JUNTA DE RECURSOS FISCAIS DA SECRETARIA DA FAZENDA

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AS TAXAS E PREÇOS PÚBLICOS COBRADOS DAS
CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS
(ESPECIALMENTE DE TELECOMUNICAÇÕES)
PELO USO E OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO
Igor Mauler Santiago
Ana Luiza Mendonça Soares
1. Apresentação do problema.
Em tempos recentes, diversos Municípios passaram a exigir de
empresas
concessionárias
de
serviços
públicos
(de
telefonia
e
de
distribuição de energia, principalmente) valores pela utilização de áreas em
vias públicas para a instalação de equipamentos necessários à sua atividade
(postes, transformadores, cabos subterrâneos, etc.).
As formas de cobrança são as mais variadas. O Município de
São Paulo, por exemplo, por meio do Decreto nº 38.139, de 01.07.99,
instituiu “contribuição pecuniária” pela permissão de uso das vias públicas,
calculada com base em diversos critérios, dentre os quais se destaca o
“valor territorial do local onde instalados os equipamentos”. Os Municípios
fluminenses de Niterói e Nova Friburgo, a seu turno, editaram leis
instituindo a cobrança de “taxa de licença para ocupação do solo”, cujo fato
gerador seria a “o exercício regular, pelo Poder Público Municipal, de
autorização, vigilância e fiscalização, visando a disciplinar a ocupação de
vias e logradouros públicos, para a prática de qualquer atividade”. Já o
Município de Carmo de Cajuru, em Minas Gerais, através da Lei nº
1.952/2001, passou a exigir “preço público pela utilização de vias públicas,
inclusive do espaço aéreo, do subsolo e das obras de arte de domínio
municipal, para implantação, instalação e passagem de equipamentos
destinados à prestação de serviços de infra-estrutura por entidades de
direito público e privado”.
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O presente estudo destina-se a demonstrar a impossibilidade
de cobrança – seja por meio de taxa (instituto de Direito Tributário), seja
por meio de preço público (instituto de Direito Administrativo) – de qualquer
espécie de remuneração pelo uso e ocupação do solo por prestadoras de
serviços públicos, em especial pelas concessionárias dos serviços de
telecomunicações.
2. Princípio da supremacia do interesse público.
A Constituição de 1988 determina que:
“Art. 21. Compete à União:
(...)
XI – explorar diretamente ou mediante autorização,
concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos
termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a
criação de um órgão regulador e outros aspectos
institucionais.” (redação da EC nº 08/95)
Da
leitura
do
dispositivo
resulta
que
os
serviços
de
telecomunicações podem ser explorados direta ou indiretamente pela União
(mediante qualquer das formas de delegação admitidas pelo Direito
Administrativo). Em ambos os casos o regime jurídico aplicável será o de
direito público.
Até 1995, esses serviços só podiam ser prestados pela União
ou, mediante concessão, por empresas sob controle acionário desta (as
sociedades de economia mista integrantes do Sistema Telebrás). Após a
edição
da
Emenda
Constitucional
nº
08/95
e
da
Lei
Geral
de
Telecomunicações (Lei nº 9.472/97), as antigas concessionárias foram
privatizadas e novas delegações foram conferidas a outras empresas,
instaurando-se regime de concorrência no setor.
De notar que o concessionário não adquire a titularidade do
serviço concedido; apenas explora economicamente a prestação daquele,
que continua sendo público e, por isso, sujeito a regras especiais (preços
administrados, dever de continuidade, caráter público dos bens empregados
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na sua prestação, etc.) e dotado de prerrogativas também especiais (tais
como o uso gratuito de bens públicos e a possibilidade de instituição de
servidões administrativas).
Na hipótese específica dos serviços de telecomunicações, além
dos princípios e regras gerais do Direito Administrativo, as concessionárias
sujeitam-se especialmente à Lei nº 9.472/97, que estabelece as diretrizes
básicas para a sua prestação e cria a ANATEL, agente regulador e
fiscalizador.
