As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen

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Revista HISTEDBR On-line
Resenha
Resenha do livro:
Löwy, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen. 5 ed. São
Paulo: Cortez, 1994
Resenha por Ivo Zanella
Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Estadual de Ponta Grossa-PR
A presente obra trata de ideologia, isto é, do maior problema com que se defrontam os
autores que se dedicam às questões da sociologia do conhecimento.
O autor, Michel Löwy começa por examinar, pacientemente, os esforços de autores como
Condorcet, iluminista, o socialista utópico Saint-Simon, o filósofo Augusto Comte e o sociólogo
Émile Durkheim no sentido de explicar as relações entre a busca do conhecimento e a defesa de
interesses particulares, entre os seres humanos. Depois, o autor analisa algumas características
das diversas linhas de pensamento adotadas em relação à ideologia por Karl Popper, por Max
Weber, por Karl Manheim e pelos representantes do Stalinismo.
Para Michael Löwy, todos estes teóricos são fundamentalmente positivistas: eles tentam
fundar a sociologia do conhecimento sobre fatos e dados, pretendem lidar com realidades
humanas com a mesma isenção e a mesma objetividade com que observariam coisas, ou então se
dispõe a exorcizar os juízos de valor no exame de questões em face das quais nunca podemos ser
neutros. Michael compara os artifícios usados pelos positivistas para saírem dos impasses
teóricos em que se vêem com o expediente a que recorreu o protagonista de uma velha estória:
atolado num pântano, com seu cavalo, e vendo que não contava com a ajuda de ninguém para
salvá-lo, o Barão de Münchhausen agarrou seus próprios cabelos e, por meio deles, puxou-se
para cima, saiu da lama, trazendo também seu cavalo, entre as pernas, tirando-o do atoleiro.
Rejeitando as ilusões dos positivistas, os Marxistas não conseguiram adotar e
desenvolver, juntos, uma mesma concepção de ideologia. Esta obra reconstitui as alternativas
desse conceito nas versões diferentes que lhe dão Marx e Lenin, bem como nos esforços que
marcam as reflexões de Lukács, Gramsci, Marcuse, Adorno e Horkheimer, entre outros.
Profundamente familiarizado com o pensamento desses intelectuais, Michael Löwy
promove um confronto das posições diversas que eles assumem em face dos fenômenos
ideológicos. Reconhecendo a necessidade histórica de diversidade de pontos de vista, ele
ressalva, contudo, que alguns são mais abrangentes do que outros e portanto são mais favoráveis
à conquista de um conhecimento mais completo, mais verdadeiro. Do ângulo do proletariado, é
possível enxergar mais longe do que do ângulo da burguesia. Mas - adverte sabiamente - o ponto
de vista do proletariado não é o monopólio exclusivo de um único grupo ou corrente; ele
depende de uma busca que explora as riquezas de diversos caminhos e representa, em cada
momento histórico, o horizonte comum a um conjunto de forças políticas e intelectuais, sociais e
culturais, que reivindicam a visão proletária e assumem o projeto revolucionário socialista.
O Positivismo em sua figuração ideal está fundamentado nas seguintes premissas básicas:
1- A sociedade é regida por leis naturais e invariáveis, ou seja, independentes da vontade
e da ação humanas; na vida social, reina uma harmonia natural.
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2- A sociedade pode, portanto, ser epistemologicamente assimilada pela natureza, e ser
estudada pelos mesmos métodos, démarches e processos empregados pelas ciências da natureza.
3- As ciências da sociedade, assim como as da natureza, devem limitar-se à observação e
à explicação causal dos fenômenos, de forma objetiva, neutra, livre de julgamentos de valor ou
ideologias, descartando previamente todas as pré-noções e preconceitos.
O autor insiste na questão classes, onde cada indivíduo está inserido num grupo no qual
age manifestando-se e no qual se identifica.
