Insper Instituto de Ensino e Pesquisa Faculdade de Economia e Administração Vinicius Santos Hilbert DÍVIDA PÚBLICA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DO CICLO DE ENDIVIDAMENTO DA REPÚBLICA VELHA. São Paulo 2010 Vinicius Santos Hilbert Dívida Pública Brasileira: Uma Análise do ciclo de endividamento da República Velha. Monografia apresentada ao curso de Ciências Econômicas, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel do Insper. Orientador: Prof. Me. Heleno Piazentini Vieira – Insper São Paulo 2010 Hilbert, Vinicius Santos Dívida pública brasileira: uma análise do ciclo de endividamento da República. – São Paulo: Insper, 2010. 36 f. Monografia: Faculdade de Economia e Administração. Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. Orientador: Prof. Me. Heleno Piazentini Vieira 1.Sustentabilidade fiscal 2.Cointegração 3.República Velha Vinicius Santos Hilbert Dívida pública brasileira: uma análise do ciclo de endividamento da República Velha. Monografia apresentada à Faculdade de Economia do Insper, como parte dos requisitos para conclusão do curso de graduação em Economia. Aprovado em Junho 2010 EXAMINADORES ___________________________________________________________________________ Prof. Me. Heleno Piazentini Vieira Orientador ___________________________________________________________________________ Prof. Dr. Euriuton Araújo Examinador Prof. Dr. Fábio Gomes Examinador Agradecimentos Agradeço o apoio dos meus pais ao longo de todo o curso. Agradeço também a colaboração e dedicação de todos os professores do Insper, especialmente ao professor Heleno pelo seu incentivo e apoio demonstrado ao longo deste trabalho. Resumo HILBERT, Vinicius Santos. Dívida Pública Brasileira: Uma Análise do ciclo de endividamento da República Velha. São Paulo, 2010. 36p. Monografia – Faculdade de Economia e Administração. Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. O endividamento representa uma importante fonte de tomada de decisão para os agentes econômicos. Tal mecanismo permite que recursos sejam transferidos através do tempo. O estudo em questão foca no desenrolar do endividamento público brasileiro no período da República Velha (1889 – 1931) dando ênfase aos aspectos da dívida externa e os funding loans através de uma perspectiva de longo prazo. Para tanto, testes de cointegração foram conduzidos de forma a captar a relação entre receitas e despesas ao longo do período. A conclusão é a de que o endividamento público nacional foi sustentável nesse período, ou seja, as séries cointegram. Porém há evidencias de que tal fato não foi causado por uma política fiscal deliberadamente sustentável. A análise foi realizada através de dados de receitas e despesas do governo com periodicidades trimestrais obtidas através de técnicas de desagregação temporal, o que permite analisar o período com ganhos de graus de liberdade. Palavras chave: Sustentabilidade fiscal, cointegração, República Velha. Abstract HILBERT, Vinicius Santos. Brazilian public debt: An analysis of the “República Velha” debt cycle . São Paulo, 2010. 36p. Monograph – Faculdade de Economia e Administração. Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. Debt represents an important resource for economic agents to take decisions. Such mechanism allows resources to be transferred through time. This study focuses in the Brazilian public debt during the period known as “República Velha” (1889 – 1931) emphasizing the aspects of the external debt and the funding loans through a long run perspective. To do this, cointegration tests will be conducted in such way to capture the relationship between income and expense. The conclusion is that the national public debt was sustainable during this period which means that the series cointegrate. Perhaps some evidences show that it was not caused by a deliberated sustainable fiscal policy. The analysis was conducted with government income an expense data using a quarterly frequency obtained from temporal desegregation methods which allow us to have gains of degrees of freedom. Keywords: Fiscal sustainability, cointegration, “República Velha”. Sumário 1. Introdução .......................................................................................................................6 2. Revisão da literatura ......................................................................................................7 3. Metodologia ...................................................................................................................10 4. Base de dados ................................................................................................................12 4.1. Desagregação temporal.....................................................................................12 4.2. Estatística descritiva .........................................................................................19 5. Resultados econométricos.............................................................................................21 6. Análise dos resultados...................................................................................................28 Referências ........................................................................................................................31 Apêndice.............................................................................................................................34 Lista de Figuras Gráfico 01 – Expansão da malha ferroviária.......................................................................15 Gráfico 02 – Dívida como percentual das exportações.......................................................17 Gráfico 03 – Variáveis em nível (logaritmo neperiao).......................................................16 Gráfico 04 – Taxa de crescimento de receitas, despesas e M1 e seus respectivos limites inferior e superior com periodicidade trimestral.................................................................19 Gráfico 05 – Déficit público................................................................................................21 Gráfico 06 – Teste CUSUM................................................................................................27 Lista