Holanda quer legalizar a eutanásia - Instituto Camiliano de Pastoral

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Holanda quer legalizar a eutanásia
Projeto de lei apresentado no Parlamento da Holanda, em 1992, permite que os
médicos pratiquem a eutanásia em seus pacientes, obedecendo a certas condições e
atendendo a critérios bem determinados.
Com essa medida, os legisladores holandeses querem “sacramentar”, nos textos
jurídicos, algo que já vinha acontecendo com bastante freqüência há 20 anos. Médicos
holandeses, em certos hospitais, vão sempre mais aplicando esse recurso extremo,
geralmente a pedido dos próprios enfermos, desiludidos de melhora, ou não suportando
mais os sofrimentos.
Quero escolher o momento de minha morte – Eis um trecho do expressivo
depoimento de um enfermeiro, transmitido pela TV holandesa: “Eu mesmo quero escolher
o momento de minha morte. Depois da quimioterapia, se não melhorar, se eu tiver que ficar
preso ao leito de dor, então não quero continuar vivendo!”
Os argumentos invocados – Atitudes e argumentos semelhantes se vêem e ouvem
em inúmeros países, e o debate se aquece.
As exig6encias que geralmente aparecem são estas: a liberdade de escolha, a
dignidade humana (manter uma certa auto-imagem) e a recusa a sofrer. Mas, na Holanda, o
tema da eutanásia já conquistou boa parcela da opinião pública.
Não que os médicos apliquem indiscriminadamente injeções para apressar a morte
de seus pacientes. Mas, nos últimos 20 anos, debates sobre o problema, debates inflamados
ainda mais por alguns casos lacinantes e bem explorados pela mídia. O holandês
“médio”pensa em arranjar algum meio de conseguir uma morte sem dor, uma “morte
suave” (tradução possível de “eutanásia”, que significa boa morte. Do grego eu: bem;
thanatos: morte), em caso de doença grave ou prolongada. E a opinião pública da Holanda
põe ênfase especialmente neste ponto: “uma vida humana amputada de uma parte de suas
capacidades não tem mais valor” (de um depoimento de um enfermo).
Nesse contexto e segundo essa mentalidade, o enfermo teria o direito de tomar a
decisão de sair desta vida.
Quanto à assist6encia me’dica, de teor paliativo, não é mais vista como alternativa.
É apenas uma parte do tratamento, enquanto a eutanásia é a outra. São vistas simplesmente
como dois atos médicos, subordinados à mesma lógica do atendimento clínico.
Despenalização da prática da eutanásia – Em sintonia com essa mentalidade, muito
difundida atualmente na Holanda, o Parlamento daquele país está estudando a aprovação de
uma lei que despenalize a eutanásia. Bastaria que o médico obedecesse a certas condições,
e a eutanásia não seria mais punível perante a lei holandesa. Fazendo isso – dizem os
políticos – a lei estaria apenas sancionando uma situação de fato, havendo jurisprud6encia
já firmada nessa matéria.
País da “morte programada”- Com essa medida, comenta um jornal católico
franc6es, “a Holanda concede aos médicos, e somente a eles entre todos os homens,
garantia de impunidade para decidirem se uma criatura humana, doente ou incapacitada,
deve desaparecer” (cf. “La Croix”, edição de sábado, 18/4/92,matéria intitulada “No país
da morte programada”).
O mesmo jornal informa que, na Holanda, ocorrem 2.300 casos de eutanásia por ano
(quase 200 por m6es!). “Eutanásia”,segundo a definição fixada pelos médicos do país, “é o
fato de dar a morte a uma pessoa atendendo a seu pedido expresso”. Já o que se define
como “suicídio assistido”(caso em que é o paciente, e não o médico, que se aplica a dose
letal), na Holanda, ocorre, em média, 400 vezes por ano. Em cerca de 1.000 óbitos, a morte
ocorre sem o consentimento do paciente. São casos que costumam abala a opinião pública,
mas, segundo uma ampla sondagem efetuada a partir de 7.000 certificados de óbito, havia
ao menos o consentimento “implícito” dos pacientes,q eu teriam manifestado, de alguma
sorte, que desejavam cessar de viver.
Comitês de Ética nos hospitais – Em alguns hospitais holandeses, costuma
funcionar um Comitê de Ética, encarregado de examinar os casos em que o paciente ou
seus parentes pedem a eutanásia. Apresentam-se então ao paciente diversas alternativas, e
algumas vezes o tratamento se prolonga. Mas, via de regra, sobretudo em casos de
pacientes terminais, e cujo sofrimento sejam considerados insuportáveis, pratica-se a
eutanásia. No Hospital da Universidade Católica de Nimega, todavia, a eutanásia é exceção,
segundo informa o dr. Gribnau: “é preciso”- diz ele – “tomar em conta ao mesmo tempo a
opinião do paciente, a consci6encia do médico e a nossa identidade católica”. Conversa-se
cuidadosamente com o enfermo e com seus parentes, e em muitos casos opta-se pelo
atendimento paliativo.
“Procuramos ajudar o máximo possível”- Outro médico, o dr. Vagener
cancerologista, diz que jamais precisou recorrer à eutanásia, em seu departamento. E
afirma: “procuramos ajudar o doente, o máximo possível, até o fim. Se ele sofre demais,
conversamos com seus parentes, e vamos aumentando as doses de anestésicos, mesmo que
isso provoque a diminuição da consciência”.
