9 Apresentação Assistência Social: história e atualidade Aldaíza Sposati1 Marcio Eduardo Brotto2 Mônica de Castro Maia Senna3 A trajetória histórica da política de assistência social no Brasil tem sido caracterizada por vinculações ideológicas, religiosas e políticas que mais têm favorecido o não direito de cidadania do que sua expansão. No entanto, sua institucionalização na Constituição Federal de 1988, no âmbito do sistema de seguridade social brasileiro, rompeu com duas principais marcas dessa trajetória. Em primeiro lugar, cumpre destacar que ao estabelecer a assistência social no campo da proteção social, o texto constitucional definiu a responsabilidade dessa política em prover seguranças sociais na condição de direito de cidadania e dever de Estado. Essa decisão dos constituintes rompe, nos termos da lei, com a restrição da assistência social como lugar do governo que atende exclusivamente aos necessitados, isto é, pobres e indigentes. Atender significava fazer qualquer coisa, desde fornecer comida até uma fotografia, passando pelas órteses, próteses e outros tantos passes de transporte. Sem objeto e objetivo claros, reclamáveis enquanto ação estatal, os resultados da assistência social apresentavam-se como boas ações praticadas enquanto ajuda, alívio. Alçada à condição de pertencimento ao sistema brasileiro de proteção social, novos requerimentos lhe foram postos, entre eles a concretização de suas responsabilidades em todo o território nacional. O estatuto de política pública de proteção social vai exigir mudança radical do processo de produção e gestão dos serviços sócio-assistenciais. A exemplo, eles não podem mais se comportar como uma atenção ad hoc, com relações personalizadas, caso a caso, com baixo assento na autonomia do cidadão requerente de proteção social. A condição de política pública traz novas exigências, entre elas a expansão da leitura da realidade e o domínio institucional das situações de desproteção social. Para a condição de política pública é inadmissível que um órgão gestor permaneça ausente da leitura de incidência de necessidades individuais e coletivas, de proteção social. A promulgação em dezembro de 1993, da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) — que posteriormente, em 2011, veio a ter alterações pela Lei 12.435 — e, em 2004, da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) são marcos cujo papel é o de requerer uma nova concepção de assistência social como política pública, dever de Estado e direito do cidadão, concepção essa a ser reconhecida, assimilada e incorporada por toda a sociedade. Este número da Revista O Social em Questão foi preparado para acolher o registro da pg 9 - 12 O Social em Questão - Ano XVII - nº 30 - 2013 10 Aldaíza Sposati, Marcio Eduardo Brotto e Mônica de Castro Maia Senna comemoração dos 20 anos da LOAS, a primeira grande conquista da formalização à assistência social. Honrando o espirito crítico da categoria profissional do Serviço Social, entendeu-se a importância em realizar um número especifico dessa Revista, que ao mesmo tempo possa granjear a contribuição de muitos pesquisadores para operar um balanço crítico da Política de Assistência Social, após 25 anos de sua inscrição no campo da seguridade Social brasileira e de 20 anos da promulgação da LOAS, bases para o debate dos avanços, limites e perspectivas apresentadas no processo de implementação do atual Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Agrega-se a essa produção em rede, uma outra situação: a instalação na PUC-Rio do NIEPSAS – Núcleo Integrado de Estudos e Pesquisas em Seguridade e Assistência Social, que conta com a assessoria do NEPSAS da PUC-SP, coordenado pela Professora Doutora Aldaíza Sposati. Seus objetivos se mesclam na busca de realização de pesquisas, estudos, análises, reflexões que incidam diretamente na execução, gestão e controle da política pública de assistência social. A esse grupo, agregam-se, ainda, pesquisadores vinculados ao Programa de Pós Pós-graduação em Política Social da UFF, interessados na análise, no acompanhamento e na avaliação da política de assistência social a partir de diferentes prismas e focos analíticos. A presente publicação reúne dezoito artigos que tratam de temas afetos à política de assistência social, sob aspectos diversos: gestão, regulação, vigilância socioassistencial, territorialização, transferência de renda, controle social democrático, inclusão