1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A ATUAÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE NO ATENDIMENTO FISIOTERÁPICO DE CRIANÇAS PORTADORAS DE PARALISIA CEREBRAL DE UM A TRÊS ANOS. Por: JOSANA NUNES Orientador: Prº Vilson Sérgio de carvalho Rio de Janeiro Julho de 2005. 2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A ATUAÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE NO ATENDIMENTO FISIOTERÁPICO DE CRIANÇAS PORTADORAS DE PARALISIA CEREBRAL DE UM E TRÊS ANOS. Por: Josana Nunes Apresentação de Monografia à Universidade Candido Mendes, como condição prévia para a conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Psicomotricidade. São objetivos da monografia perante o curso e não os objetivos do aluno. Orientador: Profº Vilson S. de Carvalho Rio de Janeiro Julho de 2005. 3 METODOLOGIA Esta pesquisa foi desenvolvida, através de bibliografias atualizadas sobre o assunto em pauta e também baseou-se na observação diária do atendimento de crianças portadoras de paralisia cerebral com idade entre um e três anos na unidade de atendimento da Instituição Beneficente Sodalício da Sacra Família, cito à rua Alzira Brandão, 281, Tijuca, Rio de Janeiro (RJ). 4 RESUMO Este estudo teve como objetivo, a pesquisa bibliográfica e a observação diária do atendimento fisioterápico e psicomotor de crianças portadoras de Paralisia Cerebral, com idade de um a três anos na unidade de atendimento da Instituição Beneficente Sodalício da Sacra Família, cito à rua Alzira Brandão, 281, Tijuca, Rio de Janeiro. Pelo que foi observado e pesquisado, fica claro que as crianças portadoras de paralisia cerebral, com suas características complexas devem ser estimuladas corporalmente, para interagir e se colocar em contato com o meio, desenvolvendo assim suas potencialidades. Dentro deste estudo vamos, observar algumas técnicas fisioterápicas e psicomotoras existentes na literatura e algumas adaptações para o dia-a-dia destas crianças, afim, de lhes proporcionar um maior domínio deste corpo até então desconhecido para elas. Palavras Chaves: Paralisia Cerebral / Fisioterapia / Psicomotricidade. 5 Agradecimentos Ao Mestre Jesus cristo, por ter me dado o Dom e a habilidade de trabalhar com Reabilitação. À minha Família por acreditar e investir no meu potencial. Ao meu amado namorado pela paciência durante a execução deste trabalho. Enfim a todos os meus amigos do curso que direta ou indiretamente ajudaram neste trabalho. 6 INTRODUÇÃO Esta pesquisa bibliográfica apoiou-se no estudo sobre a importância da psicomotricidade como ferramenta fundamental da fisioterapia, no que tange o atendimento da criança com Paralisia Cerebral. Sabe-se que a fisioterapia é uma ciência que tem por objetivo prevenir ou reabilitar o indivíduo perante suas incapacidades, reintegrando-o às suas atividades normais. (Barbosa, 1991). Sendo assim, e considerando as características do desenvolvimento sensório-motor do paralisado cerebral, vemos que a fisioterapia tem importante contribuição para o trabalho psicomotor. Estudiosos, como Levitt (1982), consideram que a deficiência física, na criança, leva a limitação de movimentos, interferindo na “aquisição de sensações e percepções das coisas cotidianas”. Além disso, no paralisado cerebral a presença dos reflexos tônicos altera o seu tônus postural, dificultando uma movimentação normal. A falta das reações de retificação e de equilíbrio não permite que a criança se ajuste às posições que necessita. Através da estreita relação entre motricidade, mente e afetividade, a psicomotricidade propicia o domínio do próprio corpo, desenvolvendo as funções da inteligência e a expansão da emoção, favorecendo o equilíbrio biopsicossocial da criança. Para tanto, este desenvolvimento e essa adaptação social dependem em grande parte das 7 possibilidades que a criança adquire de mover-se e de descobrir-se, bem como descobrir o mundo que a cerca. A pesquisa tem como propósito inicial mostrar o desenvolvimento normal do Sistema Nervoso Central (SNC) e a partir daí, todas as alterações que ocorrem no período embrionário. No decorrer deste trabalho, serão citados vários autores, tanto da área da psicomotricidade quanto da fisioterapia, a fim de enriquecer o trabalho com suas experiências no atendimento de crianças com paralisia cerebral, objetivando um melhor desenvolvimento das habilidades motoras, num processo de autonomia e independência. O trabalho está exposto da seguinte forma: - em cinco capítulos, todos embasados teoricamente por autores diversos. No primeiro capítulo temos a descrição do desenvolvimento do sistema nervoso central, desde seu estágio inicial, no útero até sua completa formação ao nascimento. Já no segundo capítulo falaremos um pouco dos aspectos pré-natais que são os responsáveis pelo desenvolvimento da paralisia cerebral. O terceiro capítulo ainda falando da paralisia cerebral, mais detalhadamente, sobre seus aspectos neuropatológicos e fisiopatológicos, onde descrevemos também os tipos mais comuns de paralisia cerebral, que afetam as crianças ainda na primeira infância. 8 No quarto capítulo, temos alguns dos itens principais que devem observados durante o exame neurológico e que servem de sinais de alerta no diagnóstico da paralisia cerebral. Por fim, no último capítulo abordamos a importância da psicomotricidade como ferramenta fundamental da fisioterapia no atendimento dessas crianças e no seu desenvolvimento global e social. Concluída a apresentação deste trabalho, na sua forma, desejo que o seu conteúdo possibilite ao leitor conhecer um pouco do complexo universo da criança desenvolvimento neuropsicomotor. com paralisia cerebral e o seu 9 CAPÍTULO I - Desenvolvimento Do Sistema Nervoso Central 10 Um ser humano inteiro pode se desenvolver a partir de uma única célula fertilizada. Como é o extraordinariamente complexo sistema nervoso gerado durante o desenvolvimento? Influências genéticas e ambientais agem sobre células durante todo o processo do desenvolvimento, estimulando o crescimento, a migração e a diferenciação das células e até mesmo a morte celular e a retração axônica para criar o sistema nervoso maduro. Alguns desses processos são completados no período intra-uterino, enquanto outros continuam durante os primeiros anos após o nascimento. O conhecimento dos primórdios do sistema nervoso é essencial para a compreensão dos distúrbios do desenvolvimento e útil para o conhecimento da anatomia do sistema nervoso adulto. 1.0 - ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO NO ÚTERO Os seres humanos passam por três estágios do desenvolvimento no período intra-uterino: pré-embrionário, embrionário e fetal. Estágio Pré-Embrionário O estágio pré-embrionário dura da concepção até a 2ª semana. A fertilização do óvulo se dá geralmente na trompa uterina. O óvulo fertilizado, uma célula única, inicia a divisão celular ao descer pela trompa uterina até a cavidade do útero (fig.5-1). Uma esfera celular sólida é formada por divisões celulares repetidas. Abra-se, a seguir, uma cavidade na esfera de células. Nesse estágio do desenvolvimento a esfera é designada como blastocisto. A camada mais externa do blastocisto vai se tornar a contribuição fetal para a placenta e a massa celular interna, o embrião. O blastocisto se implanta no endométrio uterino. Durante a implantação, a 11 massa celular interna se desenvolve no disco embrionário, consistindo em duas camadas: ectoderma e endoderma. Logo se forma uma terceira camada celular, o mesoderma, entre as duas outras camadas. 12 Estágio Embrionário Durante o estágio embrionário, da segunda semana até o final da oitava, são formados os órgãos (fig.5-2). O ectoderma se desenvolve em órgãos sensórios, epiderme e sistema nervoso. O mesoderma se desenvolve em derme, músculos, ossos e sistemas excretor e circulatório. O endoderma se diferencia e torna-se o trato digestivo, fígado, pâncreas e sistema respiratório. Estágio Fetal O estágio fetal dura do final da oitava semana até o nascimento. O sistema nervoso se desenvolve mais plenamente e tem início a mielinização (isolamento dos axônios por tecido adiposo). O sistema nervoso se desenvolve a partir do ectoderma, a camada celular mais externa do embrião. 