A dívida grega e o novo imperialismo financeiro1

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Publicado em 2 016/08/24, em : http://www.counterpunch.org/2016/08/24/greek -debt-and-the-new-financialim perialism/
Tradução do inglês de TAM
Colocado em linha em: 2016/09/26
A dívida grega e o novo imperialismo financeiro1
Jack Rasmus *
Esta semana marca o primeiro aniversário da crise da dívida grega de 2015, a terceira
na história recente do país desde 2010. Nos dias 20-21 de agosto de 2015, a troika –
isto é, as instituições pan-europeias: a Comissão Europeia (CE), o Banco Central
Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) – impôs um terceiro
acordo de dívida à Grécia. A Grécia recebeu 98 mil milhões de dólares de
empréstimos da troika. Anteriormente, em 2012, a troika impôs um tratado de dívida
que acrescentou cerca de 200 mil milhões de dólares a um acordo de dívida inicial, de
2010, de 140 mil milhões de dólares.
Trata-se, aproximadamente, de 440 mil milhões de dólares de empréstimos da
troika, num período de cerca de cinco anos, 2010-2015. A questão é: quem beneficia
com os 440 mil milhões de dólares? Não é a Grécia. Se não é a economia grega e o seu
povo, então quem é? Foi esta a última crise grega de dívida?
Poder-se-ia pensar que 440 mil milhões de dólares emprestados teriam ajudado a
Grécia a recuperar da recessão global de 2008-2009, da segunda recessão europeia
de 2011-13 que se lhe seguiu, e da estagnação do crescimento em toda a Europa desde
1
Neste trabalho estão a ser utilizados conceitos e feitas afirmações que não correspondem ao conceit o
marx ista-leninista de “imperialismo”, o que não significa que, apesar da forma imprecisa e errónea, o
tex to não se esforce para refletir a nova realidade.
É indubitável que o imperialismo está a ex ibir novas manifestações que necessita m s e r e s t ud a da s ,
mas não se pode afirmar que haja modificações da natureza intrínseca do im p e ria lism o e n qu a n to
categoria económica e social investigada por Lénine. Uma coisa é dizer q u e o im p e ria lis mo e s t á a
adquirir novas características, outra é dizer que há um imperialismo de “novo tip o ”, fin a n c eir o, s e
por isso se entender uma categoria diferente. Quando o capitalismo ev oluiu para a sua fase
imperialista, o lado financeiro e o papel da banca já integrav a a categoria, assim como o papel do
Estado no fav orecimento da constituição dos monopólios (capitali smo monopolis ta d e Es t a d o ) e a
submissão de Estados mais fracos a Estados mais fortes.
O que se pode afirmar é que o capitalismo monopolista de Estado se aprofundou e alargou no sentido
da ainda maior intervenção dos Estados ao serviço dos monopólios e qu e se instituíram organizações
supraestatais internacionais, como a UE, também instrumentos desse domínio. Assim send o, não fa z
sentido falar-se em “neoliberalismo”. – [NE]
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então para cá. Mas não, os 440 mil milhões de dólares da dívida que a troika pilhou
na Grécia, na realidade empobreceram a Grécia ainda mais, condenando-a a oito
anos de depressão económica sem fim à vista.
Para pagar os 440 mil milhões de dólares, em três sucessivos acordos de dívida, a
troika exigiu à Grécia que cortasse as despesas do governo em serviços sociais,
eliminasse milhares de empregos de funcionários públicos, diminuísse os salários dos
trabalhadores dos setores público e privado, reduzisse o salário mínimo, cortasse e
eliminasse pensões, subisse as contribuições dos trabalhadores para o sistema de
saúde e lançasse mais impostos sobre o consumo e taxas municipais. Como parte da
austeridade, a troika também exigiu que a Grécia alienasse património do Estado,
portos e sistemas de transportes, a “preço de saldo” (isto é, abaixo dos preços de
mercado).
Os banqueiros europeus ficam com 95% dos pagamentos da
dívida grega
Os 440 mil milhões de dólares de empréstimos da troika – e, portanto, da dívida
grega – não foram utilizados para benefício do povo grego, nem para ajudar a
economia grega a recuperar dos seus oito anos de depressão; destinaram-se ao
pagamento da dívida inicial e dos juros do segundo empréstimo da troika.
Um estudo recente, feito em 2016, mostrou, sem margem para dúvidas, para onde
foram os principais pagamentos dos 440 mil milhões de dólares de dívida. Foram
diretamente para os banqueiros e investidores europeus e para as instituições da
troika – Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário
Internacional – que, por sua vez, os reenviaram para os bancos e investidores
privados.
