Psicoterapeutas em formação: o processo e

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PSICOTERAPEUTAS EM FORMAÇÃO: O PROCESSO E CONSTRUÇÃO DA PRÁTICA CLÍNICA COM
ENFOQUE DA ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA
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PSICOTERAPEUTAS EM FORMAÇÃO: O PROCESSO E CONSTRUÇÃO DA
PRÁTICA CLÍNICA COM ENFOQUE DA ABORDAGEM CENTRADA NA
PESSOA
Isaura Santana Costa Carvalho1, Marcos Aurélio Lordão²
²Graduanda do 9º Semestre do curso de Psicologia (UNIME - Itabuna) – E-mail: [email protected] – (73) 3041-2783
² ²Psicólogo,
pós-graduado em Docência do Ensino Superior
RESUMO: O presente artigo trata-se de um breve estudo sobre o processo e construção
da prática clínica dos psicoterapeutas em formação tendo como base a Abordagem Centrada
na Pessoa. A metodologia utilizada reporta-se a uma revisão bibliográfica através da
verificação e comparação de textos de livros e artigos de revistas científicas. Apesar de saber
que toda construção da prática profissional perpassa por estágios de elaboração, experiência,
confronto entre teoria e prática, ainda assim, muitos dilemas deverão ser pontuados com
intuito de subsidiar àqueles terapeutas que almejem se inteirar dos conteúdos possíveis a
serem deparados. Assim, o registro elencado neste trabalho possibilitou esclarecimentos e
informação acerca dos sentimentos e ações mobilizados no encontro terapêutico.
PALAVRAS-CHAVE: psicoterapeutas, cliente, encontro terapêutico, relação
terapêutica.
ABSTRACT: This article comes up a brief study on the construction process and the
clinical practice of psychotherapists in training based on the Person-Centered Approach. The
methodology refers to a literature review through the verification and comparison of texts of
books and journal articles. Despite knowing that all construction of professional practice
goes through stages of development, experience, confrontation between theory and practice,
yet many dilemmas should be scored in order to subsidize those that aim therapists become
aware of the possible contents to be encountered. Thus, the record part listed in this work
has provided clarifications and information about the feelings and actions employed in the
therapeutic encounter.
KEY WORDS: psychotherapists, client, the therapeutic encounter, the therapeutic
relationship.
ITABUNA – BA
Novembro 2012
Endereço:
Av. José Soares Pinheiro, 1600,
CEP. 45.600-013 – Itabuna-Bahia
Isaura Santana Costa Carvalho
www.unimeitb.com.br
[email protected]
Fone: (73) 2103-3000
Comunicar Psicologia 2013 Fev. - Mai; volume 1 (2ª Ed.)
PSICOTERAPEUTAS EM FORMAÇÃO: O PROCESSO E CONSTRUÇÃO DA PRÁTICA CLÍNICA COM
ENFOQUE DA ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA
INTRODUÇÃO
A construção da prática clínica dos psicoterapeutas em formação vai se delineando a partir
das relações estabelecidas entre terapeuta/cliente aonde os conteúdos subjetivos vão
emergindo numa construção dialética e progressiva com vias ao desenvolvimento de uma
maturidade e crescimento da atuação profissional.
Pode-se dizer que se tornar psicoterapeuta requer investimento no aprendizado contínuo
seguindo-se um processo de transformação com riqueza de novas descobertas, o que
possibilita percepções mais realistas e mais diferenciadas na medida em que se vivencia o
encontro terapêutico. A evolução se apresenta com a observação da distancia inicial entre o
formato prematuro com atitudes mais seguras apresentadas pelo profissional em formação.
É considerável abordar que a experiência do terapeuta iniciante é equivalente a uma aventura
que se inicia. É uma viagem muito humana e imprevisível. Há receios, medo, insegurança,
ansiedade, tensão, atrelados a uma disponibilidade para compreender os sentimentos,
sofrimentos e angústias aflorados no seeting terapêutico. Entretanto, há sempre o desejo de
que o cliente possa perceber o terapeuta como uma pessoa capaz de acompanhá-lo na
temerosa viagem ao interior de si mesmo.