1.1 - FORMAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO A formação do sistema nervoso se dá durante o estágio embrionário e tem duas fases. Primeiro, o tecido que vai se tornar o sistema nervoso coalesce e forma um tubo que corre ao longo do dorso do embrião. Quando as extremidades do tubo se fecham, começa a segunda fase, a formação do encéfalo. 13 1.2 – FORMAÇÃO DO TUBO NEURAL (Dias 18 a 26) O sistema nervoso começa como um espessamento longitudinal do ectoderma, designado como placa neural (ver fig. 5-2 a). A placa se forma na superfície do embrião e se estende da cabeça à região da cauda, em contato com o líquido amniótico. As bordas da placa se dobram para formar o sulco neural, e as dobras crescem uma em direção à outra (ver fig.5-2b). Quando as dobras se tocam (dia 21), está formado o tubo neural (ver fig.5-2c). O tubo neural se fecha primeiro na futura região cervical. A seguir, o sulco se fecha rapidamente em direção rostral e caudal, deixando extremidades abertas designadas como neuroporos (ver fig, 5-2d). Células adjacentes ao tubo neural se separam do tubo e do ectoderma remanescente e formam a crista neural. Depois que a crista se desenvolve, o tubo neural e a crista neural se movem para dentro do embrião. O ectoderma sobrejacente (destinado a tornar-se a camada epidérmica da pele) se fecha sobre o tubo e a crista neural. O neuroporo superior se fecha por volta do 27º dia e o inferior cerca de 03 dias depois. Por volta do 26º dia, o tubo se diferencia em dois anéis concêntricos (ver fig.5-2d). A camada do manto (parede interna) contém corpos celulares e vai se tornar a substância cinzenta. A camada marginal (parte externa) contém processos das células, cujo corpo está localizado na camada do manto. A camada marginal se desenvolve em substância branca, consistindo em axônios e células gliais. O encéfalo e a medula espinhal se desenvolvem inteiramente a partir do tubo neural. 14 1.2.1 - RELAÇÃO DO TUBO NEURAL COM OUTRAS ESTRUTURAS EM DESENVOLVIMENTO Quando o tubo neural se fecha, o mesoderma adjacente se divide em aglomerados celulares esféricos denominados somitos (ver fig.52b). Os somitos em desenvolvimento fazem com que apareçam saliências na superfície do embrião (fig. 5-3). Os somitos aparecem primeiro na futura região occipital e novos somitos são adicionados em direção caudal. A parte ântero-medial de um somito, o esclerótomo, torna-se as vértebras e o crânio. A parte póstero-medial do somito, o miótomo, torna-se os músculos esqueléticos. A parte lateral do somito, o dermátomo, torna-se a derme (fig. 5-4). 15 Enquanto as células da camada do manto proliferam no tubo neural, formam-se sulcos de cada lado do tubo, separando-o em seções ventral e dorsal (fig.5-4). A seção ventral é a placa motora (também denominada placa basal). Os axônios de corpos celulares localizados na placa motora crescem para fora do tubo, inervando a região miotônica do somito. Com a continuação do desenvolvimento essa associação leva à formação de um miótomo: um grupo de músculos derivados de um somito e inervados por um único nervo espinhal. O termo miótomo tem, então, dois significados: (1) uma seção embriológica do somito; (2) depois do estágio embrionário, um grupo de músculos inervados por um nervo espinhal segmentar. Neurônios cujo corpo celular se encontra na placa basal tornamse neurônios motores, que inervam músculos esqueléticos, e interneurônios. Na medula espinhal madura, a substância cinzenta derivada da placa basal é denominada corno ventral. 16 A seção dorsal do tubo neural é a placa associativa (também denominada placa alar). Na medula espinhal esses neurônios proliferam e formam interneurônios e neurônios de projeção. Na medula espinhal madura, a substância cinzenta derivada da placa associativa é denominada corno dorsal (ver fig.5-4). Os neurônios na região dorsal do tubo neural processam informações sensoriais. Neurônios com corpo celular na região ventral inervam o corno dorsal (ver fig.5-4). A crista neural separa-se em duas colunas, uma de cada lado do tubo neural. Essas colunas se dividem em segmentos que correspondem às áreas dérmicas dos somitos. As células da crista neural formam neurônios sensoriais periféricos, células de mielina, neurônios autonômicos e órgãos endócrinos (medula supra-renal e ilhotas pancreáticas). As células que se tornam neurônios sensoriais periféricos emitem dois processos: um deles se liga à medula espinhal e o outro inerva a região do somito que vai se tornar a derme. Assim como o termo miótomo, dermátomo tem dois significados: (1) a área do somito que vai se tornar a derme; e (2) depois do estágio embrionário, a derme inervada por um único nervo espinhal. Os neurônios sensoriais primários transmitem informações de receptores sensoriais à placa associativa. Os corpos celulares dos neurônios sensoriais periféricos estão fora da medula espinhal, no gânglio da raiz dorsal. Até o terceiro mês fetal os segmentos medulares espinhais estão adjacentes às vértebras correspondentes e as raízes dos nervos espinhais se projetam lateralmente a partir da medula espinhal. À maturação do feto a coluna vertebral cresce mais rapidamente que a medula espinhal. Em conseqüência, a medula espinhal adulta termina ao nível vertebral L1-L2. 17 Caudalmente aos níveis torácicos as raízes dos nervos espinhais se dirigem inferiormente até chegar aos forames intervertebrais (fig.5-5). Na medula espinhal adulta a cavidade do tubo neural persiste como o canal central. O sistema nervoso periférico, com exceção dos axônios dos neurônios motores, desenvolve-se a partir da crista neural. 1.3 - FORMAÇÃO DO ENCÉFALO (Começa no 28º dia) Quando o neuroporo superior se fecha, a futura região cerebral do tubo neural se expande e forma três dilatações (fig.5-6): o encéfalo posterior (rombencéfalo), encéfalo médio (mesencéfalo) e encéfalo anterior (prosencéfalo). Logo aparecem duas outras dilatações, dotando o encéfalo de cinco regiões distintas. Assim como seu precursor, o tubo neural, as dilatações são ocas. No sistema nervoso maduro as cavidades cheias de líquido são denominadas ventrículos. 18 O encéfalo posterior se divide em duas seções; a seção inferior tornase o mielencéfalo, e a superior, o metencéfalo. Estas se diferenciam, posteriormente, para se tornarem a medula oblonga, a ponte e o cerebelo. Na parte superior do encéfalo posterior o canal central se expande e forma o quarto ventrículo. A ponte e a medula oblonga são anteriores ao quarto ventrículo, e o cerebelo, posterior. No cerebelo a camada do manto dá origem tanto a núcleos profundos como ao córtex. Para se tornarem o 19 córtex, os corpos das células da camada do manto migram através da substância branca até o lado externo. A dilatação mesencefálica conserva seu nome, mesencéfalo, durante todo o desenvolvimento. O canal central torna-se o aqueduto cerebral no mesencéfalo, ligando os terceiro e quarto ventrículos. A região posterior do prosencéfalo permanece na linha média e torna-se o diencéfalo. As estruturas principais são o tálamo e o hipotálamo. A cavidade da linha média forma o terceiro ventrículo. A parte anterior do prosencéfalo torna-se o telencéfalo. A cavidade central se expande e forma os ventrículos laterais (fig.5-7). O telencéfalo torna-se os hemisférios cerebrais; os hemisférios se expandem tanto que englobam o diencéfalo. Os hemisférios cerebrais consistem em núcleos profundos, incluindo os núcleos da base (grupos de corpos celulares); substância branca (contendo axônios); e o córtex (camadas de corpos celulares na superfície dos hemisférios). Ao se expandirem ventrolateralmente para formar o lobo temporal, os hemisférios adquirem uma forma de C. Em conseqüência desse padrão de crescimento, certas estruturas internas, incluindo o núcleo caudado (parte dos núcleos da base) e os ventrículos laterais, também adquirem a forma de um C (fig.5-8). 