de Tabelas Tabela 01 – Dívida Pública e crise bancária.......................................................................16 Tabela 02 – Correlações simples (variáveis em diferença e em logaritmo neperiano)............................................................................................................................17 Tabela 03 – Teste Dickey-Fuller aumentado para presença de raiz unitária no nível das despesas e receitas do governo............................................................................................22 Tabela 04 - Teste Dickey-Fuller aumentado para presença de raiz unitária nas primeiras diferenças das despesas e receitas do governo....................................................................22 Tabela 05 - Teste Dickey-Fuller aumentado para presença de raiz unitária nos resíduos – procedimento de Engle-Granger..........................................................................................23 Tabela 06 – Teste de cointegração entre Log G e Log T seguindo o procedimento de Johansen..............................................................................................................................24 Tabela 07 – Validação do VEC...........................................................................................25 Tabela 08 – Estimativa do vetor auto-regressivo com correção de erros............................26 6 1. Introdução Indivíduos racionais buscam suavizar seu consumo ao longo de diversos períodos de tempo. Nesse contexto, o endividamento é uma maneira de transformar consumo futuro em consumo presente, de modo a maximizar a utilidade intertemporal dos indivíduos. O endividamento governamental segue uma lógica parecida, uma vez que, se bem administrada, a dívida pública pode gerar níveis adequados de investimentos permitindo maior equidade de bem estar entre as gerações. A importância do tema é destacada por Eichengreen (2006). O autor conclui que a administração da dívida pública por parte do governo pode aumentar a eficiência do sistema financeiro em alocar os recursos disponíveis fortalecendo a estabilidade macroeconômica e financeira do país. Desse modo, o governo busca maximizar o valor presente de seus outputs adquirindo dívidas para financiar projetos potencialmente geradores de renda futura ou financiar contingências como guerras e catástrofes. Dada a importância do endividamento, estudar a sustentabilidade da dívida pública significa analisar o equilíbrio entre o valor presente de suas despesas com sua riqueza inicial somada ao valor presente de suas arrecadações ao longo do tempo. De modo mais específico, a análise da sustentabilidade pode gerar discussões sobre a contribuição deliberada ou não, do governo na gestão desses passivos, ou seja, se este contraiu dívidas pelos motivos acima mencionados (investimentos e contingências) ou aproveitou-se da dívida para financiar gastos correntes. O período da Primeira República (1889 – 1931) é particularmente interessante para se investigar a sustentabilidade da dívida pública, pois “aí se observam os momentos cruciais de importantes transformações “estruturais” na economia do país ”1. O período é caracterizado por uma série de crises cambiais e políticas decorrentes das profundas mudanças estruturais vivenciadas pela economia brasileira, como a mudança no mercado de trabalho e como a inserção do país na economia global, enfatizado, por exemplo, em Abreu et al (1990). Um exemplo de tais mudanças estruturais foi o aumento oferta de bens públicos ao longo do período, dando suporte a expansão da malha ferroviária e a formação de entrepostos comerciais que afeta diretamente a política fiscal do governo, de acordo com Villela e Suzigan (1973). Uma conseqüência deste ambiente conturbado foi o primeiro ciclo longo de endividamento externo do país, que teve como marco inicial a 1 Franco, G.B., „A primeira década republicana‟ in M. de P. Abreu (org.), A ordem do progresso. Cem anos de política econômica republicana, 1889-1989, Rio de Janeiro, 1990.p.11. 7 saída de recursos a Portugal com a volta de D. João VI ao Reino, e necessidade de seguidos empréstimos que culminaram, em 1931, com a moratória da dívida e novo Funding Loan. Os Funding Loans, ou empréstimos de consolidação, que ocorreram em 1898, 1914 e 1931 tiveram papel importante durante o período citado, solucionando, no curto prazo, problemas no balanço de pagamentos e crises de liquidez, eliminando temporariamente o pagamento do serviço da dívida. Segundo Abreu (2001), como contrapartida, o país passou um longo período sem ter acesso aos mercados financeiros privados de outros países além de enfraquecer o país institucionalmente, elevando os custos de transação com seus interlocutores externos aumentando também o custo da dívida futura. O objetivo do trabalho é analisar de que modo a sustentabilidade da dívida foi afetada e de que forma o governo federal respondeu às mudanças de cenário econômico interno e externo durante o período da Primeira República. Para tanto o modelo intertemporal da Equivalência Ricardiana será utilizado como base teórica, visando um estudo empírico sobre os movimentos de longo prazo da dívida pública. Neste campo percebe-se que as linhas de pesquisa existentes na literatura sobre o período citado não tratam do endividamento público sob tal perspectiva de sustentabilidade de longo prazo, como estudou Pastore (1995) para o período de 1974 a 1989. Tal perspectiva de estudo se faz conveniente, uma vez que o período destaca um ciclo inicial de endividamento do país em conjunto com as primeiras décadas de governo independente. Na próxima seção será apresentada uma breve discussão sobre a literatura existente sobre o assunto. A terceira seção focará na metodologia e procedimentos a serem seguidos na pesquisa. A quarta seção discute a base de dados utilizada no trabalho. A quinta parte apresenta os resultados obtidos de acordo com a metodologia proposta. A sexta seção conclui o trabalho. 