Segundo o “Plano Geral de Metas para Universalização do
Serviço Telefônico Fixo Comutado Prestado no Regime de Direito Público”,
fixado pela ANATEL e aprovado pelo Decreto nº 2.592/98, e conforme o
contrato-padrão de concessão (disponível no site www.anatel.gov.br), é
obrigatória (sob pena de as concessionárias sofrerem sanções ou mesmo
intervenção; arts. 110 e 173 e ss. da LGT) a prestação universal, contínua e
adequada dos mencionados serviços, de resto qualificados como essenciais
pelo art. 10, VII da Lei nº 7.783/89.
Para tanto, dentre
outras
providências, faz-se
mister
a
implantação, pelas concessionárias, dos equipamentos necessários (fios,
cabos, postes, etc.), o que pressupõe a utilização das vias públicas federais,
estaduais e municipais, que, sem embargo, tem sido economicamente
obstada por diversas localidades. Como ensina MARIA RITA GRANDILONE1:
“(...)
para
que
as
concessionárias
possam
dar
cumprimento às obrigações previamente assumidas no
contrato de concessão, mormente no que diz respeito à
utilização de vias públicas para a instalação de equipamentos,
deverá a Prefeitura utilizar de expedientes que não interfiram
na relação jurídica existente entre as concessionárias e a União
Federal (Anatel), sob pena de inviabilizar a própria concessão
do serviço público.
Isso significa que qualquer manifestação dos órgãos
municipais no sentido de permitirem a execução de obras
públicas para a instalação de equipamentos deve estar vazada
em atos administrativos vinculados, ou seja, meramente
1
Permissão de Uso do Solo para a Instalação de Equipamentos de Telecomunicação –
cobrança indevida, Revista Dialética de Direito Tributário, nº 62, p. 96/112.
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declaratórios de direito e jamais constitutivos, eis que incabível
na presente questão a discricionariedade do Poder Municipal.”
Tal entendimento se justifica. Dado o caráter essencial dos
serviços públicos de telecomunicações, não há como se admitir que as
respectivas concessionárias tenham as suas atividades embaraçadas e até
mesmo inviabilizadas pelo alvedrio do Município, em contradição com as
normas da União e da ANATEL e com o princípio da supremacia do interesse
público.
Segundo CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO, o princípio da
supremacia do interesse público impõe a superioridade dos interesses da
coletividade como um todo (e não os de uma entidade governamental em si
mesma considerada) sobre aqueles dos particulares. Com espeque na
doutrina italiana, distingue entre interesses públicos primários (que são os
interesses da coletividade como um todo) e interesses públicos secundários
(atinentes ao aparelho estatal enquanto entidade personalizada), para
conferir somente aos primeiros a supremacia sobre o interesse privado. É
ver2:
“(...) as prerrogativas inerentes à supremacia do interesse
público sobre o interesse privado só podem ser manejadas
legitimamente para o alcance de interesses públicos; não para
satisfazer interesses ou conveniências, tão só do aparelho
estatal, e muito menos dos agentes governamentais.”
Sobre
a
necessidade
de
compatibilização,
pelos
agentes
estatais, de seus interesses secundários aos interesses públicos primários
de toda a coletividade, CELSO ANTÔNIO é enfático3:
“Por isso, os interesses secundários não são atendíveis
senão quando coincidirem com interesses primários, únicos que
podem ser perseguidos por quem axiomaticamente os encarna
e representa. Percebe-se, pois, que a Administração não pode
proceder com a mesma desenvoltura e liberdade com que
agem os particulares, ocupados na defesa das próprias
conveniências, sob pena de trair sua missão própria e sua
própria razão de existir.”
2
3
Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros Editores, 10ª edição, 1998, p. 32.
op. e loc. cit.
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Ora, não é possível que o interesse secundário do Município
em aumentar as suas receitas através da cobrança de tributos ou tarifas
prevaleça sobre o interesse primário de toda a coletividade na prestação
contínua, universal, adequada e (tanto quanto possível) modicamente
remunerada dos serviços públicos de telecomunicações.
