Lessa: É "estúpido" Brasil ser 3º maior comprador da dívida dos EUA

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Terra Notícias - SP
20/07/2011
Magazine
11:35:00
Lessa: É "estúpido" Brasil ser 3º maior comprador da dívida dos
EUA
Marcela Rocha
Mulher protesta em frente ao Capitólio: "Nós somos a Grécia?" e "Acordo é uma
coisa boa"
Ex-presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), Carlos Lessa
comenta o delicado momento das economias norte-americana e europeia. Em
entrevista a Terra Magazine, ele não poupa o Banco Central (BC) brasileiro e o
caracteriza de "estúpido" por ter se tornado o terceiro maior comprador de títulos
da dívida dos Estados Unidos, atrás apenas da China (1º) e do Japão (2º).
- Não dá para retroceder, a única coisa que dá para fazer é acender velas para
Santo Antônio - diz, pessimista.
O presidente dos EUA, Barack Obama, negocia com o Congresso o aumento do
teto da dívida do país para evitar desconfiança dos investidores a respeito de um
eventual calote. Não houve acordo com os parlamentares até terça-feira (19),
quando um grupo de senadores democratas e republicanos apresentaram ao
chefe do Estado projeto q prevê alta de US$ 1 trilhão na arrecadação e corte de
US$ 3,7 trilhões nos próximos dez anos.
Carlos Lessa ministra aulas na Universidade Federal do Rio de Janeiro e, em tom
professoral, explica porque o Brasil faz "um dos piores negócios do planeta" ao ser
o terceiro maior credor dos EUA. "O Brasil contrai essa dívida que só rende 2% e,
ao mesmo tempo, paga 12,25%. Estamos fazendo isso em escala colossal e
aumentamos a nossa dívida por causa disso. É de uma estupidez monumental".
Nesta quarta-feira (20), o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC divulga a
taxa Selic (juro básico da economia brasileira). Cumpridas as expectativas do
mercado, o juro deve passar de 12,25% para 12,5%. Até o final do ano, espera-se
mais uma alta de 0,25%.
O professor comenta também a política econômica brasileira e critica o sistema de
metas de inflação: "Modelo idiota". "Esse conceito é furado, tecnicamente não se
sustenta. Eles fixam um teto para o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), a
partir disso eles sobem juros para evitar que a economia cresça. O BC trabalha
para o Brasil ficar estagnado".
Confira a íntegra da entrevista:
Terra Magazine - Como o senhor vê o fato de os EUA terem que restabelecer o
teto da dívida? Por que e como chegaram a esse ponto? Quais as consequências
disso e o que é preciso ser repensado pela economia norte-americana?
Carlos Lessa - Toda e qualquer economia dita capitalista tem um pedaço da
receita que não é a base produtiva, mas títulos e relações de débito/crédito entre
os parceiros da sociedade. Isso é fundamental para que a economia funcione
normalmente. Agora, as razões pelas quais você gera débito e crédito são
variadas. Uma delas é o próprio setor público, o Estado. A dívida pública tem
diversas origens: quando a dívida é utilizada para melhorar a infraestrutura de um
país, ou quando é utilizada para aperfeiçoar um padrão de vida social. Essas são
formas virtuosas pelas quais se cria uma dívida. Mas uma dívida também se cria
com guerra. O conflito gera despesas absolutamente colossais.
No caso dos Estados Unidos, mais especificamente...
O principal elemento que tem puxado para cima a dívida norte-americana tem sido
a geopolítica daquele país. Não apenas há o gasto de ser o xerife do mundo,
como, além disso, gastam brutalidades com a guerra do Afeganistão e do Iraque.
A dívida de um país acontece porque um país tem gastos produtivos e
improdutivos. Um improdutivo por excelência é o juro. O serviço é um gasto que
não é produtivo, mas é contratual.
O que precisa ser, então, repensado?
A dívida norte-americana vem crescendo vertiginosamente nos últimos anos por
causa das guerras do Iraque, Afeganistão e por causa da luta dita antiterrorista. A
dívida também cresceu muito por causa do socorro que os EUA tiveram que dar
ao sistema bancário, abatido com a crise de 2008.
O Brasil tem títulos da dívida. O que o senhor acha dessa prática financeira?
Ah, sim. Isso mostra a estupidez da política brasileira. Porque o Brasil é o terceiro
maior comprador de títulos do tesouro americano, antes dele, só a China e o
Japão. Isso é um absurdo.
Por quê?
Nós atraímos uma quantidade enorme de capitais de curto prazo especulativos
para dentro do Brasil. Esses dólares que entram a mais no Brasil vão parar nas
reservas do Banco Central. O BC emite dívida pública brasileira e paga 12,25% de
juros e aplica em títulos de tesouro norte-americanos que, na melhor das
hipóteses, são 2% ao ano. O Brasil contrai essa dívida que só rende 2% e, ao
mesmo tempo, paga 12,25%. Um dos piores negócios do planeta. Estamos
fazendo isso em escala colossal e aumentamos a nossa dívida por causa disso.
