APLICAÇÃO DE SANÇÕES NOS CONTRATOS DO SISTEMA “S”

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APLICAÇÃO DE SANÇÕES NOS CONTRATOS DO SISTEMA “S”
Alice Bueno Gonzaga1
RESUMO: O objetivo deste artigo foi estudar a aplicação das penalidades do
Regulamento de Licitações e Contratos pelas entidades classificadas como Serviço
Social Autônomo, também conhecidas como integrantes do Sistema “S”, em
decorrência de falhas na execução dos contratos causadas pelos contratados. Será
abordada a compatibilização da sanção com a conduta, considerando-se que a
inadequação entre a sanção e a conduta pode ofender diversos princípios
administrativos e constitucionais, configurando ilegalidade, suscetível de correção.
Como objetivos específicos, analisa-se os limites que permeiam a prerrogativa de
aplicação de penalidade ao particular é um assunto que interessa diretamente às
empresas contratadas ou que têm intenção de contratar com as entidades do
Sistema “S”. Esse tema, também, se reveste de interesse público, visto que há que
se zelar pela legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência administrativa.
Desse modo, propõem-se avaliar a questão da obrigatoriedade de aplicação de
penalidades decorrentes de inexecução de contratos, e demonstrar que a
penalidade deve guardar relação íntima com os princípios administrativos e
constitucionais a fim de se evitar ofensa legal e constitucional.
Palavras-chave: Contratos, Regulamento de Licitações e Contratos do Sistema “S”,
Entidades do Sistema “S”.
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Aluna do Curso a Distância de Especialização em Direito e Gestão dos Serviços Sociais Autônomos – Instituto
Brasiliense de Direito Público - IDP.
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INTRODUÇÃO
Para fins deste estudo, deve-se assentar que os contratos das entidades
classificadas como Serviço Social Autônomo, também conhecidas como Sistema
“S”, são instituídos com contornos próprios que os tornam distintos das figuras de
Direito Privado. Tais contratos regem-se pelas regras e princípios do Direito
Administrativo, admitindo-se apenas a aplicação subsidiária das normas privadas
compatíveis com a natureza pública do instituto.
Desta forma, os pilares fundamentais do Direito Privado, que norteiam o
instituto do contrato, sucumbem ao regime de Direito Público. No campo do Direito
Privado entende-se por contrato a relação jurídica formada por um acordo de
vontades para criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações, em que as partes
obrigam-se reciprocamente a obrigação de dar, fazer ou não fazer alguma coisa.
Evidencia-se, portanto, que no campo privado o contrato parte do postulado
da autonomia da vontade e conclui-se pela consequência da obrigatoriedade dos
contratos - denominado pacta sunt servanda. Por isso, fala-se que o contrato faz lei
entre as partes.
Já no que tange aos contratos do Sistema “S”, as entidades integrantes do
Sistema “S” não podem ser tolhidas na consecução dos objetivos de interesse
comum a todos os membros da sociedade, por serem de sua incumbência.
Entretanto, isso não significa que os interesses privados possam ser sacrificados em
prol do interesse público sem respeito a limites e garantias assegurados
constitucionalmente.
Ao admitir a celebração de avenças entre as entidades e os particulares, o
Direito visa facilitar a consecução das funções do Estado. Isto significa que um
acordo pactuado não pode ser rígido e imutável, sob pena de frustrar-se a própria
função do instituto em análise.
O objetivo deste artigo é estudar a aplicação das penalidades do
Regulamento de Licitações e Contratos pelas entidades do Sistema “S”, em
decorrência de falhas na execução dos contratos causadas pelos contratados.
Será abordada a compatibilização da sanção com a conduta, considerando-se que
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a inadequação entre a sanção e a conduta pode ofender diversos princípios
administrativos e constitucionais, configurando ilegalidade, suscetível de correção.
Como objetivos específicos, serão analisados os limites que permeiam a
prerrogativa de aplicação de penalidade ao particular é um assunto que interessa
diretamente às empresas contratadas ou que têm intenção de contratar com as
entidades. Esse tema, também, se reveste de interesse público, visto que há que
se zelar pela legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência administrativa.
Desse modo, propõem-se avaliar a questão da obrigatoriedade de aplicação de
penalidades decorrentes de inexecução de contratos, e demonstrar que a
penalidade deve guardar relação íntima com os princípios administrativos e
constitucionais a fim de se evitar ofensa legal e constitucional.