Entender o contrário, amparado puramente na idéia da
autonomia municipal (que, é bom lembrar, será sempre limitada pelos
princípios estabelecidos na Magna Carta), afigura-se desarrazoado e
desproporcional. Afinal, é razoável ou adequado ao interesse público que as
concessionárias de serviços públicos de telecomunicação tenham as suas
atividades obstadas pelas pretensões arrecadatórias dos fiscos municipais
(de todos aqueles em que prestem serviços, pois que cada um se sentirá
legitimado a exigir os seus próprios preços ou taxas)? Que os usuários dos
aludidos serviços – todos os cidadãos – sejam obrigados a suportar o ônus
de um inevitável aumento tarifário, em razão do rompimento do equilíbrio
econômico-financeiro
dos
contratos
de
concessão,
causado
pelos
Municípios? Parece que não. Nesse sentido, mais uma vez CELSO
ANTÔNIO4:
“Visto que na idéia de função o dever é que é
predominante; visto que o poder a ele ligado cumpre papel
instrumental, ancilar; percebe-se também que os ‘poderes’
administrativos, em cada caso, não têm por que comparecer
além da medida necessária para o suprimento da finalidade
que os justifica.
(...)
Em suma: os ‘poderes’ administrativos – na realidade,
deveres poderes – só existirão e portanto só poderão ser
validamente exercidos na extensão e intensidade proporcionais
ao que seja irrecusavelmente requerido para o atendimento do
escopo legal a que estão vinculados. Todo excesso, em
qualquer sentido, é extravasamento de sua configuração
jurídica. É, a final, extralimitação da competência (nome que
se dá, na esfera pública, aos ‘poderes’ de quem titulariza
função). É abuso, ou seja, uso além do permitido, e, como tal,
comportamento inválido que o judiciário deve fulminar a
requerimento do interessado.”
4
op. cit., p. 58.
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3. Impossibilidade da cobrança de taxas pela utilização
de bens públicos. Inexistência de serviços ou de atos de fiscalização
periódicos.
Ainda que se considerasse que a cobrança de taxa ou preço
público contra as concessionárias de serviços públicos, pelo uso e ocupação
do solo, não ofende os princípios da supremacia do interesse público, da
razoabilidade e da proporcionalidade, tem-se que a sua exigência é
impossível por outros motivos.
No tocante às taxas, estabelece a Constituição Federal:
“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
(...)
II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou
pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos
específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a
sua disposição;”
(...)
§ 2º. As taxas não poderão ter base de cálculo própria de
impostos.”
Da leitura do dispositivo, exsurge que só poderão ser cobradas
taxas em razão da prestação de um serviço público específico e divisível ou
pelo exercício efetivo (nunca potencial) do poder de fiscalização.
Segundo a lição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO,
“serviço
público é
toda atividade
de
oferecimento de
utilidade
ou
comodidade fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado
ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público –
portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições
especiais – instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver
definido como próprio no sistema normativo” 5.
Já o poder de polícia, que pode ser exercido pelos Poderes
Executivo e Legislativo, caracteriza-se como “a atividade do Estado
5
op. cit., p. 437.
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consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do
interesse púbico” 6.
Ora, o uso do solo urbano para a fixação de postes e a
passagem de fios não corresponde a qualquer serviço específico e divisível
prestado pela Municipalidade ao contribuinte; por ele (ou mesmo pelo ato
estatal que o permite), não se está ofertando às concessionárias qualquer
utilidade ou comodidade através de uma atuação positiva do poder estatal.
Concebível seria – reconheça-se – uma taxa pela fiscalização
dos projetos e/ou das obras de instalação dos equipamentos (como
pretendem os Municípios de Niterói e Nova Friburgo, v.g.). Mas esta só
seria exigível quando deveras configurado o exercício do poder de polícia,
isto é, quando demonstrada uma efetiva (não potencial) fiscalização por
parte do Município, necessariamente precedida de um procedimento
administrativo (vistorias, etc.). É conferir o escólio de ALBERTO XAVIER7:
“São, pois, inadmissíveis no nosso sistema jurídico casos,
como os previstos na lei italiana citada por Berliri, em que o
pagamento de taxa independe de uma atividade efetivamente
exercida pela autoridade administrativa. A simples existência
do aparelho fiscalizador não legitima a cobrança de taxas de
polícia, que teriam apenas por suporte o exercício potencial do
respectivo poder. Repara-se que o Código Tributário Nacional
admite expressamente a prestação potencial de serviços, mas
não o exercício potencial do poder de polícia. Com efeito, esse
exercício potencial deve ser financiado por imposto, cabendo à
taxa custear o exercício efetivo.
(...)
