Untitled - Cortez Editora

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Sumário
Apresentação....................................................................................7
Prefácio..............................................................................................13
O casamento da política social com a família: feliz ou infeliz?
Marta Silva Campos.....................................................................21
Políticas Sociais, família e proteção social: um estudo acerca
das políticas familiares em diferentes cidades/países
Marlene Bueno Zola.....................................................................45
Programas de transferências condicionadas, famílias e
gênero: aproximações a alguns dilemas e desencontros
Mónica De Martino......................................................................95
Mudanças nas famílias brasileiras e a proteção desenhada
nas políticas sociais
Carmen Rosario Ortiz Gutierrez Gelinski e Liliane Moser.........125
Serviços sociais e responsabilização da família: contradições
da política social brasileira
Regina Célia Tamaso Mioto e Keli Regina Dal Prá......................147
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MIOTO • CAMPOS • CARLOTO
Programa Bolsa Família, cuidados e o uso do tempo das
mulheres
Cássia Maria Carloto....................................................................179
Política social contemporânea: a família como referência
para as Políticas Sociais e para o trabalho social
Solange Maria Teixeira.................................................................211
Sobre as Autoras..............................................................................241
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O casamento da política social
com a família: feliz ou infeliz?
__________________________________ Marta Silva Campos
1. INTRODUÇÃO
A associação entre Política Social e família é tema que ganha,
hoje, mais força, na medida em que é reclamada a participação
familiar ativa dentro do sistema de proteção social, com cobertura
institucional extremamente favorável.
Para problematizar e debater essa acolhida atual da família,
enquanto instância necessariamente vinculada ao desenvolvimento da política social, fazemos aqui um recuo ao tempo da implementação das primeiras estruturas de bem-estar social, que podem
dar os fundamentos que permitem compreender a posição atual
da família na Política Social, ao propiciar o reconhecimento de que
as formas atuais não são fenômeno totalmente novo. Chamamos a
atenção para o fato de que essas formas existem, na verdade, desde a constituição dos primeiros esboços do que seria a Política
Social brasileira.
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MIOTO • CAMPOS • CARLOTO
Para ligar as concepções de Política Social e Estado de Bem-Estar Social, mostramos uma aproximação, tomando a ideia de
Beveridge (apud Marshall, 1967, p. 97), de vincular ambas mediante a continuidade e a transformação, ao falar numa “revolução
britânica”, sob “um desenvolvimento natural do passado”, ou seja:
[...] fusão das medidas de política social num todo o qual, pela primeira vez, adquiriu, em consequência, uma personalidade própria
e um significado que, até então, tinha sido apenas vislumbrado.
Adotamos a expressão “Estado do Bem-Estar Social” para denotar
essa nova entidade composta de elementos já conhecidos.
Tal explicação permite ver a Política Social na condição de um
estágio pouco desenvolvido, precursor do Welfare State vigente na
sociedade inglesa entre os fins do século XIX e começo do XX.1
Assumimos, assim, a atual posição da família na Política Social
não como uma novidade, ao contrário do que, em geral, vem sendo enfatizado em sua análise atual, pelos que a caracterizam apenas
como consequência da política neoliberal, em ascensão a partir dos
anos 1990.
Por essa razão, tratamos detalhadamente da primeira combinação entre família e Política Social, base para a segunda configuração. Essa demonstração segue no tempo, mediante comentários
ligados a diferentes bases conceituais relativas à família e seu uso
no desenho e cotidiano das diversas políticas de caráter social.
Recomendamos basicamente que se proceda à abertura da ­realidade
das famílias, analisando não só suas transformações morfológicas,
mas o sentido real do processo das profundas mudanças que a
caracterizam.
1. Para o Brasil, deriva-se o imperativo de aceitar uma Política Social que não se desenvolveu como Estado de Bem-Estar Social, e, portanto, impossível de ser assim nomeada.
FAMILISMO, DIREITOS E CIDADANIA
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Enfim, tomamos como fio condutor a alusão ao paradoxo que
se apresenta na vinculação entre família e direitos de cidadania
existentes no país. De um lado, a busca intensificada do protagonismo — leia-se responsabilidade — da família no sistema de
proteção social. De outro, a promoção da proteção social, tradicionalmente objeto da Política Social, com base na concretização de
direitos políticos, civis e sociais, via de regra, especificados individualmente. Parece contraditória a simultaneidade da atribuição do
caráter universal do direito de cidadania a tal política e da responsabilização ampla da família em seu desenho e desenvolvimento.
