Rev Bras Cardiol. 2012;25(6):504-506 novembro/dezembro Baltieri et al. Eletroestimulação na Paralisia Diafragmática Relato de Caso Estimulação Diafragmática Elétrica Transcutânea na Paralisia Diafragmática após Cirurgia Cardíaca Transcutaneous Electrical Diaphragmatic Stimulation in Diaphragmatic Paralysis after Cardiac Surgery Relato de Caso 4 Letícia Baltieri, Laisa Antonela dos Santos, Elisane Pessotti, Eli Maria Pazzianotto Forti Resumo Abstract Relata-se o caso de paciente mulher, 37 anos, com paralisia diafragmática (PD) após cirurgia cardíaca (CC) que realizou fisioterapia respiratória após a alta e, devido à dispneia, recebeu estimulação diafragmática elétrica transcutânea (EDET). Foram avaliados: volume corrente (VC), volume minuto (VM), frequência respiratória (FR), pressão inspiratória máxima (PImáx), pressão expiratória máxima (PEmáx) e radiografia torácica (RT), sendo possível observar a influência da EDET na função pulmonar em paciente com PD. Houve aumento do VC, PImáx e PEmáx; diminuição da FR e VM. A RT mostrou resolução parcial da PD¸ o que confirma a eficácia da EDET na restauração da força e volumes pulmonares frente à PD após CC. The case study reports on a woman, 37, with diaphragmatic paralysis (DP) after cardiac surgery (CS) who underwent physiotherapy after discharge because of dyspnea and received transcutaneous electrical diaphragmatic stimulation (TEDS). The following were evaluated: tidal volume (TV), minute volume (MV), respiratory rate (RR), maximal inspiratory pressure (MIP), maximal expiratory pressure (MEP) and chest radiography (CR). There was an increase in the TV, MIP and MEP, with a decrease in the RR and MV. The CR showed partial resolution of the DP, which confirms the efficacy of TEDS for restoring lung strength and volumes when DP is present after CS. Palavras-chave: Revascularização miocárdica; Insuficiência respiratória; Cuidados pós-operatórios; Modalidades de fisioterapia Keywords: Myocardial revascularization; Respiratory insufficiency; Postoperative care; Physical therapy modalities Introdução A literatura referente à paralisia diafragmática (PD) resume-se a relatos de casos por ter baixa incidência, porém representa risco para o desenvolvimento de insuficiência respiratória3 e, portanto, faz-se necessário o conhecimento de técnicas eficazes para a sua reversão. Diversos estudos relatam importante prevalência de complicações pulmonares no pós-operatório de cirurgia cardíaca 1; dentre elas, as disfunções da musculatura diafragmática. Uma das causas de insuficiência respiratória é atribuída à lesão do nervo frênico que pode ocorrer por resfriamento durante dissecção da artéria torácica interna esquerda ou durante a incisão no pericárdio2. Dentre as condutas fisioterapêuticas, tem sido foco de atenção a estimulação diafragmática elétrica transcutânea (EDET) para melhorar a disfunção diafragmática após a cirurgia cardíaca4. Programa de pós-graduação (Mestrado) em Fisioterapia - Faculdade de Ciências da Saúde - Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) - Piracicaba, SP - Brasil Correspondência: Eli Maria Pazzianotto Forti E-mail: [email protected] Rodovia do Açúcar, km 156 - 13400 911 - Piracicaba, SP - Brasil Recebido em: 21/08/2012 | Aceito em: 16/10/2012 504 Baltieri et al. Eletroestimulação na Paralisia Diafragmática Relato de Caso Este caso relatado permitiu observar a influência da EDET sobre os volumes e capacidades pulmonares, pico de fluxo expiratório e força muscular respiratória de paciente com PD após revascularização do miocárdio. Relato do Caso Paciente feminina, 37 anos, foi admitida em hospital no interior de São Paulo para revascularização do miocárdio. Realizada sem intercorrências por esternotomia com circulação extracorpórea (CEC=62min) e cardioplegia. Realizada ponte de artéria torácica