Segundo o Livro branco (WP-16-02) publicado pela Escola Europeia de Gestão e
Tecnologia, EEGT, na passada primavera de 2016, intitulado “Para onde foi o
dinheiro do resgate grego?”, mais de 95% dos empréstimos iniciais à Grécia
destinaram-se à amortização e ao pagamento dos juros dos empréstimos iniciais da
troika (de que são proprietários outros bancos europeus ou a eles devedores), ou para
pagar a investidores e especuladores europeus. Menos de 10 mil milhões foram, na
realidade, aplicados na Grécia.
A EEGT calcula que o terceiro empréstimo, de agosto de 2015, o mais recente,
resultará em mais do mesmo: dos 98 mil milhões de dólares emprestados à Grécia no
último ano, o estudo estima que, dificilmente, mais de 8 mil milhões chegarão às
famílias gregas.
O custo para a Grécia dos últimos oito anos
Em contrapartida, os 95% pagos à troika e aos seus amigos investidores bancários e
as medidas de austeridade que acompanharam os empréstimos da troika, tiveram
como consequência: a taxa de desemprego da Grécia hoje, em 2016, oito anos depois,
situa-se ainda nos 24%. O desemprego jovem situa-se ainda em mais de 50%. Os
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salários caíram 24% para os afortunados que ainda têm emprego. O colapso dos
salários não se deve apenas aos despedimentos e ao corte de salários no setor
privado, que ocorreram a par, a partir de 2010, mas também à passagem do trabalho
a tempo inteiro para tempo parcial. Os empregos a tempo inteiro baixaram 27%, para
o nível mais baixo de sempre, enquanto os empregos a tempo parcial aumentaram
56%, também o nível mais alto de sempre. Os trabalhadores e as famílias gregos mais
vulneráveis viram os seus salários mínimos caírem 22% desde 2012, por ordem da
troika. E as pensões dos mais pobres reduziram-se aproximadamente na mesma
proporção. Tudo isto para espoliar os trabalhadores, as famílias e os pequenos
negociantes para pagar os juros da dívida à troika, aos banqueiros europeus e aos
investidores privados.
Nem a dívida, a austeridade, a depressão e o colapso dos salários existiam antes de a
troika ter intervido na Grécia, a partir de 2010. A percentagem da dívida em relação
ao PIB situava-se em cerca de 100% em 2007, percentagem em que se encontrou
durante toda a década anterior, 1997-2007. Não era pior do que a que existia em
qualquer economia da eurozona, e melhor do que a maioria. A dívida grega subiu, em
2008, para 109% devido à recessão global, acelerando para 146% do PIB em 2010
com o primeiro empréstimo de 140 mil milhões de dólares. Subiu para mais de 170%
em 2011, nível em que se manteve até que se adicionaram mais 300 mil milhões de
dólares de empréstimos da troika em 2012 e 2015.
A partir de 2010, a dívida grega não se deve de modo nenhum aos gastos do governo,
que diminuíram de pouco mais de 14 mil milhões de euros para 9,5 mil milhões em
2015, refletindo os profundos cortes da austeridade exigidos pela troika. Também
não pode ser atribuída aos salários excessivos e a demasiados empregos públicos,
pois ambos desceram ¼, na mesma proporção em que a dívida acelerava. A dívida
corresponde aos empréstimos forçados da troika à Grécia para o país pagar a dívida e
os juros dos primeiros empréstimos forçados.
E ainda sem alívio em 2015 -2016
Aquilo que aconteceu há um ano, no terceiro empréstimo da troika, em agosto de
2015, foi o mesmo que sucedeu em 2012 e 2010: uma dív ida de mais 98 mil milhões
de dólares foi acrescentada à já insustentável dívida de mais ou menos 340 mil
milhões de dólares. Em contrapartida, no último mês de agosto, a Grécia teve de
implementar as seguintes medidas da mais severa austeridade:
. Gerar um suplemento de 3,5% do PIB para reembolsar a troika, isto é, cerca de 8
mil milhões de dólares por ano. Subir o IVA para 24% e subidas de impostos numa
“base fiscal mais larga” (isto é, impostos mais altos para rendimentos das famílias
mais baixos). Introduzir o que a troika chama “reforma geral das pensões” - isto é,
um corte nas pensões de mais de 2,5% do PIB, ou seja, 5 mil milhões de dólares por
ano, a abolição das pensões mínimas nos escalões mais baixos e a eliminação do
direito a subsídios anuais das pensões. Introduzir um “vasto leque” de reformas no
mercado de trabalho, incluindo “maior flexibilidade” nos contratos coletivos de
trabalho, maiores facilidades para os despedimentos coletivos, novos limites ao
direito à greve, e o despedimento de mais alguns milhares de professores como parte
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da “reforma da educação”. Cortes nos serviços de saúde e conversão de mais 52 000
postos de trabalho em trabalho a tempo parcial. E introduzir o que a troika chama
um programa de privatizações “mais ambicioso”. E isto ainda é apenas uma short list
[pequena lista].