Tais alegações embasam a iniciativa da construção do presente artigo que visa pontuar e
descrever os impactos enfrentados pelos psicoterapeutas em formação, reconhecendo-se os
grandes dilemas e conflitos deparados no momento inicial da prática clínica.
A metodologia utilizada reporta-se a uma revisão bibliográfica através da verificação e
comparação de textos. Objetiva-se, portanto, acrescer com as informações colhidas através
da referida pesquisa no sentido de resumir, analisar e discutir sobre o tema ora apresentado.
O PROCESSO DA RELAÇÃO TERAPÊUTICA
Utilizando-se das palavras de Guedes (1985)
"... ser terapeuta é um privilégio. (...) [Sua]... arte é 'tocar' as pessoas. 'Tocar' pela
palavra, gesto, afeto, expressão, olhar, movimentos etc., nos seus pontos sensíveis,
adormecidos, cristalizados, encantados. Eu consigo 'tocar' quando fui ou estou
sendo tocado por essa mesma pessoa" (p. 15).
É necessário compreender que a relação terapêutica acontece mediante um encontro
autêntico, pois a psicoterapia está destinada a facilitar o crescimento pessoal através do
relacionamento interpessoal. Nesta intenção, o terapeuta é visto como companheiro
existencial na troca de ideias, no questionamento de valores e metas pessoais na tentativa de
compreender o mundo vivencial do cliente, fazendo também com que ele compreenda.
Desse modo, o terapeuta é um participante ativo no processo em busca da compreensão do
ser; é uma co- participação no processo de mudança. (Erthal, 1989)
Ponciano Ribeiro, (1985) apud Erthal, (1989) informa que a prática psicoterápica:
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“significa encontro real entre duas pessoas, numa relação paritária, onde ambos
estão sob uma única luz: o fato de estar e de ser no mundo, numa tentativa de
compreender, de experimentar de reavaliar, de fortalecer, de singular o que
significa de fato existir”.(p.75)
Ante tais considerações, a prática psicoterápica serve como orientação que enfoca a pessoa
enquanto totalidade concreta, a relação autêntica entre terapeuta e cliente e estímulo ao
autoconhecimento como instrumento de crescimento individual.
Assim, o papel da psicoterapia envolve o conhecimento teórico, a vivência técnica, o vínculo
autêntico com o cliente, a satisfação com o trabalho, além do desenvolvimento pessoal do
outro e de si mesmo como seres humanos. Para tanto, faz-se necessário que o psicoterapeuta
invista na síntese pessoal da teoria e da técnica, de forma a não escravizar nem a uma nem à
outra. Um constante “empacamento” do psicoterapeuta iniciante pode servir para melhor
elucidar a não escravização à teoria e à técnica com relação às regras do processo
psicoterápico. Em virtude disso, as normas contextualizadas e flexibilizadas têm que ser
digeridas e assimiladas pelo psicoterapeuta, a fim de que se estabeleça um claro vínculo
entre profissional e cliente. (Cardoso, 1985)
Conforme preceitua Erthal (1989) cada relação terapeuta/cliente é um encontro existencial
único e irrepetível e, portanto, impensável como sujeito a um método ou sistema qualquer.
Assim, a única maneira que um homem pode assistir psicoterapeuticamente a outros é
favorecendo o desenvolvimento total de suas possibilidades, a realização de seu projeto
através de sua categoria de existente e nada mais. Com base nessa afirmativa, toda
compreensão parte diretamente do homem, ou seja, o ser humano só pode ser compreendido
a partir de si mesmo, ainda que imerso e bloqueado em sua problemática, é o melhor
intérprete de suas emoções, de sua realidade obstruída. Diante disso, o objetivo da terapia é
descobrir o que cada um dos comportamentos do indivíduo significa através da experiência.
Santos (2004) assevera que a terapia centrada na pessoa enfatiza a importância fundamental
da experiência subjetiva e pré-reflexiva como critério de conhecimento. Assim, a partir do
ponto de vista fenomenal do cliente o papel do terapeuta será o de procurar a compreensão
da consciência vivencial de si e do mundo.
