mudanças legais é preciso controle hegemônico da sociedade. Isso pressupõe que os dominantes reafirmem ou ignorem a própria dominação em que estão inseridos. A fala dos alunos jovens e adultos: a reafirmação da ideologia burguesa Com o objetivo analisar como os alunos da EJA entendem o papel da escola na sociedade hodierna realizamos pesquisa, com entrevista centrada18, em uma escola pública que oferece esta modalidade de ensino no município de Santana (Amapá). Para tal, foram entrevistados nove sujeitos, escolhidos de forma aleatória. Todas as 14 Frigotto, op. cit. 15 Pablo Gentili, “Três teses sobre a relação trabalho e educação em tempos neoliberais”. In.José Lombardi, Dermeval Saviani, José Luis Sanfelice (org.), Capitalismo, trabalho e educação. Campinas, Autores Asso ciados, 2004. 16 Gentili, op. cit. Guimarães, op. cit., p. 41. 18 Michel Thiolent, Crítica metodológica, investigação social enquete operária. 4a edição. São Paulo, Polis, 1985. 17 Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. entrevistas ocorreram nos meses de setembro e outubro do ano de dois mil e oito. As falas dos sujeitos foram interpretadas através da técnica de análises de conteúdo19. Durante a pesquisa procuramos sempre compreender as falas dos sujeitos a partir das condições materiais da sociedade atual. A forma como compreendemos a realidade social, expressa no referencial teórico que adotamos, nos coloca como fundamento paradigmático o materialismo histórico-dialético. É a partir da realidade material, da forma como os sujeitos produzem a sua existência, que podemos compreender o fenômeno sócio-educativo. Com isso, procuramos entender e explorar analiticamente o vínculo entre as condições materiais da existência humana e as representações, valores e normas que, dialeticamente, se constroem. Remetendo a análise para o que alerta Thiollent (1985) que os valores, as representações não são individuais, mas coletivas. É a luz dos condicionantes materiais e dos embates no campo das idéias que tais representações devem ser entendidas. A noção de percepção, neste caso, não está num campo metafísico, pois se vincula as condições materiais da existência humana. 20 A EJA como forma de ascensão social e inserção no mercado de trabalho Na lógica capitalista a escola é percebida como um antídoto para todos os problemas sociais. Assumindo um caráter messiânico a instituição é responsável por corrigir ou amenizar as imperfeições da sociedade através do processo de escolarização dos indivíduos. Concebe-se a “escola como instrumento de ascensão social [...], uma espécie de “vara mágica” que permitirá os indivíduos das classes mais baixas ou medias ascenderem nas escala social e das classes mais altas a se manterem dominantes”21. Nessa perspectiva, a escola assume a função de elevar socialmente os indivíduos, inserindo-os ao mercado de trabalho. Dessa forma, a escola atende aos anseios da burguesia, formando técnica-instrumental e ideologicamente os trabalhadores aos desígnios produtivos capitalistas. São esses fundamentos que sustentam as falas dos entrevistados. Isso pode ser evidenciado na fala do Entrevistado I: “O maior motivo que eu voltei para a escola, né, foi o desempregado, porque, hoje em dia para conseguir emprego tem que ter uma formação própria, então esse foi o principal motivo”. O entendimento da escola como instrumento de ascensão social e inserção de mercado é parte da ideologia burguesa. Isso escamoteia os reais fatores dos problemas sociais e educacionais e traz para o pedagógico a responsabilidade pelas imperfeições 19 Maria Laura Franco, Análise de conteúdo. 2ª edição. Brasília, Líber, 2005. Guimarães, op. cit., p. 15. 21 Rossi, op. cit., p. 29. 