Sociedade Holandesa para a Eutanásia – para se ter uma idéia de como se difundiu e
se arraigou a mentalidade em favor da eutanásia, vale a pena mencionar como funciona a
Sociedade Holandesa para a Eutanásia, com sede em Amsterdã. Tem mais de 50 mil
membros e uns 5.000 já registraram em documentos sua vontade expressa de não continuar
vivendo, caso contraiam alguma doença incurável que lhe cause demasiado sofrimento. A
presidente da entidade, sra. Jannink-Kapelle, acha perfeitamente normal, dado o avanço da
medicina,q eu cada pessoa decida “acerca do momento e das circunstâncias em que sua
morte seja inquestionavelmente considerada como a forma mais perfeita de exercício do
livre-arbítrio”. E ela guarda nos arquivos da Sociedade de Holandesa para a Eutanásia as
cópias dessas declarações, onde se especificam cuidadosamente as circunstâncias em que o
médico deverá aplicar a eutanásia.
Assessoria teológica – A entidade goza até da assistência de um Pastor, Martinus J.
Tang, que é uma espécie de porta-voz teológico da associação. Ele chegou a elaborar um
folheto onde apresenta os diversos argumentos em prol da eutanásia, procurando mostrar
que ela não é incompatível com a doutrina cristã.
O Pastor argumenta inclusive a partir do texto hebraico da Bíblia. Afirma,
categórico, que os textos antigos não falam “Tu não matarás” e sim “Tu não cometerás
assassínio!” E conclui: “toda diferença reside na intenção. Se a intenção for boa, como no
caso de evitar demasiado sofrimento ao próximo, então não é pecado”.
(Extraído da revista “Grande Sinal”, edição de novembro/dezembro de 1992,
ano 46).
AIDS, reprodução assistida e transplantes
Em novembro do ano passado, três temas de interesse para a saúde, particularmente
por suas implicações de caráter ético, chamaram a atenção do setor. São duas Resoluções
do Conselho Federal de Medicina (sobre AIDS e fecundação assistida) e um veto do
presidente da república a projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados sobre doação
e transplante de órgãos. Convém conhece-los.
AIDS
O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições que lhe confere a Lei n.º
33.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto n.º 44.045, de 19 de julho
de 1958, e
Considerando que o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são os
órgãos supervisores da ética profissional em toda a República e, ao mesmo tempo,
julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhe zelar e trabalhar, por todos os
meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho técnico e ético da Medicina;
Considerando que o artigo 1º do Código de ética Médica determina que “a medicina
é uma profissão a serviço do ser humano e da coletividade, e deve ser exercida sem
discriminação de qualquer natureza”;
Considerando as normas emanadas pela Organização Mundial de Saúde – OMS e
pelo Ministério da Saúde sobre o tratamento dos pacientes portadores de AIDS;
Considerando a contínua expansão da epidemia de AIDS no país, e a progressiva
mudança em seu perfil, atingindo grupos populacionais cada vez mais amplos, aliada à
pouca eficiência das campanhas preventivas até aqui desencadeadas;
Considerando o profundo impacto que a doença provoca no paciente portador do
vírus da imunodeficiência humana (HIV), limitando a sua atividade física, tornando-o
vulnerável física, moral, social e psicologicamente;
Considerando os termos dos pareceres CM n.ºs 14/88 e 11/92;
Considerando, finalmente, o decidido na Sessão Plenária realizada em 11 de
novembro de 1992,
Resolve
Art. 1º - O atendimento profissional a pacientes portadores do vírus da
imunodeficiência humana é um imperativo moral da profissão médica, e nenhum médico
pode recusa-lo.
Parágrafo primeiro – Tal imperativo é extensivo às instituições assistenciais de
qualquer natureza, pública ou privada.
Parágrafo segundo – O atendimento a qualquer paciente, independente de sua
patologia, deverá ser efetuado de acordo com as normas de biossegurança recomendadas
pela Organização Mundial de Saúde e pelo Ministério da Saúde, razão pela qual se poderá
alegar desconhecimento ou falta de condições técnica para esta recusa de prestação de
assistência.
Parágrafo terceiro – As instituições deverão propiciar ao médico e demais membros
da equipe de saúde condições dignas para o exercício da profissão, o que envolve, entre
outros fatores, recursos para sua proteção contra a infecção, com base nos conhecimentos
científicos disponíveis a respeito.
Parágrafo quarto – É de responsabilidade do Diretor Técnico da instituição a
garantia das condições de atendimento.
At. 2º - O sigilo profissional deve ser rigorosamente respeitado em relação aos
pacientes com AIDS; isso se aplica inclusive aos casos em que o paciente deseja que sua
condição não seja revelada seque aos familiares, persistindo a proibição de quebra de sigilo
mesmo após a morte do paciente.
Parágrafo único – Será permitida a quebra do sigilo quando houver autorização
expressa do paciente, ou por dever legal (ex.: notificação às autoridades sanitárias e
preenchimento de atestado de óbito) ou por justa causa (proteção à vida de terceiros:
comunicantes sexuais ou membros de grupos de uso de drogas endovenosas, quando o
próprio paciente recusar-se a fornecer-lhes a informação quanto à sua condição de
inectado).
Art. 3º - O médico que presta seus serviços a empresa está proibido de revelar o
diagnóstico de funcionário ou candidato a emprego, inclusive ao empregador e à seção de
pessoal da empresa, cabendo-lhe informar, exclusivamente, quando à capacidade ou não de
exercer determinada função.