E como se comportou realmente a economia grega no ano
passado?
As despesas do governo grego, a partir de 25 de agosto, diminuíram ainda mais 30%
do que as de meados de 2016, exceto as despesas militares, que aumentaram 600
milhões de dólares. Desde agosto de 2015, o PIB líquido grego trimestral continuou a
contrair-se. A percentagem da dívida em relação ao PIB cresceu ainda mais.
Há menos 83 000 empregos a tempo inteiro. (Mas mais 28 000 a tempo parcial). O
nível do desemprego dos jovens subiu de 48,8% para 50,3%. Os níveis de consumo
caíram quase 10%, ao mesmo tempo que a confiança dos consumidores continua a
cair; os preços das casas deflacionaram e o investimento, as exportações e
importações abrandaram. Por outras palavras, a economia grega continua a piorar,
apesar do aumento de 98 mil milhões de dólares da dívida à troika e das medidas da
mais extrema austeridade impostas há um ano.
É inevitável uma quarta crise de dívida grega?
A resposta é “Sim”. A Grécia não consegue gerar os 3,5% de saldo positivo no
orçamento para pagar a sua tremenda dívida e respetivos juros. A amortização da
dívida à troika em 2016 foi relativamente pequena. Contudo, em 2017-2018, virão
maiores amortizações, devido ao aumento da incapacidade da Grécia para pagar,
quando se verificar um pico de recessão em toda a Europa, o que acontecerá também
em 2017-2018. A próxima crise de dívida grega pode espoletar-se ainda antes, como
consequência da atual deterioração do sistema bancário europeu com o Brexit e o
aprofundamento dos problemas dos sistemas bancários da Itália e de Portugal.
Qualquer contágio exterior pode rapidamente alastrar à Grécia, precipitando uma
quarta crise de dívida e também bancária.
Está a surgir um novo imperialismo financeiro ?2
Impondo a austeridade para pagar a dívida, a troika, desde 2010, forçou o governo
grego a extorquir rendimentos e riqueza aos seus trabalhadores e pequenos
negociantes – isto é, a explorar os seus próprios cidadãos em benefício da troika – e
transferir tais rendimentos para os banqueiros e investidores da troika e da Europa.
Isso é imperialismo puro e simples, agora, porém, estabelecido de Estado para Estado
(troika-Grécia), transferências financeiras em vez da exploração companhia por
companhia em qualquer ponto da produção. A magnitude da exploração é maior e, de
longe, mais eficiente.
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V er nota 1 . – [NE]
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O que aconteceu e continua a acontecer na Grécia é a emergência de uma nova forma
de imperialismo financeiro em que os Estados e as economias mais pequenas –,
planeando juntar-se a zonas de livre comércio e uniões “monetárias”, ou amarrar as
suas moedas ao dólar, ao euro, ou para evitar a todo o custo outra necessidade -, se
deixam dominar “como a Grécia”, reforçando a sua dependência da dívida em relação
aos Estados capitalistas mais poderosos, que decidiram integrar economicamente.
O neoliberalismo está em constante evolução, como também as suas formas de
exploração imperialista. Começa com uma zona de comércio livre ou união
“aduaneira”. Depois vem a moeda única, ou dominante no interior da união
aduaneira. Uma união de moedas conduz, eventualmente, à necessidade de uma
união bancária na mesma região. A política monetária do banco central acaba por ser
determinada pela economia ou Estado dominante. A economia mais pequena perde o
controlo da sua moeda, do seu sistema bancário e das suas políticas monetárias. A
união bancária leva, necessariamente, a uma união fiscal. Os Estados mais pequenos
desta união perdem o controlo não só da sua moeda e do seu sistema bancário, mas
também, eventualmente, dos seus impostos e orçamentos. Tornam-se, então,
“protetorados económicos” da economia e do Estado dominantes – tal como aquilo
em que a Grécia se tornou hoje.
* Jack Rasmus é o autor de “Systemic Fragility in the Global Economy” [ A
Fragilidade Sistémica na Economia Global – NT], Clarity Press, 2015. O seu blog é
jackrasmus.com. O seu sítio na rede é www.kyklosproductions.com e o twitter é
handle, @drjackrasmus.
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