Outra questão a ser enfatizada é que na psicoterapia deve haver compreensão da existência
em sua totalidade, rompendo com a fragmentação e coisificação impostas ao homem por um
sistema sócio-econômico que aniquila seus anseios existenciais mais básicos. Portanto, se
esse encadeamento de fatos não for alterado, dificultará o paciente na busca do reencontro
de sua dignidade existencial. (Camon, 1995)
Vale ressaltar, que cabe ao psicoterapeuta existencial proporcionar uma maximização da
autoconsciência visando favorecer um aumento do potencial de escolha, com vista a
proporcionar uma ajuda efetiva ao cliente no sentido de descobrir-se e de autogerir-se,
ajudando-o a aceitar os riscos de suas próprias decisões responsáveis, com aceitação da
liberdade de ser capaz de utilizar suas próprias capacidades para existir.
Entretanto, para que essa potencialidade ocorra é preciso considerar o que afirmam, Rogers
e Kinget(1975) apud Erthal, (1989) ao dizer que o clima em que o encontro terapêutico
ocorre é caracterizado pelas atitudes de aceitação incondicional, compreensão empática e
respeito pelo cliente como pessoa. Afirmam ainda, que o terapeuta tem que ser sensível às
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relações humanas para poder compreender o cliente, tanto no que diz respeito à suas
limitações emocionais quanto a suas potencialidades. A segurança de sentir-se aceito libera
o cliente para experimentar seu próprio ser. Deve também, agregar posturas de pessoa auto
congruente e transparente, envolver-se com o cliente como pessoa total, pois caso contrário
não poderá compreender efetivamente o outro e as suas incongruências, o que impede de
ajudar o cliente a se perceber como ser-no-mundo.
Considera-se importante destacar que a psicoterapia não substitui a motivação para o
desenvolvimento ou crescimento pessoal, pois é elemento inerente ao organismo,
equivalente a tendência no animal humano para se desenvolver e atingir a maturidade física,
associado a certas condições mínimas favoráveis. Entretanto, a terapia desempenha um papel
relevante na libertação e no processo de facilitação da tendência do organismo para um
desenvolvimento psicológico ou para a sua maturidade, quando houve bloqueio dessa
tendência. (Rogers, 1997)
O terapeuta deve ter consciência de que o objetivo da relação terapêutica visa favorecer a
autoconfiança, auto crescimento, autodeterminação e autonomia do cliente, cujas mudanças
não serão alcançadas tão rapidamente. A abertura a experiência permitirá uma melhor
compreensão e mais aceitação nas atitudes em relação aos outros, corroborando para tornarse mais adaptativo, mais apto a enfrentar situações de forma criativa.
Rogers (1997) assevera que quanto mais o terapeuta conseguir ser genuíno na relação mais
útil será, portanto, deve estar consciente dos seus próprios sentimentos o mais que puder ao
invés de apresentar uma fachada externa de uma atitude, ao mesmo tempo em que mantém
outra atitude em nível mais profundo ou inconsciente. Acrescenta que ser genuíno envolve
a disposição para se expressar com suas palavras e comportamento os vários sentimentos e
atitudes que existem verdadeiramente. Portanto, recomenda que somente ao apresentar a
realidade genuína que existe nele (terapeuta) que a outra pessoa (cliente) pode procurar pela
realidade em si com êxito.
Vale ressaltar que nem sempre o terapeuta é capaz de alcançar um tipo de relacionamento
transparente onde seus sentimentos reais se mostrem evidentes e com uma compreensão
empática profunda que possibilite ver o mundo particular do cliente através dos seus olhos,
entretanto o bom resultado da psicoterapia está intimamente ligado à empatia e ao respeito
crescente que se estabelecem entre cliente e terapeuta.