Com foco na atual situação brasileira, recorremos à consolidada bibliografia internacional e à já consistente crítica interna existente no País acerca dos fundamentos relativos à busca de estratégias alternativas a partir dos esforços familiares, dentro da questão
aqui analisada.
2.  DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO
2.1  Um primeiro casamento
A primeira Política Social, com a qual a família casou-se, surgiu como produto histórico do período compreendido entre fins
do século XIX e primeira metade do XX, constituindo proposta
coletiva para solucionar a contradição entre interesses e demandas
próprias do desenvolvimento acelerado do sistema capitalista em
sua forma na época.
Nesse contexto, diferentes forças sociais contribuíram para a
construção de tal proposta: os sindicatos; movimentos e partidos
de trabalhadores; industriais, em sua maioria; partidos políticos;
governos; classes médias; outras instâncias e organizações da
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MIOTO • CAMPOS • CARLOTO
sociedade. Em jogo, as condições e garantias para a força de trabalho, a possibilidade de implantação de um regime antitético ao
capitalismo, ou, simplesmente, a busca da distensão e de menores
conflitos. Já no contexto do século XX, uniu-se bem com a reconstrução pós-guerra da Europa, além de servir à demonstração e
defesa do sistema capitalista em tempos de Guerra Fria.
Um conjunto bastante heterogêneo de forças sociais, econômicas e políticas, da consciência das incertezas vigentes, no final
do século XIX, são testemunhos às diferentes fontes de aspiração
por mudanças na sociedade: a Rerum Novarum, carta encíclica
papal de 1891; as lutas sociais, comunista e socialista; ou iniciativas
de matriz liberal.
2.1.1  A estrutura de apoio
Esta primeira proposta, ainda no fim do século XIX, foi institucionalizada pela criação do seguro social, destinado aos trabalhadores titulares de contratos de trabalho formalizados.2
A vinculação original do Estado de Bem-Estar Social à formação, manutenção e controle da força de trabalho, destinou-se a
prover uma base sólida para o funcionamento da economia e sociedade como um todo: sua prontidão — indispensável numa
economia caracterizada por períodos alternados de crescimento e
expansão produtiva —, ou depressão. Política de natureza contributiva, com aportes de patrões e trabalhadores, que tem o Estado
como fiador político e suporte financeiro da gestão da institucionalidade necessária, destinada à proteção contra eventuais neces-
2. Sua criação, na Prússia, ocorreu com o intuito confesso de Bismarck de impedir a
formação de um partido operário, devido ao nível vigente de agitação e organização política dos trabalhadores, dadas as suas condições de miserabilidade.
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sidades futuras relacionadas aos principais riscos sociais: desemprego, morte, doença, envelhecimento e/ou invalidez e origem do
que se denomina previdência social, expandida pela maioria dos
países que construíram estruturas de bem-estar social significativamente abrangentes.
Também no caso do Brasil, é consensual a aceitação dessa
forma como marco inicial de uma intervenção estatal mais consistente, em termos de política social, na década de 1930, momento
de expansão industrial na economia nacional (Paula, 1992).
Do ponto de vista que interessa aqui, deve-se lembrar que o
funcionamento desse sistema de transferências sociais de caráter
financeiro, ocorre, como demonstrado, dentro do sistema previdenciário, com base no princípio de trocas intergeracionais na sociedade em geral.
Assim, oferece um lugar importante às famílias, quando examinadas em seu interior: enquanto os adultos trabalham, mantêm
os mais novos e contribuem com parte de seus salários para gerar
um fundo de recursos de caráter público, que provê aposentadorias
e pensões para a geração anterior.
2.1.2  As dificuldades
Esta rememoração torna presente o fato de que é pelo ângulo
antes mencionado, com referência ao sistema de proteção social,
que se delineia em grande parte seu papel criador de desigualdades,
no tocante aos resultados da própria Política Social vigente. Fato,
de certa forma, surpreendente, pois, dado seu estatuto de modelo
redistributivista de recursos da sociedade, deveria ser considerado
predominantemente agente de diminuição das desigualdades.
