DISPERSÃO DA LUZ POR UM PRISMA Hugo L. Fragnito e Antonio C. Costa Unicamp – IFGW, Janeiro 2010 1. INTRODUÇÃO A decomposição da luz branca em cores por um prisma (Fig. 1) é devida á dispersão, isto é, ao fato que o índice de refração depende do comprimento de onda. A fórmula que relaciona o índice de refração (n) com o comprimento de onda (λ), n = n (λ), se denomina relação de dispersão e o objetivo deste experimento é determinar a relação de dispersão do vidro de um prisma. A dispersão da luz se manifesta em fenômenos naturais, como o arco íris (Fig. 1), e em vários campos da ciência e tecnologia. Por exemplo, em lentes dá lugar à aberração cromática e, em comunicações por fibra óptica, produz um alargamento dos pulsos de luz que se propagam nas fibras, limitando a taxa de transmissão. Assim, conhecer a relação de dispersão é importante para projetar lentes de câmeras, telescópios e microscópios e sistemas de comunicação óptica. Fig. 1. A dispersão por um prisma e o arco íris são manifestações de que a luz branca é composta de cores e que o índice de refração depende do comprimento de onda. (Imagens reproduzidas da Wikipedia). . A figura 2 ilustra a variação do índice de refração com o comprimento de onda para diversos vidros utilizados em óptica. Na região do espectro visível, na maioria dos materiais o índice de refração diminui com o comprimento onda (este comportamento se diz dispersão normal; se dn/dλ > 0 se diz dispersão anômala) e, portanto, luz vermelha viaja mais rápido que luz azul. O gráfico da direita na fig. 2 mostra a dispersão do vidro BK7, muito utilizado na confecção de lentes, e curvas de ajuste utilizando a fórmula de Cauchy 1 , n = A+ B λ2 + C λ4 +… , e a fórmula de Sellmeier 2 , n2 = 1 + 1 A1 1 − B1 / λ 2 + A2 1 − B2 / λ 2 +… , Agustin-Louis Cauchy (1789-1857), matemático francês, famoso por suas contribuições à teoria de funções de variáveis complexas, elasticidade, propagação de ondas e óptica. 2 W. Sellmeier, Annalen der Physik und Chemie 143, 271 (1871). que são as relações de dispersão mais utilizadas. Na região do espectro visível, geralmente a fórmula de Cauchy com os dois primeiros termos é simples e descreve bem a dispersão no caso de vidros transparentes: n = A+ B λ2 (1) . Neste experimento determinaremos os coeficientes A e B do vidro de um prisma. Fig. 2. (Esquerda) Curva de dispersão de vários vidros e (direita) curva de dispersão de Cauchy para o caso do vidro BK7. (Adaptado da Wikipedia) . Considere um prisma de ápice α (fig. 3) e um raio de luz que incide na primeira face do prisma com ângulo de incidência θ e emerge fazendo um ângulo φ em relação à normal à segunda face. Como ilustrado na fig. 3 (direita), o raio é desviado em relação à direção inicial por um ângulo δ = δ1 + δ2, onde δ1 = θ − θ′ e δ2 = φ − φ′ são os respectivos desvios na primeira e segunda face do prisma. Por outro lado, notemos que o raio no interior do prisma delimita o triângulo mais escuro na fig. 3 da esquerda e que a soma dos ângulos internos desse triângulo é α + (90º − θ′) + (90º − φ′) = 180º, de modo que α = θ′ + φ′. Temos então que δ = θ + φ − α. (2) Experimentalmente se observa que existe um ângulo de incidência θ para qual o ângulo de desvio é mínimo; δ = δmin. Utilizando o princípio de reversibilidade dos caminhos ópticos, invertendo o sentido do raio, com ângulo de incidência φ também deveremos ter desvio mínimo. Por tanto, na condição de desvio mínimo, deve ser θ = φ; o que implica que o raio no interior do prisma deve ser paralelo à base do prisma e, portanto, deve ser θ′ = φ′ = α/2. Temos então que δmin = 2θ − α e θ′ = α/2. Finalmente, utilizando a lei de Snell na primeira refração, sinθ = n sinθ′ e substituindo θ e θ′ dados em (3), obtemos (3) ⎛ α + δmin sin ⎜ 2 ⎝ n= ⎛α⎞ sin ⎜ ⎟ ⎝2⎠ α ⎞ ⎟ ⎠. (4) α δ θ θ′ φ′ φ δ1 δ δ2 Fig. 3. Desvio de um raio de luz por um prisma (esquerda) como soma dos desvios na primeira e na segunda refração (direita). A expressão (4) será utilizada neste experimento para