2. Revisão da literatura Na literatura existente no Brasil, são notáveis duas abordagens distintas sobre a análise da dívida pública brasileira. Uma tem foco nos títulos de dívida emitidos e na posterior análise das taxas internas de retorno destes buscando relacionar a possibilidade do endividamento público nacional com a atratividade de seus títulos no exterior. Uma segunda abordagem, com foco no longo prazo, busca observar como as despesas e receitas 8 do governo se comportaram ao longo do tempo. Ambas as metodologias parecem chegar a conclusões parecidas de que houve períodos onde o país seguiu uma política sustentável, mas que nem sempre isso ocorreu por conta da atuação deliberada do governo central. Como exposto por Villela e Suzigan (1973), muitas vezes o país recorreu ao endividamento externo com a finalidade de cobrir déficits orçamentários e auferir receita. Os autores defendem que a contração de dívidas externas foi danosa ao país, uma vez que, apesar de alguns empréstimos terem de fato financiado o desenvolvimento da nação, os projetos tocados eram ineficientes do ponto de vista econômico e, além disso, os juros pagos eram altos de acordo com os mesmos. Soma-se a isso o fato de a dívida externa ser paga, muita vezes, com novas dívidas e não com recursos do próprio país. Dada esta exposição inicial oferecida por Villela e Suzigan (1973), serão analisados a seguir alguns dos trabalhos empíricos existentes da literatura sobre o Brasil como devedor. As abordagens a seguir baseiam-se em análises das taxas de retorno dos títulos nacionais emitidos no exterior. Abreu (1985) enfatiza o impacto dos mercados financeiros internacionais sobre a dinâmica da dívida nacional, dizendo que o país “desmente o paradigma clássico” afastando-se do modelo das três fases2, ou seja, a dívida não segue o comportamento da oferta no mercado financeiro nacional. O autor conclui que, apesar das seguidas renegociações da dívida externa os títulos brasileiros não perderam rentabilidade e, ainda, títulos comprados antes de 1914 representaram “excelentes negócios”. Já Abreu (2001) enfatiza uma metodologia que compara taxas internas de retorno ex post com suas respectivas taxas contra factuais, buscando reconstruir, com base nas cotações dos títulos brasileiros da dívida externa, séries de amortizações da dívida desde 1824. A conclusão do autor mostra que apenas em dois períodos (década de 1820 e 1890) as taxas contra factuais são maiores que as dos títulos brasileiros (resultado não esperado, uma vez que a volatilidade dos preços dos títulos brasileiros são maiores). Já autores como Eichengreen e Portes (1989) e Jorgensen e Sachs (1989) procuram analisar as taxas internas de retorno dos empréstimos em dólar. Os primeiros focam sua análise na comparação ente a “taxa interna de retorno contratual” e a taxa interna de retorno ex ante. O estudo chega a resultados que divergem dos estudos de Abreu (1985) e Abreu (1999) concluindo que o Brasil teve um desempenho ruim em relação aos demais devedores estudados. A divergência entre as conclusões parece surgir do uso da “taxa 2 Para mais detalhes ver Simonsen (1983) e Simonsen (1984). 9 interna de retorno contratual” ser usada como indicador de retorno esperado dos títulos da dívida brasileira por parte de Eichengreen e Portes (1989). Abreu (2001) critica tal abordagem enfatizando que a taxa interna de retorno contratual seria um limite superior da verdadeira taxa interna de retorno uma vez que esta supõe que o investidor estrangeiro teria uma expectativa de compra um título da dívida com desconto e que no momento seguinte o mesmo seria cotado ao par. Abreu (2001) também critica o estudo de Jorgensen e Sachs (1989) apontando que estes utilizam uma metodologia que penaliza os tomadores de empréstimos que tenham maior risco de default. O argumento de Abreu (2001) é que o desconto sobre o valor nominal do título já considera este risco, ou seja, o estudo de Jorgensen e Sachs (1989) super-penalizaria países com maior probabilidade de default da dívida. Outra abordagem, tornada notável pelo trabalho de Hamilton e Flavin (1986), foca no comportamento de logo prazo e movimentos de curto prazo, testando a hipótese de estacionariedade da dívida pública. O trabalho de Pastore (1995) foi pioneiro nesse foco de análise para o Brasil. O autor estuda o período de 1974 a 1989, testando a presença de raiz unitária sob os dados em diferença da dívida pública e conclui que o endividamento se fez sustentável através do uso da senhoriagem e não de uma política fiscal austera. Outros trabalhos para o caso brasileiro como Rocha (1997) e Issler e Lima (2000), mostram que a divida pública no período de 1947 a 1992 segue um processo estocástico estacionário e a razão disso seria o financiamento via senhoriagem ou aumento de impostos. Simonassi (2007) inclui a possibilidade de quebras estruturais na analise da dívida, caso este de suma importância ao período a ser analisado, uma vez que as mudanças de cenário econômico interno e externo foram constantes. No âmbito cliométrico, estudo da história por meio de métodos econométricos, destaca-se o trabalho de Gamboa (2005). O referido autor visa analisar a sustentabilidade da dívida pública brasileira para o período de 1824 a 2004, desenvolvendo o que chama de “A Nova Equivalência Ricardiana”. O modelo proposto acrescenta ao modelo da Equivalência Ricardiana tradicional a possibilidade do país renegociar sua dívida. Para tanto inclui na equação do modelo ricardiano dummies controlando os períodos onde ocorreram defaults da dívida. O estudo chega à conclusão de que para alguns períodos a inclusão de dummies de default da dívida foi mais importante, como no período republicano de 1889 a 1943 e de 1983 a 1993. Ao passo que no período de 1944 a 1982 o financiamento público via senhoriagem foi mais relevante. 10 Ainda, uma terceira abordagem utiliza o instrumental de gerenciamentos de risco na análise da sustentabilidade da dívida. Medidas como Value-at-Risk (VaR) e Cost-atRisk (CaR), é discutida em Silva et al (2009).Tal abordagem busca analisar o quantil crítico a partir do qual a dívida passa a ser insustentável, uma vez que tanto VaR quanto CaR são metodologias baseadas em trajetórias possíveis de uma equação estocástica. No caso do estudo da dívida pública a metodologia CaR parece ser mais coerente, uma vez que não exige marcação à mercado como no VaR. Silva et al (2009) aponta a possibilidade de se trabalhar com não linaridades no modelo como uma grande vantagem de tais métodos. Um ponto fraco apontado pela mesma fonte é a arbitrariedade com relação à escolha do percentil de risco a ser considerado. Considerando a breve revisão de literatura acima, o trabalho, proposto neste projeto, desenvolverá uma análise do comportamento da dívida ao longo do período da primeira república utilizando-se de testes de cointegração. 