No nosso direito positivo as taxas de polícia revestem
natureza compensatória do custo das atividades efetivamente
desenvolvidas pelas autoridades. Como ensina Geraldo Ataliba,
‘a taxa de polícia é simples compensação – no plano financeiro
– de despesas que a Administração deve fazer, para praticar
adequadamente os atos de polícia que lhe competem’. E,
ainda: ‘O que a Carta Magna autoriza é a exigência de tributo
(taxa) por ocasião da emissão de juízo expressivo de poder de
polícia (‘autorizo’, ‘não autorizo’, ‘permita-se’, ‘não se permita’,
‘licencie-se’, ‘não se licencie’, etc) tendo por base não este ato
– que não tem conteúdo econômico – mas as diligências que o
6
DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo, São Paulo: Editora Atlas S.A., 13ª
edição, 2001, p. 110.
7
Revista de Direito Tributário nº 15/16, p. 245/257.
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7
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respectivo procedimento requerer (cf. Taxa de polícia –
localização e funcionamento, in Estudos e Pareceres de Direito
Tributário, III, 1980, pp. 241 e 243).
Vai-se mais longe ainda. Não basta que o exercício atual do
poder de polícia se traduza num simples ato; é ainda
necessário que tal ato tenha sido precedido de um
procedimento administrativo, cujas diligências preparatórias a
taxa visa a remunerar.”
Nesse diapasão, é bom lembrar ainda que, como leciona JOSÉ
CARLOS ABRÃO, amparado na doutrina de GERALDO ATALIBA (RDA
102/489), o exercício do poder de polícia apto a dar ensejo à cobrança de
taxa há que ser regular. Assim, “o Estado não pode manipular os
procedimentos próprios do poder de polícia, nem diligências por ele
exigidas, nem os órgãos ou atos pelos quais se veicula seu exercício para
incrementar receitas. (...) O Direito Tributário apenas torna os atos assim
disciplinados e os erige em motivo de tributação. Não pode o legislador, por
motivos fiscalistas, inverter os critérios e fazer com que os atos de polícia
sirvam à tributação, ao invés de, como é coerente – e constitucionalmente
desejado – a tributação servir ao poder de polícia. Isto é repugnante ao
nosso sistema e inaceitável, por todas as razões. Multiplicar vistorias
desnecessárias,
reproduzir
diligências
sem
fundamento,
repetir
atos
inocuamente, só para incrementar receitas, constitui abuso de poder. Não é
isto manifestação de exercício regular do poder de polícia, mas abuso,
excesso que não pode e deve ser contido pelo Judiciário.” 8
Por último, cumpre ressaltar que uma taxa de fiscalização
dessa natureza, além de se sujeitar aos princípios retores do Direito
Tributário (legalidade, anterioridade e não-confisco, entre outros), não
poderia, por expressa vedação constitucional (art. 145, § 2º) e dado o seu
caráter contraprestacional, ter base de cálculo própria de imposto – como,
por
exemplo,
as
receitas
oriundas
da
prestação
dos
serviços
de
telecomunicações ou o valor venal das áreas ocupadas (como pretendido
pelo Município de São Paulo). Teria que corresponder ao custo da
fiscalização prévia à outorga da licença e poderia incidir uma única vez (ou
8
Taxas de Polícia, Revista de Direito Tributário nº 9/10, p. 128/144.
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8
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sempre que diligências necessárias fossem efetivamente levadas a efeito),
não se justificando a sua renovação periódica.
4. Impossibilidade da cobrança de preços públicos. A
servidão administrativa.
Demonstrada a impossibilidade da cobrança de taxa pelo mero
uso do solo urbano e prenunciado o baixo potencial arrecadatório de
eventual taxa de polícia na matéria, por ter de corresponder ao custo da
fiscalização efetivamente realizada e não poder renovar-se de tempos em
tempos, passe-se agora ao exame da admissibilidade, neste mesmo caso,
de preço público.
Não havendo nenhum serviço por parte do Município – e
ficando por isso mesmo afastada a interessante discussão sobre as
fronteiras entre a taxa e o preço público – e nem se podendo cogitar do
pagamento de preço por atos de polícia (remuneráveis apenas por taxa), só
se pode pensar em preço in casu com fundamento no art. 103 do novo
Código Civil (art. 68 do Código Civil de 1916), isto é, como retribuição pelo
uso de bem público.