At. 4º - É vedada a realização compulsória de sorologia para HIV, em especial como
condição necessária a internação hospitalar, pré-operatório, ou exames pré-admissinais ou
periódicos e, ainda, em estabelecimento prisionais.
Art. 5º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
São Paulo – SP, 11 de novembro de 1992.
A Resolução foi assinada por Ivan de Araújo Moura Fé, presidente, e Hércules
Sidnei Pires Liberal, secretário-geral, e publicada no “Diário Oficial”da União, em
19/11/92, na Seção I, pág. 16.054.
FECUNDAÇÃO
Igualmente assinada por Ivan de Araújo Moura Fé, presidente, e Hércules Sidnei
Pires Liberal, secretário, em 11 de novembro de 1992, a Resolução n.º 1.358/92, do
Conselho Federal de Medicina, sobre a utilização de Reprodução Assitida, tem o seguinte
teor:
O Conselho federal de Medicina, no uso das atribuições que lhe confere a Lei n.º
3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto n. 7 44.045, de 19 de julho
de 1958, e
Considerando a importância da infertilidade humana como um problema de saúde,
com implicações médicas e psicológicas, e a legitimidade do anseio de supera-la;
Considerando que o avanço do conhecimento científico já permite solucionar vários
dos casos de infertilidade humana;
Considerando que as técnicas de Reprodução Assistida têm possibilitado a
procriação em diversas circunstâncias em que isto não era possível pelos procedimentos
tradicionais;
Considerando a necessidade de harmonizar o uso destas técnicas com os princípios
da ética médica;
Considerando, finalmente, o que ficou decidido na Sessão Plenária do Conselho
Federal de Medicina realizada em 11 de novembro de 1922,
RESOLVE
At. 1º - Adotar as Normas Éticas para a Utilização das Técnicas de Reprodução
Assistida anexas à presente Resolução, como dispositivo deontológico a ser seguido pelos
médicos.
Art. 2º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação
NORMAS TÉCNICAS
I – Princípios Gerais
1As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na
resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo
de procriação quando outras terapias tenham sido ineficazes ou
ineficientes para a solução da situação atual de infertilidade.
2AS técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade
efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a
paciente ou o possível descendente.
3-
O consentimento infirmado será obrigatório e extensivo aos pacientes
inférteis e doadores. Os aspectos médicos envolvendo todas as
circunst6ancias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente
expostos, assim como os resultados já obtidos naquela unidade de
tratamento com a técnica proposta. As informações devem também
atingir dados de carácter biológico, jurídico, ético e econômico. O
documento de consentimento informado será em formulário especial e
estará completo com a concordância, por escrito, da paciente ou do casal
infértil.
4As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar
o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto
quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a
nascer.
5É proibida a fecundação de oócitos humanos, com qualquer outra
finalidade que não seja a procriação humana.
6O número ideal de oócitos e pré-embriões a serem transferidos para a
receptora não deve ser superior a quatro, com o intuito de não aumentar
os riscos já existentes de multiparidade.
7Em casos de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é
proibida a utilização de procedimentos que visem a redução embrionária.
I – Usuários das Técnicas de RA
1 – Toda mulher, capaz nos termos da lei, que tenha solicitado e cuja indicação não
se afaste dos limites desta Resolução, pode ser receptora das técnicas de RA, desde que
tenha concordado de maneira livre e consciente em documento de consentimento
informado.
2 – Etando casada ou em união estável, será necessária a aprovação do cônjuge ou
do companheiro, após processo semelhante de consentimento informado.
III – Referente às clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA
As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são responsáveis pelo
controle de doenças infecto-contagiosas, coleta, manuseio, conservação, distribuição e
transferência de material biológico humano para a usuária de técnicas de RA, devendo
apresentar como requisitos mínimos:
1 – um responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados,
que será, obrigatoriamente, um médico;
2- um registro permanente (obtido através de informações observadas ou relatadas
por fonte competente) das gestações, nascimentos e malformações de fetos ou recémnascidos, provenientes das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade em apreço, bem
como dos procedimentos laboratoriais na manipulação de gametas e pré-embriões;
3 – um registro permanente das provas diagnósticas a que é submetido o material
biológico humano que será transferido aos usuários das técnicas de RA, com a finalidade
precípua de evitar a transmissão de doenças.
V – Doação de gametas ou pré-embriões.
1. A doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial.
2. Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores ou vice-versa.
3. Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de
gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações, as
4.
5.
6.
7.
informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser, fornecidas
exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.
As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de
forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características
fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.
na região de localização da unidade, o registro das gestações evitará que um
doador tenha produzido mais que 2 (duas) gestações, de sexos diferentes, numa
área de um milhão de habitantes.
A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível
deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica
e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora.
Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços,
nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas prestam serviços,
participarem como doadores nos programas de RA.
V – Criopreservação de gametas ou pré-embriões
1. As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espematozóides, óvulos e
pré-embriões.
2. O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado aos
pacientes, para que se decida quantos pré-embriões serão transferidos a fresco,
devendo o excedente ser criopreservado, não podendo ser descartado ou
destruído.
3. No momento da criopreservaçào, os cônjuges ou companheiros devem expressar
sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões
criopreservados, em caso de divórcio, doença grave ou de falecimento de um
deles ou de ambos, e quando desejam doa-los.