OS PRIMEIROS ENCONTROS TERAPÊUTICOS
PSICOTERAPEUTA EM FORMAÇÃO
VIVENCIADOS
PELO
Em geral os terapeutas estreantes anteveem seu encontro inicial com os clientes vivendo
sentimentos ambivalentes, independentemente de seu grau de embasamento acadêmico e
prático. Sentem-se dominados pela ansiedade com possibilidades de perguntarem-se: O que
vou dizer? Serei capaz de ajudar alguém? O que acontecerá se eu errar? Será que meu cliente
volta? E se voltar o que vou fazer em seguida? E se eu cometer erros terríveis? Saberei o que
fazer? Essas situações de ansiedade podem ser consideradas normais, entretanto, se
demasiadas, talvez acabe com toda a confiança a ser utilizada com possibilidades de paralisar
o desempenho satisfatório. (Corey, 1983)
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Ainda com as informações de Corey (1983) é importante que os psicoterapeutas em
formação estejam cientes de que não precisam sobrecarregar-se com a necessidade de serem
perfeitos. Ter consciência de que erros, com certeza serão cometidos, tanto pelos iniciantes
quanto pelos mais experientes. É importante frisar, que os clientes não são tão frágeis a ponto
de fracassarem na vida por causa de atuações pouco consistentes do terapeuta. Nesse sentido,
emerge a necessidade de que os psicoterapeutas em formação possam partilhar os deslizes e
equívocos junto aos supervisores, pois somente quando se dispõem a revelar as incertezas
aos colegas e supervisores, há a possibilidades de se extrair algum benefício, o qual se
converterá em atuações mais coerentes.
De acordo com Banaco (1993) é exigido do terapeuta que ele seja uma pessoa isenta de
sentimentos e preconceitos em relação aos clientes devendo estar aberto a todo problema
que se apresente, procurando entender tudo que é trazido para o setting terapêutico.
Entretanto, há que se considerar que o terapeuta tem sua história de vida, sentimentos e
emoções.
Nesse sentido, o encontro terapêutico há que compreender o homem a partir de sentimentos,
sensações, emoções, de tudo que é por ele vivenciado, com a recusa de aceitá-lo enquanto
máquina, provido de mecanismos reguladores. Portanto, o amor, o ódio e outros sentimentos
vivenciados devem ser apreendidos e respeitados na sua essência e não por especulações
teóricas de coisificação do homem. (Camon, 1995)
Para os discentes em formação existem muitos temas que causam grandes impactos no
desempenho profissional, alguns deles serão listados: a) valores morais, éticos, religiosos
muito diferentes, b) identificação com problema do cliente, c) conteúdos de interpretação
equivocados, d) inveja da situação do cliente e muitos outros baseados na história de vida de
cada terapeuta. (Banaco, 1993)
No que diz respeito aos valores morais éticos e religiosos diferentes, verifica-se que o
terapeuta se conduz baseado em regras modeladas ao longo da vida, que divergem das regras
seguidas pelo cliente. Associado a isso, surge o grande perigo dos terapeutas em formação
desejarem impor ao cliente novas regras, transformando-os em clones morais.
Na questão relativa à identificação com o problema do cliente, observa-se que, muitas vezes,
o cliente traz um evento já vivenciado pelo terapeuta como aversivo, deixando-o numa
situação de choque inescapável. Nesse contexto, intensos sentimentos são mobilizados e o
desempenho analítico pode ser incompatível.
Já com relação aos conteúdos de interpretação equivocados, tendo em vista a incipiência e
inconsistência prática, o terapeuta iniciante pode tomar a diretriz oposta daquela apresentada
no encontro terapêutico, produzindo assim, sentimentos de frustração e pensamentos
negativos concorrentes aos comportamentos adequados para a sessão. Esse movimento
desencadeia no terapeuta um sentimento de improdutividade e de inadequação dentro do
espaço terapêutico, quando em contrapartida deveria ser propulsor de movimentos
construtores e facilitadores para o cliente.
Sobre o tema inveja da situação do cliente tem-se que quando o terapeuta percebe que o
cliente, apesar de munido por um comportamento de queixa constante e sentimento de
infelicidade, ainda assim demonstra encontrar-se melhor que o próprio terapeuta. Nesse
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sentido, é difícil para o terapeuta manter um comportamento paciencioso, levando-o,
geralmente, a demonstrações agressivas.
Ante os impactos discorridos anteriormente há que salientar a existência de condutas que o
terapeuta deve seguir, a exemplo de que deve estar calmo para fazer um bom atendimento.
