VIII Congresso Brasileiro de História da Educação Sessão Coordenada - 33 CIÊNCIA E EDUCAÇÃO: IMPRESSOS, INTELECTUAIS E DIÁLOGOS ENTRE OS SABERES MÉDICOS E A PSICOLOGIA NOS PROJETOS DE ESCOLARIZAÇÃO NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX Coordenador: IRANILSON BURITI DE OLIVEIRA Eixo Temático: 8 - Impressos, Intelectuais e História da Educação Esta comunicação coordenada tem por objetivo problematizar os projetos de escolarização que emergiram nas primeiras décadas do século XX e que estabeleceram diálogos com os campos de conhecimento médico e psicológico. Para tanto, propomos estabelecer reflexões sobre impressos de intelectuais que desenharam novas rostidades para a infância no referido contexto, elaborando paisagens médico-educativas para meninos e meninas em idade escolar. O interesse é problematizar os discursos médico-pedagógicos sobre a infância tomando como referencial o discurso médico-higienista que circulou tanto na imprensa pedagógica (a exemplo do jornal oficial O Educador – Órgão do Professorado Primário, publicado na província da Parahyba do Norte) quanto em publicações de intelectuais brasileiros do porte de Belisário Penna, Renato Kehl e Maria Lacerda de Moura. Para a análise documental operamos com o campo historiográfico dos fundamentos teóricometodológico da Nova História Cultural, fazendo a leitura dos impressos e manuais pedagógicos que elegemos como fontes, dialogando, sobretudo, com a análise do discurso e a genealogia, além das noções de governamentalidade, biopoder e normalização. A perspectiva investigativa em História Cultural da Educação nos possibilita interrogar os discursos de verdade elaborados e legitimados pelo ideário republicano. Tal ideário foi veiculado na imprensa pedagógica, no projeto científico de educação da infância formulado por Maria Lacerda de Moura e apresentado à Secretaria do Interior do Estado de Minas Gerais no ano de 1919, bem como em obras voltadas para o professorado (Em torno da Educação, de 1918 e Renovação, de 1919, ambos de Maria Lacerda de Moura); para as crianças (Fada Hygia, do médico-higienista Renato Kehl, publicado em 1925), para a instrução e o público em geral (Higiene para o povo: amarelão e maleita, do médico-sanitarista Belisário Penna, editado em 1924). Portanto, a partir dessas fontes, pretendemos problematizar a produção e circulação do discurso higienista nos projetos de escolarização nas primeiras décadas do século XX, colocando em suspeição os repertórios culturais e políticos, a partir dos quais a sociedade promoveu a produção de sentidos sobre a infância, e as maquinarias de governo da infância que esta formação discursiva produziu e pôs em funcionamento, no horizonte da formação da nação e de um sentimento cívico nacional. Compreendemos que as práticas discursivas dos intelectuais presentes em diversas publicações (livros, jornais, requerimentos e projetos) possibilitaram o surgimento de verdades sobre a regeneração da raça pela prática higienista e eugênica, sobre a instrução pública, e sobre o professor ideal para lidar com a infância a ser cuidada. “AS EXIGENCIAS DA HYGIENE INTELECTUAL SERÃO MUITO NECESSÁRIAS AFIM DE SE EVITAR UMA RAÇA DEGENERADA”: DISCURSOS SOBRE A INFÂNCIA NAS PÁGINAS D’ O EDUCADOR Maria do Socorro Nóbrega Queiroga A pesquisa analisa os discursos sobre a infância e a instrução pública, em textos jornalísticos que circularam na Paraíba na Primeira República (1921-1922). O interesse é problematizar os discursos médico-pedagógicos sobre a infância tomando como referencial o discurso higienista que circulou na imprensa pedagógica, no caso o jornal oficial O Educador – Organ do Professorado Primário, publicado na província da Parahyba do Norte, e dirigido aos professores, como dispositivo para a sua formação. A pesquisa da fonte – jornal O Educador – foi realizada no arquivo do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba – IHGP, onde se encontra depositado e ao qual tivemos acesso através de cópia digitalizada. Para a análise documental operamos com o campo historiográfico dos fundamentos teórico-metodológico da Nova História Cultural, fazendo a leitura do impresso pedagógico que elegemos como fonte a partir das teorizações de Roger Chartier e da analítica foucaultiana, sobretudo a análise do discurso e a genealogia, além das noções de governamentalidade, biopoder e normalização. A leitura dos impressos possibilitou o conhecimento sobre uma preocupação com a instrução primária e o analfabetismo na Paraíba em início do século XX, e aponta novos indícios acerca do ideário higienista que atravessa os discursos em diferentes matérias, as quais nos ajudam a compreender sobre a história da infância na Paraíba no século XX, sobre a instrução escolar, civilidade, desenvolvimento mental, higiene social e disciplinamento dos corpos. A perspectiva investigativa em História Cultural da Educação nos possibilita interrogar os discursos de verdade elaborados e legitimados