VI – Sobre a gestação de substituição (doação temporária de útero)
As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA
para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista
um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora genética.
1. AS doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora
gene’tica, num parentesco até segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à
autorização do Conselho Regional de Medicina.
2. A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.
A propósito, convém ler o comentário de Hubert Lepargneur sobre o assunto,
publicado na página 11 da edição anterior do BI-ICAPS, edição n.º 97, de janeiro /fevereiro
último.
TRANSPLANTES
Ainda na qualidade de vice-presidente da República no exercício do cargo de
presidente, Itamar Franco sancionou, com veto, a Lei n.º 8.489, de 19 de novembro de
1992, que dispõe sobre a retirada e transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo humano,
com fins terapêuticos e científicos. A Lei tem a seguinte redação:
Art. 1º - A disposição gratuita de uma ou várias partes do corpo post mortem para
fins
terap6euticos
e
científicos
é
permitida
na
forma
desta
Lei.
Art. 2º - (vetado)
Art. 3 7 – A permissão para o aproveitamento, para os fins determinados no art. 1º
desta Lei, efetivar-se-á mediante a satisfação das seguintes condições:
I – por desejo expresso do disponente manifestado em vida, através de documento
pessoal ou oficial;
II – na ausência do documento referido no inciso O deste artigo, a retirada de órgãos
será procedida senão houver manifestação em contrário por parte do cônjuge, ascendente
ou descendentes.
Art. 4º - Após a retirada de partes do corpo, o cadáver será condignamente
recomposto e entregue aos responsáveis para sepultamento ou necropsia obrigatória
prevista em lei.
Parágrafo único – A não observância do disposto neste artigo será punida de acordo
com o art. 211 do Código Penal.
Art. 5º - (vetado)
Art. 6º - O transplante de tecidos, órgãos ou partes do corpo somente poderá ser
realizado por médicos com capacidade técnica comprovada. Em instituições pública ou
privada reconhecidamente idôneas e devidamente cadastradas para este fim no Ministério
da Saúde.
Parágrafo único – Os prontuários médicos detalhando os atos cirúrgicos relativos
aos transplantes e enxertos serão mantidos nos arquivos das instituições referidas, e um
relatório anula, contendo os nomes dos pacientes receptores, será enviados ao Ministério da
Saúde.
Art. 7º - A retirada de partes do cadáver, sujeito por forças de lei à necropsia ou à
verificação diagnóstica causa mortis, deverá ser autorizada por médico-legista e citada no
relatório da necropsia ou da verificação diagnóstica.
Art. 8º - As despesas com as retiradas e transplantes previstos nesta Lei serão
custeadas na forma determinada por sua regulamentação.
Art. 9º (vetado)
Art. 10º - É permitida à pessoa maior e capaz dispor gratuitamente de órgãos,
tecidos ou partes do próprio corpo vivo para fins humanitários e terapêuticos.
Parágrafo 1º - A permissão prevista no caput deste artigo limita-se à doação entre
avós, netos, pais, filhos, irmãos, tios, sobrinhos, primos até segundo grau inclusive,
cunhado e entre cônjuges.”(Veja observação à parte).
Parágrafo 2º - Qualquer doação entre pessoas não relacionadas no parágrafo anterior
somente poderá ser realizada após autorização judicial.
Parágrafo 3º - O disponente deverá autorizar especificamente o tecido, órgãos ou
parte do corpo objeto da retirada.
Parágrafo 4º - Só é permitida a doação referida no capur deste artigo quando se
tratar de órgãos duplos, partes de órgãos, tecidos, vísceras ou parte do corpo que não
impliquem em prejuízo ou mutilação grave para o disponente e corresponda a uma
necessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora.
Art. 11 – A não observância do disposto nos arts. 2º, 3º, 5º, 6º, 7º, 8º e 10º desta Lei
será punida com pena de detenção de um a três anos, sem prejuízo de outras sanções que no
caso couberem.
Art. 12 – A notificação, em caráter de emergência, em todos os casos de morte
encefálica comprovada, tanto para hospital público, como para a rede privada, é obrigatória.
Art. 13 – (vetado)
Art. 14 – O Poder Executivo regulamentará o disposto nesta Lei no prazo máximo
de sessenta dias a partir da data de sua publicação.
Art. 15 – esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 16 – Revogam-se as disposições em contrário, particularmente a Lei n.º 5.479,
de 10 de agosto de 1968.
Brasília, 19 de novembro de 1992, 171º da Independência e 104º da República.
(*) O texto original deste parágrafo, alterado pelo Executivo, era o seguinte: A
permissão prevista no caput limitar-se-á à doação entre pais, filhos, irmãos e cônjuges.
Segundo o deputado paulista e médico Geraldo Alckmin, autor da Lei, parte dos
vetos tem justificativa, pois os assuntos suprimidos poderão entrar no decreto
regulamentado da questão.
As justificativas para os vetos, segundo o deputado, foram as seguintes:
Art. 2º - “A retirada, para os fins a que se refere o artigo anterior, deverá ser
procedida de prova incontestável de morte encefálica”.
Este artigo dificultaria a retirada de órgãos nos casos em que não é necessário
comprovar a morte encefálica, quando o paciente já está definitivamente morto – como os
transplantes de córnea. “Para retirar a córnea não é exigido o exame complementar,
bastando o atestado de óbito.