Para analisar os prós e contras dessa forma inicial de associação entre a família e tal política social, impõe-se trilhar um caminho
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MIOTO • CAMPOS • CARLOTO
teórico específico, abrindo a política previdenciária em sua ponta,
verificando como chega ao conjunto das pessoas beneficiadas.
Com efeito, a organização do sistema previdenciário brasileiro — como em qualquer parte centrado na ótica da proteção e
controle da força de trabalho — opera privilégios de várias formas.
Em primeiro lugar, ao favorecer basicamente o acesso dos trabalhadores legalmente contratados, em detrimento dos atuantes na
informalidade. Desta maneira, são deixados de lado, por exemplo,
no Brasil, os trabalhadores rurais — uma massa respeitável de
pessoas —; também os autônomos, os empregados domésticos,
categorias que só vieram a contar com os benefícios previdenciários
de aposentadorias e pensões, por força da Constituição de 1988.
Além disso, sua montagem se fez de forma incremental, seletiva e negociada, de acordo com o peso das diferentes categorias
profissionais, em termos econômicos e políticos. Ao criar inicialmente institutos de previdência social específicos para cada uma
delas, propiciou benefícios mais amplos para as categorias contempladas com maiores salários, já que a contribuição de todos ao
sistema de seguro é proporcional a esses rendimentos. A proporcionalidade da contribuição denuncia o caráter não distributivo
entre os diferentes níveis salariais.
A falta de isonomia espelha-se ainda na concessão de aposentadorias de valor integral, iguais às dos vencimentos na ativa, para
funcionários públicos, contrastando com o seu rebaixamento no
caso dos empregados do setor privado. Trata algumas categorias
como especiais, para efeito dos benefícios, estabelecendo gritantes
diferenciais quanto às exigências de tempo de contribuição ao
sistema, caso da aposentadoria de parlamentares e da pensão vita­
lícia a filhas solteiras de militares.3
3. As Reformas de 1998 e 2003 corrigiram muito dessa falta de tratamento igualitário,
mas, considerando que o sistema começou a operar nos anos 30, gerações o vivenciaram
sob desigualdade de tratamento, no decorrer do período de amadurecimento do sistema.
FAMILISMO, DIREITOS E CIDADANIA
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Todas essas diferenças de tratamento certamente influem no
grau de proteção social às famílias, que são diferentemente situadas
em função dos recursos obtidos por meio do trabalho.
Mediante esses processos, portanto, tratando-se da previdência social — estrutura tradicional de todo o sistema de proteção
social brasileiro — cujo desenho é orientado para estabelecer um
benefício de abrangência familiar calculado pelos diferentes níveis
salariais, são produzidas discriminações, pela segunda vez, mediante o próprio sistema de proteção social.
E, ainda, aqueles que, no sistema previdenciário, são considerados os titulares de direito, a quem são transferidos os benefícios
correspondentes, coincidiram majoritariamente com os trabalhadores homens, dada a relativamente mais baixa inserção de mulheres no mercado de trabalho, durante um longo período da vida
nacional quanto a seu sistema de proteção social.
Assim, observa-se que, nesse sistema, concretiza-se um padrão
de transferência dos benefícios para aquele que detém o status de
trabalhador, em geral, o homem “chefe de família”, e só de forma
derivada abrangendo a mulher e os filhos. Lewis (1997) assevera
que o seguro social, considerado um benefício de “primeira classe”,
é dirigido majoritariamente aos homens, enquanto para as mulheres sobram os da assistência social, ou de “segunda classe”. Como
consequência, registram-se prejuízos para o acesso das mulheres à
proteção social vigente, conforme já mencionado, especialmente
devido à sua posição (em geral menos favorecida) no mercado de
trabalho e/ou quando o vínculo conjugal se torna instável (Gornic,
1997, apud Esping-Andersen, 1999).
Para demonstrar a existência de implícita política de gênero —
e, conjuntamente, de organização familiar — na construção do
próprio Welfare State, o importante, na afirmação desses autores, é
o fato de registrá-las como dotadas de amplo alcance para a estabilidade e o desenvolvimento social, em termos políticos, de construção nacional.
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MIOTO • CAMPOS • CARLOTO
Isto se explica perfeitamente, dentro do modelo normatizado
e naturalizado da família nuclear conjugal, que se apoia no “homem
provedor”, do qual a mulher é “dependente” (termo clássico) para
seu sustento, bem como os filhos da união. Nessa situação, ao homem, considerado pelo seu status de trabalhador, correspondia o
papel de “chefe de família”.