3. Metodologia3 Tendo em mente o objetivo do trabalho em questão, para analisar a sustentabilidade da dívida pública brasileira ao longo do primeiro ciclo de endividamento da república, o trabalho utilizará um modelo de restrição orçamentária intertemporal do governo, utilizando-se da teoria da equivalência ricardiana. A restrição orçamentária do governo num primeiro período implica que os gastos correntes, Gt , devem ser iguais a sua arrecadação, Tt , somada ao financiamento corrente via emissão de títulos de dívida, Bt (1) Gt Tt Bt Ou seja, o déficit corrente, Gt - Tt , é financiado com endividamento. No período seguinte a restrição orçamentária do governo será (2) Gt 1 (1 r ) Bt Tt 1 Onde r é a taxa de juros que incide sobre a dívida. Resolvendo (2) para B t e substituindo em (1), teremos o valor presente da restrição orçamentária do governo. 3 Silva ela t (2009). 11 Gt 1 1 r (3) Gt Tt 1 1 r Tt Ou seja, a dívida no período subseqüente será igual ao déficit corrente somado à dívida anterior acrescida de juros. De maneira análoga a esta temos também a possibilidade de testarmos a sustentabilidade da dívida observando o seu comportamento em função de G, T e r. Assim, será construído um modelo intertemporal com infinitos períodos capaz de descrever o comportamento da dívida pública. Assim, temos que: (4) Bt (1 r ) Bt 1 Gt Tt 1 1 No período seguinte teremos: Bt (1 rt 1 ) Bt 2 1 Gt Tt 2 2 Substituindo (4) e resolvendo para a dívida corrente, temos que: Bt Bt 2 (1 rt 1 )(1 rt ) Tt Gt 2 (1 rt 1 )(1 rt ) Tt 1 Gt 1 (1 rt 1 ) 2 Generalizando para períodos t+s quaisquer: Bt (5) Bt s s Tt s (1 rt u 1 ) u 0 Gt u u ru u 1 De (5), temos que o valor da dívida hoje equivale à soma dos déficits primários correntes e futuros somados ao valor presente dos fluxos futuros de endividamento. Supondo que os governos não podem endividar-se indefinidamente ao longo do tempo, ou seja, jogos de Ponzi não existem. Para tanto, é preciso definir a condição de transversalidade da dívida. Temos que o preço hoje do consumo futuro é: 1 s Pt (1 rt u 1 ) u 1 A condição de transversalidade exige que: (6) lim Pt Bt 0 t De (6), temos que o valor dos déficits primários deve ser igual ao valor da dívida, como exposto anteriormente em (4). Desse modo, temos um modelo que nos permite testar empiricamente a relação de longo prazo entre gastos e arrecadações do governo. 12 A partir de dados com periodicidade trimestral (vide a próxima seção Base de Dados) de arrecadação e gastos públicos reais coletados para o período da Primeira República (1889 – 1931) 4, serão propostos testes de cointegração seguindo a metodologia de Johansen (1991), que terá como objetivo de estudar as relações de curto e longo prazo do endividamento público para o período. Séries macroeconômicas podem conter raízes unitárias em sua especificação, o que pode levar a relações espúrias, ou seja, relacionar séries que economicamente não apresentam consistência. Porém, pode haver uma combinação linear entre séries não estacionarias que podem levar a uma série estacionária. Se tal combinação linear existe, então é dito que as séries cointegram. No caso do trabalho em questão buscaremos uma relação entre despesas e receitas do governo que expliquem o seu comportamento no longo prazo. 4. Base de Dados 4.1. Desagregação temporal de séries históricas. Esta seção tem como objetivo fornecer um tratamento a base de dados disponível no site do Ipea, dados de receita e despesa de governo com periodicidade anual, de modo a obter uma base de dados em maior freqüência para que se possa obter resultados estatísticos significativos no decorrer do trabalho. Para tanto três métodos de desagregação temporal foram realizados. A importância de se obter séries com freqüência maior é justificada pelos ganhos de graus de liberdade no tratamento dessas séries. Para finalidade específica deste trabalho, séries trimestrais capturam tanto os movimentos de longo prazo quanto os de curto prazo com significância estatística maior em relação a séries anuais. De maneira prática, os métodos de desagregação temporal a serem aplicados buscam gerar dados trimestrais preservando as propriedades anuais. Para tanto, é possível utilizar métodos mecânicos (puramente matemáticos) ou baseados em indicadores (baseados em técnicas numéricas ou estatísticas). O primeiro método aplicado foi o de Boot, Feibes e Lisman (1967). Este método é puramente matemático. Segundo esta metodologia, a desagregação trimestral de uma série para o ano t pode ser obtida através da minimização das somas dos quadrados das diferenças entre trimestres sucessivos. Tal relação é obtida através da seguinte formula: 4 Dados disponíveis no site www.ipeadata.gov.br. 13 a j ,t - versão trimestral de At , tal que t 1,...,4 e j 2,...,n A - série anual observada em N anos, tal que T 1,...,N n 4N O método de Denton (1971) propõe uma solução para o problema de desagregação temporal caso haja um indicador sobre os movimentos de curto prazo da variável em questão. A metodologia é parecida com a utilizada pelo modelo anterior, onde os dados trimestrais são obtidos de maneira proporcional ao indicador. Matematicamente temos: a j ,t - versão trimestral de At , tal que t 1,...,4 e j 2,...,n A - série anual observada em N anos, tal que T 1,...,N n 4N ik , j ,T - inidcador i observado no trimestre t do ano T, tal que K = 1. Por fim, foi aplicado o método estatístico de Chow e Lin (1971). Este utiliza estimadores ótimos lineares não viesados (BLUE) a fim de relacionar o indicador e a variável objeto. A qualidade do ajuste obtido depende, neste modelo, da volatilidade do padrão trimestral da série, que será analisada no próximo tópico, estatísticas descritivas. Os cálculos foram realizados através do software Matlab R2007b, via biblioteca de programas de Matlab descritas em Quillis (2003). Os dados de entrada foram as séries anuais de gastos e receitas do governo e a série trimestral do conceito M1 de moeda, todos obtidos no site do Ipea. Além disso, de acordo com o método de Denton (1971), foi indicada a freqüência que se deseja obter, no caso, as séries serão transformadas de anuais para trimestrais. Os resultados obtidos estão no apêndice. 