Se o artigo 2º fosse mantido, os médicos teriam que fazer também exames para
comprovar a morte encefálica”.
Art. 5º - “As instituições onde se realizarem as retiradas de partes do corpo com
finalidade terapêutica ou científica manterão arquivados os exames referentes ao
diagnóstico de morte encefálica e os relatórios dos atos cirúrgicos referentes a essas
retiradas”.
A supressão foi feita por se tratar de morte encefálica. Com a supressão do artigo 2º,
este teria que cair, também.
No caso específico dos dois artigos, o deputado garante que há compromisso já
definido do governo no sentido de que o texto de ambos os artigos faça parte do decreto de
regulamentação da lei, pois se tratará, então, de disciplinar e normatizar os critérios de
morte encefálica.
Art. 9º - “Deverão ser criados centros regionais ou estaduais para cadastrar os
candidatos a receptores, para ficar assegurada a fiel observância da lista de espera”.
Diz o deputado Geraldo Alckmin que a justificativa para o veto foi a de que, na
avaliação do Ministério da Justiça, o artigo seria inconstitucional, por caracterizar uma
inger6encia indevida na vida dos Estados.
O Congresso, segundo o parlamentar paulista, é que decidirá se o texto é ou não
inconstitucional, diz ele, prevendo que o veto deverá ser derrubado.
Art. 13º – “O Ministério da Saúde será o órgão fiscalizador desta lei”.
Aqui, o deputado paulista explica não entender as razões do veto, já que, como diz,
“se é uma lei, o Ministério da Saúde deve fiscalizar sua aplicação”.
Segundo ele, o veto a esse artigo também deverá ser derrubado no Congresso.
Com relação à alteração no parágrafo 1º do art. 10, Geraldo Alckmin afirma que
houve erro por parte do governo, pois o Executivo não poderia ter acrescentado mais nada
além do que diz a matéria aprovada pela Câmara. Por isso entende que o “Diário Oficial”
da União deverá trazer uma retificação do publicado.
Quando à lei, Geraldo Alchmin diz que os vetos não tiram do projeto os seus
principais avanços, nem o objetivo de facilitar a retirada de órgãos do doador e coibir o
comércio de órgãos.
A nova lei, diz ele, altera a legislação anterior e garante a validade jurídica do cartão
Vale-Vida, torna desnecessário ouvir a família, quando o doador já tiver manifestado o
desejo da doação ainda em vida, bem como impõe a obrigatoriedade de notificação dos
casos de morte encefálica, tanto em hospitais da rede pública como da rede privada.
Dia Mundial do Enfermo
A propósito do Dia Mundial do Enfermo – estabelecido pelo Papa João Paulo II,
para se comemorado a 11 de fevereiro, de acordo com Carta que emitiu em 13 de maio do
ano passado – Sua Sanidade divulgou mensagem especial. No Brasil, já existe a celebração
da Semana do Enfermo, no mês de julho, próxima à festa de São Camilo de Léllis. O Setor
de Pastoral Social da CNBB, em seu “Boletim Semanal” de 3 de setembro de 1992, lembra
que a competência para introduzir ou mudar datas e celebrações é da Assembléia Geral da
CNBB e, por isso, continua mantendo julho como o mês para sua comemoração oficial.
Conheça, agora, a íntegra da Mensagem do Papa.
1.
A comunidade cristã sempre teve uma atenção particular para com os
enfermos e o mundo do sofrimento em suas múltiplas manifestações. Na
esteira de ma tradição tão longa, a Igreja Universal se prepara para
celebrar, com espírito de serviço renovado, o primeiro Dia Mundial do
Enfermo. Trata-se de uma ocasião especial para se crescer na atitude de
escuta, de reflexão e de compromisso real ante o mistério da dor e da
enfermidade.
Este dia, que a partir do próximo mês de fevereiro se celebrará todos os anos, na
comemoração de Nossa Senhora de Lourdes, quer ser para todos os crentes “um momento
forte de oração, de comunhão, de oferecimento dos sofrimentos para o bem da Igreja e de
apelo para todos em reconhecer no rosto do irmão enfermo o rosto de Cristo que, sofrendo,
morrendo e ressuscitando, realizou a salvação da humanidade”(carta de instituição do Dia
Mundial do Enfermo, 13 de maio de 1992).
Este dia visa, além disso, envolver todos os homens de boa vontade. As perguntas
de fundo que se fazem ante a realidade dos sofrimento e o apelo de proporcionar alívio,
tanto do ponto de vista físico como espiritual a quem está enfermo, não afetam somente os
crentes, mas interpelam toda a humanidade, marcada pelos limites da condição mortal.
2.
Infelizmente, preparamo-nos para celebrar este primeiro dia mundial em
circunstância sob alguns aspectos dramáticas: os acontecimentos desses
últimos meses, enquanto sublinham a urgência da oração em implorar
ajuda divina, reclamam o dever de colocar em ação iniciativas novas e
urgentes de ajuda aos que sofrem e não podem esperar.
Antes o olhar de todos, estão as imagens tristes de pessoas e populações destroçadas
por guerras e conflitos, que sucumbem sob o peso de calamidades facilmente evitáveis.