Dá-se que tal retribuição é inexigível de empresas prestadoras
de serviços públicos, que têm direito à utilização gratuita e por prazo
indeterminado dos bens públicos de todas as esferas de governo9 ou, ainda,
à constituição de servidões administrativas.
Estas últimas estão previstas no art. 29 da Lei nº 8.975/95,
que dispõe sobre o regime de concessão e permissão de serviços públicos, e
9
É conferir o Decreto nº 84.398/80, relativo às empresas de energia elétrica mas aplicável por
analogia ao caso em estudo: “Art 1º. A ocupação de faixas de domínio de rodovias, ferrovias e
de terrenos de domínio público, e a travessia de hidrovias, rodovias e ferrovias, por linhas de
transmissão, subtransmissão e distribuição de energia elétrica, por concessionários de serviços
públicos de energia elétrica, serão objeto de autorização de órgão público federal, estadual ou
municipal ou entidade competente, sob cuja jurisdição estiver a via a ser ocupada ou
atravessada e do Departamento Nacional de Água e Energia Elétrica – DNAEE. Art. 2º.
Atendidas as exigências legais e regulamentares referentes aos respectivos projetos, as
autorizações serão por prazo indeterminado e sem ônus para os concessionários de serviços
públicos de energia elétrica.”
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de modo mais específico no art. 100 da Lei Geral de Telecomunicações. É
ver:
“Art. 29. Incumbe ao poder concedente:
(...)
IX – declarar de necessidade ou utilidade pública, para fins
de instituição de servidão administrativa, os bens necessários à
execução de serviço ou obra pública, promovendo-a
diretamente ou mediante outorga de poderes à concessionária,
caso em que será desta a responsabilidade pelas indenizações
cabíveis.”
“Art. 100. Poderá ser declarada a utilidade pública, para
fins de desapropriação ou instituição de servidão, de bens
imóveis, necessários à execução do serviço, cabendo à
concessionária a implementação da medida e o pagamento da
indenização e das demais despesas envolvidas.”
O recurso à servidão administrativa para garantir a instalação
da infra-estrutura necessária à atuação dos concessionários de serviços
públicos encontra apoio na doutrina de ADILSON ABREU DALLARI10, JOSÉ
DOS SANTOS CARVALHO FILHO11 e DIÓGENES GASPARINI12, entre outros.
Segundo DIOGENES GASPARINI13:
“Comumente, a Administração Pública (União, Estadomembro, Distrito Federal e Município) vale-se da propriedade
particular, mediante indenização dos efetivos prejuízos que
causa, para sobre ou sob ela estender certos equipamentos
necessários à prestação de comodidades e utilidades aos
administrados. É o que ocorre com a passagem de fios
elétricos, telefônicos, telegráficos e de dutos (aqueduto,
gasoduto) por propriedades particulares ou públicas. Essa
utilização, se impõe ao dominus uma restrição ao uso, não lhe
retira, pelo menos a princípio, a propriedade. Tal restrição
caracteriza-se como um ônus real ou, como querem alguns,
tem a natureza de um ônus real. É a servidão administrativa.
Diante das notas que tracejam seu regime jurídico, pode ser
conceituada como o ônus real de uso imposto pelo Estado à
propriedade particular ou pública, mediante indenização dos
efetivos prejuízos causados, para assegurar o oferecimento de
utilidades e comodidades públicas aos administrados. Seu
fundamento genérico é o art. 170, III, da Lei Maior (função
10
Uso do Espaço Urbano por Concessionárias de Serviços de Telecomunicações, RDA 223, p.
23/52.
11
Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 10ª ed., p. 895/896.
12
Direito Administrativo, São Paulo: Editora Saraiva, 5ª edição, 2000, p. 590.
13
op. cit., p. 590
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10
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social da propriedade), enquanto seu fundamento legal é o art.
40 da lei Geral de Desapropriações. (...)