determinar a relação de dispersão n = n(λ) a partir de medidas de α e δmin(λ). Utilizaremos para isso fontes de luz (lâmpadas de gás) com comprimentos de onda conhecidos e um goniômetro (fig. 4) que nos permite medir ângulos com precisão de ±1′ (ou seja π/60/180 = 0,0003 radianos), o que, com um prisma de α = 60º, nos permite determinar índices de refração tipicamente com incerteza na quarta casa decimal. Para garantir essa precisão devemos ter cuidado com erros de leitura por paralaxe. O erro de paralaxe pode ser minimizado posicionando o olho sempre na mesma posição angular em relação ao Vernier (por exemplo, movendo a cabeça até que o olho, o risco do vernier e o eixo de giro do goniômetro estejam num mesmo plano). O erro em n pode ser estimado aplicando a fórmula de propagação de erros à eq. (4): [1 − n 2 sin 2 (α / 2)]Δδ2 + [sin(δ / 2) / sin(α / 2)]2 Δα 2 Δn = . 2sin(α / 2) (5) Como no experimento teremos α ≈ 60º e Δα ≈ Δδmin ≈ 1’ = 3x10-4 rad, para cálculos rápidos podemos utilizar Δn ≈ 3 × 10−4 × 2 + n 2 / 4 − n 3(1 − n 2 / 4) . (6) Segundo a eq. 6, o erro relativo no índice de refração, com um algarismo significativo, é de 2x10-4 para valores de n em que é possível utilizar um prisma de 60º (ou seja, n < 2). 3 1 4 2 10 9 5 6 8 7 Fig. 4. (Esquerda) Goniômetro composto de dois telescópios (ou lunetas), um fixo e outro preso a uma mesa giratória. 1) Fenda; 2) Ajuste de foco do telescópio fixo ou colimador. 3) Ocular do telescópio giratório; 4) Ajuste de foco; 5) Parafuso de trava da mesa giratória; 6) Parafuso de avanço fino da mesa giratória; 7) Parafuso de trava do disco graduado; 8) Avanço fino do disco graduado utilizado para zerar o instrumento; 9) Parafuso de trava da platina (platina é a mesinha horizontal sobre a qual é colocado o prisma); 10) Um dos três parafusos para nivelar a platina; (Direita) Detalhe do Vernier, indicando um ângulo médio de 103º + 30’+15’ = 103º45’. Lâmpada Na He Cd Hg Lupa Na Fig. 5. (Esquerda) Goniômetro com lâmpada de Sódio (Na) orientado para observar o espectro com prisma no ângulo de desvio mínimo. A lupa é utilizada para ver melhor o Vernier. (Direita) Espectros de algumas lâmpadas. Uma das principais aplicações dos prismas é como o elemento dispersor de um espectrômetro (instrumento para medir espectros), embora com baixa resolução. Neste experimento, vamos determinar experimentalmente o comprimento de onda λ de algumas linhas espectrais (supostamente) desconhecidas medindo apenas os ângulos de desvio mínimo correspondentes com o prisma previamente calibrado. Para isto, uma forma conveniente é construir um gráfico como o da fig. 6 (direita) que permite ler o comprimento de onda para cada ângulo por interpolação dos dados obtidos durante a calibração do prisma. Também podemos determinar λ utilizando os coeficientes de Cauchy obtidos previamente, dado que a partir da fórmula de Cauchy com dois termos (1) e usando a eq. (4) para eliminar o índice de refração, λ= B . n− A O erro pode ser estimado utilizando a fórmula de propagação de erros (7) 2 λ ⎛ ΔB ⎞ Δn 2 + ΔA2 . Δλ = ⎜ ⎟ + 2 ⎝ B ⎠ ( n − A )2 (8) Por exemplo, se α = 60º00’ ± 1’ e δmin = 49º30’ ± 1’ obtemos, para os dados da Figura 6 (esquerda), n = 1,6333 ± 0,0003 e λ = (560,3 ± 0,3) nm. Este resultado ilustra o fato de que com um espectrômetro de prisma bem calibrado podemos medir comprimentos de onda tipicamente com precisão de alguns décimos de nanômetros. O espectrômetro de prisma não permite, por exemplo, resolver o dubleto amarelo do sódio (separação de 0,6 nm), porém sim o dubleto amarelo do mercúrio (separação de 2,1 nm). 1.660 n = A + B/λ2 (Cauchy) A = 1.6070 ± 0.0003 B = (0.00825 ± 0.00007) µm2 700 comprimento de onda, λ (nm) 1.655 índice de refração, n 1.650 1.645 1.640 1.635 1.630 1.625 1.620 Experimento Fórmula de Cauchy 650 600 550 500 450 400 2 3 4 5 6 48.0 48.5 49.0 49.5 50.0 50.5 51.0 51.5 52.0 ângulo de desvio mínimo, δmin (graus) 1/λ2 (µm−2) Fig. 6. Resultados típicos obtidos no laboratório. (Esquerda) Gráfico para obter os coeficientes de Cauchy. (Direita) Gráfico para utilizar o prisma como espectrômetro, ou seja, para obter λ a partir de uma medida de δmin. A linha azul foi obtida invertendo a eq. (5) para obter λ como função de δmin. (Dados: Jefferson Padovani e Gustavo H. Sberze Ribas, Caderno de laboratório de F-429, IFGW, 1º semestre de 2004). 