20 21 1.3.1 - DESENVOLVIMENTO CONTINUADO DURANTE O ESTÁGIO FETAL As áreas laterais dos hemisférios não crescem tanto quanto outras áreas, e, em conseqüência, uma seção do córtex é coberta por outras regiões. A região coberta é a insula, e as bordas das pregas que cobrem a insula se encontram para formar o sulco lateral. No encéfalo maduro, a insula é revelada se o sulco lateral for aberto. As superfícies dos hemisférios cerebrais e cerebelares começam a se dobrar, formando sulcos, depressões na superfície, e giros, elevações da superfície. A Tabela 5-1 resume o desenvolvimento cerebral normal. 1.4 - DESENVOLVIMENTO DO NÍVEL CELULAR Os processos de desenvolvimento progressivos de proliferação, migração e crescimento celulares, extensão de axônios a células-alvo, formação de sinapses e mielinização dos axônios são balanceados por processos regressivos que remodelam amplamente o sistema nervoso durante o desenvolvimento. As células epiteliais que revestem o tubo neural se dividem produzindo neurônios e glia. Os neurônios migram até sua localização final por um de dois mecanismos: (1) enviar um processo delgado até a superfície cerebral e, então, se puxar ao longo do processo (Brittis e Silver, 1994); ou (2) escalar a glia radial (células longas que se estendem do centro até a superfície do encéfalo). Os neurônios se diferenciam apropriadamente após migrarem para a sua localização final. A função de cada neurônio – visual, auditivo, motor, e assim por diante – não é geneticamente determinada. A função depende, isto sim, da área do encéfalo para a qual o neurônio migra. 22 Células-filhas de uma célula-mãe específica podem assumir uma função inteiramente diferente, dependendo do local para onde migram. Como neurônios numa região do sistema nervoso acham as células-alvo certas em outra região? Por exemplo, com os neurônios no córtex dirigem seus axônios encéfalo abaixo para fazer sinapse com neurônios específicos na medula espinhal? Um processo emerge do corpo celular do neurônio. A extremidade anterior do processo se expande e forma um cone de crescimento, que faz uma amostragem do ambiente, entretanto em contato com outras células e com indicações químicas. O cone de crescimento se retrai de alguns compostos químicos por ele encontrados e avança a outras regiões em que os quimioatrativos são especificamente compatíveis com as características do cone de crescimento. Quando o cone de crescimento faz contato com sua célulaalvo, logo se formam vesículas sinápticas e microtúbulos que terminavam anteriormente no ápice do cone de crescimento, projetam-se até a membrana pré-sináptica. A membrana pós-sináptica adjacente vem apresentar uma concentração de locais receptores devido à liberação continuada do neurotransmissor. Ao início do desenvolvimento, formam-se muitos neurônios que não sobrevivem. A morte neural elimina até metade dos neurônios formados durante o desenvolvimento de algumas regiões cerebrais. Os neurônios que morrem são, provavelmente, aqueles que não conseguiram estabelecer conexões ótimas com suas células-alvo ou eram demasiado inativos para manter sua conexão. Portanto, o desenvolvimento depende, em parte, da atividade. Alguns dos neurônios que sobrevivem retraem seus axônios de certas células-alvo, deixando intactas outras conexões. No sistema nervoso maduro, por exemplo, uma fibra muscular é inervada apenas por um axônio. Durante o desenvolvimento vários axônios 23 podem inervar uma célula muscular individual. Essa inervação polineural é eliminada por volta da 25ª semana em seres humanos em desenvolvimento (Hesselmans et al. 1993). Esses dois processos regressivos, morte neuronal e retração axônica, esculpem o sistema nervoso em desenvolvimento. As conexões neuronais esculpem também a musculatura em desenvolvimento. Experimentos que alteram as conexões de um neurônio motor a uma fibra muscular demonstram que o tipo de fibra muscular (contração rápida ou lenta) depende da inervação. Músculos de contração rápida são convertidos a contração lenta caso inervados por um neurônio motor lento, e músculos de contração lenta podem ser convertidos a contração rápida caso inervados por um neurônio motor rápido (Buller et al. 1960). Antes que neurônios com axônios longos se tornem plenamente funcionais, seus axônios de vem ser isolados por uma bainha de mielina, composta de lipídios e proteínas. O processo de aquisição de uma bainha de mielina é a mielinização. O processo tem início no quarto mês fetal: muitas bainhas estão completas ao final do terceiro ano de vida. O processo se dá com velocidades diferentes em cada sistema. As raízes motoras da medula espinhal, por exemplo, estão mielinizadas por volta da idade de um mês, mas os tratos que enviam informações do córtex para ativar neurônios motores não estão totalmente mielinizados, e, portanto, não estão plenamente funcionais, a não ser quando a criança chega à idade de dois anos, aproximadamente. Portanto, se os neurônios que se projetam do córtex cerebral a neurônios motores forem lesados no período perinatal, podem não ser observados déficits motores senão depois que a criança for maior. Se alguns dos neurônios corticais que controlam os movimentos dos membros inferiores forem lesados ao nascimento, por exemplo, o déficit 24 pode não ser reconhecido até que a criança tenha mais de um ano de idade e apresente dificuldades em ficar de pé e caminhar. Esse é um exemplo de crescer até o déficit: danos ao sistema nervoso que ocorreram anteriormente não se evidenciam senão quando os sistemas lesados tenham se tornado normalmente funcionais. Tabela 5-1 RESUMO DO DESENVOLVIMENTO CEREBRAL NORMAL CAPÍTULO II 25 CAPÍTULO II - Aspectos Pré-Natais Determinantes Da Paralisia Cerebral 26 2.0 - DISTÚRBIOS DO DESENVOLVIMENTO: NO ÚTERO E DANO PERINATAL DO SISTEMA NERVOSO. O sistema nervoso central é mais suscetível a malformações graves entre o 14º dia e a 20ª semana, quando as estruturas fundamentais do sistema nervoso estão se formando. Depois desse período, o crescimento e a remodelagem continuam; contudo, as lesões causam distúrbios funcionais e/ou malformações menores. 2.1 – AVALIAÇÃO PRÉ-NATAL DOS FATORES DETERMINANTES DA PARALISIA CEREBRAL. A Paralisia Cerebral (PC) é um evento clínico de etiologia complexa, por vezes múltipla, e que pode ter sua origem no período prénatal. A hemorragia intraventricular em grau avançado é importante fator para o desenvolvimento posterior de lesões neuromotoras, e a avaliação materno-fetal adequada possibilita a identificação precoce dos fatores predisponentes antenatais, muitas vezes permitindo a prevenção ou atenuação de complicações subseqüentes. A paralisia cerebral de origem pré e perinatal pode ser dividida em quatro grandes grupos: as malformações no sistema nervoso central, as infecções congênitas, os quadros de hipoxia aguda e crônica e a ocorrência de prematuridade.Este último grupo que deve ser avaliado de modo distinto por comportar a etiologia da maior parte dos casos de PC e onde a intervenção obstétrica mais necessita concentrar esforços para seu controle clínico. Estas medidas serão de extrema importância no estabelecimento do prognóstico pós-natal imediato e a longo prazo. 27 Independentemente de sua etiologia, a paralisia cerebral experimenta íntima relação com o período pré-natal. Estudos avaliando crianças de 03 anos de idade mostram que anormalidades congênitas estão presentes em praticamente 20% dos quadros da doença (Croen e cols., 2001). 