interna esquerda para artéria coronária marginal e ponte de artéria torácica interna direita para artéria coronária descendente anterior. Admitida na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) hemodinamicamente estável em uso de drogas vasoativas, suporte ventilatório e dreno de mediastino. Foi extubada após 9 horas da admissão na unidade e recebeu alta no terceiro dia pós-operatório. A radiografia de tórax após a extubação mostrava elevação da cúpula diafragmática direita, sendo diagnosticada PD. Durante internação na UTI recebeu protocolo de atendimento da fisioterapia, constando de manobras de higiene brônquica e reexpansão pulmonar, exercícios de respiração profunda, uso de incentivadores respiratórios e fisioterapia motora e, já na enfermaria, o acréscimo da deambulação assistida. Recebeu alta hospitalar no décimo dia pós-operatório. No retorno ambulatorial, após sete dias, queixava-se de cansaço às atividades diárias e dispneia, sendo realizadas mais 30 sessões de fisioterapia durante seis semanas. Após as 30 sessões, não houve melhora sintomática e na radiografia de tórax permanecia a imagem anterior. Rev Bras Cardiol. 2012;25(6):504-506 novembro/dezembro Optou-se então pela estimulação diafragmática elétrica transcutânea (EDET). Para a realização da EDET utilizou-se o equipamento Phrenix Dualpex® (Piracicaba, SP, Brasil) com frequência de pulso de 30 Hz; frequência respiratória de 14 rpm; tempo de subida de 0,7s; largura de pulso de 1,2ms e intensidade suficiente para promover contração palpável do diafragma. Utilizados dois pares de eletrodos, posicionando-se um par na região paraesternal, ao lado do processo xifoide, e outro par no 6º e 7º espaços intercostais, nas linhas axilares anterior direita e esquerda. A EDET foi realizada por 30min em cada sessão, sendo cinco dias durante duas semanas, totalizando 10 sessões. As avaliações foram realizadas antes do início do tratamento, após cinco sessões e ao final das 10 sessões, medindo: a. Volumes e capacidades pulmonares: utilizado um ventilômetro (OHMEDA Respirometer® RM121, Tóquio, Japão) e medidos: capacidade vital (CV), capacidade inspiratória (CI), frequência respiratória (FR) e volume minuto (VM), sendo possível calcular o volume corrente (VC). b. Pico de fluxo expiratório (PFE): realizado com Peak Flow (Assess Respironics®, Cedar Grove, EUA). Com uso do clipe nasal solicitou-se inspiração máxima seguida de expiração forçada, e escolhida a maior de três medidas satisfatórias. c. Força muscular respiratória (FMR): realizada com manovacuômetro analógico (GER-AR, São Paulo, Brasil). A pressão inspiratória máxima (PImáx) foi medida a partir do volume residual, e a pressão expiratória máxima (PEmáx) medida a partir da capacidade pulmonar total. Após três esforços satisfatórios, escolheu-se o maior valor. Os dados obtidos nas avaliações estão descritos na Tabela 1. Tabela 1 Valores obtidos das três avaliações realizadas Avaliação inicial Após 5 sessões Após 10 sessões VC (ml) 410540670 VM (l) 9,43 9,310 6,64 CV (l) 1,32 1,500 1,6 CI (l) 1,13 1,410 1,5 FR (rpm) 221616 PFE (l/min) 200200200 PImáx (cmH2O) -60-70-80 PEmáx (cmH2O)40 80 120 VC=volume corrente; VM=volume minuto; CV=capacidade vital; CI=capacidade inspiratória; FR=frequência respiratória; PFE=pico de fluxo expiratório; PImáx=pressão inspiratória máxima; PEmáx=pressão expiratória máxima 505 Rev Bras Cardiol. 