14 O método a ser utilizado como base para os cálculos será o de Denton (1971), uma vez que o mesmo utiliza-se de um indicador com boas propriedades, com forte correlação com as séries e, além disso, é o método utilizado por vários institutos no Brasil, incluindo o IBGE5. Como limitação, o método permite a utilização de apenas um indicador expresso nas mesmas unidades de medida da série a ser desagregada. No trabalho presente tal limitação não se mostra tão relevante dado que o indicar utilizado, M1, apresenta correlação forte com as séries e, além disso, as unidades de medida são as mesmas, contos de réis. No caso de endividamento público brasileiro no período da Republica Velha, o indicador utilizado como proxy dos dados trimestrais de receita e despesa do governo foi o M1. Esta série de conceito M1 de moeda está disponível no site do Ipea com periodicidade trimestral. O período Republicano iniciou-se sob um regime expansionista justificado, segundo Franco (1990), por mudanças estruturais na economia. Podemos citar, por exemplo, a evolução da malha ferroviária no período de 1850 a 1940. O gráfico mostra um crescimento acentuado da rede exigindo uma infra-estrutura condizente com o ambiente em rápida mutação, como por exemplo, entrepostos comerciais e suporte às estradas de ferro em geral, alterando o mercado de trabalho nacional e o centro dinâmico da economia, agora voltado à pujante região cafeeira. Com o fim da escravidão e expansão do trabalho assalariado aumentou a necessidade de financiamento de curto prazo no setor agrícola e, conseqüentemente um aumento pela demanda por moeda. O sistema bancário nacional era limitado, não conseguindo acomodar a nova demanda e, por conseguinte, gerando crises de liquidez no sistema. Soma-se isso ao colapso do Baring Brothers em 1890 e moratória da dívida argentina o que reduziu o influxo de capital ao país. O Brasil, então, viveu um cenário de inflação alta, câmbio desvalorizado e déficits nominais que culminariam na necessidade de financiamento externo. O gráfico 01 abaixo mostra a evolução da malha rodoviária no período. 5 Neto e Fiore (2006) 15 Gráfico 01 – Expansão da malha ferroviária. TRANSPORTE FERROVIÁRIO - EXTENSÃO DA REDE - KM 35000 30000 25000 20000 15000 10000 5000 0 1860 1870 1880 1890 1900 1910 1920 1930 1940 Fonte: Ipeadata. Pelo gráfico 01 podemos perceber quão veloz foi a expansão da rede ferroviária durante o período, saindo de praticamente 0 em 1850 a quase 35.000 Km em 1940. Obras como Cardoso (1988), que tentam entender relações entre o movimento dos preços e a dívida do setor público encontram conclusões razoáveis onde um maior déficit pode levar a um financiamento monetizado e, conseqüentemente, a um aumento da inflação. Sob tal perspectiva, a historiografia brasileira diverge em alguns pontos. Na década de 1890, por exemplo, há um amplo debate a cerca dos motivos que levaram o país a enfrentar duas crises cambiais ao longo do período. Franco (1988) resume o debate destacando a omissão da literatura com relação à importância da conta capital como variável relevante para explicar as crises. Ainda, observa que é dada maior ênfase a choques comerciais ligados a variações no preço do café e a excessos monetários e fiscais. Franco (1988) conclui a passagem afirmando que a interpretação tradicional sobre as crises cambiais, tanto a de 1891, quanto a de 1898, buscam os excessos do Encilhamento como justificativa para tal. Já a análise de Furtado sobre o período dá ênfase às variações no preço do café no período, tendo este como a principal variável explicativa para a taxa de cambio, assim como o estudo de Wileman e Versiani. Já Versiani (1985) e Fishlow questionam a influencia do café sobre a taxa de cambio. Cardoso (1981), Franco (1986a) e Fishlow 16 (1987) buscam relacionar modelos macroeconômicos a fim de relacionar mais variáveis com o objetivo de explicar a taxa de cambio. No debate a cerca da taxa de cambio, percebe-se que há uma relação entre emissão monetária, crises cambiais e endividamento público. Furtado (1974) aponta em seu estudo a grande relevância que teve para a economia brasileira o aumento da importância do setor assalariado. Dessa forma, a demanda por moeda era crescente. O deficiente setor bancário, altamente concentrado na capital Rio de Janeiro, somado a baixa propensão do publico a realizar depósitos bancários deixava o sistema bastante vulnerável a demandas sazonais. Essas por sua vez estavam ligadas a sazonalidade da atividade agrícola. Como resultado havia uma crise de liquidez no sistema. O gráfico 02 a seguir relaciona crises bancárias com o endividamento brasileiro. Gráfico 02 – Dívida como percentual das exportações Fonte: Baseado em Renhart e Rogoff (2010). Tabela 01 – Dívida pública e crise bancária. Período de default Duração (em anos) 1898 - 1901 4 1902 - 1910 9 1914 - 1919 6 1931 - 1933 3 Fonte: Baseado em Renhart e Rogoff (2010). 1° ano da crise bancária 1890 1897 1914 1929 O gráfico 02 e tabela 01 acima mostram uma relação entre crises bancárias e endividamento público. A linha vertical em azul indica o primeiro ano do período de crise 17 bancária. A área retangular indica o período de default da dívida externa. Percebe-se que os períodos de default são precedidos de crises bancárias, evidenciando a importância de aspectos monetários e de liquidez do sistema bancário com o endividamento. Como será debatido a seguir, percebe-se que a política monetária corrente no país influencia de alguma forma o caminho a ser percorrido pelos gastos e receitas do governo. Para corroborar essa tendência, a tabela abaixo mostra a correlação simples entre o indicador M1 e as séries desagregadas de despesa e receita. Tabela 02 – Correlações simples (variáveis em diferença e em logaritmo neperiano). Δ Receita Δ M1 Δ Despesa Δ Receita 1 0.737198 0.881204 Δ M1 1 0.71888 Δ Despesa 1 Fonte: Elaboração própria. Dados com Periodicidade trimestral. Pela tabela acima percebemos que as correlações entre M1, variação das receitas e variação das despesas são fortes. O gráfico 03 abaixo mostra as variáveis em nível. Gráfico 03 – Variáveis em nível (logaritmo neperiano). M1 Receita Despesa 24 23 22 21 20 19 18 90 95 00 05 10 15 20 25 30 35 Fonte: Elaboração própria. Pelo gráfico 03 vemos que as séries tendem a seguir uma trajetória comum ao longo do período. 