20 Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. sociais. Nessa perspectiva, “a escola te qualifica. Então, objetivo dela é isso: te ensinar a ser um cidadão de verdade” (Entrevistado F). Os alunos entrevistados não percebem que sua sociedade é dividida em classes e é estruturalmente desigual. Na sociedade capitalista uma das funções da escola é preparar os sujeitos para o mercado de trabalho22. A formação escolar ajustasse para atender aos interesses da produção. Os interesses estão sempre atrelados aos objetivos de uma classe que domina e é detentora das ferramentas materiais de produção da sociedade e, por conseqüência também domina os meios de produção intelectuais. Desse modo, os objetivos formativos estão ligados aos condicionantes do mercado de trabalho. A EJA, como modalidade de ensino, está inserida nesse contexto. Os alunos entrevistados foram unânimes na definição da função da EJA em sua vida. Em linhas gerais afirmam que a escola é a fonte de conhecimentos e forma de conquistar a cidadania. Trata-se de um caminho para a inserção social do indivíduo. Ela [a escola] tem contribuído me ensinando mais além do pai e mãe me ensinaram, um pouco mais. Me qualificou poder passar num concurso da polícia, ser cidadão e pra saber me expressar nas horas necessárias. Por exemplo, to numa reunião de professores, de educadores, de pessoas com nível mais alto, saber expressar, de colocar minhas idéias. Pra isso que a escola qualifica. (Entrevistado F). O Entrevistado G ainda destaca que a escola é locus de aprendizagem. Ensina conhecimentos superiores e verdadeiros. Com isso o saber dominante torna-se ideal a ser atingido. A ideologia impregnada é a de que o saber da escola é inquestionável e que fora dela o saber é errado ou inferior. Assim, reafirma-se nos campo da consciência a estrutura material desigual. Em consonância com essa perspectiva os jovens e adultos trazem para o âmbito individual a responsabilidade da formação escolar. Ignoram que o sucesso e o fracasso escolar dependem fundamentalmente de questões estruturais da sociedade. Os Entrevistados A, C e D entendem que isso depende exclusivamente aos alunos: “Muitos alunos não querem saber de nada; não querem aprender; não querem saber de ler hoje em dia”. Já os demais alunos pesquisados envolvem ainda questões como incentivo familiar e a responsabilidade dos professores. Conclusão 22 Maria Lucia Wanderley Neves, Educação e política no Brasil de hoje. 3ª edição. São Paulo, Cortez, 2002. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. A escola cumpre na sociedade capitalista a função de preparar instrumentalmente os trabalhadores aos desígnios da produtividade hodierna. Para ser desempenhado esse papel é fundamental o controle ideológico da sociedade. Assim, dialeticamente os pensamentos dominantes refletem os interesses produtivos excludentes do capital. Os sujeitos jovens e adultos entrevistados reafirmam essa lógica. Hegemonicamente entendem que a escola é uma instituição capaz de promover a ascensão social dos indivíduos. Não percebem os condicionantes estruturais da sociedade atual e, em conseqüência disso, os problemas sócio-educativos são colocados no âmbito individual. Essa lógica reafirma a opressão e naturaliza a desigualdade social. Obviamente as visões messiânicas e não-críticas de educação são reproduzidas pela própria escola. Como instrumento predominantemente de dominação ideológica a instituição escolar alimenta a dominação social. E nesse sentido, é preciso, para buscar reverter tal perspectiva aprofundar a compreensão sobre a contradição da sociabilidade hodierna. Ainda que hegemonicamente não seja possível a escola atuar pautada nos interesses coletivos precisamos buscar caminhos contra-hegemônicos. É necessário atuar no campo material e ideológico da luta de classes na qual a escola também está inserida. Para tal, é indispensável analisar e compreender o papel reprodutor que desempenha a escola a partir dos condicionantes estruturais. É preciso ir além da pedagogia estritamente escolar (que se efetiva no seio das instituições de ensino) e até mesmo dos sistemas de ensino (como organizadores macros do processo educativo): precisamos localizar a escola como parte da produtividade capitalista. Este é o desafio posto aos educadores: compreender a escola para além da escola.23 Isso significa que a atuação em prol de uma educação emancipadora deve considerar a luta dos trabalhadores pela superação da sociedade capitalista na totalidade. A escola precisa contribuir para mudar toda estrutura social opressora. 23 Guimarães, op. cit., p. 96.