Situações de ansiedade para os psicoterapeutas iniciantes são comuns, entretanto, o controle
comportamental adequado associado às vivências da supervisão vão sendo administrados,
ocasionando a busca do estado de espontaneidade e motivação construtiva.
De acordo com Boris, (2008) a partir do enfoque fenomenológico existencial há algumas
considerações sobre a situação do psicoterapeuta iniciante: 1) é comum a parca apreensão
dos conceitos e temas do enfoque, bem como de seus recursos técnicos e de seu manejo, 2)
como reação a sua carência teórica e técnica o terapeuta iniciante adota frequente posturas
escamoteadoras de sua insegurança, 3) a ausência de realização de seu próprio processo
psicoterápico pessoal é um sério agravante da situação do psicoterapeuta iniciante, com
repercussões preocupantes no acompanhamento da clientela, como o mau manejo de
sentimentos negativos, tanto dele quanto do cliente, 4) descompromisso e pouca
disponibilidade com a pessoa do cliente são comuns, voltando-se mais a seus interesses ou
a seu vínculo com a tarefa ou a instituição, 5) a carência de auto suporte interno leva o
psicoterapeuta iniciante a buscar apoio excessivo no uso de técnicas, em detrimento do
desenvolvimento de uma atitude compreensiva.
Vale ressaltar que Cardoso (1985) destaca o fato de que muitos psicoterapeutas iniciantes
vivenciam sintomatologias semelhantes às de seus clientes, o que possibilita dificuldade de
contato ou envolvimento extremo, com intuito de resolver seus problemas através do outro,
ou inadequação das intervenções, concorrendo para desistência do processo psicoterápico
por parte do cliente, ou, por vezes, a um abandono (concreto ou através de atitude de
distanciamento) por parte do psicoterapeuta. Nesse sentido, a importância do próprio
processo psicoterápico do psicoterapeuta, junto à supervisão de profissionais experientes e
competentes, é de extrema importância, pois adentrar na morada existencial de seu cliente,
pode ser um terreno perigoso e cheiro de armadilhas, Portanto, é necessário o estudo do
psicoterapeuta iniciante, no que se refere ao enfoque fenomenológico-existencial.
Outro ponto a ser considerado acerca das dificuldades do psicoterapeuta iniciante trata-se de
que em nossa cultura e sociedade a representação social do psicoterapeuta é a de um “expert”
em mudança psicológica. Ele é visto como um indivíduo que adquiriu, através de anos de
estudos, um conhecimento teórico que lhe habilita a discernir o que é o adequado, o correto,
o maduro e o ideal para o comportamento das pessoas. Assim, passa a ser considerado
possuidor de um “poder” de avaliar e orientar a conduta dos indivíduos. Portanto, uma das
dificuldades enfrentada pelo terapeuta centrado na pessoa, é a de abrir mão dessa
representação social e não se colocar na relação terapêutica como um expert, detentor de um
saber e de um conhecimento “superior” ao do cliente. (Tambara & Freire, 2000)
Verifica que, muitas vezes, o psicoterapeuta iniciante investe no apoio excessivo no uso de
técnicas, tendo em vista a carência de auto suporte interno em detrimento do
desenvolvimento de uma atitude compreensiva. Vê-se, continuamente, diante de situações
angustiantes, pois se percebe incompleto quanto ao referencial teórico, bem como se sente
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inexperiente quanto a vivências pessoais e profissionais que provavelmente possibilitariam
maior segurança. Assim, busca suporte externo para os conflitos da prática clínica,
esquecendo-se de que sua própria pessoa é seu principal instrumento de trabalho, para além
das técnicas e mesmo das teorias. (Boris, 2008)
VENCENDO OS OBSTÁCULOS DOS PRIMEIROS ENCONTROS
Faz-se mister refletir e discutir que não há como se conceber a estrutura da psicoterapia se
não se estabelecer a junção dos pacientes com a própria vida sem si mesma. A única forma
pela qual um homem pode assistir psicoterapeuticamente a outros é favorecendo o
desenvolvimento de suas possibilidades e a realização de seu projeto por meio de sua
categoria existente. O psicoterapeuta deve ter claro que o encontro terapêutico traz em si os
acertos, desatinos e perspectivas do encontro humano em tudo que esse possa abarcar em
termos de riqueza, possibilidades e desdobramentos existenciais. (Camon, 1995)
O embasamento teórico para o psicoterapeuta iniciante é de essencial importância, uma vez