produtiva, benefícios eventuais, experiências locais. O primeiro artigo, de Edval Bernardino, aborda a gestão na efetivação do SUAS sob o ponto de vista de que o reconhecimento da assistência social como direito do cidadão e dever do Estado é assunto praticamente pacificado, sinalizando que o mais agudo desafio presente consiste em sedimentar o Sistema Único de Assistência Social — SUAS — como um modelo público de assistência social, descentralizado, participativo, socialmente controlado, com comando único — sob a responsabilidade primaz do Estado — e cooperativo entre governos e sociedade. Desse modo, sublinha que o debate sobre a gestão da política pública de assistência social compreende muitos desafios. Envolve uma complexidade de demandas, questiona práticas seculares, reclama novas interlocuções. Os dois artigos seguintes (o segundo, de autoria de Sindely Alchorne, e o terceiro de Camila Quinonero et all.) abordam a regulação da política de assistência social no país, refletindo sobre as normativas e regulações dessa e nessa política. Realizam um percurso comparativo entre as Políticas Nacionais de Assistência Social e as Normas Operacionais Básicas, posto que a luta pela política de assistência social não surgiu em 2004, nem tampouco com o SUAS, ainda que este tenha sido um marco singular em sua concretização. Por meio de análise comparativa, constatam-se consideráveis avanços quanto ao conteúdo que se correlaciona aos Princípios e Diretrizes traçadas na Lei que regulamentou os artigos 203 e 204 da Constituição Federal – LOAS. Os dois artigos subsequentes (o quarto, sob autoria de Ana Garcia e o quinto de Daniela Reis) tratam da vigilância socioassistencial no SUAS, com análises críticas acerO Social em Questão - Ano XVII - nº 30 - 2013 pg 9 - 12 Apresentação 11 ca do processo de implementação do sistema de informação e gestão do SUAS e do SISRUA — Sistema de Informação da Situação de Rua na cidade de São Paulo —, como sistemas que visam contribuir para a democratização de políticas públicas e na melhoria da gestão social, apontando para a importância da tecnologia da informação como instrumento essencial de gestão do SUAS. A aplicação do princípio da territorialização na assistência social é tema do sexto artigo, de autoria de Amanda Eufrásio et all, em que são abordados o conceito de território, sua operacionalização nas políticas de proteção social e a indicação de ferramentas de leituras territoriais para os profissionais da área. Um texto didático e de excelente alcance prático. Os três artigos seguintes tratam do tema do controle social democrático na política de assistência social. Heloisa Mesquita et all (sétimo artigo), Jolinda Alves e Denise de Almeida (oitavo), e Lucélia Rocha e Rosângela Siqueira (nono) trazem a necessária discussão da presença democrática do controle social na política pública. As experiências no estado do Rio de Janeiro e duas de cidades do Paraná abordam o tema em cidades de porte e histórias bastante diferenciadas, o que certamente trará ao leitor elementos de análise diversificados e ricos. Os três artigos seguintes tratam especificamente de Programas de Transferência de Renda, sob autoria de Adriana Mesquita e Rita de Cássia Freitas (décimo); Bruna Carnelossi (décimo primeiro) e Mônica Senna (décimo segundo). As implicações desses programas no sistema de proteção social brasileiro são múltiplas e sua complexa superação exige muita discussão e reflexão. Gisele Bovolenta traz para o debate, no décimo terceiro artigo, uma temática do cotidiano da assistência social, mas que termina sendo pouco refletida: os benefícios eventuais. Na política de assistência social, eles são parte do sistema de proteção social e embora constituam um direito socioassistencial, encontram-se sob trato marginal dentre os dispositivos reguladores vigentes. Os artigos de autoria de Fátima Valéria de Souza (décimo quarto); Robson Roberto da Silva (décimo quinto) e Tatiana Fonseca (décimo sexto) retratam ações e serviços socioassistenciais, a saber: algumas indagações sobre inclusão produtiva; a atuação de CRAS e CREAS no município do Rio de Janeiro; e o trato à pessoa com deficiência na política de assistência social.Todos apontam fragilidades, limites, potencialidades e entraves advindos do árduo trabalho de superação da forte herança de benemerência e filantropia. Márcia Pastor com Eliane Brevilheri e Marcio Brotto (décimo sétimo e décimo oitavo artigos), ao