Assim, este estudo se justifica pelo fato de que as compras e contratações
pelas entidades do Sistema “S”, tem se tornado cada vez mais ágil o processo de
aquisição de bens e serviços, aumentando, consideravelmente, o número de
contratações e de empresas interessadas em contratar com essas Entidades.
A quantidade de problemas e falhas na execução das contratações também
vem aumentando, ao passo que a fiscalização dos contratos se faz mais presente.
A problemática que envolve o tema é que o melhor investimento em pessoal
e a atuação mais efetiva dos órgãos de controle, tanto interno quanto externo,
contribuem para que as sanções previstas em instrumentos contratuais e/ou
editalícios passem a ser aplicadas com mais frequência, de acordo com o preceito
legal. O Tribunal de Contas da União vem censurando firmemente a entidade que
deixa de aplicar as penalidades nos casos de inexecução contratual pelas
contratadas.
Quanto à metodologia, o artigo baseou-se na pesquisa bibliográfica calcada
em autores consagrados afetos ao tema e principalmente no Regulamento de
Licitações e Contratos e na Lei 8.666/1993.
1 DA NATUREZA JURÍDICA DOS SERVIÇOS SOCIAIS AUTÔNOMOS
Os Serviços Sociais Autônomos são todos aqueles instituídos por lei com
personalidade de Direito Privado para ministrar assistência ou ensino a certas
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categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por
dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais.
Os Serviços Sociais Autônomos revestem-se sobre as formas de fundações,
sociedades civis ou associações. Embora oficializados pelo Estado, eles não
integram a Administração Direta ou Indireta, mas trabalham em cooperação ao
Estado nos setores, atividades e serviços que lhes são atribuídos.
Tais entidades prestam contas ao Tribunal de Contas da União, vez que
recebem contribuições parafiscais e prestam serviços de interesse público ou social
(artigo 70, parágrafo único, Constituição Federal de 1988). Regem-se pelas normas
de Direito Privado, com as adaptações expressas nas leis administrativas de sua
instituição e organização e seus empregados sujeitam-se a Consolidação das Leis
do Trabalho. Essas entidades também não gozam de privilégios administrativos,
nem fiscais, nem processuais, além daqueles que a lei especial expressamente lhes
conceder.
No que tange às compras ou aquisições de bens e serviços, os serviços
sociais autônomos possuem regulamento próprio. De acordo com o Tribunal de
Contas da União:
O Tribunal Pleno, diante das razões expostas pelo Relator, DECIDE: 1 receber a presente minuta de Regulamento de Licitações e Contratos das
entidades integrantes do Sistema "S", mencionadas no item 4 supra, tendo
em vista a Decisão Plenária/TCU nº 907/97, prolatada na Sessão de
11/12/97, que concluiu que os Serviços Sociais Autônomos não estão
sujeitos à observância aos estritos procedimentos estabelecidos na
Lei nº 8.666/93, e sim aos seus regulamentos próprios devidamente
publicados, consubstanciados nos princípios gerais do processo
licitatório; 2 - informar à Confederação Nacional da Indústria que: 2.1 cabe aos próprios órgãos do Sistema "S" aprovar os regulamentos
internos de suas unidades; 2.2 - este Pretório, ao julgar as contas e ao
proceder à fiscalização financeira das entidades do Sistema "S", pronunciarse-á quanto ao cumprimento dos regulamentos em vigor, relativamente a
licitações e contratos, bem como à pertinência desses regulamentos em
relação à Decisão/Plenário/TCU nº 907/97, prolatada na Sessão de
11/12/97; e 3. arquivar o presente processo.(Grifo nosso). (Acórdão
461/1998 – Plenário).
Ademais, os Serviços Sociais Autônomos são regidos pelos princípios
básicos previstos no art. 2° do Regulamento de Licitações e Contratos e no art. 37
da Constituição Federal.
No que tange aos princípios, o doutrinador Santana (2006, p. 52) dispõe
que:
Os princípios jurídicos são de extrema importância em qualquer área do
Direito, pois constituem fonte e origem das normas. Estão implícitos em
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toda norma jurídica, do qual não se podem apartar, já que estes
concretizam a essência sociocultural dos destinatários e elaboradores das
normas. São, pois, a “alma” da lei, de quem não se separam enquanto
esta viger.