que um apego à teoria proporciona construção de uma defesa contra sua própria insegurança
acercando-se de uma postura formal, intelectual ou perfeccionista. Nessa circunstância
Cardoso (1985) assevera “O terapeuta, desta forma, evita pensar no vínculo com o paciente,
e acredita seriamente que os seus aspectos emocionais devem ser neutralizados e que só o
seu intelectual deve existir para a compreensão do outro"
Para atuar como terapeuta Benjamin (2004) considera como básico trazer para a entrevista
precisamente tanto de nós mesmos quanto sejamos capazes, detendo-se naquilo que possa
constituir obstáculo ao entrevistado (cliente) ou negar a ajuda que ele necessita. Deve-se
também, sentir o quanto possível desejamos ajudá-lo, reconhecendo que nada naquele
momento é mais importante. Isso possibilita ao cliente, tomar consciência do melhor fazer
do terapeuta, com desenvolvimento da confiança e convicção de respeito à sua
individualidade.
Para tanto, quando as manifestações do entrevistador/terapeuta forem sentidas como
verdadeiras pelo entrevistado/cliente não há necessidade de expressões tipo: “Pode confiar
em mim”. Isso é validado pelo interesse que é sentido e demonstrado pelo terapeuta,
coadunados com a compreensão das atitudes e sentimentos do cliente. Nessa circunstancia,
as expressões faciais falam muito. Movimentos e gestos completam o quadro, apoiando,
negando, confirmando, rejeitando ou embaraçando. O tom da voz se revela permitindo ao
cliente decidir se existe confirmação ou não da verdade. (Benjamin, 2004).
Corroborando com estas informações Rogers e Kinget (1975) informam que para evocar
uma relação empática e não-diretiva há que se optar por modalidades da ação interpessoal
focados nos aspectos: cooperativos, respeitoso, destituídos de elementos de autoridade
indevida ou intenções manipuladoras, portanto um profissional que não prescreve, não
aconselha e não guia, abstendo-se de tomar a iniciativa de fazer perguntas.
Nesse contexto, o terapeuta deve funcionar principalmente como um facilitador do
crescimento pessoal ajudando o cliente a descobrir suas próprias aptidões para solução de
problemas. Em vista disso, a capacidade é do cliente e este deve indicar o caminho e a própria
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direção no processo de terapia. Assim, a relação terapeuta/cliente é a catálise necessária à
mudança, o cliente utiliza esta relação única como um meio de ampliar sua consciência e
descobrir recursos latentes a serem empregados construtivamente na transformação de sua
vida. (Corey, 1983)
Algumas características são consideradas necessárias ao terapeuta para que ele possa ser
efetivamente um facilitador do processo terapêutico do cliente. Faz-se necessário que já
tenha experenciado o processo de mudança terapêutica, pois precisa confiar neste processo.
O terapeuta não pode ter medo de se lançar neste caminho desconhecido que é a mudança
terapêutica. Esta confiança de que o movimento de mudança leva a uma vida de maior
fluidez e autenticidade, esta certeza de que o processo terapêutico, por mais doloroso e
ameaçador que possa parecer ao cliente, é um processo que conduz ao crescimento, só pode
ser obtida se o terapeuta também já tiver vivido este processo. (Tambara & Freire, 2000)
Em outro giro, se o terapeuta for congruente ou transparente, de maneira que as suas palavras
estejam de acordo com os seus sentimentos, em vez de divergirem, se desenvolve uma
simpatia incondicional pelo cliente, se compreende os sentimentos essenciais, então há uma
forte probabilidade de que essa relação de ajuda seja eficaz. (Rogers, 1997)
Assim, na tentativa de vencer estes obstáculos, as atitudes e a maneira de ser do terapeuta
são os desencadeantes da mudança da personalidade do cliente, pois o terapeuta pode usar a
si mesmo como instrumento de mudança cuja função é estabelecer um clima terapêutico que
facilite o crescimento do cliente na busca de abandonar suas defesas rígidas e integrar
aspectos anteriormente negados ou distorcidos. (Corey, 1983)
Reportando-se a Barros & Porchat (2006)
“ ser terapeuta é ser um aproveitador. É aproveitar o “lixo”, os restos, as
partes abandonadas, a desgraça do cliente e, é claro, o que ele tem de bom
e sadio, para com ele criar e recriar comportamentos, descobrir
possibilidades, novos arranjos de si mesmo. É participar do trabalho de
significar e ressignificar a identidade de uma pessoa” (p.18).