Como poderíamos desviar nosso olhar de tantos rostos humanos, sobretudo crianças,
reduzidas a larvas de si próprias, pelas peripécias de todo tipo em que elas estão envolvidas
devido ao egoísmo e à violência? Como esquecer os que, nos centros de hospitalização e
assist6encia – hospitais, clínicas, leprosários, centros de deficientes, casas de idosos – ou
em seus próprios domicílios, conhecem o calvário de sofrimentos freqüentemente
ignorados, nem sempre aliviados adequadamente e, às vezes, até agravados por falta de
uma ajuda adequada?
3.
A enfermidade, que na experiência cotidiana se percebe como uma
frustração da força vital natural, se converte para os crentes numa
chamada a “ler” a nova e difícil situação, na ótica própria da fé. Sem ela,
por outro lado, como se pode descobrir, no momento da prova, uma visão
construtiva da dor? Como dar significado e valor à angústia, à inquietude
e aos males físicos e psíquicos que acompanham a nossa condição mortal?
Que justificação se pode dar para o processo de envelhecimento, para a
meta final da morte que, apesar dos progressos científicos e tecnológicos,
continuam a subsistir inexoravelmente?
Sim, somente em Cristo, Verbo encarnado, Redentor do homem e vencedor da
morte, é possível encontrar a resposta a tais perguntas fundamentais. À luz da morte e
ressurreição de Cristo, a enfermidade já não aparece como fato exclusivamente negativo:
antes disso, é vista como uma “visita de Deus”, como uma ocasião para “liberar o amor,
para fazer nascer obras de amor para com o próximo, para transformar toda a civilização
humana numa civilização do amor” (Carta Apostólica Salvifici Soloris, 30).
A história da Igreja e da espiritualidade cristão nos dá um testemunho amplíssimo
disso. Através dos séculos, foram escritas páginas esplêndidas de heroísmo a respeito do
sofrimento aceito e oferecido em união com Cristo. E páginas não menos maravilhosas
foram preenchidas mediante o serviço humilde aos pobres e enfermos, em cujo corpo
doente foi reconhecida a presença de Cristo, pobre e crucificado.
4.
A celebração do Dia Mundial do Enfermo – tanto em sua preparação,
como seu desenvolvimento e objetivos – não pode reduzir-se a uma mera
manifestação externa centrada em torno de certas iniciativas, mesmo
quando louváveis, mas vida alcançar as consciências a fim de
conscientiza-las da valiosa contribuição do serviço humano e cristão pra
os que sofrem, uma compreensão maior entre os homens e,
conseqüentemente, para a edificação da verdadeira paz.
Esta, efetivamente, supõe, como condição preliminar, que aos que sofrem e enfermos seja
reservada uma atenção especial dos poderes públicos, das organizações nacionais e
internacionais e de toda pessoa de boa vontade. Isto é válido, em primeiro lugar, para os
países em desenvolvimento – desde a América Latina até a África e Ásia – que sofrem de
grandes carências a nível de assistência sanitária. A Igreja, por ocasião da celebração do
Dia Mundial do Enfermo, se faz promotora de um renovado compromisso para com estas
populações, na intenção de superar a injustiça que hoje existe, destinados maiores recursos
humanos, espirituais e materiais, segundo suas necessidades.
Neste sentido, desejo dirigir um apelo especial às autoridades civis, aos homens de ciência
e a todos que vivem em contato direto com os enfermos: que seu serviço não se torne
demais burocrático e impessoal. Desejo que seja especialmente claro para todos que a
gestão do capital público impõe o grave dever de evitar o desperdício e o uso indevido do
mesmo, a fim de que os recursos disponíveis, administrados com sabedoria e equidade,
sirvam para assegurar a quantos deles necessitam a prevenção e a assistência em caso de
enfermidade. As expectativas, hoje muito vivas, de uma humanização da medicina e da
assistência sanitária requerem uma resposta mais decidida. Contudo, para que a assist6encia
sanitária seja mais humana e adequada, é fundamental a referência a uma visão
transcendente do homem, que ilumine o enfermo, imagem do filho de Deus que é, e o valor
da sacralidade da vida. A enfermidade e a dor afetam a todos os seres humanos. O amor
para os que sofrem é o sinal e medida do grau de civilização e progresso de um povo.
5.
A vós, queridos enfermos de todas as partes do mundo, protagonistas
deste Dia Mundial, desejo que esta celebração seja o anúncio da presença
viva e consoladora do Senhor. Vossos sofrimentos, acolhidos e assumidos
por uma fé inquebrantável, unidos aos do Cristo, adquirem um valor
extraordinário para a vida da Igreja e para o bem da humanidade. Desejo a
vós, trabalhadores da saúde, chamados ao mais alto, meritório e
testemunho exemplar de justiça e amor, que este dia seja motivo de um
renovado estímulo para prosseguir vosso delicado serviço com abertura
generosa os profundos valores da pessoa, respeitando a dignidade humana
e a defesa da vida, desde seu início até seu acaso natural.
E a vós, Pastores do povo cristão e diferentes membros da comunidade eclesial,
voluntários e, em especial, àqueles que se dedicam à Pastoral da Saúde, os exorto a que
este primeiro Dia Mundial do Enfermo ofereça estímulo e ânimo a todos para continuar
com renovação do compromisso vosso caminho de serviço ao homem que é provado e
sofre.
6.