2.1.1 – IMPORTÂNCIA DA PREMATURIDADE Entre todos os parâmetros perinatais determinantes do prognóstico neurológico, a prematuridade concentra a atenção clínica mais relevante, seja porque é o evento mais prevalente entre os fatores etiológicos da paralisia cerebral, através da facilitação da ocorrência de hemorragia intracraniana, seja porque os esforços clínicos para a diminuição de sua incidência têm mostrado repetidos insucessos nas medidas de profilaxia, identificação do risco e introdução de terapêuticas efetivas. A introdução de novos fármacos para controle das contrações uterinas prematuras e o conhecimento de novos fatores determinantes da prematuridade, como a redução do comprimento do colo uterino e a colonização vaginal por microorganismos patógenos, não foram capazes de diminuir o número de partos prematuros (Vayssiere e cols., 2002). As drogas clássicas em uso para tratamento do trabalho de parto prematuro, incluindo a ritodrina, beta-miméticos, antagonistas de canal de cálcio e sulfato de magnésio mostram resultados desanimadores no prolongamento da gestação, além de possuírem efeitos colaterais materno-fetais consideráveis e não melhorarem o resultado neonatal. Por outro lado, os progressos mais notáveis na Medicina Fetal e Reprodução Humana permitiram gestações em mulheres antes consideradas inférteis e que agora têm a concepção em idades mais tardias e com maior risco de gestação múltipla. Ao mesmo tempo, os procedimentos diagnósticos e terapêuticos pré-natais, como a biópsia de vilo corial, a amniocentese, cordocentese e as cirurgias fetais, 28 possibilitam diagnóstico e terapêutica mais acurados no feto, aumentam a incidência de prematuridade através do maior número de rotura de membranas pré-termo. Patologias obstétricas relacionadas à prematuridade apresentam altos índices de complicações pós-natais, imediatas e tardias. As patologias hemorrágicas da placenta, deslocamento prematuro e a placenta prévia, pioram o prognóstico neurológico posterior, mesmo quando a incidência de complicações é corrigida para a idade gestacional. Os casos de prematuridade ligada a deslocamento prematuro da placenta estão associados a maior incidência de paralisia cerebral quando comparados a casos de prematuridade associada a placenta prévia ou trabalho de parto prematuro (Matsuda ecols., 2003). A identificação pré-natal das gestações em risco elevado de deslocamento de placenta, principalmente a síndrome antifosfolípide e préeclâmpsia grave, com terapia adequada a cada situação, incluindo o uso de ácido acetilsalicílico, heparina e intervenção obstétrica para o parto, favorece um resultado gestacional satisfatório, reduzindo as chances de hipoxia aguda em um evento obstétrico mais freqüente em fetos já submetidos a condições de hipoxemia crônica. 29 2.2 – FATORES ANTENATAIS DETERMINANTES DA HEMORRAGIA INTRAVENTRICULAR 2.2.1 – HIPOXIA INTRA-ÚTERO A relação direta entre hipoxemia, hipercapnia e acidosa intraútero com pior prognóstico neurológico a longo termo é bastante conhecida, e vários estudos na literatura quantificam estas alterações nos anos subseqüentes ao nascimento (Ward & Beachy, 2003). A hemorragia intracraniana neonatal ocorre junto à matriz germinal subpendimária, provavelmente por uma fragilidade endotelial em vasos submetidos previamente a condições de isquemia. As células do plexo coróide parecem ser especialmente vulneráveis à necrose em caso de episódio hipóxico / isquêmico nos cérebros imaturos, enquanto as células ependimárias e subependimárias adjacentes mostram sinais de edema e regeneração posterior, sendo mais resistentes à hipoxia (Rothstein & Levison, 2002). Deste modo, o controle adequado das condições fetais que levam à hipoxia pode influir positivamente no prognóstico pós-natal. No período fetal, as modificações dos índices gasométricos podem ocorrer em caráter agudo, como na hipertonia uterina, prolapso de cordão umbilical ou deslocamento prematuro de placenta. Apesar destas patologias, a hipoxemia e acidose fetal são mais prevalentes nos quadros de insuficiência placentária crônica, desenvolvida e agravada ao longo de várias semanas gestacionais, em conseqüência dos quadros de doença hipertensiva específica da gestação, doenças auto-imunes, vasculopatias maternas e quadros idiopáticos. Neste grande intervalo entre uma gestação normal e grave comprometimento perinatal, existe toda uma progressão do quadro fetal que pode ser avaliada através de métodos não–invasivos, 30 permitindo condutas obstétricas que reduzem de modo significativo as complicações pós-natais. 2.2.2 – SOFRIMENTO FETAL (HIPOXIA CRÔNICA) O sistema nervoso central (SNC) do feto está formado ao final da 8ª semana embrionária. A partir desta idade, inicia-se um processo de desenvolvimento contínuo que se estende muito além do período neonatal. Neste processo, várias funções vitais controladas pelo SNC vão surgindo a cada período, conforme o estágio de desenvolvimento dos tecidos cerebrais. Algumas funções biofísicas fetais foram determinadas na época de seu aparecimento e em sua estrutura cerebral de controle. As funções vitais como tônus muscular, respiração e manutenção da freqüência cardíaca são controladas por estruturas nervosas consideradas mais primitivas na escala de desenvolvimento filogenético. As funções mais especializadas surgem mais tardiamente e são controladas por tecidos cerebrais de surgimento posterior na escala de evolução, usualmente o córtex cerebral. Estes tecidos mais especializados são mais suscetíveis à hipóxia, e quadros de queda da concentração de O² nos tecidos fetais afetam primeiramente estas funções, antes daquelas atividades cerebrais de manutenção da vida. O sofrimento fetal crônico origina-se primariamente de um processo de redução da quantidade de oxigênio e metabólitos que são transferidos através da placenta. Durante o desenvolvimento placentário, a invasão das artérias miometriais pelo trofoblasto, destruindo a camada 31 musculoelástica destes vasos, é essencial para a diminuição da resistência do fluxo sanguíneo uterino. Este fenômeno é chamado de invasão trofoblástica, e sua ausência ou ocorrência incompleta forma a base para a má perfusão das áreas de troca feto-materna na placenta, observada mais freqüentemente nas doenças vasculares maternas, doenças auto-imunes, gestações múltiplas, diabetes e causas idiopáticas. No lado fetal da placenta ocorrem freqüentemente fenômenos de trombose das vilosidades placentárias, dificultando ainda mais a realização de trocas gasosas. A má perfusão ocasiona um problema em duas vias, uma vez que o oxigênio necessário aos tecidos fetais não atinge sua circulação, bem como o dióxido de carbono formado na respiração celular fetal não pode ser eliminado completamente para o organismo materno, originando a hipercapnia. 2.2.3 – MECANISMO DE PROTEÇÃO CEREBRAL NA HIPOXIA INTRA-ÚTERO O feto em hipoxia crônica desenvolve um mecanismo de proteção das estruturas vitais ao seu crescimento e desenvolvimento. Modificações hemodinâmicas ocorrem em todo o organismo com o objetivo de priorizar o fornecimento de sangue aos órgãos nobres, essencialmente o cérebro, o coração e as supra-renais. Estes órgãos sofrem uma dilatação progressiva de seus vasos, aumentando o aporte sanguíneo de oxigênio e nutrientes. Por outro lado, órgãos considerados menos nobres sofrem uma constrição vascular, diminuindo o metabolismo nestas regiões, principalmente os rins, pulmões, intestinos e tegumento. O sangue oxigenado que chega ao feto através da veia umbilical é direcionado preferencialmente ao ducto venoso, que possui um direcionamento ao átrio esquerdo, a partir do qual será enviado às artérias coronárias e carótidas, irrigando o miocárdio e o sistema nervoso central. 32 Este mecanismo de compensação tem como objetivo o fornecimento de maiores aportes de oxigênio a órgãos mais suscetíveis à hipoxia. O tecido cerebral fetal é extremamente sensível à baixa dos teores de O² e acidose celulares resultante da insuficiência placentária. A queda do pH abaixo de 7.20 é observada durante a evolução do quadro obstétrico e, nos estágios mais avançados, um pH próximo ou inferior a 7.00 está associado a maiores índices de paralisia cerebral subseqüente (Manning e cols.,1997). 33 CAPÍTULO III - PARALISIA CEREBRAL: Aspectos Neuropatológicos e Fisiopatologia 34 Paralisia cerebral (PC) engloba um série de síndromes clínicas heterogêneas, decorrentes de distúrbios neuropatológicos nãoprogressivos do encéfalo. Por questões didáticas, a abordagem neuropatológica aqui presente orienta-se pela classificação usual: formas espástica, discinética e atáxica. 