18 O retorno do país ao regime de padrão ouro, motivado pela situação cambial favorável em 1888. Rui Barbosa assume, sendo ele o primeiro ministro da Fazenda da República. A lei bancaria de 1890, sua principal medida de política econômica, estabelecia emissões bancárias lastreadas em títulos da dívida pública. Tais emissões eram inconversíveis e representavam mais que o dobro do papel-moeda em circulação na época (Franco 1988). Calógeras atribui à expansão monetária realizada no período como tendo “a responsabilidade suprema da inundação de papel-moeda, que quase fez naufragar o país com os desastres que levaram à moratória de 1898”. Em 1898, Campos Sales assume a presidência sob a bandeira da responsabilidade sob as finanças do país. O ministro da fazenda, Joaquim Murtinho, negocia um plano de refinanciamento da dívida externa junto a banqueiros internacionais, firmando o primeiro funding loan. As condições para tanto foram firmadas sob um contexto de política monetária restritiva onde o governo se comprometia a depositar em moeda local uma parte dos valores dos títulos emitidos através do funding loan e o papel-moeda correspondente seria tirado de circulação. Já no inicio do século XX a relação entre moeda e dívida também parecem importantes. Internamente, a política econômica baseia-se na sustentação do preço internacional do café, com política fiscal e monetária contracionista e consolidação do padrão ouro. Tal cenário, aliado a criação da Caixa de Conversão, que emitiria notas conversíveis em ouro atrelando a estabilidade doméstica a externa, criaria grande dependência do país com relação ao setor externo. Sem uma estrutura bancaria sólida e sem um nível de absorção de capital suficiente, a saída é recorrer ao financiamento externo. Com a iminência da guerra, os fluxos de capitais diminuem e as exportações são prejudicadas. A receita das tributações sobre o comércio exterior, maior fonte de receita do governo cai. A Caixa de Conversão é fechada. Em 1914 um novo funding loan é firmado visando um ajuste positivo no balanço de pagamentos. O estudo presente buscará com evidências empíricas, baseado em testes de cointegração entre gastos e receitas do governo com periodicidade trimestral extraída através de desagregação temporal, retomar o debate acima. Uma vez que a política econômica traçada no período da Republica Velha não tem um padrão bem definido, passando por períodos de regime padrão ouro a cambio flutuante, de políticas metalistas a papelistas, de períodos de crise a períodos de estabilidade, uma analise de longo prazo a cerca do período pode elucidar importantes aspectos da política econômica praticada. 19 Dado o exposto acima, seguiremos o trabalho utilizando a base de dados trimestrais obtidas através do método de desagregação de Denton (1971). Vale lembrar que o método utilizado não substitui uma base de dados original obtida através de fontes fidedignas. A utilização de tais métodos no presente trabalho tem como objetivo suprir a falta de dados com maior freqüência. Como conseqüência dessa frente de trabalho, temos que os resultados obtidos através de testes econométricos podem ser prejudicados, uma vez que, a obtenção dos dados via desagregação temporal pode gerar correlações indesejadas nos resíduos. 4.2 Estatísticas descritivas Utilizando as séries trimestrais de receita e despesa do governo, obtidas através do método de Denton (1971), percebemos que as variáveis em nível parecem seguir uma tendência similar como observado no gráfico 03. Dada uma visão geral sobre o comportamento das variáveis em nível, percebe-se que receita e despesa do governo evoluem de modo parecido, o que pode ser um indício de que as variáveis cointegram. A seguir trabalharemos com as variáveis em logaritmo neperiano e em primeira diferença, o que pode ser interpretado como uma aproximação da taxa de crescimento das variáveis. Os gráficos a seguir mostram a taxa de crescimento das variáveis de interesse. Gráfico 04 – Taxa de crescimento de receitas, despesas e M1 e seus respectivos limites inferiores e superiores com periodicidade trimestral. Despesas .8 .6 .4 .2 .0 -.2 -.4 -.6 -.8 70 75 80 85 90 95 00 05 10 15 20 T a x a d e c re s c im e n t o d a s d e s p e s a s L i m i t e i n fe r i o r L im it e s u p e rio r 25 30 35 20 M1 .4 .3 .2 .1 .0 -.1 -.2 70 75 80 85 90 95 00 05 10 15 20 25 30 35 Taxa de crescimento do M1 Limite inferior Limite s uperior Receitas 1.5 1.0 0.5 0.0 -0.5 -1.0 -1.5 70 75 80 85 90 95 00 05 10 15 20 25 30 35 Taxa de crescimento das receitas Limite inferior Limite s uperior Fonte: Elaboração própria. Pelo gráfico 04 acima, percebe-se que a taxa de crescimento das despesas no período foi em média maior que a taxa de crescimento das receitas do governo. As maiores variações no período (valores mínimos e máximos) ocorreram durante a Crise de 1929, quando o capital estrangeiro tornou-se escasso no país, exigindo uma participação mais ativa do Estado na economia. Percebe-se, também, que o M1 foi volátil ao longo do período, especialmente ao longo do “Encilhamento” e no início da década de 1920. Tal fato pode prejudicar a qualidade do ajuste das séries anuais de receitas e despesas ao serem convertidas para freqüência trimestral com base no M1. Uma característica marcante do período é a limitação da participação do Estado na economia. Haber (1997) expõe que os gastos do governo contribuíram com apenas 9,2% do PIB em média ao longo do período da Primeira República. Além disso, a capacidade de arrecadação de impostos era limitada. A população estava alocada de maneira esparsa o que elevava os custos de comunicação e transporte, além disso, boa parte da população era iletrada. Além disso, Haber (1997) mostra que um limitante da expansão fiscal vinha do 21 lado da demanda, uma vez que custos de transporte eram elevados a tal ponto que desestimulavam investimentos dada a baixa receita liquida a ser recebida, fato este que inviabiliza arrecadações efetivas junto ao setor, ainda mais tendo em vista o período de regime escravista no país, onde grande parte da população economicamente ativa recebia menos que sua receita marginal. Sendo assim, a base de incidência dos impostos era baixa, gerando uma arrecadação abaixo do nível ótimo. Portanto, a maioria das receitas e despesas governamentais estava atrelada ao setor externo, uma vez que este gerava menores custos. Gráfico 05 – Déficit público. 