Algumas vezes as servidões administrativas serão
suportadas pelos particulares ou pelo Poder Público sem
qualquer indenização, dado que sua instituição não lhes causa
qualquer dano, nem lhes impede o uso normal da propriedade,
como ocorre na colocação de placa de denominação de rua ou
de gancho para sustentar fios da rede de energia elétrica do
trolebus em parede de prédio situado em certos cruzamentos,
e com a colocação de postes nas calçadas por concessionários
de serviço público. Se ao contrário, a instituição da servidão
administrativa determinar, por mínimo que seja, um dano, há
que ser o proprietário indenizado. Assim, só se indeniza se e
quando a sua instituição acarretar um efetivo prejuízo ao
particular, que teve a sua propriedade onerada no seu uso com
a instituição de servidão administrativa.
Por outro lado, a indenização não é pela aquisição de
domínio, pois o Poder Público não adquire a propriedade pela
servidão. Sendo assim, é natural que a indenização vise o
ressarcimento do dano causado à propriedade particular. Tal
dano é emergente, embora alguns admitam, se pleiteado e
comprovado, o pagamento de lucros cessantes. Essa obrigação
de indenizar está prescrita no art. 40 da Lei Geral de
Desapropriações. O uso efetivo é, em princípio gratuito, pois a
Administração Pública nada paga mensal, trimestral ou
anualmente pelo uso do bem, como faz na locação, por
exemplo.
(...)
A servidão administrativa é instituída por decreto, embora
nas mais simples não ocorra qualquer manifestação solene da
entidade pública, como é o caso da colocação de placas de
ruas.”
Como visto, a servidão administrativa é espécie de intervenção
do Estado (ou de quem lhe faça as vezes) na propriedade pública ou
privada, por meio da qual se estabelece um ônus real de uso. Pode ser
instituída a título gratuito ou oneroso, sendo indenizável ou não conforme
cause ou não algum prejuízo ao proprietário serviente.
Como
adiantado
por
GASPARINI,
as
servidões
para
a
passagem de fios e a instalação de postes (justamente as hipóteses de
incidência das taxas ou dos preços públicos municipais) não causam dano
algum ao titular do domínio do prédio serviente (in casu, o Município), não
sendo, por isso mesmo, indenizáveis.
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E mais: caso se considerassem indenizáveis aos Municípios as
servidões instituídas em prol das empresas de telecomunicações para a
instalação de seus equipamentos (o que se admite para argumentar),
necessário seria reconhecer os efeitos da indenização sobre o equilíbrio
econômico-financeiro dos contratos de concessão, aptos a determinar
aumento nas tarifas (contra o princípio de sua modicidade; Lei nº 8.87/95,
art. 11). É o que se extrai da Lei nº 8.666/93, bem como do art. 9º, § 4º,
da Lei nº 8.987/95, verbis:
“Art. 9º. A tarifa de serviço público concedido será fixada
pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada
pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no
contrato.
(...)
§ 4º. Em havendo alteração unilateral do contrato que
afete o seu equilíbrio econômico financeiro, o poder concedente
deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração."
Por último, cumpre ressaltar que, embora regra geral a
instituição de servidões deva ser precedida de uma série de formalidades
legais e registrada em cartório, a instituição de servidões mais simples,
como a de passagem de fios e de instalação de postes, dispensa tais
formalidades, em atenção ao princípio da razoabilidade. Ademais, como
ensina MARIA SILVIA ZANELLA DI PIETRO14, quando a utilização recai sobre
bem público, a instituição de servidão administrativa sequer se faz
necessária, eis que a destinação pública é inerente à sua própria natureza.
A título de arremate, confira-se o escólio de CAIO TÁCITO, em
parecer aplicável, mutatis mutandis, à hipótese em exame15:
“Defluem,
claramente,
das
indicadas
disposições
constitucionais, legais e regulamentares, que regem o sistemas
de energia elétrica, os seguintes princípios essenciais:
a) à União – e por via delegada, aos concessionários – é
assegurado o direito à utilização de bem de domínio público
(como são as vias públicas) para instalação de postes como
partes integrantes do sistema de distribuição de energia
elétrica;
14
15
Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos, São Paulo: Malheiros, 2000
Revista de Direito Administrativo nº 211, p. 351/353.