pelo ideário republicano, veiculados na imprensa pedagógica paraibana – ou seja, a 121 Caderno de Resumos - Comunicações Coordenadas produção e circulação do discurso higienista, entre os anos de 1921-1922; e sobre os repertórios culturais e políticos, a partir dos quais a sociedade promoveu a produção de sentidos sobre a infância, e as maquinarias de governo da infância que esta formação discursiva produziu e pôs em funcionamento, no horizonte da formação da nação e de um sentimento cívico nacional. Compreendemos que as práticas discursivas possibilitaram o surgimento de verdades sobre a regeneração da raça pela prática higienista, sobre a instrução pública, e sobre o professor ideal para lidar com a infância a ser cuidada. Essas foram as condições de possibilidade para compreendermos o que a sociedade paraibana da época pensava, o que escrevia, e o que a expertise da educação local propunha como leitura para a formação dos professores e de como deveria ser educada a infância, através de aconselhamento dirigido às instituições de ensino, por pessoas autorizadas a dizerem sobre a infância, na imprensa pedagógica, legitimado pelos saberes modernos, sobretudo a medicina, a psicologia e a pedagogia. A FADA HYGIA: RENATO KEHL E AS LEITURAS SOBRE A INFÂNCIA BRASILEIRA Iranilson Buriti de Oliveira A presente pesquisa aborda as imagens construídas pelo intelectual e médico-higienista Renato Ferraz Kehl (1889-1974) sobre a educação sanitária e a higiene da infância no período da Primeira República (1889-1930), tendo como fonte o livro para crianças A Fada Hygia: primeiro livro de higiene, publicado pela primeira vez em 1925, em São Paulo, e adotado pelas diretorias de instrução pública desse estado, bem como do Distrito Federal, Pará e Pernambuco. A partir desse livro, problematizarmos as aproximações entre os saberes médico e o pedagógico, num contexto em que o Brasil precisava se inscrever internacionalmente como a pátria da “ordem e do progresso”. Para analisarmos a obra em apreço, lançamos mão em nossa metodologia de teóricos da Nova História Cultural francesa, dentre os quais Roger Chartier e Michel de Certeau, com os quais dialogamos com os conceitos de recepção, leitura, cotidiano, estratégias e táticas. Esses teóricos nortearam a leitura documental e foram fundamentais para recortarmos os objetivos da pesquisa, dentre os quais fazer aproximações entre os saberes médico e o educacional, tomando como referência temporal a Primeira República. Nessas aproximações, analisamos a presença do discurso médico orientando o saber pedagógico e a recepção desse ideário médicosanitarista pelos educadores do Brasil. Desta forma, a pesquisa objetiva colocar em análise os escritos de Renato Kehl acerca da educação higienista na Primeira República, mostrando como este médico procurava apresentar as heterogeneidades acerca da saúde e da doença da cartografia brasileira, particularmente da infância. A importância das aproximações entre os campos médico e pedagógico consiste no próprio estatuto de saber médico na Primeira República, principalmente a partir das primeiras décadas do século XX. Neste contexto, os médicos chamaram para si o poder de remediar e educar a população, curar os “males do país”, assumindo a questão da educação pública. Os discursos médicos vinham quase sempre acompanhados por uma preocupação com a legitimidade, com o controle social e com a afirmação desta categoria profissional como fundamental para a implementação de um projeto saneador e modernizador. Dessa forma, médicos como Renato Kehl estabeleceram as escolas como clínicas em que os males nacionais associados à mistura de raças poderiam ser curados. Suas crenças forneceram um poderoso motivo para a construção de escolas e moldaram a forma de seu funcionamento. Como um “fervoroso” defensor da aliança entre pais e escola, objetivando melhorar tanto o organismo das crianças quanto o da sociedade brasileira, Renato Kehl reclamava, em seus escritos, da falta de interesse dos pais pela educação dos filhos e do governo federal para salvar o Brasil pela educação. A Fada Hygia, portanto, é um livro no qual ganham visibilidade os discursos para pedagogizar a própria escola, alertando-a sobre a importância da educação em seu sentido mais amplo. DA DESGRAÇA DA DOENÇA AO MILAGRE DA CURA: AS IMAGENS COMO DISPOSITIVO CIENTÍFICOEDUCATIVO NO LIVRO, DE BELISARIO PENNA, HIGIENE PARA O POVO: AMARELÃO E MALEITA Eliane Vianey de Carvalho Este trabalho tem por objetivo analisar o papel educativo das imagens presentes no livro Higiene para o povo: amarelão e maleita, do intelectual e médico sanitarista mineiro, Belisario Penna, cuja primeira edição é de 1924 (SILVA, 2013, p. 63) e foi direcionado à instrução pública. A análise se apóia nas noções e conceitos de Michel Foucault, principalmente, sobre a biopolítica (2005). Penna teve grande inserção social no país. Sua atuação médica iniciou-se no final do século XIX, e, logo no início do século