Comemorando Nossa Senhora de Lourdes, sujo santuário situado nos pés
dos Montes Pirineus e que se transformou num templo do sofrimento
humano, nos aproximamos – como ela o fez no Calvário onde se erguia a
cruz de seu Filho – das cruzes da dor e da solidão de tantos irmãos e irmãs
para levar-lhes consolo, partilhar seus sofrimentos e apresentar ao Senhor
da Vida, em comunhão espiritual com toda a Igreja.
Quem a Virgem, “Saúde dos Enfermos” e “Mãe dos Viventes”, seja nosso sustento
e esperança e que, por meio da celebração do Dia Mundial do Enfermo, aprofunde nossa
sensibilidade e dedicação a quem está vivendo em prova, numa expectativa confiante no dia
luminoso de nossa salvação, quando toda lágrima será enxugada para sempre (cf. Is 25,8).
Que possamos gozar desde já as primícias daquele dia com a alegria plena que Cristo nos
prometeu, ainda que em meio às tribulações (cf. 2Cor 7, 4)ninguém nos arrebatará (cf. Jô
16,22). Abençôo-vos a todos!
Cidade do Vaticano, 21 de outubro de 1992, João Paulo II.
Miséria morte na infância
Na América Latina, quatro em cada 10 crianças vivem na pobreza. No total, são 78
milhões de crianças que, se sobreviverem aos elevados riscos de mortalidade a que estão
expostas, estarão destinadas a ser adultos desempregados, ou só poderão trabalhar em
atividades informais, muito pouco produtivas ou mal remuneradas. Só no Brasil, existem 28
milhões de crianças nessas condições.
Tais revelações fazem parte do informe “Crianças da América”, divulgado em
Bogotá, na Colômbia, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Ainda de acordo com o informe, às portas do século 21, cerva de um milhão de
crianças morrem, a cada ano, na região, em decorrência de doenças que poderiam ser
evitadas com facilidade, como infecções intestinais e respiratórias.
Disparidades – Embora as privações a que estão submetidas as crianças variem de
um país para outro, a problemática tem uma raiz única, segundo a Unicef. “As condições de
vida das crianças refletem as grandes disparidades existentes entre os que têm e os que não
têm”, assinala o informe.
As disparidades podem ser melhor compreendidas a partir de alguns números que o
estudo apresenta sobre o Brasil. Em São Paulo, em bairros de famílias mais abastadas, a
taxa de mortalidade infantil, entre crianças de até um ano, é de 20 por mil – próxima da
registrada em países do Primeiro Mundão. Na periferia da cidade, porém, entre famílias de
menor renda, a taxa eleva-se a 124 por mil, igualando-se à do miserável Haiti.
A disparidade nas taxas de mortalidade registrada em São Paulo é a maior entre
todas as capitais pesquisadas pela Unicef. O relatório também aponta que, em Cuba, a taxa
de mortalidade infantil é a menor da América Latina: 14 por mil.
O relatório conclui afirmando que os chefes de Estado deveriam se empenhar mais
ema tingir as metas estabelecidas por eles, em Nova York, há quase dois anos.
Basicamente, tais metas destinam-se a reduzir a mortalidade infantil, minorar a
desnutrição, prover todas as localidades com água potável e saneamento básico e garantir a
educação básica. “Sem isso, nem o crescimento econômico nem a democracia poderão
consolidar-se na América Latina”.
Alguns números – Eis alguns números divulgados pelo informe: quanto à miséria,
das 78 milhões de crianças pobres, 28 milhões vivem no Brasil. De cada 10 crianças da
Guatemala, sete são pobres; no Peru, seis, na República Dominicana, cinco; na Venezuela,
três, e na Argentina, duas. O Brasil, está na faixa intermediária: em cada 10 crianças
brasileiras, mais de quatro são pobres.
Relativamente à mortalidade infantil, os diferenciais observados acusam 30 mortes
por mil, nos bairros ricos, e 105 nos pobres, em Lima (Peru), 20 e 46 em Bogotá
(Colômbia), 24 e 125, em São Paulo (Brasil) e 7 e 33 em Santiago (Chile).
Diz ainda o informe da Unicef que os rendimentos dos 20% de trabalhadores mais
ricos, no Brasil, são 26 vezes maiores do que os dos 20% mais pobres. Na Venezuela, a
diferença é de 11 vezes e, na Espanha, de 6 vezes.
Extraído de “O Estado de S.Paulo”, edição de 1º de outubro de 1992, página 14,
“Geral”.
Brasil: que país é esse?
Dia 7 de abril é o Dia Mundial da Saúde. Uma data muito significativa, a ser
lembrada por todos, para chamar a atenção sobre a questão da saúde entre nós. Um motivo
muito especial para nossa reflexão. E é dessa reflexão que surge a pergunta: que país é
esse?
Levantamos alguns questionamentos no que se refere à cidadania e saúde na esteira
da reflexão do CEBES e Associação Brasileira de Saúde Coletiva (cf. “Saúde e qualidade
de vida”, in Saúde em debate, n.º 36, outubro/92, páginas 7 a 18).
O que fazer para que os direitos assegurados aos cidadãos brasileiros na
Constituição aprovada em 1988 não se tornem só mera retórica? Reza e Constituição
Brasileira, em seu artigo 5º, que “Todos são iguais perante a lei, sem distinções de qualquer
tipo, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”. A mesma
Constituição, no artigo 196, que se refere à saúde, diz: “A saúde é direito de todos e dever
do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução de
doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção e recuperação”.