O axioma da neutralidade valorativa das ciências sociais conduz, logicamente, o
positivismo, a negar o condicionamento histórico-social do conhecimento. A própria questão da
relação entre conhecimento científico e classes sociais geralmente não é colocada: é uma
problemática que foge ao campo conceitual e teórico do positivismo, fazendo com que este seja
contraditório à uma sociologia do conhecimento.
Os ideais naturais do positivismo têm sua origem no combate intelectual do Terceiro
Estado contra a ordem feudal-absolutista. Já o positivismo moderno nasceu como um legítimo
descendente da filosofia do Iluminismo. Condorcet, ao defender o positivismo, tinha como
objetivo confesso o de emancipar o conhecimento social dos "interesses e paixões" das classes
dominantes. Também Saint-Simon defendia a idéia de que " A própria política se tornará uma
ciência positiva quando os que cultivam este importante ramo dos conhecimentos humanos
aprenderem a fisiologia e quando eles não mais considerarem os problemas a resolver apenas
como questões de higiene".
Augusto Comte é considerado o fundador do positivismo exatamente por ter inaugurado a
transmutação da visão de mundo positivista em ideologia, ou seja, em sistema conceitual e
axiológico que tende à defesa da ordem estabelecida. Dizia ele: "O positivismo tende
poderosamente, por sua natureza, a consolidar a ordem pública, através do desenvolvimento de
uma sábia resignação ..."
Durkheim, entretanto, é quem deve ser considerado o pai da sociologia positivista
enquanto disciplina científica, já que em sua obra encontram-se diversos estudos sociais
concretos, que não se podiam ver nas obras de seu antecessor e fundador do positivismo.
Durkheim, assim com Comte, estava consciente do caráter profundamenrte contra-revolucionário
de seu método positivista e de seu naturalismo sociológico.
Apesar de seu caráter extremamente fora da realidade, deve-se elogiar a busca do
positivismo pela intenção de verdade, apesar da impraticidade e inveracidade dos argumentos
dispostos por seus autores.
Já Max Weber não deveria ser enquadrado como um sociólogo positivista. Suas
concepções são bastante distantes deste, e muitas vezes o contradizem. Porém, em relação a um
ponto, sua teoria é coincidente à dos positivistas: o postulado da neutralidade axiológica das
ciências sociais. Além disso, segue-se a esta premissa um imperativo categórico para os
pesquisadores científicos: a separação total e rigorosa entre fatos e valores, constatações e
julgamentos. Vale destacar, porém, que o próprio Weber em alguns momentos reconheceu que
os valores interferem no conteúdo da pesquisa e em seus resultados, negando a sua própria
concepção inicial.
Ele reconhece o caráter necessário, inevitável e cientificamente indispensável dos
pressupostos ou pontos de vista preliminares: "Uma ciência não é somente um conjunto de
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fatos.(..) Ela depende dos interesses do colecionador e de seus pontos de vista". Porém, mais
tarde, ele acaba se revelando num aspecto essencial e decisivo, que é a recusa de distinguir as
ciências sociais das ciências naturais (em relação à objetividade). Na verdade, a idéia de uma
objetividade e autonomia do universo das obras culturais e do conhecimento em particular é de
todo pertinente, mas ela não permite, contrariamente ao que pretende Popper, esvaziar a questão
das condições de possibilidade do conhecimento objetivo da sociedade e das determinações
sociais de sua produção.
É a corrente que dominou o pensamento alemão durante um século e meio e do qual
proveio a sociologia do conhecimento. Suas idéias principais são:
1- Todo fenômeno cultural, social ou político é histórico e não pode ser compreendido
senão através de sua historicidade.
2- Existem diferenças fundamentais entre os fatos naturais e os fatos históricos e,
consequentemente, entre as ciências que os estudam.
3- Não somente o objeto da pesquisa está imerso no fluxo da história, mas também o
sujeito, o próprio pesquisador, sua perspectiva, seu método, seu ponto de vista.