2. OBJETIVOS 1 – Obter experimentalmente a relação de dispersão de um vidro (fórmula de Cauchy) na forma de um prisma. 2- Analisar o uso do prisma como espectrômetro. 3. PREPARAÇÃO SUGERIDA 3.1) Mostre que no caso geral o desvio em função do ângulo de incidência é dado por ( ) δ = θ − α + φ = θ − α + sin −1 sin α n 2 − sin 2 θ − sin θ cos α e que esta função é mínima quando θ = φ. 3.2) Supondo α = 60º e n = 1.58, simule no computador a função δ = δ(θ). Para que valor de θ é δ = δmin? 3.3) Verifique que, para um α arbitrário, Δn é dado pela eq. 5 e que, para α = 60º e Δα ≈ Δδmin = 3x10-4 rad, essa equação se reduz à eq. 6. Mostre numericamente então que, essencialmente, Δn/n ≅ 2x10-4 para qualquer valor razoável de n. 3.4) Se α = 60,1º ± 1’ e δmin = 49º16’ ± 1’, determine n e seu desvio, Δn. Quanto vale Δn se o erro em δmin aumenta para ±3’? (Idéia da importância de medir bem δmin). 5. ROTEIRO SUGERIDO NUNCA TOQUE NAS SUPERFÍCIES ÓPTICAS DE LENTES, PRISMAS E ESPELHOS (A pele humana tem traços de substâncias corrosivas, como ácidos, que deterioraram permanentemente os componentes ópticos). 0) Anote os instrumentos (Goniômetro e Lâmpadas) e o código do prisma utilizado. 1) Alinhamento inicial: (utilize luz branca ou qualquer lâmpada) 1-a) Destrave a luneta móvel (parafuso 5 da fig. 4) e alinhe a fenda de entrada de luz com a luneta de leitura. Ajuste o foco da luneta observando a fenda. Coloque um papel branco entre o prisma e a luneta e ajuste o foco da ocular observando a cruz (a lente ocular desliza, não é parafusada). A fenda e a cruz devem aparecer nítidas no campo visual. Atenção: o foco depende do olho de cada pessoa! 1-b) Trave a luneta e faça o ajuste fino com o parafuso 6. Atenção: a linha vertical da cruz deve coincidir com o lado da fenda que não se move! 1-c) Uma vez alinhado, solte a trava do disco graduado do goniômetro (parafuso 7) e ajuste o "zero" da escala bem perto do "zero" do Vernier. Trave o goniômetro e com ajuda da lupa para ver bem os riscos no Vernier, ajuste o “zero” movendo o goniômetro com o seu ajuste fino (parafuso 8). 2) Medida do ápice α: Para medir α usamos o fato que o ângulo entre os dois raios refletidos nas duas faces do prisma é sempre igual a 2α. 2-a) Destrave a luneta móvel (parafuso 5 na fig. 4). 2-b) Coloque o prisma com o ápice apontado para a fenda e procure a imagem refletida em uma das faces do prisma. Re-ajuste o foco da luneta. 2-c) Se a imagem da fenda não estiver paralela à linha vertical da cruz, gire levemente a fenda até L2 alinhá-la corretamente. 2-d) Procure a imagem refletida na outra face do L1 α prisma. 2-e) As imagens vistas por reflexão nas duas faces do prisma devem estar à mesma altura no campo visual. Se isto não acontece é porque o prisma está inclinado. Caso isto não ocorra deve nivelar 2α a platina utilizando os parafusos 9. Fig. 7. Esquema para medir α. 2-f) Alinhe com uma das reflexões e verifique em cada imagem refletida qual é o lado da fenda que não se move. 2-g) Trave a luneta e alinhe finamente (parafuso 6) a cruz com o lado da fenda que não se move. Faça a leitura dos ângulos (L1 e L2) no Vernier correspondentes às duas reflexões. Atenção: uma das leituras (por exemplo, L1 = 59º 14’) coincide com o ângulo defletido na reflexão entanto que a outra (por exemplo, L2 = 300º 51’) deve ser subtraída de 360º: α = (L1+ 360º - L2)/2. 3) Achando o ângulo de desvio mínimo: (utilize uma lâmpada de Hg ou Na) 3-a) Posicione o prisma de modo que os raios refratados se dirijam para o lado dos ângulos “positivos” do goniômetro (para não ter de subtrair 360º em toda medida) – Ver Fig. 5. 