2012;25(6):504-506 novembro/dezembro Nota-se aumento gradual do VC, CV, CI e FMR. Notase também diminuição gradual do VM e da FR, e manutenção do PFE. Após o término das sessões de EDET, a paciente referiu melhora importante da dispneia para a realização das atividades diárias. Ao exame radiológico final, pode-se observar resolução parcial da PD após 10 semanas, evidenciada pela melhora do posicionamento da cúpula diafragmática direita. Discussão Segundo DeVita et al.5 a incidência de neuropatia frênica está em torno de 26% após a revascularização do miocárdio. Antigamente era comum o uso do resfriamento cardíaco para a diminuição do metabolismo, porém era causa de maior incidência de PD. Atualmente o uso da solução cardioplégica se mostrou superior ao resfriamento cardíaco referente à incidência de lesão frênica 6. O fato de ainda se encontrar PD pode ser explicado pela manipulação cirúrgica, causando uma inibição reflexa do nervo frênico e paralisação7. O diagnóstico da PD se dá pela radiografia do tórax2, quando o diafragma paralisado exibe uma cúpula mais elevada. Juntamente com a PD geralmente ocorrem atelectasias7, fraqueza muscular8 e ortopneia9. Devido ao risco de insuficiência respiratória se faz necessário o conhecimento de técnicas eficazes no tratamento do diafragma paralisado. Dentre as técnicas recentemente estudadas está a aplicação de corrente elétrica que estimula a contração muscular. Estudos evidenciam a segurança da aplicação da EDET não havendo repercussão no ritmo cardíaco10. A aplicação da EDET atua melhorando as reservas energéticas musculares e a atividade contrátil4. A melhora contrátil do diafragma pode explicar o aumento gradual da FMR, o aumento do VC, o aumento da CV e CI encontrados no presente caso. A diminuição da FR pode ser explicada pelo aumento no VC, possibilitando a manutenção de um VM adequado. A aplicação da EDET promoveu aumento nos volumes e capacidades pulmonares e na FMR de paciente com PD após revascularização miocárdica, confirmando que a EDET foi um recurso efetivo da fisioterapia na restauração da força e dos volumes pulmonares frente a lesão frênica decorrente da cirurgia cardíaca. 506 Baltieri et al. Eletroestimulação na Paralisia Diafragmática Relato de Caso Sugere-se a realização de ensaios clínicos para melhor comprovação destes achados. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Acadêmica O presente estudo está vinculado ao Programa de Mestrado em Fisioterapia da Universidade Metodista de Piracicaba. Referências 1. Almeida FF, Barreto SM, Couto BR, Starling CE. Fatores preditores da mortalidade hospitalar e de complicações per-operatórias graves em cirurgia de revascularização do miocárdio. Arq Bras Cardiol. 2003;80(1):51-60, 41-50. 2. Bianco ACM. Insuficiência respiratória no pós-operatório de cirurgia cardíaca. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2001;11(5):927-40. 3. Kössler W, Valipour A, Feldner-Busztin M, Wanke T, Zifko U, Zwick H, et al. Spontaneous bilateral diaphragmatic paralysis: a rare cause of respiratory failure. Wien Klin Wochenschr. 2004;116(15-16):565-7. 4. Cancelliero KM, Costa D, Silva CA. Estimulação diafragmática elétrica transcutânea melhora as condições metabólicas dos músculos respiratórios de ratos. Rev Bras Fisioter. 2006;10(1):59-65. 5. DeVita MA, Robinson LR, Rehder J, Hattler B, Cohen C. Incidence and natural history of phrenic neuropathy occurring during open heart surgery. Chest. 1993;103(3):850-6. 6. Nikas DJ, Ramadan FM, Elefteriades JA. Topical hypothermia: ineffective and deleterious as adjunct to cardioplegia for myocardial protection. Ann Thorac Surg. 1998;65(1):28-31. 7. Roberts HC. Imaging the diaphragm. Thorac Surg Clin. 2009;19(4):431-50. 8. Mier A, Brophy C, Moxham J, Green M. Phrenic nerve stimulation in normal subjects and in patients with diaphragmatic weakness. Thorax. 1987;42(11):885-8. 9. Pereira MC, Mussi RFM, Massucio RAC, Camino AM, Barbeiro AS, Villalba WO, et al. Paresia diafragmática bilateral idiopática. J Bras Pneumol. 2006;32(5):481-5. 10.Costa D, Cancelliero KM, Marcondes FK, Silva CA. Electrocardiographic and atrial sensibility analysis in rats treated with transcutaneous electrical diaphragmatic stimulation. J Chin Clin Med. 2007;2(8):421-7.