Outrossim, há o entendimento da possibilidade de aplicação subsidiária da Lei
8.666/93 nas seguintes hipóteses: omissão do regulamento ou dispositivo que
contrarie os princípios gerais da Administração Pública e os específicos aplicáveis à
licitação.
Especificamente, no que tange às sanções oriundas do descumprimento de
contratos, por parte do contratado, nos contratos firmados pelas Entidades e o
particular, o Regulamento de Licitações e Contratos do Sistema “S” não estipula
todas as sanções aplicáveis, apenas remete para a disciplina do edital.
Sabe-se que o edital é um ato administrativo de caráter normativo, por meio
do qual a contratante fixa as condições de realização da licitação e da celebração
do contrato.
Ainda que se trate de ato normativo, o instrumento convocatório não pode
inovar na ordem jurídica. Ao revés, deve se ater ao estritamente previsto na
legislação que disciplina a matéria, principalmente no que concerne às sanções
administrativas.
Partindo-se dessa premissa, não poderá a Entidade estipular no instrumento
convocatório sanções que não estejam previstas em lei. Há que se encontrar um
suporte legal que respalde a previsão, no edital, das sanções cabíveis.
O diploma legal a ser aplicado no caso em voga é a Lei 8.666/93, porquanto
é ela que traça as penalidades que incidem em sede de licitações e contratos.
Ainda que as entidades não estejam submetidas aos estritos termos desse
diploma, sua adoção se faz necessária para a fixação de penalidades, diante da
omissão do Regulamento.
A aplicação de sanções decorre da atividade vinculada do aplicador. É
necessário que a conduta a ser reprimida esteja tipificada, nas penalidades
previstas no Regulamento, na Lei 8.666/93, no contrato administrativo ou edital de
licitação, a fim de possibilitar a adequação dos fatos decorrentes da execução das
obrigações contratuais.
Ante a ocorrência de execução irregular ou inexecução total ou parcial, a
entidade irá destacar a penalidade aplicável, considerando a finalidade da sanção
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e os princípios do interesse público e da proporcionalidade. Ocorre que, muitas
vezes a fixação da penalidade não atende a legalidade ampla, ocasiões em que a
autoridade competente deverá relativizar a vinculação no ato de penalizar.
2 APLICAÇÃO DE PENALIDADES
As irregularidades concernentes à etapa precedente do contrato, à licitação
e àquelas praticadas até o adimplemento contratual, situações que nos contratos
privados são resolvidas no âmbito do próprio contrato, nos contratos envolvendo as
entidades do Sistema “S” e os particulares são decididos no âmbito administrativo
e penal.
Para isso, o Regulamento de Licitações e Contratos do Sistema S, bem
como a Lei 8.666/1993, que reservou um capítulo próprio que vai desde o artigo 81
até o artigo 108, demonstram não apenas um dirigismo contratual forte, como
também uma preocupação de sancionar administrativa e penalmente todo aquele
que o desrespeite.
As partes contratantes devem executar fielmente o contrato de acordo com
as cláusulas avençadas e as normas aplicáveis, respondendo cada uma pelas
consequências de sua inexecução total ou parcial. Para que essa correta execução
ocorra, é direito e dever da entidade designar um representante para tal função,
que deverá acompanhar e fiscalizar o contrato, nesse sentido o entendimento do
Tribunal de Contas da União:
TCU - Acórdão nº 6.521/2009-2ª Câmara.
Ementa: determinação ao SENAR para que promova, tendo em vista o
princípio da eficiência insculpido no art. 37 da Constituição Federal,
adequação do seu regulamento próprio de licitações e contratos de modo
a fazer constar nele a obrigatoriedade de designação formal de um
representante da administração para fiscalização da execução dos
contratos, nos moldes do art. 67 da Lei nº 8.666/1993.
Todas as ocorrências observadas durante a fiscalização devem ser
anotadas em registro próprio, cabendo ao representante a determinação das
medidas que deverão ser adotadas pelo particular para regularização das faltas ou
defeitos eventualmente constatados.
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A inexecução total ou parcial do contrato dá ao contratante o direito à
rescisão do ajuste, conforme preceitua o Regulamento de Licitações e de
Contratos do Sistema “S” e a Lei 8.666/93.