3-b) Destrave a luneta e ache a raia amarela. Ajuste o foco e feche a fenda até obter uma imagem nítida e o mais fina possível. 3-c) Destrave a platina ligeiramente (parafuso 9) de modo que a platina possa girar sem cair. Gire a platina do prisma com uma mão e acompanhe a raia amarela movendo a luneta com a outra mão até achar a posição em que o desvio é mínimo. 3-d) Trave a luneta (parafuso 5) e a platina (parafuso 9). 3-e) Utilizando o avanço fino da luneta (parafuso 6), alinhe a linha vertical da cruz com o lado da imagem da fenda que não se move e leia o ângulo no Vernier. Pronto! Você já tem uma medida de desvio para esse comprimento de onda, δ(λ). 3-f) Para medir outras linhas, siga sempre a mesma rotina: destrave a luneta; mova a luneta até chegar perto da linha; trave a luneta e alinhe com o “fino” (parafuso 6). 4) Medida da dispersão: (utilize todas as lâmpadas disponíveis) Meça o ângulo desvio mínimo para cada uma das raias espectrais de cada lâmpada tomando os seguintes cuidados: 4-a) Não considere aquelas raias sobre as quais não tem certeza qual é o seu comprimento de onda. 4-b) Para linhas mais fracas deve abrir a fenda e ajustar o foco até conseguir uma imagem nítida e inconfundível. O ângulo correto é sempre aquele no qual a linha vertical da cruz coincide com o lado da fenda que não se move! 4-c) Alguns alunos conseguem “ver” raias no ultravioleta devido à fluorescência no olho. 4-d) Para raias próximas entre si não precisa girar o prisma (já que a condição de desvio mínimo depende pouco do comprimento de onda); porém sim para raias de comprimentos de onda bem diferentes (por exemplo, vermelho e violeta). 4-e) Organize os dados como na Tabela I ilustrada abaixo. Utilize a equação (4) para determinar n e estime o erro utilizando a eq. 5 com Δα = 3x10-3 rad (ou a eq. 6 se o seu prisma tiver α ≈ 60º). 4-f) Coloque os dados num gráfico de n versus 1/λ2. É importante fazer isto durante o experimento. Verifique que os pontos experimentais se acomodam seguindo uma reta, aproximadamente. Caso algum ponto fique muito fora da reta, o ponto deve ser remedido, verificando as principais causas de erro: identificou corretamente a linha espectral? o desvio era realmente mínimo? não houve um erro de leitura do Vernier? Se a dúvida persistir, simplesmente desconsidere esse ponto experimental. Cuidados: Ao preencher a Tabela I, antes de calcular funções trigonométricas (seno, coseno,...), não esqueça de passar a leitura em graus-minutos (5ª coluna) para graus e décimos de graus (6ª coluna). Por exemplo, 42º19’ = 42 + 19/60 = 42,32º. Também, verifique que a sua calculadora está no modo de graus: em inglês é “DEG”, de degree (não confunda com “GRA”, de grad, que é grau centesimal). Tabela I. Principais linhas espectrais do Hélio, Sódio, Mercúrio e Cádmio. λ (nm) Elemento 402.63 404.66 407.78 432.46 435.83 438.79 439.33 442.32 447.10 449.76 454.51 467.81 471.30 479.99 491.60 492.20 501.60 508.58 546.07 568.82 578.01 587.56 589.29 643.85 667.80 706.52 He Hg Hg Na Hg He Na Na He Na Na Cd He Cd Hg He He Cd Hg Na Hg* He Na* Cd He He Intensidade Relativa 50 600 200 600 700 50 750 700 1000 800 750 100 50 100 500 3000 800 3000 7500 3000 2500 1000 Cor violet violet violet blue blue blue blue blue blue blue blue blue blue blue cyan cyan turquoise green green green yellow yellow yellow red red red -2 1 / λ2 (µm ) δ (graus, minutos) δ(º) n Δn 6.1686 6.1070 6.0138 5.3470 5.2645 5.1938 5.1811 5.1112 5.0025 4.9435 4.8408 4.5694 4.5020 4.3404 4.1379 4.1278 3.9745 3.8662 3.3535 3.0907 2.9932 2.8966 2.8796 2.4123 2.2424 2.0033 (*) Centro do dubleto. (imprima esta tabela em cores!) 6 – BIBLIOGRAFIA 1 – F. A. Jenkins and H. White, "Fundamentals of Optics," MacGraw Hill, New York (1976). 2 – J. P. McKelvey and H. Grotch, "Fisica 4", cap. 24, Harbra - Harper & Row do Brasil, São Paulo (1981). 3 - G. R. Fowles, "Introduction to Modern Optics," Holt, Rinehart and Winston, second edition, New York (1975). 4 – E. Hecht, "Optics," Adelphi University, Addison-Wesley, New York (1990).