1,200,000,000 1,000,000,000 800,000,000 600,000,000 400,000,000 200,000,000 0 -200,000,000 70 75 80 85 90 95 00 05 10 15 20 25 30 35 Fonte: Elaboração própria. O gráfico 05 acima mostra a evolução do déficit público no país. Vemos que os funding loans, realizados em 1898, 1914 e 1931 serviram para reduzir o déficit, ao menos temporariamente. Tal fato vai de acordo com Abreu (2001), alertando para o caráter de curto prazo de tais operações. 5. Resultados econométricos. A análise de séries econômicas não estacionárias exige um arcabouço econométrico específico, uma vez que, como observaram Granger e Newbold (1974) dadas duas séries não correlacionadas, mas com ordem de integração igual a um, a regressão de uma contra a outra tenderá a produzir uma relação aparentemente significativa. Este problema é chamado de regressão espúria. Sendo assim, com o objetivo de identificar relações de longo prazo entre receitas e despesas, como exposto na 22 metodologia sobre a sustentabilidade do endividamento no período da República Velha, testes de cointegração serão conduzidos de modo a evitar regressões espúrias, buscando evidências na literatura existente para validarmos tais testes. A estratégia a ser seguida nesse trabalho será a de testar a ordem de integração das séries de receitas e despesas do governo. Uma vez que as séries tenham as mesmas ordens de integração o próximo passo será testar a cointegração propriamente dita e subseqüente validação do teste. Por fim, será feita uma análise de constância dos parâmetros via teste CUSUM, buscando evidencias de quebras estruturais. Um primeiro passo para as estimações é identificar as séries têm a mesma ordem de integração, uma vez que o teste de cointegração pressupõe tal condição. Para tanto foi testada a presença de raiz unitária ADF (Augmented Dickey- Fuller) nas séries do logaritmo da receita (Log T) e logaritmo da despesa (Log G). A hipótese nula afirma que a série contém raiz unitária. q (7) k gt a gt ( 1) k 1 gt k 1 j gt et j j 0 q (8) k tt a tt ( 1) k 1 tt k 1 j gt j et j 0 Nas tabelas 03 e 04 são apresentados os resultados dos testes Dickey-Fuller aumentado para o nível e para a primeira diferença das séries para o período. Onde a especificação de cada equação depende do número de defasagens da variável a ser analisada (k =1 para nível ou k =2 para diferença), (1-δ) é o coeficiente de interesse para a presença de raiz unitária ou não na série e o número p de defasagens escolhidas será tal que os testes Q de Ljung-Box não rejeitem a hipótese nula de resíduos ruído branco. Tabela 03 – Teste Dickey-Fuller aumentado para presença de raiz unitária no nível das despesas e receitas do governo. t de Dickey-Fuller Valor crítico 5% Q(10) Probabilidade Q(20) Probabilidade p=n° de variáveis defasadas q=n° de observações log G -3.094 log T -2.752 -3.426 2482.2 (0.000) 4488.4 (0.000) 0 280 -3.426 1588.5 (0.000) 2668.8 (0.000) 0 280 Fonte: Elaboração própria. Observações: O modelo estimado contempla tendência e intercepto. 23 O resultado da tabela 03 indica que há raiz unitária nas séries a 5% de significância. As estatísticas de Ljung-Box para 10 e 20 lags mostram que os resíduos não são ruído branco. A seguir, o mesmo procedimento acima será realizado com as variáveis em primeira diferença, o que captura a taxa variação dos dados. Tabela 04 - Teste Dickey-Fuller aumentado para presença de raiz unitária nas primeiras diferenças das despesas e receitas do governo. t de Dickey-Fuller Valor crítico 5% Q(10) Probabilidade Q(20) Probabilidade p=n° de variáveis defasadas q=n° de observações Δ log G -19.335 Δ log T -24.749 -1.942 13.335 (0.064) 24.928 (0.127) 2 278 -1.942 16.061 (0.066) 27.254 (0.099) 1 278 Fonte: Elaboração própria. Observações: O modelo estimado não contempla nem tendência nem intercepto. Para as despesas do governo incluímos um AR(1) e um AR(5) ao modelo e para as receitas incluímos um AR(1). A 5% de significância, a hipótese nula é rejeitada de acordo com a tabela 04. As estatísticas de Ljung-Box para 10 e 20 lags mostram que os resíduos são ruído branco. Dado que as variáveis têm ordem de integração igual a um, um vetor autoregressivo em nível foi estimado a fim de capturar as relações entre as receitas e despesas correntes com seus movimentos no passado, tanto com relação a si mesmos quanto suas relações cruzadas. Ou seja, espera-se que movimentos passados nas despesas do governo afetem suas receitas e vice-versa. Uma vez que tais variáveis eram diretamente afetadas pelo setor externo (havia uma tendência ao desequilíbrio externo, com afirma Wiston em Abreu at al (1990)) choques que levassem a crises cambiais, a contrações monetárias ou afetassem a produção do café (principal produto da pauta exportadora) afetava diretamente receitas e despesas. Ainda mais tendo em vista que a participação do estado na economia era limitada por questões geográficas e técnicas, que impediam uma eficiente cobrança de impostos ou programas de investimento governamentais consolidados. Dessa forma, receitas e despesas estavam diretamente ligadas, respondendo a choques de mesma ordem. 