Isso é de uma estupidez monumental.
O senhor chama de "estupidez" e uma das causas que o senhor aponta é a taxa
de juros. O Copom divulga hoje a nova taxa Selic. A expectativa do mercado é de
um leve aumento.
Pois é, são suicidas. Com isso virá mais dólar para o Brasil. O ideal é que o Brasil
só absorvesse os dólares necessários para o financiamento do balanço de
pagamentos. Só.
Sobre o processo de decisão da Selic...
Totalmente misterioso. O Conselho Monetário administra nossas vidas, o emprego
que você tem, a compra da sua casa, se você vai pagar ou não sua conta nas
Casas Bahia... E o povo não sabe como eles definem nem juros nem câmbio. Eles
decidem através das metas de inflação, que fixam uma taxa limite superior à
inflação e, ao mesmo tempo, partem da hipótese de que o país só pode crescer
acima de uma certa taxa, porque se crescer acima dela, aparece a inflação. Então,
toda vez que a economia brasileira começar a crescer, o BC eleva a taxa de juros.
Sim, mas há aí uma consulta ao mercado antes de ser definida a taxa Selic, por
exemplo. É o processo a que me refiro.
Isso eles fazem. Eles chamam o mercado de amiguinhos no mercado de capitais,
mas muitas vezes surpreendem os amiguinhos.
O que o senhor acha disso?
É um modelo que precisa ser rediscutido, claro. Mas estou rouco de dizer isso.
Falo isso há muitos e muitos anos. Eu e mais alguns colegas. Lula utilizou isso,
Dilma continua... Eu acredito que é um modelo idiota. Esse modelo não é ideal,
esse conceito é furado, tecnicamente não se sustenta. Então, eles fixam um teto
para o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), a partir disso, eles sobem juros
para evitar que a economia cresça. O BC trabalha para o Brasil ficar estagnado.
O senhor acredita que "o BC trabalha para o Brasil ficar estagnado"?
Eu e a torcida do Flamengo achamos isso.
A Islândia quebrou. A Grécia também. Portugal vai mal, Espanha também...
Demais países europeus ainda sofrem com a recessão. O senhor acredita que a
moeda única deve ser revista?
Vou te dar a reposta mais honesta: Eu realmente não sei. Pode ser que eu esteja
errado, mas o Euro, sendo a moeda única europeia, não tem um lastro no
continente. O Euro está lastreado em dólar. Se é assim, não controla o
endividamento dos países. Portanto, o controle do Banco Central Europeu é muito
pequeno. O Euro é uma moeda meio pendurada no ar. Agora, eu não sei se eles
vão resolver isso fortalecendo o Euro ou retrocedendo para as moedas nacionais.
O que inquestionável é que, como está, não poderão atravessar a crise que vivem.
Como o senhor definiria esse cenário?
Como um cenário muito preocupante porque muitos países europeus assumiam a
presença do Euro, dos bancos europeus e até de filiais de bancos norteamericanos como um cenário extremamente favorável ao endividamento. Os
bancos operaram sem nenhum critério, simplesmente foram emprestando. À
medida em que os bancos emprestam, criam uma articulação monetária maior e,
em cima disso, os bancos emprestam mais. Isso é conhecido como uma manada
financeira. Tudo vai em direção à expansão e quando dá uma parada, tudo vai
para trás. É a manada em pânico. O pânico começou e quebrou a Islândia, que já
estava quebrada antes, ficou apenas explícito. Quebrou a Grécia, e agora,
balança a Itália e a Espanha. Por extensão da Grécia, os outros países terão
muita dificuldade, porque significará que os outros países não segurarão a dívida
soberana da Grécia.
Os Estados Unidos adotam a posição de ajudar a Grécia...
Essa é uma posição que, teoricamente, os EUA adotam há muito tempo. Eles não
conseguem, no entanto, encontrar um acordo sobre como farão isso. A Alemanha
e a Holanda acham que não dá para ajudar sem a cooperação da área privada.
Isto significa que os bancos europeus teriam prejuízo com a operação na Grécia.
E isso é justamente o que os bancos não querem, claro.
Quais as semelhanças entre a situação europeia e norte-americana?
A crise financeira parece um castelo de cartas. Cada carta que cai aumenta a
pressão para outras caírem também. Evidente que os EUA estão balançando.
Obviamente que a Europa balança mais. A Europa balançando, balança ainda
mais os EUA. E os bobões do Brasil viraram o terceiro credor mundial do tesouro
norte-americano. Isso é uma vergonha. É inacreditável que o nosso BC tenha feito
isso.
É possível retroceder?
Não. A única coisa que dá para fazer é acender velas para Santo Antônio. Com
essa visão de mundo, resta pedir ajuda ao santo mesmo. Tem que baixar controle
de câmbio, tem que aplicar imposto de importação... Tem uma porção de coisas
para fazer e que eles não vão fazer.
O Estado perdeu a capacidade de gerir a economia?
Pelo contrário, eles ainda acham que estão gerindo otimamente bem. Na minha
opinião, vai por um caminho muito ruim.
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