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12
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b) a autorização municipal – expressa ou tácita – não se
faz necessária para cada poste ou instalação específicas, mas
decorre da própria essencialidade e continuidade do serviço
destinado ao atendimento dos usuários;
c) as instalações em causa, embora devam atender aos
regulamentos administrativos, de modo a não impedir ou
perturbar o uso comum, pela população, das vias públicas, não
podem ter sua eficácia obstada ou onerada por ato normativo
municipal;
d) o uso assegurado aos concessionários durante a
concessão, a par da vigência e prazo indeterminado, tem
preservada sua gratuidade, não podendo importar qualquer
ônus para o prestador do serviço concedido, nem, obviamente,
para os consumidores sobre os quais recairia, pela via de
tarifas, o custo do serviço.”
5. A jurisprudência do STJ na matéria.
O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de se
manifestar sobre o tema em discussão, tendo declarado a impossibilidade
de cobrança de taxa, preço ou qualquer espécie de remuneração pelo uso e
ocupação do solo por concessionárias de serviços públicos. Vejam-se os
precedentes:
“TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. TAXA DE OCUPAÇÃO
DO SOLO. PAGAMENTO POR EMPRESA EXPLORADORA DA
COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. UTILIZAÇÃO DE
ÁREA SITUADA NO SOLO OU SUBSOLO ABRANGIDOS POR
LOGRADOUROS PÚBLICOS. MANDADO DE SEGURANÇA.
ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL A QUO. FATO GERADOR DA
COBRANÇA DE NATUREZA ADMINISTRATIVA. DENEGAÇÃO DA
SEGURANÇA. RECURSO ORDINÁRIO. NATUREZA TRIBUTÁRIA
DA EXAÇÃO INSTITUÍDA COMO TAXA. ILEGITIMIDADE.
PROVIMENTO DO RECURSO.
I – A União, os Estados e o Distrito Federal e os Municípios,
poderão instituir ‘taxas, em razão do exercício do poder de
polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços
públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou
postos a sua disposição’ (arts. 145, II, da CF e 77 do CTN).
II – É ilegítima a cobrança de taxa instituída em lei
municipal, para incidir na ocupação do solo pelas empresas
dedicadas à comercialização de energia elétrica, se não
restaram observados os pressupostos constitucionais e legais
para configuração do fato gerador desta espécie de tributo.
Precedente jurisprudencial.
III – Recurso ordinário provido.” (STJ, 1ª Turma, ROMS nº
11910/SE, Rel. Min. GARCIA VIEIRA, DJ 03.06.2002, p. 142)
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13
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“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
UTILIZAÇÃO DE SOLO URBANO. INSTALAÇÃO DE POSTES DE
SUSTENTAÇÃO DA REDE DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA
ELÉTRICA. INSTITUIÇÃO DE TAXA DE LICENÇA PARA
PUBLICIDADE E PELA EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADE EM
LOGRADOUROS PÚBLICOS. ART. 155, §3º, DA CF/88.
IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE.
1. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança interposto
contra v. acórdão que denegou segurança ao entendimento de
ser constitucional a cobrança, por parte do Município recorrido,
da taxa de exploração de logradouro público sobre a utilização
do solo urbano por equipamentos destinados à transmissão e
distribuição de energia elétrica para atendimento da rede
pública.
2. ‘A intitulada ‘taxa’, cobrada pela colocação de postes de
iluminação em vias públicas não pode ser considerada como de
natureza tributária porque não há serviço algum do Município,
nem o exercício do poder de polícia. Só se justificaria a
cobrança como preço se se tratasse de remuneração por um
serviço público de natureza comercial ou industrial, o que não
ocorre na espécie. Não sendo taxa ou preço, temos a cobrança
pela utilização das vias públicas, utilização esta que se reveste
em favor da coletividade.’ (RMS nº 12081/SE, 2ª Turma, Rel.
Min. Eliana Calmon, DJ de 10/09/2001)
3. É ilegítima a instituição de mais um tributo sobre o
fornecimento de energia elétrica, além dos constantes do art.
155, § 3º, da CF/88.
4. Recurso provido.” (STJ, 1ª Turma, ROMS nº 12258/SE,
Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ 05.08.2002, p. 202)
Do voto da Min. ELIANA CALMON no ROMS nº 12.081/SE,
citado no acórdão supra, vale transcrever as seguintes passagens:
“O entendimento do Tribunal ‘a quo’ direcionou-se no
sentido de considerar a exação como sendo de natureza
administrativa, enquanto a impetrante afirma o seu caráter
tributário.