Conforme preceitua Vareschini (2011, p. 338), temos que:
A rescisão deverá ser motivada e precedida de contraditório e de ampla
defesa. Dessa forma, impõe-se a instauração de processo administrativo,
no qual conste a justificativa sobre os motivos que respaldam a decisão
(os fatos que comprovam o descumprimento por parte do contratado),
comunicando-se ao interessado para que, querendo, se manifeste acerca
das razões apresentadas e quanto à aplicação das penalidades cabíveis.
Recebida a manifestação do interessado, a entidade deverá analisá-la e
despachar no processo, fundamentando sua decisão. Caracterizada a rescisão do
contrato, será lavrado o competente termo, dando ciência aos interessados sobre
as penalidades aplicadas.
Com efeito, não se pode esquecer que, por força de preceito constitucional e
legal, a aplicação de qualquer penalidade administrativa, bem como a rescisão
contratual, exige processo administrativo próprio, onde sejam assegurados ao
interessado, previamente, o direito do contraditório e à ampla defesa, sob pena de
nulidade do ato.
Em termos práticos isso resulta em, previamente a aplicação da penalidade
ou da rescisão, oportunizar ao contratado a apresentação de contrarrazões no
intuito de afastar o ato, o que se concretiza com o envio de notificação contendo a
descrição da conduta, suas consequências, os fundamentos jurídicos e o prazo
para apresentação de defesa, e, por óbvio, esse documento deve ser formalmente
recebido pelo interessado e cópia atestando esse fato deve ser inserida no
processo.
Uma vez recebida a manifestação da empresa ou transcorrido o prazo sem
manifestação, a autoridade superior deve proferir ato formal relativo à aplicação de
penalidade e à rescisão contratual. Ademais, cumpre destacar que, sendo a
rescisão unilateral, em face da inexecução cometida pela contratada, por exemplo,
não é necessária a assinatura e/ou consentimento da empresa.
Compatibilizando a previsão do Regulamento com as normas gerais que
estipulam as sanções administrativas aplicáveis à matéria, é possível concluir que
nas licitações processadas pelo Sistema “S” a penalidade mais grave será a
suspensão do direito de licitar pelo prazo máximo de dois anos. Há a possibilidade,
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também, de aplicação de outras sanções mais brandas, como multa e advertência,
por exemplo, desde que previstas no respectivo edital e no contrato.
Da leitura do Regulamento, art. 32, extrai-se, também, que a suspensão
impede que a empresa penalizada participe de licitação ou contrate com qualquer
regional integrante da entidade que aplicou a sanção.
A penalidade de suspensão tem por finalidade impedir o punido de participar
de licitações realizadas pela entidade que a aplicou e afastar o seu direito de
contratar com essa. Assim sendo, é causa impeditiva da participação em licitações
realizadas pela entidade e da manutenção de contratos com tal entidade.
Resta claro que a aplicação da sanção de suspensão impede a manutenção
de qualquer contrato com a entidade que a aplicou, após regular processo, mesmo
dos que estejam sendo regularmente executados, pois é justamente uma medida
punitiva àqueles que, por seus atos ou omissões, causaram prejuízos à
contratante. Estende-se, assim, a todo e qualquer contrato firmado pelo ente com a
empresa penalizada.
Na Lei 8.666/93 a primeira possibilidade de aplicação de sanção decorre de
atraso injustificado. Entende-se por atraso a demora ou retardamento na execução
do contrato. Mas o atraso só é passível de sanção administrativa se for
injustificado, ou seja, se não for possível ao contratado demonstrar que não teve
culpa na sua ocorrência. Assim, o contratado que, injustificadamente, atrasar-se na
execução do contrato se sujeita a ser multado, na forma do artigo 86 da Lei
8.666/1993, que assim dispõe:
Artigo 86. O atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o
contratado à multa de mora, na forma prevista no instrumento convocatório
ou no contrato.
o
§1 A multa a que alude este artigo não impede que a Administração
rescinda unilateralmente o contrato e aplique as outras sanções previstas
nesta Lei.
o
§2 A multa, aplicada após regular processo administrativo, será descontada
da garantia do respectivo contratado.
o
§3 Se a multa for de valor superior ao valor da garantia prestada, além da
perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, a qual será
descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou
ainda, quando for o caso, cobrada judicialmente.
A aplicação da multa de mora por atraso injustificado só é possível por meio
do devido processo legal em que seja assegurado ao contratado o contraditório, a
ampla defesa, a decisão motivada, o recurso administrativo e o respeito a todos os
demais princípios vinculantes ao processo administrativo.