Para o caso da Inglaterra, cujos primórdios, em termos de
proteção social, apresentam boas condições de acompanhamento,
pela existência de referências históricas amplas, há cabal definição
da “funcionalidade”, em termos de Estado, dessa base familiar
específica, presente no desenvolvimento inicial do padrão de intervenção social estatal. Traz claramente uma explícita política de
gênero citada pelo próprio Beveridge (1942, apud Esping-Andersen,
1999), em seu Relatório:
[...] a grande maioria das mulheres casadas deve ser vista como
ocupada com um trabalho que é vital, embora não pago, sem o qual
seus maridos não poderiam fazer seu trabalho pago, e sem o qual a
nação não poderia continuar (tradução nossa).
2.1.3  A convivência
Glennerster (2007, p. 35) mostra a preocupação de Beveridge
com o sistema de seguro social inglês, quando este afirma muito
claramente seu pensamento relativo à família como “uma unidade
social básica, como o lar do homem, da esposa e das crianças mantidas pelos rendimentos unicamente do primeiro”. Daí a importância que atribui a uma razoável segurança do emprego para o homem
provedor. Enfatiza que, ao ter de lidar com grandes mudanças em
suas próprias concepções acerca do papel das mulheres, esse defensor máximo de uma Seguridade Social ampla se vê diante de
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“uma infeliz justaposição de sua visão das mulheres como iguais
e de seu papel dentro dos arranjos domésticos que sabotavam e
excluíam tal status” (op. cit. p. 35).
São disso evidência suas afirmações, em 1945:
[...] no casamento, uma mulher adquire um direito legal de ser sustentada por seu marido, como uma primeira linha de defesa contra
os riscos que recaem diretamente sobre a mulher sozinha. Ou: É
verdade que a maioria das mulheres casadas não desejará sair para
trabalhar porque elas terão muito trabalho para fazer como donas
de casa e mães. Mas numa sociedade livre é preciso deixar à própria
mulher e a seu marido a decisão sobre isso.4
Em suas percepções, mostrando-se incomodado com a contraditoriedade entre os princípios supostamente envolvidos nesse
tipo de associação entre família e política social, ele vem ao encontro da reflexão aqui feita: a indesejabilidade dessa “infeliz justaposição”, quer dizer, dessa dupla empresa de procurar promover
igualdade, e acrescentam-se, também, direitos de cidadania, a
partir de uma estrutura familiar, tendente à consagração de sua
hierarquia interna, em que pese certa plasticidade.
Observe-se que, nestes comentários sobre a família, o autor
tem como fundo bem visível sua decisão estratégica pelo seguro
social no sistema de bem-estar social inglês. Glennerster (2007)
comenta a contradição quanto à aspiração ao universalismo como
princípio do Welfare State, que ele expressou no Relatório, motivada por seu “profundo desejo de incluir tudo e todos e sua escolha
metodológica: o seguro contributivo através do emprego”.5
4. Todas as últimas citações de Glennerster (2007) são de tradução nossa, da fonte original em inglês.
5. Um reforço para a decisão por ele efetivamente tomada, também importante na
correlação de forças da época, teria sido a aceitação pública entre os trabalhadores especial-
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MIOTO • CAMPOS • CARLOTO
Uma das consequências importantes dessa decisão, orientada
para o destaque do seguro social como instrumento da Política
Social, é costumeiramente o estabelecimento de uma s­ uperioridade
de gastos com transferências financeiras sobre os relativos à oferta
de serviços sociais enquanto instrumentos de políticas. A organização de uma rede de serviços sociais que esteja realmente disponível, como vias para a educação e criação das crianças e para os
cuidados gerais aos membros dependentes, fica nesse caso bastante relegada dentro dos restritos orçamentos públicos.
Muito claramente, para a vida familiar, a disponibilidade dos
serviços é fundamental. Como expressam Campos e Reis (2009):
“Os serviços conferem materialidade às políticas sociais e, por
conseguinte, garantem direitos sociais”. Acrescentemos: conferem
materialidade de potencial mais satisfatório, mais refinado e seguro, que as transferências financeiras.
E com Mioto (2010, p. 5):
[...] os serviços atuam como ponto de convergência e mediação de
ações vinculadas à proteção social e exercem papel fundamental no
desenvolvimento da autonomia individual, familiar e social, além
do enfrentamento aos riscos circunstanciais.