refletirem sobre a experiência do SUAS em municípios de diferentes portes, revelam como é duradoura a influência da cultura política na gestão da assistência social. Além dos artigos, encerrando este número da Revista O Social em Questão tem-se, ainda, a resenha elaborada por Marina Amoedo da Costa sobre o livro “Avaliando o Bolsa Família: unificação, focalização e impactos”, publicado pela Editora Cortez, em 2010. Um balanço do debate apresentado nesta edição permite afirmar que a política de assistência social tem conquistado no país — não sem lutas, resistências e embates — um novo pg 9 - 12 O Social em Questão - Ano XVII - nº 30 - 2013 12 Aldaíza Sposati, Marcio Eduardo Brotto e Mônica de Castro Maia Senna lugar para aproximar a realidade brasileira, principalmente àquelas situações e pessoas que têm sua condição de cidadania posta na invisibilidade. Tem-se muito a comemorar nestes 20 anos, mas, sobretudo, tem-se mais ainda a se preocupar, o que exige avanços de fundamentação crítica, cientifica, cultural e ética. Sem dúvida, os profissionais que se integram a este número da revista trazem elementos de força neste processo de conquistas e enfrentamentos. Notas 1 Professora titular do Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), onde recebeu o titulo de doutor em 1986, e exerce a Coordenação do NEPSAS - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Seguridade e Assistência Social e do CEDEST Centro de Estudos das Desigualdades Socioterritoriais em parceria com o INPE-Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Pós doutorada na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Tem experiência em Gestão de Politicas Públicas de Proteção Social com particularidade na Politica de Assistência Social. Sua produção teórica e de pesquisa é voltada para politicas de proteção social, estudos territoriais e intersetoriais de gestão de politicas sociais em meio urbano. Sua experiência de gestão alcança funções de direção como Secretária Municipal (A dministrações Regionais (1989/1990) e Assistência Social (2002/2004) ambas na cidade de São Paulo. Gestão acadêmica em direção de faculdade (1986-88),Vice-Reitor Comunitário da PUC-SP(1988), Presidente do Conselho de Pós Graduação da UNIBAN (2006-2010). Consultora Internacional na UNICEF, UNESCO, PNUD, ONU-Habitat no país e no estrangeiro. Vereadora pela Cidade de São Paulo( 1993-2004). Email: [email protected] 2 Graduado em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1996), possui Mestrado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1998-2000), onde também realizou seu Doutorado (2008-2012), desenvolvendo estudos no campo da Seguridade Social, em específico sobre Assistência Social e Saúde. Atualmente é Professor Assistente do Departamento de Serviço Social da PUC-RIO onde é coordenador departamental do Programa de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) e líder do Núcleo Integrado de Estudos e Pesquisas em Seguridade e Assistência Social (NIEPSAS), desenvolvendo pesquisas de Iniciação Científica e sendo Bolsista de Incenti vo a Produtividade, desde 2013. Também desenvolve ações acadêmicas de tutoria no Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), conduzindo equipes de profissionais do Hospital Miguel Couto (preceptores) e discentes em Serviço Social da PUC-RIO na execução do subprojeto “Processo de trabalho e educação permanente: pelo fortalecimento de serviços de urgência e emergência integrados e de qualidade”. Tem experiência na execução e gestão de ações profissionais em Serviço Social, com ênfase nas áreas de Saúde Pública/Saúde da Família e Assistência Social. Email: [email protected]. 3 Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense (1989) é Mestre e Doutora em Saúde Pùblica pela Fundação Oswaldo Cruz (1995 e 2004). Atualmente é Professora Associada da Universidade Federal Fluminense e coordenadora do Programa de Estudos Pòs-Graduados em Política Social. Tem experiência nas áreas de Saúde Coletiva e Ciência Política, com ênfase em Políticas Públicas, Serviço Social e Processo Decisório, atuando principalmente nos seguintes temas: política de saúde, seguridade social, descentralização, gestão local, saude da familia, avaliação de políticas públicas e Sistema Único de Assistência Social. É Pesquisadora nível 2 CNPQ e Jovem Cientista do Nosso Estado pela FAPERJ. Email: [email protected] O Social em Questão - Ano XVII - nº 30 - 2013 pg 9 - 12