3.0 - PC ESPÁSTICA Os circuitos neurais responsáveis pelos reflexos tendinosos fornecem aos centros mais altos do sistema nervoso central (SNC) um mecanismo de ajuste do tônus muscular sob diferentes circunstâncias. Desordem deste tônus são freqüentemente associadas a lesões das vias motoras descendentes, porque a intensidade dos reflexos de estiramento é controlada por centros cerebrais mais altos. A forma mais comum de hipertonia é a espasticidade, que se caracteriza por reflexos tendinosos hiperativos e aumento na resistência de músculos submetidos a estiramento rápido. Uma força lentamente aplicada sobre um músculo, em um paciente com espasticidade, pode desencadear pouca resistência. Entretanto, quando a velocidade do estiramento é progressivamente aumentada, a resistência muscular também se intensifica na mesma proporção. Desta maneira, a espasticidade é primariamente um fenômeno fásico. Em alguns pacientes, no entanto, a espasticidade tem também um componente tônico, não-fásico, em que o reflexo de contração persiste mesmo após o músculo não ser mais alongado. 35 A fisiopatologia da espasticidade é pouco clara. Por muito tempo, atribuiu-se a presença de reflexos de estiramento exacerbados na espasticidade a uma hiperatividade dos neurônios motores gama, secundária à lesão das vias supra-espinais inibitórias. Experimentos recentes, no entanto, afirmam que a espasticidade pode ser explicada pela diminuição da inibição pré-sináptica dos neurônios motores alfa. Nesta última hipótese, os interneurônios, que exercem uma inibição pré-sináptica sobre as fibras aferentes Ia, estariam insuficientemente ativos, devido ao distúrbio supra-espinal, ocasionando uma descarga excessiva dos neurônios motores alfa. Este mecanismo de intensa facilitação da transmissão na via de reflexo monossináptico das fibras sensoriais Ia para os neurônios motores alfa é o fundamento básico para algumas abordagens terapêuticas da espasticidade. Um destes procedimentos terapêuticos é a mimetização da inibição pré-sináptica nos terminais das fibras Ia, através da administração intratecal de baclofeno na medula espinhal. Esta droga é agonista dos receptores do ácido gama-aminobutírico (GABA). A ligação do GABA a estes receptores diminui o influxo de cálcio nos terminais pré-sinápticos, reduzindo a liberação dos neurotransmissores. Nas formas hemiplégicas da PC espástica, os achados mais comuns são as lesões císticas em território de artéria cerebral média, que podem ser de origem pré e perinatal. Em alguns casos há evidências de insulto hipóxico, mas a maioria dessas lesões não tem sua etiologia bem definida. 36 Lesões subcorticais periventriculares predominantes em um dos hemisférios, resultantes de leucomalacia periventricular ou outros eventos isquêmicos, também são freqüentes. Dilatação de um ventrículo lateral e irregularidades de sua parede são os aspectos mais vistos nestas lesões. O exame microscópico mostra perda neuronal e gliose de extensão variada. Outras lesões menos comuns encontradas nas hemiplegias são as disgenesias cerebrais (principalmente esquizencefalia, hemimegalencefalia e polimicrogiria), leucomalacia hemorrágica, infartos hemorrágicos periventriculares, hemorragias intraparenquimatosas e algumas lesões diencefálicas. Nas formas quadriplégicas há uma alta incidência de disgenesias e processos destrutivos, tais como hidranencefalia e encefalomalacia multicística. As lesões corticais e subcorticais estão freqüentemente acompanhadas de insultos ao tronco cerebral e aos núcleos da base, em muitos casos de quadriplegia. Outro grupo etiopatogênico relevante nestas formas de PC são as infecções do SNC, com destacada importância para as infecções herpéticas. Leucomalacia periventricular (LPV) é a lesão mais freqüente na formas diplégicas. O acometimento das fibras motoras internas adjacentes aos ventrículos laterais, em topografia de seus ângulos externos, explica os déficits motores predominantes em membros inferiores nestes casos. Hemorragia periintraventricular com hidrocefalia secundária também é uma possível causa de diplegia. Apesar comprometimento dos membros superiores, nos do habitual casos de maior lesões 37 parassagitais (localizadas nas zonas limítrofes dos territórios de irrigação das artérias cerebrais), há relatos de diplegia nestes padrões de isquemia. 3.1 – PC DISCINÉTICA A base fisiopatológica das paralisias cerebrais discinéticas é uma lesão do sistema extrapiramidal, especialmente núcleos da base (caudado, putâmen e pálido) e outros núcleos correlatos (p.ex., núcleo subtalâmico). Não existem projeções dos núcleos da base para a medula, e suas atividades moduladoras são exercidas sobre o córtex, via tálamo. Experimentalmente, lesão do núcleo caudado e do putâmen provoca hipercinesia (coreoatetose); os insultos ao núcleo pálido ocasionam hipocinesia, e as lesões do núcleo subtalâmico são responsáveis pelos balismos. As encefalopatias hipóxico-isquêmica e bilirrubínica são as principais causas de PC discinética. Há um maior envolvimento do núcleo caudado e putâmen nos eventos hipóxico-isquêmicos (status marmoratus) e do globo pálido no kernicterus (status dysmyelinatus). 3.2 – PC ATÁXICA Os mecanismos neuropatológicos da PC atáxica são pouco conhecidos. Tanto as lesões displásicas quanto as destrutivas do cerebelo podem ser encontradas, e sua diferenciação dificilmente é feita através dos exames de imagem. Aicardi relata que a aplasia do vermis cerebelar pode ser a causa de ataxia congênita, mas em alguns casos com ausência total do vermis não se observam sintomas clínicos. Entretanto, muitos pacientes 38 com síndrome de Joubert expressam ataxia e desequilíbrio, apesar de terem preservadas largas porções do vermis. As disgenesias cerebelares hemisféricas também podem apresentar uma pobre correlação clínico-patológica. 39 CAPÍTULO IV - EXAME NEUROLÓGICO: Sinais de Alerta na Paralisia Cerebral 40 4.0 - COMO DETECTAR PRECOCEMENTE A PARALISIA CEREBRAL? Nos casos graves, especialmente aqueles acompanhados de micro ou macrocefalia associada a malformações do sistema nervoso central (SNC), o diagnóstico pode ser facilmente estabelecido no primeiro trimestre de vida. Além da evidente alteração do perímetro cefálico, ocorrerá importante atraso no desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM), e o ultrasom transfontanelar, a TC ou a RM cerebral confirmarão a lesão. Prematuridade, sofrimento fetal agudo ou encefalopatia hipóxico-isquêmica, principalmente se seguida de atraso no DNPM e microcefalia, devem alertar para o risco de paralisia cerebral. Entretanto, algumas crianças apresentarão déficit cognitivo, com ou sem distúrbios de comportamento ou epilepsia, sem alterações motoras que permitam o diagnóstico de paralisia cerebral. Nos casos mais leves de paralisia cerebral, as alterações podem não ser características antes do 6º ou mesmo 9° mês de vida (ou de idade corrigida para crianças nascidas antes do termo da gestação). O perímetro cefálico pode ser normal e o comprometimento motor pouco nítido, no primeiro semestre. Nessa situação, antes de se solicitarem exames complementares, deve-se ter o cuidado de elaborar uma anamnese para investigar os seguintes itens: · História familiar e consangüinidade entre os pais (para diagnóstico diferencial com doenças hereditárias); 41 · Fatores de risco perinatais, com especial atenção à hipoxia e às infecções congênitas – TORCH. Bossa serossangüínea (BSS) de grande volume indica trabalho de parto demorado, com dificuldade mecânica na passagem da criança. Se a BSS se acompanhar de alterações neurológicas no período neonatal, tais como hipotonia, hipoatividade, irritabilidade, tremulações, é sinal de que houve sofrimento fetal agudo; · Palato ogival, polegar fixado em flexão-adução e cavalgamento de suturas podem estar associados à lesão cerebral pré-natal; · Atraso nas etapas do DNPM. O exame neurológico, realizado por profissional experiente, permitirá a detecção de alterações mais discretas do tônus ou da movimentação, já no primeiro trimestre, que alertarão para a necessidade de exames complementares, de acompanhamento neurológico e de indicação precoce de tratamentos terapêuticos ocupacional e/ou fisioterápico ou fonoaudiológico. Prettch e cols. (1997) utilizam como método para o diagnóstico precoce de distúrbios neurológicos a análise dos movimentos corporais, entre seis e 20 semanas após o nascimento a termo ou de idade corrigida, para recém-nascidos pré-termo. 