O historicismo moderno surgiu no fim do século XVIII- início do século XIX, sobretudo
na Alemanha, como uma reação conservadora à filosofia do Iluminismo, à Revolução Francesa e
à ocupação napoleônica. Sua base social é composta do conjunto das camadas vinculadas a um
modo de vida pré-capitalista e visceralmente hostis à sociedade burguesa em gestação. Portanto,
Historicismo e Conservadorismo aparecem como dois espelhos que se refletem, se confirmam e
se reforçam reciprocamente.
Perto do final do século XIX, o historicismo alemão começa a mudar de caráter: o próprio
ponto de vista conservador aparece como historicamente superado. Em nome da história, não se
pode mais defender as leis feudais tradicionais, o direito local consuetudinário, as virtudes
aristocráticas, já que a própria história os condenou a desaparecer. O historicismo tende,
portanto, a se redefinir e a se transformar em um questionamento de todas as instituições sociais
e formas de pensamento como historicamente relativas: ele deixa assim de ser conservador para
se tornar relativista, tendo esta corrente como principais representantes Dilthey e Simmel.
Com a obra de Karl Mannheim, o historicismo relativista se desenvolve e se
metamorfoseia mais uma vez: sua nova imagem é a de uma sociologia histórica do conhecimento
(com tonalidades marxistas) à procura de um fundamento social para a solução eclética
tradicional. Para Mannheim, a formação e evolução do conjunto dos grupos sociais estão
fundamentadas nas relações de produção e dominação. Mais tarde, com o crescimento do
relativismo, Mannheim disse que este deveria abrir o caminho a uma auto-consciência crítica
científica, fundamento de uma nova objetividade, caindo assim no panorama da busca pela
racionalidade.
O Marxismo foi a primeira corrente a colocar o problema do condicionamento histórico e
social do pensamento e a desmascarar as ideologias de classe por detrás do discurso
pretensamente neutro e objetivo dos economistas e outros cientistas sociais.
Enquanto visão do mundo, o Marxismo é uma utopia revolucionária, no sentido de
aspirar a um estado de coisas ainda inexistente. Porém, nos Estados pós capitalistas ele pode
assumir um caráter ideológico ( o Estalinismo, por exemplo)
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Ideologia: As formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em suma, as
formas ideológicas sob as quais os homens tomam consciência deste conflito e o levam até o fim.
Segundo Marx, é a classe social que cria e forma as visões sociais de mundo. A visão
social de mundo (ideológica ou utópica) com seus diversos componentes corresponde não
somente aos interesses materiais de classe mas também à sua situação social.
Já os intelectuais são relativamente autônomos em relação à classe. Eles podem ser
separados dela por um abismo social e cultural; sua situação pessoal não deve ser de todo
necessariamente a mesma que aquela da classe que ele representa. O que os faz representantes
dessa classe é a ideologia (utopia) que eles produzem.
O que define uma ideologia (ou utopia) não é esta ou aquela idéia isolada, tomada em si
própria, este ou aquele conteúdo doutrinário, mas uma certa forma de pensar, uma certa
problemática, um certo horizonte intelectual (limites da razão). De outro lado, a ideologia não é
necessariamente uma mentira deliberada; ela pode comportar uma parte importante de ilusões e
de auto-ilusões.
Para Marx, o caráter de classe de um escrito de economia política não é, em si, uma
indicação suficiente de seu valor, ou de sua ausência de valor, científico. A obra de um
economista pode ser fundamentada sobre certas pressuposições ideológicas burguesas e ter,
contudo, uma grande importância científica.
Os clássicos (Smith, Ricardo), por exemplo, procuravam descobrir a conexão interna das
relações de produção burguesa, podendo, em certa medida, perceber a realidade por detrás das
aparências. Por outro lado, os clássicos reconhecem e exprimem as contradições da realidade;
sua teoria se desenvolve no meio da dialética e isso lhes permite compreender, até um certo
ponto, o processo real.
Os vulgares (Malthus, entre outros) ficaram ao nível da aparência, da superfície imediata
das coisas, tese que corresponde evidentemente aos interesses das classes dominantes.