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Consolidada a multa de mora por preclusão ou coisa julgada administrativa,
sua execução se dará por meio de desconto da garantia do respectivo contrato, em
conformidade com o disposto no parágrafo 2° do artigo 86, supra.
Entretanto, se a multa de mora aplicada for superior à garantia prestada,
além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que deverá ser
descontada do crédito existente perante a entidade, se for o caso. Se inexistente,
será objeto de cobrança judicial, conforme determina o parágrafo 3°do artigo 86 em
análise.
A multa de mora deverá ter seu valor previsto no instrumento convocatório
ou no contrato. Trata-se de cláusula essencial prevista no artigo 55, VII, da Lei
8.666/1993, já transcrito.
A segunda possibilidade de aplicação de sanção administrativa decorre da
inexecução total ou parcial do contrato.
O artigo 78 da Lei 8.666/1993 relaciona os casos de inexecução total ou
parcial do contrato administrativo. Apenas os casos de inexecução praticados pelo
contratado são puníveis com sanções administrativas.
A inexecução total ou parcial do contrato confere à entidade a prerrogativa
de aplicar sanções de natureza administrativa (artigo 58, IV, da Lei 8.666/1993),
conforme disposto no artigo 87 da Lei 8.666/1993:
Artigo 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração
poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes
sanções:
- advertência;
- multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;
- suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de
contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
- declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração
Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até
que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou
a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a
Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da
sanção aplicada com base no inciso anterior.
o
§1 Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da
perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será
descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou
cobrada judicialmente.
o
§2 As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser
aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do
interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco)dias úteis.
o
§3 A sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência
exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal,
conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo,
no prazo de 10 (dez)dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser
requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação.
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Portanto, de acordo com o previsto no parágrafo 2° do artigo 87, supra, a
pena de multa pode ser aplicada juntamente com qualquer uma das outras, sendo
vedada, implicitamente, em qualquer outra hipótese, a acumulação de sanções
administrativas.
A advertência, como sanção administrativa, significa repreensão, e, por ser a
pena menos grave, deve ser aplicada na inexecução parcial de pouca gravidade.
Barros (2009, p. 331) entende que“embora a advertência possa ser verbal ou
escrita, já que nada dispõe a lei a respeito, deverá ser escrita, até mesmo pela
própria estrutura que o legislador quis proteger”.
Conforme já disposto, nas licitações processadas pelo Sistema “S” a
penalidade mais grave será a suspensão do direito de licitar, pelo prazo máximo de
dois anos.
O direito de defesa, disposto no artigo 87, caput supra, constitui exigência
constitucional contida no artigo 5°, LV, da Constituição Federal de 1988. Assim, em
face da omissão no Regulamento, o prazo para que o contratado exerça esse
direito é de cinco dias, conforme previsto nos parágrafos 2° e 3° do artigo 87 em
comento.
Sobre o tema já decidiu o TJ/RS na Apelação Cível nº 70020562278, cujo
acórdão de relatoria da desembargadora Rejane Bins foi proferido pela 22ª Câmara
Cível em 26.07.07:
Apelação cível. Licitação e contrato administrativo. SESC. Regramento
próprio. Multa contratual. Retenção de valores. Inexistência de prévio
procedimento administrativo. Imprevisibilidade. Inexigibilidade da
penalidade. As licitações e os contratos administrativos realizados pelo
SESC, entidade integrante do Sistema “S”, são regidos por regramento
próprio, consubstanciado na Resolução nº 1012/2001. Constitui afronta
ao princípio da ampla defesa e do contraditório a cobrança de multa
contratual decorrente de atraso na entrega do objeto contratado sem
a observância do prévio procedimento administrativo. Inteligência do
art. 5º, inc. LV, da CF. Precedentes desta Corte. Hipótese em que, tendo o
atraso na entrega dos veículos contratados ocorrido em razão da
paralisação da linha de montagem da empresa fornecedora dos
automóveis, configurou-se o imprevisível capaz de afastar os efeitos
da mora, tornando inexigível a multa cobrada por meio de retenção
de valores. Exegese de item específico do instrumento convocatório, cuja
observância se impõe. Procedência da ação principal que confirma a
existência do fumus boni iuris e do periculum in mora, merecendo igual
sorte a ação cautelar. Ônus sucumbenciais invertidos. Apelação provida.