A realidade, infelizmente, é bem outra... A igualdade perante a lei corresponde a
uma cruel desigualdade nas condições infra-estruturais e objetivas de se viver. Será que
tudo isso é letra morta, discurso bonito sem conseqüências práticas?
Que país é esse....
... que alimenta a fome, fazendo com que mais de 30% das crianças menores de
cinco anos sejam desnutridas? Que permite que um nordestino viva, em média, 16 anos
menos que um sulista?
... que deixa, em cada 1.000 crianças que nascem, mais de 60 morrerem antes de
completar um ano de vida? Que permite que, em algumas regiões do Nordeste, a taxa de
mortalidade chegue a mais de 100 crianças mortas para cada 1000 nascidas vivas?
... que se diz do futuro e incentiva a cultura da esterilização das fontes da vida, em
que 45% da mulher em idade fértil estão estéreis e onde, por ano, acontecem em torno de
3,5 milhões de abortos?
... que não impede que as crianças, depois de sobreviverem sofridamente os
primeiros anos de vida, venham a morrer de sarampo, diarréias, tétano e tantas outras
doenças comuns? Que permite, depois de um século, a ameaça de uma epidemia de cólera?
... que deixa crianças e adultos vagando pelas ruas, sem moradia? Que não abastece
o seus cidadãos que têm o privilégio de uma casa para morar com água limpa e não
contaminada? Que permite que as fezes continuem a contaminar água e alimentos?
... que continua a propiciar o fato de que, a cada ano, mais de 600 mil pessoas
tenham malária, que milhões sejam portadoras da doença de Chagas, que outros milhões
sejam hansenianos, que a tuberculose ainda seja um mal tão presente, que a
esquistossomose persista como flagelo de tantos? E que, ainda mais, concentra nos pobres
todas essas doenças?
... que não consegue afastar a possibilidade de que a febre amarela venha novamente
se abater sobre as cidades? Que nada faz para evitar que, a cada inverno, a meningite volte
em níveis epidêmicos aos maiores centros urbanos?
... que tolera a viol6encia generalizada, no trânsito, trabalho e demais ambientes do
cotidiano, a ponto de ser ela uma das principais causas de mote entre cinco e 40 anos de
idade? Que aceita passivamente que os acidentes de trânsito (50 mil mortes por ano os têm
como causa) e as doenças profissionais inutilizem e matem milhares de pessoas?
... que promove a maior conferência do mundo sobre ecologia (a ECO 92) e não
protege seus habitantes contra a poluição ambiental e permite o uso indiscriminado de
agrotóxicos?
Esse é o país cidadania e da desigualdade, da injustiça, do desajuste e da exclusão!
A Constituição de 1988 e a legislação complementar conferem direitos a todos os
brasileiros, entre eles, em especial, o direito à saúde. Não podemos assistir, de braços
cruzados, a esse processo em que o exercício da cidadania é vilipendiado cotidianamente.
Será que...
... é constitucional e legal que um cidadão não consiga atendimento em serviços de
saúde pagos com dinheiros públicos? E que tenha de ficar vagando de um hospital para
outro, sem conseguir vaga?
...é constitucional permitir que, para ser atendido, se tenha que, freqüentemente,
pagar por fora os serviços dos profissionais e do hospital?
... é constitucional se maltratado por policiais e funcionários do Pronto-Socorro,
porque isso não é hora de vir aqui?
... ser cidadão significa não pode comprar o remédio prescrito e não fornecido pelo
Serviço de Saúde?
... desfrutar de cidadania é não ter as mínimas condições de higiene no hospital onde
foi internado? E não ter alta porque foi vítima de infecção hospitalar?
... ser cidadão significa não ter o diagnóstico em tempo hábil, porque os
equipamentos não funcionam?
... é exercício de cidadania não ter onde e a quem reclamar da má qualidade do
atendimento, depois de haver passado por todos esses percalços?
Não! Para quem tem um mínimo de sensibilidade nasce a indignação ética. Percebe
que os direitos “reais” ( e não os constitucionais ou legais) são desiguais. Falam mais alto
os interesses do donos de hospitais lucrativos, das corporações profissionais, dos
fabricantes de medicamentos e equipamentos, dos empreiteiros, enfim de todos aqueles que
são verdadeiros mercadores do sofrimento humana, fazendo da saúde, e especialmente da
doença, um negócio altamente lucrativo. Na iniciativa privada, falam mais alto a
burocracia, a corrupção, a morosidade, os interesse políticos etc. E tudo isso acobertado
pelo manto da “ética profissional”... E onde ficam os doentes e principalmente os mais
pobres?!?
A saúde, sendo a expressão das condições objetivas de vida (casa, alimentação,
habitação, transporte, educação, trabalho, salário etc.) é a melhor indicação de sua
qualidade. Saúde e cidadania são duas faces da mesma moeda: conquistam-se juntas. Aqui
está todo o desafio de lutar pela transformação da realidade. Há que se tornar consci6encia
dos fatores determinantes e condicionantes da saúde. Há que se eliminar, ou pelo menos
reduzir, os riscos de adoecer e morrer tão precocemente em nosso meio. Há que se resgatar
a dignidade do sistema de promoção, proteção e recuperação da saúde. É a luta para exigir
que se cumpra a Constituição. Cidadão, lute pela saúde. É a sua garantia de viver
dignamente.
Leo Pessini, sacerdote camiliano, capelão do Hospital das Clínicas de São
Paulo.
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