Vejamos, a partir do conceito de taxa, na sua acepção
jurídica, identificando este tipo de tributo como sendo da
espécie contraprestacional, pois corresponde a um serviço
prestado pelo Estado, estando a ele vinculada a arrecadação.
(...)
Na espécie de que cuidam os autos, não há serviço algum
prestado pelo Município, nem o exercício do poder de polícia, o
que descarta a idéia de que se trata de uma taxa, muito
embora assim tenha sido nominada.
A cobrança pela utilização de postes pela companhia de
energia elétrica, para o Tribunal de Justiça, é uma espécie de
aluguel pelo uso do solo e, como tal, situa-se no terreno do
direito administrativo, constituindo-se em uma espécie de
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servidão, eis que se insurge no campo da tolerância do
proprietário pela limitação que passa a sofrer em razão do
encargo a suportar, levando a uma limitação das faculdades
inerentes ao direito de propriedade.
Ocorre que as vias públicas, bens de uso comum do povo,
não podem ser negociadas pela sua utilização, quando a
mesma se dirige ao atendimento de um serviço de utilidade
pública.
(...)
Temos, com nitidez de entendimento, que o Município, ao
ceder o espaço aéreo e o solo para a instalação de postes e
passagem de linhas transmissoras de energia elétrica, não
estaria desenvolvendo atividade comercial ou industrial, o que
também tira de foco a natureza administrativa da cobrança,
nos moldes que lhe deu o TJ/SE.”
Em recente julgamento, a 2ª Turma do STJ deixou assentado:
“TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. USO DO SOLO
MUNICIPAL PARA SERVIÇO DE UTILIDADE PÚBLICA –
COBRANÇA.
1. Não pode o município cobrar pelo uso do solo, e o
serviço se destina à comunidade municipal.
2. Sem ser taxa (porque inexiste serviço prestado pelo
Município) e sem ser contraprestação pela utilização do solo,
caracteriza-se como cobrança de um bem público.
3. Ilegalidade da cobrança.
4. Recurso provido em parte.” (ROMS n° 11.412/SE, 2ª
Turma, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJ de 12/08/2002)
Do voto proferido pela Min. ELIANA CALMON extrai-se:
“Temos, na espécie, uma cobrança mensal pela passagem
de condutores hidráulicos, a qual deve ser solucionada à luz do
Direito Administrativo.
Não se trata de aluguel, por não ser possível a devolução
do bem locado. Temos em verdade uma servidão de passagem,
em que o proprietário decidiu, após vinte anos, cobrar pelo
encargo, o que me parece ilegal, se considerada a destinação
dos condutores suportados pela propriedade pública municipal:
serviço de utilidade pública.
Com efeito, subsolo é bem de uso dominial. Ademais, não
pode ser fonte de receita visto advir de serviço essencial à
saúde da população.”
Confira-se ainda o voto proferido pelo Min. FRANCIULLI
NETTO:
“Analisada a questão nos devidos termos, exsurge, pois, a
flagrante ilegalidade da cobrança.
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Pretende o Município de Lagarto a cobrança pelo uso do
solo, das ruas, das praças, dos jardins, pela passagem e
instalação de tubulações de água e esgoto.
Ora, tais bens, são denominados pela doutrina de ‘bens de
uso comum do povo’ e que, juntamente como os ‘bens de uso
especial’, constituem os chamados ‘bens de domínio público do
Estado’ e estão fora do comércio, pois, destinados ao uso
coletivo ou ao uso próprio do Poder Público para a prestação de
serviços públicos.
(...)
Conclui-se, dessarte, que não é possível ao Município
auferir receita pelo uso de bem do domínio público para a
execução de serviço público essencial.”
Como fica claro, a questão está pacificada nas duas Turmas
de Direito Público do STJ, o que decerto constitui um forte argumento a
mais para a inexigibilidade de qualquer contraprestação pelos Municípios
pela utilização, por parte das concessionárias dos serviços públicos de
telecomunicações, de área urbana (solo, subsolo ou espaço aéreo) para a
instalação dos equipamentos necessários à realização de suas atividades, de
resto
qualificadas
como
essenciais
e
submetidas
aos
princípios
da
continuidade, da universalidade, da adequação e da modicidade das tarifas.
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