42 4.1 – PONTOS RELEVANTES 4.1.1 – MEDIDA DO PERÍMETRO CEFÁLICO A medida do perímetro cefálico deve ser comparada à de uma curva de referência, como a do NCHS (National Center for Health Statistics Percentiles). Considera-se microcefalia a medida abaixo de dois desviospadrão (2DS) da média ou do 50° percentil (p50), e macrocefalia, a medida acima de dois desvios-padrão (2DS) das mesmas referências. É importante lembrar que cerca de 50% das variações do tamanho do crânio são familiares e que recém-nascidos pré-termo normais apresentam perímetro cefálico maior, nos três primeiros meses após o termo, devido à configuração elíptica do crânio (escafocefalia). Em presença de fechamento precoce da fontanela anterior, acompanhado de atraso no DNPM e/ou de alterações neurológicas, deve-se supor evolução para microcefalia. A craniossinostose de todas as suturas é geralmente acompanhada de lesão subjacente do SNC. Alterações a serem pesquisadas: · Atraso ou má qualidade nas etapas do desenvolvimento (considerar a idade corrigida para os recém-nascidos pré-termo); · Sinais anormais: um sinal isolado tem menos valor do que a associação de vários sinais. A gravidade da alteração é relacionada à sua importância funcional; a hipotonia axial é mais grave do que a hipotonia isolada dos membros. 43 4.2 – SINAIS DE ALERTA NO PRIMEIRO SEMESTRE 4.2.1 – TÔNUS CERVICAL · Hipotonia dos músculos flexores Na manobra de tração dos membros superiores, para levar a criança do decúbito dorsal para a posição sentada, a cabeça não acompanha o tronco. Isso ocorre de modo isolado, nos casos mais leves. · Hipotonia dos músculos extensores Na posição sentada, a cabeça fica inclinada para frente ou cai para frente com o cansaço. Havendo hipotonia cervical, qualquer movimento do tronco desencadeia oscilações da cabeça. · Hipertonia dos músculos extensores (musculatura cervical posterior) Na posição sentada, o pescoço não flexiona e o queixo não encosta no esterno. Se a hipertonia for discreta, a flexão repetida do pescoço (4 a 5 vezes), com a criança em decúbito dorsal, causará aumento do tônus dos músculos extensores, o que é percebido pela resistência à flexão. 4.2.2 – TÔNUS DOS MEMBROS · Pode aumentar, bruscamente, com o choro ou riso, ou ao contato cutâneo (flutuação do tônus, nos atetósicos). A criança fica rígida e em extensão; · Mãos freqüentemente fechadas durante a vigília calma; 44 · Resistência e limitação da amplitude do movimento do membro superior, na manobra do cachecol (Fig.2-2); · Hipertonia de membros inferiores, com diminuição do ângulo dos músculos adutores do quadril e dos ângulos poplíteos (m. isquiotibiais); · Aumento do ângulo de dorsiflexão do pé, com eqüinismo, indicativo de retração do tendão de Aquiles; · Artelhos em hiperextensão ou muito fletidos; · Assimetria: a assimetria do reflexo de Moro ou do reflexo de preensão palmar (grasping), se associada a alterações do tônus, da força muscular e dos reflexos profundos, ocorre na paralisia braquial e na hemiparesia. Neste último caso, o exame neurológico também revelará assimetria de postura, de tônus e de força muscular, no membro inferior homolateral ao déficit do membro superior. Outros Sinais: · Estrabismo: unilateral, geralmente convergente, freqüente nas encefalopatias definitivas, leves ou graves. · Irritabilidade, caracterizada por: - tremulações ou clonais, espontâneas ou desencadeadas pelo manuseio; - distúrbios do sono; - choro constante e difícil de acalmar; - sobressalto resultante da percussão sobre o esterno. 45 · Excitabilidade: reflexo de Moro e sobressaltos espontâneos freqüentes; barulho leve, contato brusco com a criança ou mudança rápida de posição provocam sobressalto ou reflexo de Moro; · Persistência do reflexo tônico-cervical assimétrico (RTCA), principalmente se desencadeado com facilidade, imediato e brusco, de modo espontâneo ou com a rotação passiva da cabeça. O padrão postural do RTCA consiste na extensão dos membros do lado da face e flexão dos membros do lado oposto (posição do esgrimista). A extensão, porém, pode predominar no membro superior ou no inferior, ou ocorrer apenas maior relaxamento do tônus dos membros correspondentes à face, sem extensão completa. Esse reflexo desaparece entre o terceiro e o quarto mês de vida (ou de idade corrigida para recém-nascidos pré-termo); · Desinteresse: olhar vago, acompanhamento visual inconstante, atenção lábil, pouco interesse pelo objeto que é levado à boca, sem ser olhado ou manipulado; · Alterações da mobilidade: pobreza de movimentos, que são lentos e necessitam de muito estímulo para aparecer, ou movimentos anormais, bruscos, estereotipados e repetitivos. A associação desses sinais revela comprometimento global do SNC. Nesse caso, reavaliações periódicas da criança e indicação de tratamentos específicos são necessárias. No 3º mês, inicia-se a fase de hipotonia fisiológica dos membros, primeiro nos membros superiores e, após o 4º ou 5º mês, nos 46 membros inferiores. A partir do 3º mês, toda criança que mantém as mãos freqüentemente fechadas deve ser submetida a avaliação neurológica. Aos seis meses, ainda pode existir leve hipotonia de tronco que causa discreta cifose toracolombar, na posição sentada. Dos oito aos nove meses, há melhora do tônus e do equilíbrio axial e surgem os movimentos de inclinação e rotação do tronco. As reações de proteção para frente (reação de pára-quedista) e para os lados estão presentes. Também nesse período os balbucios, o contato com as pessoas e o interesse por objetos são constantes. 4.2.3 – ANORMALIDADES DO 6° AO 9º MÊS Nas formas graves de paralisia cerebral, principalmente na discinética, há persistência do RTCA. · Hipotonia de tronco Nessa faixa etária, a hipotonia do tronco é sempre associada à hipotonia cervical, especialmente da musculatura extensora. Para avaliar o tônus de tronco, em presença de hipertonia de membros inferiores, a criança deve ser colocada sentada na borda da cama de exame, com os membros inferiores pendentes, se possível com a fossa poplítea encaixada na borda da cama. · Hipertonia da musculatura posterior do tronco Evidenciada pela impossibilidade de flexionar os membros inferiores sobre o abdome, com a criança em decúbito dorsal (manobra de flexão passiva do tronco), ou pela presença de opistótono. 47 · Membros Superiores Mãos fechadas, às vezes, próximas aos ombros (braços abduzidos e antebraços fletidos – postura em “candelabro”); Limitação e resistência mais acentuadas na manobra do cachecol; Persistência do “jogo das mãos” (etapa normal do 3º mês); Preensão lenta e difícil e, em alguns casos, com movimentos anormais que podem ser a manifestação precoce de atetose; · Membros Inferiores Rigidez dos membros inferiores, que dificulta a posição sentada e causa reação de sustentação imediata, intensa e continua. Essa rigidez, geralmente associada ao aumento do ângulo de dorsiflexão do pé (eqüinismo), deve ser verificada pela avaliação dos ângulos poplíteos (m. isquiotibiais) e do ângulo dos m. adutores do quadril, anormalmente pequenos. Hiper-reflexia osteotendinosa e, às vezes, clono dos pés podem ser observados. · Assimetria no tônus corporal - Hemiparesia: comprometimento global do tônus, porém assimétrico. As crianças portadoras de alterações motoras leves no primeiro ano de vida, sem lesão detectável do SNC, podem não apresentar paralisia cerebral. Muitas dessas alterações são transitórias e parecem representar disfunções que se manifestarão, na idade escolar, por distúrbios de aprendizagem ou de comportamento, ou por transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Para as crianças consideradas de risco, cabe ao pediatra especial atenção à curva de crescimento do perímetro cefálico e às etapas do desenvolvimento neuropsicomotor, para que a detecção de paralisia 48 cerebral seja realmente precoce. Quanto mais cedo a criança for encaminhada para avaliação e tratamentos especializados, melhor será sua adaptação e de seus familiares à situação, e maior a possibilidade de prevenção dos problemas secundários ao quadro neurológico. 