Desvendando a partir do interior da família, configura-se mais
uma vez a situação desfavorecida da mulher-mãe (em geral, com
consequências indesejáveis para todo o grupo familiar) quanto à
divisão de recursos indispensáveis para esse cuidado, que cabe a
ela prover ou providenciar, dada a forte expectativa do cumprimento de sua responsabilidade familiar de cuidadora. Reforça-se
mente, do princípio contributivo, que, em contraposição a um longo período de administração de benefícios através de “means-test”, característico das Leis dos Pobres, conferia um
valor moral aos beneficiários pagantes. Também Keynes, defensor de um sistema de impostos progressivo e universal, teria concordado com esse “expediente temporário”.
FAMILISMO, DIREITOS E CIDADANIA
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a desigualdade do tratamento de gênero interno à família, influenciando nela a própria vida no tocante à reprodução social.
Ao mesmo tempo, estimula-se a hierarquização entre o casal,
por meio dessa própria estruturação. A crítica teórica feminista
(Lewis, 1997; Pateman, 1989; Orloff, 1999) ressalta que, na verdade,
o que substancialmente opera na consolidação de tal modelo de
proteção social assim construído é o trabalho não pago da mulher.
Fica bastante evidente, a partir dessa inclusão teórica da questão de gênero, a relação do sistema de proteção social com o mercado de trabalho e o próprio desenvolvimento econômico: à mulher
é reservado um papel subsidiário; seu regime e ritmo de trabalho
estão na dependência rigorosa das estratégias familiares e das
conveniências do sistema produtivo, de forma bem menos vantajosa do que a do homem.
A ótica do feminismo intelectual alerta para a necessária análise do tipo de relações que deverá sustentar a convivência a que a
família foi conduzida após esse casamento.
Pateman (2006) não hesita em denominar como The Patriarchal
Welfare State6 a seu texto emblemático do ponto de vista dessa
crítica, publicado em 1989.
Nele ressalta muitos modos — eficazes e dissimulados — de
impedir a igualdade de direitos da mulher que convive com um
homem provedor na família e demonstra alguns deles.
Partindo da ideia de que o modelo supõe a dependência financeira da mulher em relação ao cônjuge (já que a formação para
o trabalho e a posição possível no mercado, além da força modelar
em termos culturais, não favorecem decisivamente sua independência mediante inserção produtiva), a autora alerta para a expec6. Tomo a atribuição de um caráter “patriarcal” a esse modelo familiar, na verdade,
claramente nuclear conjugal, como referência a um arquétipo, não se confundindo com a
realidade histórica da família brasileira como um todo.
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MIOTO • CAMPOS • CARLOTO
tativa aí incluída de que o homem seja “benevolente”, quer dizer,
esteja disposto a compartilhar seu ganho individual de forma a
garantir um padrão de vida igualitário. Afirma que isso nem sempre acontece, e conta que num único estudo que conseguiu localizar, de William Thompson, foi constatado o erro de se esperar
sempre esse comportamento masculino, num longo período histórico7 (Pateman, op. cit., p. 137; tradução nossa).
2.2  Um segundo casamento
Embora os efeitos do chamado segundo casamento não sejam
completamente distintos do primeiro, quanto a sua influência sobre
a desigualdade social e a cidadania, como veremos, é preciso analisar como vem sendo instalada outra associação entre uma nova
política social e uma nova família.
Em ambas há muitas diferenças devidas à passagem do tempo:
a primeira desliza para o combate à pobreza e à miséria, sustentada em grande parte pela expansão dos mundialmente adotados
programas de transferência direta de renda às famílias, como ação
dos governos. Relativamente pouco dessa transferência está afeta
ao sistema previdenciário — objeto de duas reformas tendentes a
limitar gastos, — em 1998 e 2003, configurando-se como Assistência Social, portanto, Política Social não contributiva.
A família, por sua vez, vislumbrada nos chamados diferentes “arranjos familiares”, distanciou-se ainda mais do antigo
modelo plasmado na modernidade e reforçado pela política social
contemporânea.
7. Aponta ainda que, na exigência, para a mulher, de uma “contribuição grátis em bem-estar” destinada a todos os outros familiares, está incluído o fato de que ela tem de cuidar
de si própria também.
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