Nesse sentido, o cliente terá no psicoterapeuta alguém cuja atitude básica é estar-junto nesse
processo de busca e crescimento existencial, de forma a fazê-lo refletir sobre o quanto a
existência pode estar comprometida pela perda do sentido de vida e, mesmo diante da dor e
sofrimento existem outras possibilidades existenciais. (Camon, 1995)
Cardoso (1985 p. 21) assevera que as atitudes e as posturas do psicoterapeuta "não podem
ser ensinadas, mas podem ser aprendidas. Estas atitudes básicas são: fé, confiança, aceitação
e respeito”. Fé e confiança se referem à crença no potencial do cliente de encontrar seu
próprio caminho. Aceitação e respeito são atitudes compreensivas fundamentais na
facilitação desta busca do cliente, através do encontro existencial propiciado pela
psicoterapia. Em vista disso, as atitudes do psicoterapeuta são essencialmente educativas,
visando não apenas à apreensão de determinados conteúdos, mas de uma "pedagogia da
vida" (Boris, 1992, p. 62).
Por fim, é possível orientar que ser psicoterapeuta sustentado na Abordagem Centrada na
Pessoa requer uma síntese pessoal própria de um conjunto de atitudes desenvolvidas a partir
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de atividades ligadas à vida do próprio psicoterapeuta, entre as quais se incluem a supervisão
de profissionais competentes e experientes, a inclusão em um processo psicoterápico
próprio, a abertura a experiências pessoais e profissionais, a inserção em processos de
formação ou treinamento sistemáticos e o estudo dedicado do enfoque teórico. (Boris, 2008)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos sobre a formação dos psicoterapeutas iniciantes no contexto da prática clínica
apontam diversas dificuldades a serem enfrentadas tais como: receios, medo, insegurança,
ansiedade, tensão, associados a uma disponibilidade para compreender os sentimentos,
sofrimentos e angústias que emergem na relação entre terapeuta/cliente. Entretanto, ao
consultar as referências existentes, mesmo reconhecendo que cada profissional deve
desenvolver uma forma peculiar de colocar seus pressupostos em prática, observa-se que há
atitudes que se proporcionadas por um orientador ou terapeuta serão previsivelmente
seguidas de algumas mudanças de personalidade e comportamento construtivos do cliente,
ou seja, se o terapeuta proporcionar uma relação em que ele for genuíno, internamente
consistente; aceitador, prezando o cliente como pessoa de valor; empaticamente
compreensivo com relação ao mundo particular de sentimentos e atitudes do cliente, concluise que certas mudanças ocorrerão no cliente, o que favorece posturas mais realista em suas
auto percepções, mais confiante e auto diretivo, mais positivamente valorizado, socializado
e adaptativo em seu comportamento. Por conseguinte, há que se compreender que para um
psicoterapeuta em formação estas orientações serão absorvidas e efetivamente aplicadas no
curso da prática profissional, com resultados favoráveis na medida em que se extrai da teoria
o necessário e suficiente para a execução na prática.
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Boris, Georges Daniel Janja Bloc. (2008) O caso Vera: análise fenomenológico-existencial
de uma experiência “fracassada” ou dos dilemas e dos impasses dos psicoterapeutas
Isaura Santana Costa Carvalho
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http://www.psilogos.com/Revista/Vol1N2/Indice2_ficheiros/Santos.pdf
Isaura Santana Costa Carvalho
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