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Tratando-se de incidentes na execução dos contratos, as penalidades
elencadas nos incisos I a IV do artigo 87 somente poderão ser aplicadas como
decorrência dos devidos processos administrativos.
Para efetuar a cobrança de multa, a entidade pode reter a garantia e, caso
esta não seja suficiente, pode deduzir o seu valor de importâncias devidas ao
contratado. Trata-se de decisão executória do Poder Público, que independe de
título fornecido pelo Poder Judiciário. Somente se os valores assim recebidos não
forem suficientes é que a entidade ingressará em juízo, caso o contratado não
pague
voluntariamente.
A
aplicação
de
multa
é
uma
discricionariedade
administrativa, mas, se aplicada, deverá ser fundamentada e respeitar o princípio
da proporcionalidade.
Da aplicação das penas de advertência, multa e suspensão temporária cabe
recurso no prazo de cinco dias úteis a contar da intimação do ato, dirigido à
autoridade superior, por intermédio daquela que aplicou a pena. Esta tem o prazo
de até cinco dias úteis para reconsiderar sua decisão ou, no mesmo prazo, fazer
subir o recurso à autoridade competente, que deverá decidir também no prazo de
cinco dias úteis, contado do recebimento, em conformidade com o previsto no
artigo 109, I, f e parágrafo 4° da Lei 8.666/1993.
A esse recurso, de acordo com o disposto no artigo 109, parágrafo 2°, da Lei
8.666/1993 a autoridade administrativa poderá dar efeito suspensivo.
O doutrinador Motta (2011, p. 791) preceitua que:
Quanto ao prazo para instauração do processo administrativo que visa a
penalização do contratado inadimplente, entendemos que tal processo
deverá ser formalizado ainda na vigência do contrato. De fato, se o objeto
for entregue pelo executor e recebido formalmente pela Administração,
operando-se a extinção da avença, restará certamente prejudicada a
incidência de penalidades; o ajuste será visto como fato pretérito e
encerrado; ainda que sejam detectadas falhas na execução, sua
comprovação demandará investigações mais acuradas e penosas, pelo
decurso de tempo transcorrido. Verificar-se-á, para todos os efeitos, a
decadência do direito da contratante de impugnar parcial ou totalmente a
execução.
O artigo 59 da Lei 8.666/1993 prevê a possibilidade da Administração
Pública declarar a nulidade do contrato administrativo. Isso decorre da prerrogativa
que tem a Administração Pública de rever e corrigir seus próprios atos, devendo
sempre observar os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa,
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previsto no artigo 5°, LV, da Constituição Federal de 1988. Temos, da mesma
forma, que tal prerrogativa, também, pode ser aplicada pelas entidades do Sistema
“S” quando previstas as hipóteses de nulidade.
A doutrinadora Di Pietro (2008, p. 258) entende que:
A Administração Pública, estando sujeita ao princípio da legalidade, tem que
exercer constante controle sobre seus próprios atos, cabendo-lhe o poderdever de anular aqueles que contrariam a lei; é a prerrogativa que alguns
chamam de autotutela e que não deixa de corresponder a um dos atributos
dos atos administrativos, que diz respeito à sua executoriedade pela própria
Administração. Esta decide e põe em execução a própria decisão.
Essa prerrogativa da Administração de rever e corrigir os próprios atos está
estabelecida na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal, que assim dispõe:
A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios
que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los,
por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos
adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
E ainda, o artigo 59 da Lei 8.666/1993 assim dispõe:
Art.59. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera
retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente,
deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos.
Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de
indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que
ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados,
contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de
quem lhe deu causa.
Relembra, ainda, Di Pietro (2008, p. 259):
Há que se observar que a ilegalidade no procedimento da licitação vicia
também o próprio contrato, já que aquele procedimento é condição de
validade deste; de modo que, ainda que a ilegalidade da licitação seja
apurada depois de celebrado o contrato, este terá que ser anulado.
Assim, em se tratando de ilegalidade verificada nos contratos de que é
parte, a entidade tem, também, o poder de declarar a sua nulidade, com efeito
retroativo, impedindo os efeitos jurídicos que ordinariamente deveriam produzir,
além de desconstituir os já produzidos. Sendo a ilegalidade imputável apenas à
entidade, não havendo contribuição do contratado, este terá que ser indenizado
pelos prejuízos sofridos.