Além disso, os clássicos produziram a ciência por interesse científico, ainda que tivessem
cometido erros; os vulgares procuraram acomodar a ciência aos interesses que lhe eram
estranhos e exteriores, agindo de má-fé
A oposição entre ciência imparcial, desinteressada e ciência (ou pseudociência) submissa
a interesses exteriores é também bastante próxima da concepção positivista da objetividade
científica.
Não é senão por uma análise sócio histórica, em termos de classes sociais, que se pode
compreender a evolução de uma ciência social, seus avanços ou recuos do ponto de vista
científico. A história da ciência não pode ser separada da história em geral, da história da luta de
classes em particular.
O Poder da ideologia positivista era tal no fim do Século XIX e início do século XX, que
acabou por penetrar também, e muito profundamente, na doutrina do movimento operário
socialista à época da Segunda Internacional. Apareceram neste período concepções que visavam
fazer do Marxismo uma teoria puramente científica, que escaparia às determinações sociais e às
ideologias. Destacam-se neste sentido as teorias de Bernstein, Enrico Ferri, Kautsky, entre
outros. Neste período de comunhão de idéias adversas, somente as correntes de esquerda
revolucionária ( e em particular Rosa Luxemburgo ) escapariam da influência positivista.
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O termo Marxismo historicista designa uma corrente metodológica no seio do
pensamento marxista que se distingue pela importância central atribuída à historicidade
(dialeticamente concebida) dos fatos sociais e pela disposição em aplicar o materialismo
histórico a si mesma. Reconhecendo explicitamente o laço epistemológico entre o Marxismo e o
ponto de vista de uma classe social determinada, esta corrente pôde, ao contrário do Marxismopositivismo, enfrentar o princípio da carruagem e dar ao materialismo histórico sua coerência de
concepção global que não admite exceções e que não hesita em dar conta de suas próprias
determinações histórico-sociais. Os principais representantes desta corrente foram Lukács,
Korsch, Gramsci e Goldmann, destacando-se Lukács, com sua visão de que o conhecimento está
diretamente ligado à postura de classe e de que o ponto de vista do proletariado é o mais objetivo
e cientificamente elevado, por ser esta classe sujeito e objeto do conhecimento, e Gramsci, com
sua conceituação e previsão de uma maior objetividade em uma futura sociedade sem classes.
A corrente historicista é sem dúvida a que produziu idéias mais férteis e profundas para
uma solução dialética dos problemas sociais, porém ela em muitos momentos caiu em uma
tentação reducionista, faltando uma articulação precisa e sem equívoco entre o condicionamento
social do pensamento e a autonomia da prática científica.
A Escola de Frankfurt, com sua Teoria Crítica, foi uma das linhas de pensamento não
atingidas pelo positivismo. Ela é particularmente radical na recusa da doutrina positivista de uma
ciência social "sem pressuposições", "livre de julgamentos de valor" ou "axiologicamente
neutra", que pretende se limitar à coleta e classificação de fatos puramente empíricos, como se a
seleção dos fatos e sua reconstrução teórica não implicasse necessariamente certas
pressuposições e uma certa orientação. A Teoria Crítica proclama aberta e orgulhosamente seu
engajamento em defesa de certos valores, seu caráter partidário, sua adesão a certas
pressuposições e valores, e pensa escapar assim aos dilemas do relativismo. Seus principais
autores foram Horkheimer e Marcuse no curso dos anos 30 e Adorno no pós-guerra.
O stalinismo foi a formação na URSS de uma camada social burocrática, proveniente do
proletariado e/ou do movimento operário russo, que se formou como uma categoria separada
com interesses e práticas sociais distintas, liderada por Joseph Stalin. Tendia a uma
instrumentalização radical da ciência, uma tendência à sua ideologização total e, portanto, à
abolição de sua autonomia relativa.
Com o stalinismo surgiu ainda uma tentativa de ideologização das próprias ciências da
natureza. Enquanto o positivismo queria "neutralizar" as ciências sociais e políticas, o stalinismo
pretendia "politizar" as ciências da natureza; os dois tinham em comum a incompreensão da
especificidade das ciências humanas e de sua distinção metodológica com relação às ciências
naturais.
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