49 CAPÍTULO V – FISIOTERAPIA E PSICOMOTRICIDADE 50 5.0 - FISIOTERAPIA A Fisioterapia enquanto profissão, cada vez mais tem adquirido importância significativa na área das Ciências da Saúde nas sociedades modernas. Enquanto ciência tem avolumado conhecimentos e experiências diversas, resultando de investigações e pesquisas teóricas e práticas nas suas diferentes áreas de atuação. Isto vem de encontro a sua consolidação como Ciência da Saúde, mostrando o seu real valor e necessidade como interventora no processo de promoção, manutenção e recuperação das condições de saúde da população. Outro fato a destacar é a sua natureza de ciência biopsicossocial, caracterizando-a como área de estudo e atuação que promove e possibilita uma interface com várias outras profissões da área de saúde. Entre elas citamos: Medicina, Odontologia, Ed. Física, Psicologia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Nutrição, Enfermagem, Bioengenharia, Psicomotricidade, etc. A medida em que as necessidades evoluem, surge a preocupação real com a educação e com a saúde. Nas sociedades ditas modernas, realmente existe uma necessidade de manutenção das condições de qualidade de vida e principalmente, de saúde. Esta preocupação que se manifestava, inicialmente, apenas na fase terciária e secundária, vai se transformando com o tempo e demonstrando uma real intervenção no aspecto primário da saúde. A Fisioterapia é uma arte milenar, profissão que já vem sendo praticada desde os nossos antepassados, desde a idade da pedra, época em que o homem pré-histórico buscava o sol, a água e o regato com águas cristalinas e frias para amenizar o seu sofrimento e amenizar sua dor. Tem- 51 se visto que, a utilização dos recursos físicos, água, luz, eletricidade, calor, frio e o movimento têm e vêm contribuindo bastante e a um longo tempo no sentido da promoção, preservação e recuperação das condições de saúde das populações, constituindo, assim, os recursos fisioterapêuticos. É notória a contribuição que a Fisioterapia vem dando ao campo da saúde em nosso País, devido à sua versatilidade, dinamicidade e principalmente necessidade. O Fisioterapeuta tem buscado e ocupado seu espaço profissional junto a creches, hospitais, centros de terapia intensiva, ambulatórios, clínicas geriátricas, entidades de excepcionais, clínicas especializadas, centros desportivos, clubes, instituições de ensino, postos de saúde, centros médicos, associações de pessoas portadoras de necessidades especiais, empresas e linhas de produção (órteses e próteses). Com certeza, a Fisioterapia é uma ciência ainda em construção, cujos paradigmas se encontram abertos e em franca evolução, sempre em busca do conhecimento científico, revertendo-o em prol de uma comunidade menos favorecida e carente de uma intervenção de saúde. A cada dia, cada vez mais, a Fisioterapia se solidifica, se enraíza através de uma base científica, firmando-se como ciência, expandindo-se na busca do oferecimento de uma atenção à saúde com qualidade e dignidade, caracterizando um novo perfil profissional nessa área de conhecimento humano, o qual, hoje se destaca em termos de atuação e interesse. 52 5.0.1. ATUAÇÃO DA FISIOTERAPIA NO TRATAMENTO DA CRIANÇA PORTADORA DE PARALISIA CEREBRAL Por: Ana Paula B. Gontijo / Valéria C.R. Cury / Josana Nunes. Em relação à abordagem de crianças com desordens de movimento, os trabalhos do neurofisiologista Karl Bobath e da fisioterapeuta Berta Bobath influenciaram e influenciam a prática clínica até os dias de hoje. BERTA BOBATH cita em um de seus últimos trabalhos publicados: “Desde que começamos o nosso trabalho, em 1943, temos aprendido constantemente. A experiência tem nos ensinado a mudar a nossa abordagem e nossa ênfase em certos aspectos do tratamento”.O conceito neuroevolutivo desenvolvido por estes autores é fundamental quando se pretende tratar crianças portadoras de paralisia cerebral. Berta Bobath desenvolveu protocolos de tratamento e técnicas baseadas em sua astuta observação clínica. No nível de estrutura e função do corpo, a criança com paralisia cerebral apresenta transformações progressivas em seu sistema musculoesquelético, que são caracterizadas por: - aumento da co-contração e modificação no padrão de ativação muscular; - fraqueza muscular ou produção insuficiente de potências; - modificações morfológicas do músculo e tecido conjuntivo; - alterações do alinhamento biomecânico; comprometimento da resistência cardiovascular, que ocorrem em resposta às exigências funcionais para a realização de movimentos. É papel de fisioterapeuta facilitar a independência e performance funcional da criança com paralisia cerebral em situações de sua rotina diária e também atuar preventivamente quanto à aquisição de 53 deformidades e dor causadas por sobrecarga e uso em alinhamento biomecânico inadequado de seu sistema musculoesquelético. 5.0.2. AVALIAÇÃO A avaliação fisioterapêutica tem como objetivo gerar informações para a tomada de decisões clínicas e deve ser conduzida e planejada sistematicamente. Quando se avalia um criança com paralisia cerebral e escutase a queixa de sua família, está-se determinando um problema que com freqüência, impede ou restringe sua participação em tarefas e atividades da rotina diária. Nessa estratégia, os processos de avaliação e intervenção enfatizam a função e a partir dela, são identificadas as habilidades específicas que se relacionam diretamente com a função deficitária. (Coster W. 1997; 85(5): 337-42). A avaliação da performance motora nesse contexto, considerando os recursos dinâmicos da criança, a relação entre as compensações primárias e secundárias, o grau de força e a capacidade de isolar a ação muscular, a flexibilidade, o alinhamento durante a postura e movimentação e a sua relação com o mecanismo que causa a deficiência do movimento, direciona o tratamento fisioterápico, tornando-o mais eficaz. Os problemas associados, como déficits visual, auditivo, sensorial, deficiência mental, dificuldades durante a alimentação, fala e respiração são abordados e, se possível, assoados durante a abordagem 54 fisioterápica. Portanto, é essencial o trabalho integrado entre os profissionais que atuam diretamente com a criança. 5.0.3. TRATAMENTO A partir dos dados obtidos na avaliação e da utilização do raciocínio clínico, o terapeuta seleciona as tarefas, atividades-alvo a serem abordadas na intervenção e elege as técnicas de tratamento a serem utilizadas. (Darra J; Law M; et al; 1995; 37: 731-9). O objetivo do terapeuta é otimizar os recursos dinâmicos que a criança dispõe, a partir da avaliação de suas propriedades (força, flexibilidade, mobilidade, estabilidade) e auxiliar a realização de uma atividade de forma mais eficiente. 55 PROGRAMA FISIOTERÁPICO · Prevenção de alterações do alinhamento musculoesquelético; · Mudanças na estrutura e composição muscular, restabelecendo suas propriedades mecânicas normais, são estimuladas (uso de órteses e equipamentos de posicionamento); · Alongamentos em descarga de peso; · Reorganização da movimentação ativa e voluntária; · Exercícios de facilitação neuromuscular, para melhorar a mobilidade e a estabilidade postural antigravitacional; · Fortalecimento muscular; · Melhora do condicionamento físico, para inclusão da criança com paralisia cerebral em atividades esportivas e sociais; · Treino de marcha em ambiente externo em velocidade e distância semelhantes; · Atividades para movimentar de forma isolada o tronco, pelve, quadril e tornozelos; · Atividades para facilitar o vestir/despir, parte inferior do corpo. 56 5.1 – PSICOMOTRICIDADE A palavra psicomotricidade foi criada, segundo vários autores, por Ernest Dupré em 1907, quando descreve a síndrome da debilidade motora e relaciona-a com debilidade mental, isolando perturbações como os tiques, as sincinesias e as paratonias, afirmando: “entre certas alterações mentais e as alterações motoras correspondentes, existe uma união tão íntima que parecem constituir verdadeiras paralelas psicomotoras”.