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CONCLUSÃO
Como regra a aplicação de sanções tem por finalidade desestimular a prática
de condutas juridicamente inviáveis, estabelecendo-se como consequência delas
situações indesejáveis e prejudiciais para a entidade.
O objetivo primeiro é inibir comportamentos que sejam desconformes à ordem
jurídica e configurem inadimplemento contratual. Trata-se do dever-poder da
entidade contratante, que se traduz em um dever de agir motivado pela defesa do
interesse público e pelo princípio da isonomia. Portanto, constatada a ocorrência da
infração, a sanção administrativa impor-se-á, não havendo margem para
discricionariedade sobre a abertura de um processo de sanção.
Tendo por base o princípio da legalidade, é importante que o órgão ou
entidade regulamente os dispositivos legais existentes, disciplinando seus editais e
contratos, em conformidade com cada situação concreta, quais condutas serão
consideradas passíveis de punições.
Nesta atividade de identificação das infrações, a entidade deverá graduar a
pena de acordo com a gravidade da infração cometida: quanto mais grave esta,
mais grave deverá ser aquela.
O regime jurídico dos contratos administrativos confere à Administração
Pública a prerrogativa de aplicar sanções ao particular pela inexecução total ou
parcial do ajuste (art. 58, inc. IV, Lei 8.666/93).
Além da previsão de aplicação de penalidades aos particulares, é, também,
possível a aplicação contra os agentes da administração, quando violarem seus
deveres legais ou propiciarem, por ação ou omissão, a frustração dos objetivos da
licitação.
A advertência é aplicada ao contratado pelo cometimento de pequenas faltas,
de inexecução parcial, assim entendidas aquelas que não acarretam prejuízo maior
à completa execução do contrato. Tem por objetivo induzir o particular a cumprir
regularmente a suas obrigações. É pena moral, de menor gravidade. Ela pode ser
cumulada com a multa, mas não as demais.
A aplicação de advertência impõe ao particular uma fiscalização mais atenta
por parte da entidade, sempre nos limites das obrigações pactuadas, para evitar
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mais problemas. Além disso, o gestor deve conscientizar a empresa de que em caso
de reincidência o particular sofrerá punição mais severa.
A multa é a pena pecuniária ao contratado que não cumprir com as suas
obrigações. Para a aplicação da multa moratória é indispensável que o contrato
especifique claramente as condições e os valores das multas, os percentuais e a
base de cálculo correspondente, bem como o prazo máximo para recolhimento,
contado a partir da ciência do Contratado. Ao contrário da advertência, a multa
poderá ser cumulada com as demais penalidades.
Poderá a entidade descontar o valor da multa da garantia, caso o valor seja
insuficiente poderá compensar a diferença com os créditos do contratado ou recorrer
à cobrança judicial.
A suspensão temporária constitui penalidade imposta ao particular com o
objetivo de impedi-lo de licitar ou contratar, durante determinado tempo, com a
entidade contratante, em razão de falta grave, como a inexecução total do objeto. A
aplicação desta sanção, em geral, obriga a entidade a rescindir o contrato, tendo em
vista que não existirá mais interesse por parte da contratada em cumprir com a sua
obrigação.
O objetivo da suspensão é impedir que a empresa continue a participar e a
contratar com o órgão em que foi cometida a falta grave. De acordo com a Lei, a
suspensão deve ser aplicada até o limite de 2 (dois) anos; a dosimetria da pena
dependerá da gravidade da infração.
Para a aplicação das sanções administrativas é imprescindível que seja
aberto um processo administrativo específico que possibilite ao particular contratado
o exercício dos seus direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Não se pode esquecer que a legislação apenas informa quais são as
penalidades cabíveis, sem delimitar, de forma precisa, as hipóteses de incidências
de cada qual.
Tem-se
que
as
sanções
só
podem
ser
aplicadas
se
estiverem
expressamente definidas no Edital e no contrato e decorrerem expressamente da
lei. Cabe à autoridade competente escolher, dentre as sanções tipificadas no
ordenamento jurídico, quais irá aplicar, em quais percentuais, e informar no edital e
no contrato.
15
Portanto, a entidade deverá especificar, no instrumento convocatório, as
sanções aplicáveis a cada caso, utilizando-se, sempre, dos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de estipular as penalidades mais
severas para as infrações mais sérias e as mais brandas para as infrações menos
graves.