XX, já estava à frente de projetos nacionais de saúde pública, como inspetor sanitário, sob o comando do médico Oswaldo Cruz que, na época, era o responsável pelos serviços federais de saúde. Belisario Penna atuou em mais de 22 estados do Brasil, fez intervenções médicas, pesquisou a ocorrência de doenças na população e realizou extensas campanhas de 122 VIII Congresso Brasileiro de História da Educação educação sanitária. Teve uma vida política ativa, assumiu vários cargos públicos, entre eles a direção do Departamento Nacional de Saúde Pública, nos anos de 1930 (THIELEN e SANTOS, 2002). Além da saúde pública, o sanitarista esteve presente em vários encontros educacionais, apresentou diversos trabalhos sobre higiene e educação sanitária, realizou palestras e conferências, e, também deixou livros e textos publicados, entre eles, o livro sobre Higiene, que é objeto de investigação deste trabalho. A Higiene, na época, era tratada e difundida por médicos, intelectuais, políticos e educadores, como uma ciência, cuja finalidade era preservar a saúde (ROCHA, 2003). Com isso, surgem vários dispositivos em prol da educação higiênica e sanitária da população, como o livro estudado. O autor direciona o livro a “todos os habitantes do Brasil que saibam ler: aos alunos das escolas primárias, secundárias, superiores; aos operários das fábricas e aos patrões; aos trabalhadores rurais, aos fazendeiros e aos sitiantes, aos jornalistas, aos padres, aos políticos, aos administradores federais, estaduais e municipais” (PENNA, s/d, p. 03). Uma vez que, “por ignorância de rudimentares preceitos de higiene, a população brasileira está bichada, intoxicada, com os intestinos transformados em carniças vivas de vermes, que se podem extinguir, e, melhor ainda, evitar completamente” (PENNA, s/d, p. 10). A busca pelo progresso do Brasil dependia da educação, para isso, Penna se utilizou, exaustivamente, das imagens como dispositivo persuasivo para ilustrar seus textos e educar (governar) a população, por meio da polaridade doença versos saúde. As imagens contrastam a desgraça da doença e o milagre da cura para persuadir a população a tratar das enfermidades, adquirir hábitos higiênicos, tornar-se forte e saudável para contribuir, com seu valor biológico, ao progresso do Brasil. MARIA LACERDA DE MOURA E A PSICOLOGIA EXPERIMENTAL PARA A EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA EM MINAS GERAIS (1919) Paula Cristina David Guimarães O presente trabalho descreve e analisa o projeto científico de educação da infância formulado por Maria Lacerda de Moura e apresentado à Secretaria do Interior do Estado de Minas Gerais no ano de 1919. Tal projeto se apresenta no formato de um requerimento, em que a professora da cidade de Barbacena-MG expõe seus objetivos para realizar estudos de psicologia experimental aplicados à pedagogia e solicita autorização do Estado para aplicá-los nas escolas da sua cidade. Em anexo ao requerimento estão seis pareceres que ora aceitam, ora refutam o projeto de Maria Lacerda e que fornecem informações valiosas sobre os debates travados sobre as questões da psicologia aplicada à educação em Minas Gerais no início do século XX. A referida fonte de pesquisa é inédita e se completa com outros impressos e fontes produzidos sobre e por Maria Lacerda no período em que atuou na cidade de Barbacena. Trata-se de documentos diversos da Escola Normal de Barbacena, lugar em que atuou como professora de Pedagogia e Higiene entre os anos de 1908 e 1921; também de livros de sua autoria, tais como Em torno da Educação (1918) e Renovação (1919), em que expõe seus ideais de educação da infância; e também jornais da época, que noticiaram sua atuação enquanto reformadora social ao atuar na Liga Barbacenense contra o Analfabetismo, ao criar uma vila para as pessoas pobres de sua cidade, e na fundação de um lactário para crianças pobres. O recorte temporal (1919) contempla o período em que a professora mineira escreve o seu projeto enquanto educadora na cidade de Barbacena – MG e se justifica pela riqueza das fontes encontradas até o momento bem como pela falta de pesquisas que comtemplem esse período de sua atuação. Já a proposta do trabalho se justifica pela possibilidade de “lançar luzes”’ sobre as experiências da psicologia experimental aplicada à educação da infância 10 anos antes da chegada e atuação de Helena Antipoff no Estado Mineiro, percebendo em que medida educadores e políticos mineiros pensavam a condição da educação aliada à ciência para a formação da infância em um momento anterior a utilização desse recurso no âmbito das diretorias de instrução pública. Para a análise dos discursos e práticas que perpassaram o projeto científico de educação da infância de Maria Lacerda de Moura são utilizadas as ferramentas de análise formuladas por Michel Foucault, principalmente aquelas que nos ajudam a compreender as relações de poder, a produção de saber e de verdade no interior das ciências. 123