(Dupré, 1909). Essas pesquisas pouco a pouco evoluíram do eixo neurológico e psiquiátrico para o fisiológico (1911) em que Head aborda o esquema postural, ou ainda psicanalítico com Schilder (1923) – uma das primeiras influências – sobre a imagem do corpo e o eixo psicológico em que receberam a influência marcante, visto que até hoje seus estudos são a base da psicomotricidade, de Wallon (apud Le Camus 1986), se interessa pela correlação entre caráter e motricidade, classificando as síndromes e os tipos psicomotores, mas ainda na visão mais neurológica da época. Ao mesmo tempo, na área da educação física Tissié, no início do mesmo século, esboçava timidamente as relações entre pensamento e movimento, visando sair um pouco da massificação física da época. Posteriormente a Tissié surge o chamado “Pai da Reeducação Psicomotora”, Gulman (1935), que no convívio com crianças portadoras de “distúrbios de caráter”, assume publicamente a necessidade de um exame, não apenas mensurável, mas de diagnóstico, indicação terapêutica e prognóstico, construindo um método apoiado nos conceitos anteriormente abordados aqui, e que serviu de modelo a muitos psicomotricistas sucessores. Em torno de 1930, surgiram vários testes motores, entre eles os 57 de: Gourevitch e Ozeretski; Ozeretski – Vayer (idade motora); testes de performance – motora, bateria de Walter, testes de Heuyer Bailler, testes de imitação de gestos de Bergès e Lèzine, perfil psicomotor de Picq e Vayer, etc., contudo a visão da psicomotricidade nessa época encerrava-se no olhar através da habilidade motora, onde o ser se comunicava com o mundo por meio motor. O limite do indivíduo. Os objetivos da prática eram prioritariamente reeducar a atividade tônica com exercícios de atitude e equilíbrio, desenvolver o controle motor com exercícios de inibição e desinibição e desenvolver atividades de relaxação com exercícios de dissociação e coordenação motora associados. 5.1.1. REABILITAÇÃO PSICOMOTORA – Segundo Vitor da Fonseca. Para Vitor da Fonseca (1995), o modelo psiconeurológico que temos vindo a apresentar reforça a noção de que qualquer comportamento ou aprendizagem da criança traduz uma dimensão psicológica por um lado e uma dimensão neurológica por outro, pois, dessa interação recíproca obtémse uma melhor compreensão sobre as dificuldades psicomotoras das crianças. Qualquer processo de aprendizagem, psicomotor ou cognitivo, é mediado pelo cérebro e concomitantes unidades funcionais. A aprendizagem dita “normal”, requer, naturalmente que o cérebro e as suas unidades funcionais estejam intactas e funcionem harmoniosamente (Fonseca, 1984). As dificuldades de aprendizagem, conseqüentemente sugerem que o cérebro e as sua unidades funcionais se encontram disfuncionais, até a ponto de impedir a organização psicomotora, perceptiva ou cognitiva. 58 Em reabilitação, o que conta é a criança, o seu potencial global adaptativo. Pensamos que a reabilitação psicomotora será tanto mais eficaz quanto maior for o grau de conscientização que se pode obter em termos de integridade, quer em termos de dificuldades. O conhecimento da função normal do cérebro na aprendizagem pode facilitar ao observador a captação dos processos psicológicos envolvidos. O conhecimento da estrutura cerebral e o seu funcionamento quer em termos de leitura, escrita ou cálculos, podem ajudarnos a compreender os problemas da criança. (Fonseca, 1979). Com base nesse parâmetro, podemos antever que uma criança com problemas na tonicidade e no equilíbrio (primeira unidade funcional), pode apresentar dificuldades de atenção seletiva, de inibição e de controle. As suas dificuldades ou hesitações na lateralização podem condicionar as suas aprendizagens simbólicas, a especialização hemisférica e a expressão de funções emocionais e da memória. Os problemas na noção do corpo podem prever problemas de exploração tátil, de reconhecimento do EU, de desorientação e orientação espacial aguda ou representada, a sugerir problemas ou imaturidade dos lóbulos parietais. As praxias, por seu lado, podem sugerir dificuldades na planificação motora e, por conseguinte, perspectivar que algo disfuncional ocorre nos lóbulos frontais. A reabilitação psicomotora tem de estar, portanto, integrada num sistema reabilitacional, que deve incluir diagnóstico, princípios motivacionais, análise de tarefas, modificação psicomotora, reabilitação experimental, desenvolvimento social, envolvimento familiar, envolvimento do médico e psicólogo. 59 A reabilitação psicomotora concebe o movimento como terapêutico se for orientado para um fim, para uma reação adaptativa, facilitando à criança a organização do seu próprio cérebro. Procura organizar as sensações, as percepções e as cognições, visando à sua utilização em respostas motoras adaptativas, previamente planificadas e programadas. Sabemos que a reabilitação psicomotora não pode substituir a cinesioterapia ou fisioterapia, nem se confundir com qualquer tipo de “ginástica ortopédica”, uma vez que não tem por objetivo uma readaptação funcional esquelética, articular ou muscular (Fonseca, 1976). Para lidar com o sucesso em reabilitação, nenhuma terapia isolada pode melhorar a função cerebral. O sucesso da intervenção reabilitacional está numa abordagem multiterapêutica. (Fonseca, 1995. p306312). Fig.6.1 60 61 CONCLUSÃO Esta pesquisa se baseou em situar a importância da psicomotricidade como uma ferramenta fundamental no trabalho da fisioterapia, no atendimento da criança com paralisia cerebral e no seu desenvolvimento global e social. Pela leitura do presente estudo, concluiu-se que a criança com paralisia cerebral não deve ter uma abordagem terapêutica individualizada, fica claro que a abordagem necessita ser global, pois, facilita bastante o trabalho terapêutico, dando à criança a oportunidade de se expor sem que ela se sinta tensa e insegura. Podemos observar também, que através do trabalho fisioterápico e psicomotor é possível proporcionar a essas crianças um ambiente bastante agradável, favorecendo assim o seu desenvolvimento global de adaptação e de integração, onde a relação interpessoal, corporal e afetiva colaborarão para sua comunicação e integração social, permitindolhe conviver com independência e autonomia. Enfim, faz-se necessário o desenvolvimento de mais pesquisas sobre o tema proposto e aperfeiçoamento das técnicas já existentes, para melhor abordagem desse público com características tão complexas no seu desenvolvimento e muitas das vezes de difícil abordagem. 62 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS · EKMAN, Laurie Lundy – Neurociência Fundamentos Para Reabilitação. 2ª ed. Americana. Elsevier, 2004,76-83p. · LIMA, C. L. A., Fonseca, L. F. – Paralisia Cerebral – Neurologia/Ortopedia/reabilitação. Medsi, 2004,03-22p. · LEVITT, Sophie. O Tratamento da Paralisia Cerebral e do Retardo Motor. 3ª ed. SP: Manole, 2001. · BOBATH, Berta, Karel Bobath – Desenvolvimento Motor nos Diferentes Tipos de Paralisia Cerebral. São Paulo: Manole, 1989. · FERREIRA, Carlos, A. M. – Psicomotricidade da Educação Infantil a Gerontologia – Teoria e Prática. São Paulo: Lovise, 2000. · FONSECA, Vitor – Manual de Observação Psicomotora – Significação Psiconeurológica dos Fatores Psicomotores. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995, 306-19p. · FERREIRA, Carlos, A. M., Thompson, Rita, Mousinho, Renata. – Psicomotricidade Clínica. São Paulo: Lovise, 2002, 131-4p. 63 · LEVIN, Esteban. – A Clínica Psicomotora – O Corpo na Linguagem. 6ª ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. 64 SUMÁRIO METODOLOGIA......................................................................................3 RESUMO..................................................................................................4 INTRODUÇÃO.........................................................................................6 CAPÍTULO I - DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL .................................................................................................9 CAPÍTULO II - ASPECTOS PRÉ-NATAIS DETERMINANTES DA PARALISIA CEREBRAL .......................................................................25 CAPÍTULO III - PARALISIA CEREBRAL: ASPECTOS NEUROPATOLÓGICOS E FISIOPATOLOGIA ...................................33 CAPÍTULO IV - EXAME NEUROLÓGICO: SINAIS DE ALERTA NA PARALISIA CEREBRAL .......................................................................39 CAPÍTULO V – FISIOTERAPIA E PSICOMOTRICIDADE ................49 CONCLUSÃO........................................................................................61 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................62