Da mesma forma, tendo em vista os princípios acima citados, as sanções de
multa não poderão ser fixadas em percentuais confiscatórios, sob pena de
ilegalidade.
Partindo-se dessa premissa, não poderá a entidade estipular no instrumento
convocatório sanções que não estejam previstas em lei. O diploma legal a ser
aplicado no caso em voga é a Lei 8.666/93.
O contrato administrativo é um instrumento de conjugação da atuação
estatal com a iniciativa privada, cuja relevância é cada vez maior. Isto porque em
um Estado democrático, os bens ou serviços dos particulares somente poderão ser
obtidos mediante a observância de certos procedimentos e dentro de limites
específicos.
Os contratos administrativos e consequentemente, os contratos do Sistema
“S”, são instituídos com contornos próprios, que os tornam distintos das figuras de
Direito privado, tendo como sua maior particularidade a busca pela realização do
interesse público. Isto faz com que as partes do contrato - entidade contratante e
terceiro contratado - não sejam colocadas em situação de igualdade. Em sentido
amplo, é possível afirmar-se que contrato administrativo é aquele no qual se
aplicam princípios e regras típicas do direito administrativo.
Vislumbra-se, portanto, que no tange aos contratos do sistema “S”, a
entidade não pode ser tolhida na consecução dos objetivos de interesse comum a
todos os membros da sociedade, por serem de sua incumbência. Entretanto, isso
não significa que os interesses privados possam ser sacrificados em prol do
interesse
público
constitucionalmente.
sem
respeito
a
limites
e
garantias
assegurados
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Wellington Pacheco. Licitações e contratos administrativos. São
Paulo: Atlas, 2009.
BRASIL. Constituição Federal de 1988.
BRASIL. Lei 8.666/1993 - Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição
Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá
outras providências.
BRASIL. Regulamento de licitações e de contratos do sistema S.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 461/1998, do Plenário, Brasília,
DF, 19 de novembro de 1998.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 6.521/2009, da 2ª Câmara do
Tribunal de Contas da União, Brasília, DF, 04 de dezembro de 2009.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº
70020562278, da 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, RS, 26 de dezembro de 2007.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas,
2008.
MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas Licitações e Contratos. 12. ed. Belo
Horizonte : Del Rey, 2011.
SANTANA, Jair Eduardo. Pregão Presencial e Eletrônico. 1. ed. Belo Horizonte :
Fórum, 2006.
VARESCHINI, Julieta Mendes Lopes. Licitações e contratos no sistema “S”. 4.
ed. Curitiba: JML, 2011.
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INSTITUTO BRASILIENSE DE DIREITO PÚBLICO
APLICAÇÃO DE SANÇÕES NOS CONTRATOS DO SISTEMA “S”
Gonzaga, Alice Bueno
Orientador(a): Beatriz Sena
Pós-Graduação Lato Sensu em Direito e Gestão dos Serviços Sociais Autonômos
Brasília
2013
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RESUMO
GONZAGA, AB. 2013. Aplicação de sanções nos contratos do sistema “S”. – Instituto Brasiliense de Direito
Público, Brasília.
RESUMO: O objetivo deste artigo foi estudar a aplicação das penalidades do Regulamento de Licitações e
Contratos pelas entidades classificadas como Serviço Social Autônomo, também conhecidas como integrantes
do Sistema “S”, em decorrência de falhas na execução dos contratos causadas pelos contratados. Será
abordada a compatibilização da sanção com a conduta, considerando-se que a inadequação entre a sanção e a
conduta pode ofender diversos princípios administrativos e constitucionais, configurando ilegalidade, suscetível
de correção. Como objetivos específicos, analisa-se os limites que permeiam a prerrogativa de aplicação de
penalidade ao particular é um assunto que interessa diretamente às empresas contratadas ou que têm intenção
de contratar com as entidades do Sistema “S”. Esse tema, também, se reveste de interesse público, visto que há
que se zelar pela legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência administrativa. Desse modo, propõem-se
avaliar a questão da obrigatoriedade de aplicação de penalidades decorrentes de inexecução de contratos, e
demonstrar que a penalidade deve guardar relação íntima com os princípios administrativos e constitucionais a
fim de se evitar ofensa legal e constitucional.
Palavras-chave: Contratos, Regulamento de Licitações e Contratos do Sistema “S”, Entidades do Sistema “S”.
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