24 Assim, o vetor auto-regressivo a ser estimado buscará evidencias sobre essas relações e suas implicações para o comportamento de longo prazo dessas variáveis, via cointegração. Dessa forma é possível perceber se o hiato entre receitas e despesas gera uma necessidade de financiamento insustentável para o governo. Para verificar a hipótese de cointegração entre as despesas e receitas do governo utilizaremos os testes de cointegração sugeridos por Engle-Granger e outro sugerido por Johansen. Nessa etapa do procedimento econométrico o objetivo é identificar um padrão de variação conjunta para os dados de receita e despesa do governo. Caso a hipótese de cointegração não seja rejeitada temos um indicio de que a política fiscal ao longo do período foi sustentável. Ou seja, receitas e despesas, apesar de apresentarem um comportamento crescente do tipo passeio aleatório, quando combinadas mostram um padrão estacionário. Os resultados são apresentados na tabela abaixo: Tabela 05 - Teste Dickey-Fuller aumentado para presença de raiz unitária nos resíduos – procedimento de Engle-Granger. u t de Dickey-Fuller Valor crítico 5% Q(10) Probabilidade Q(20) Probabilidade p=n° de variáveis defasadas q=n° de observações -10.035 -3.368* 1.898 0.965 6.779 0.986 4 280 Fonte: Elaboração própria. (*) Valor critico para a relação de cointegração estimada usando a metodologia de Engle-Granger. Baseado em Enders (2004). Onde a hipótese nula indica presença de raiz unitária na série da diferença dos resíduos. A tabela 05 mostra que a 5% de significância a hipótese nula deve ser rejeitada indicando que há relação econômica entre as variáveis, ou seja, que as receitas e despesas cointegram. Como base para o procedimento de Johansen, um vetor auto-regressivo relacionando foi estimado relacionando receitas e despesas. Segundo o critério de informação de Hannan e Quinn (HQ), mais robusto para fins de cointegração, a defasagem ótima a ser estimada é de 6 lags, o que garante valores Q de Ljung-Box tais que os resíduos sejam ruído branco. Quatro especificações diferentes foram realizadas para a 25 sequência do teste. Os modelos I e II não incluem tendência nos dados, sendo o modelo I também sem intercepto e sem tendência no VAR estimado e o modelo II contemplando intercepto. Os modelos III e IV apresentam tendência linear nos dados, sendo o modelo III com intercepto, mas sem tendência no vetor de correção de erros e o modelo IV com tendência e intercepto no vetor de correção de erros. Tabela 06 – Teste de cointegração entre Log G e Log T seguindo o procedimento de Johansen. Auto-valor Modelo I Modelo II Modelo III Modelo IV Modelo I Modelo II Modelo III Modelo IV Estatística Do traço Valor Crítico de 5% 0.067 29.916 12.321 0.040 11.072 4.130 0.068 30.419 20.262 0.040 11.243 9.165 0.055 16.230 15.495 0.003 0.780 3.841 0.058 23.122 25.872 0.024 6.723 12.518 Vetores de Cointegração Normalizados Log T Log G Tendência 1.000 -0.984 não (-0.002) 1.000 -0.961 não -(0.040) 1.000 -0.981 não (-0.033) 1.000 -1.203 0.003 (-0.191) -0.003 Relações de cointegração Nunhuma* No máx. 1 Nunhuma* No máx. 1 Nunhuma* No máx. 1 Nunhuma* No máx. 1 Constante não -0.459 (-0.808) 0.000 (0.000) 0.000 (0.000) Fonte: Elaboração própria. Observações: * indica rejeição da hipótese a 5% de significância. O modelo III apresentou posto incompleto, contendo apenas um vetor de cointegração. Os modelos I e II apresentaram posto completo e o modelo IV apresentou posto nulo. De acordo com a tabela 06 vemos que o modelo III apresenta o menor valor para o critério de informação BIC e AIC. A tabela 07 apresenta um sumário da validação do vetor de correção de erros estimado. 26 Tabela 07 – Validação do VEC. Estatística de teste Autocorrelação Q(10) 18.042 (Portmanteau) Normalidade 9074.649 (Jarque-Bera) Heterocedasticidade 585.4953 (termos cruzados) Probabilidade 0.196 0.000 0.000 Fonte: Elaboração própria. Percebe-se que os resíduos são não autocorrelacionados. Percebe-se, porem, que as hipóteses de normalidade e homocedasticidade são rejeitadas a 5%. O teste de White de heterocedasticidade com termos cruzados indica que a hipótese nula de homocedasticidade dos resíduos é rejeitada (p–valor de 0,003). O que indica que os resíduos não apresentam variância constante ao longo do período. O teste de normalidade dos resíduos baseados em Jarque-Bera indica rejeição da hipótese nula de normalidade dos resíduos (p-valor de 0,000), o que pode ser visto como uma primeira evidência de quebra estrutural. A tabela 08 apresenta o resultado do vetor auto-regressivo com correção de erros estimado. 27 Tabela 08 – Estimativa do vetor auto-regressivo com correção de erros. Variáveis independentes Eq. De Cointegração Δ Log T(-1) Δ Log T(-2) Δ Log T(-3) Δ Log T(-4) Δ Log T(-5) Δ Log T(-6) Δ Log G(-1) Δ Log G(-2) Δ Log G(-3) Δ Log G(-4) Δ Log G(-5) Δ Log G(-6) Intercepto R² Soma de quad. dos resid. Dev. Pad da regressão Variável independente Δ Log T Variável independente Δ Log G -0.0591 [-1.00472] -0.4008 [-2.69299] 0.0718 [ 0.43363] -0.0540 [-0.35226] -0.0060 [-0.03954] -0.0022 [-0.01379] -0.0868 [-0.59271] -0.0404 [-0.19279] -0.2666 [-1.13969] 0.0257 [ 0.12146] -0.0066 [-0.03130] -0.1929 [-0.83651] -0.0374 [-0.17812] 0.0270 [ 3.10544] 0.1949 0.0258 [ 0.62665] -0.5870 [-5.63935] -0.0638 [-0.55090] -0.0625 [-0.58297] 0.2544 [ 2.37832] -0.1268 [-1.11862] -0.1204 [-1.17644] 0.4675 [ 3.18713] -0.0635 [-0.38794] 0.0369 [ 0.24979] -0.4484 [-3.04087] 0.0122 [ 0.07578] 0.0256 [ 0.17475] 0.0227 [ 3.73105] 0.2499 4.4322 0.1423 2.1682 0.1031 Fonte: Elaboração própria. Observações: Entre [] estão os valores da estatística t de Student. Percebe-se que os impactos das variações do trimestre imediatamente anterior são relevantes para explicar a variação tanto de gastos quanto de despesas, assim como variações do ano anterior. Uma vez que as estatísticas sobre as contas do governo eram publicadas com periodicidade anual, pode-se assumir que possíveis ações visando o equilíbrio orçamentário eram tomadas com defasagem de até um ano. O período em questão foi bastante intenso em termos de mudanças estruturais no país, como já mencionado anteriormente. Assim, é relevante observarmos se os parâmetros das regressões foram constantes ou não ao longo do tempo. Para tanto, 28 aplicaremos o teste de CUSUM, ou da soma cumulativa dos resíduos recursivos, a fim de identificarmos se houve ou não quebras estruturais no período. Gráfico 06 – Teste CUSUM. 60 40 20 0 -20 -40 -60 90 95 00 05 10 CUSUM 15 20 25 30 35 5% Significance Fonte: Elaboração própria. “5% Significance” – Intervalo de confiança calculado a 5% de significância. O teste CUSUM (Brown, Durbin, and Evans, 1975) é baseado na soma cumulativa dos resíduos recursivos e indicam, a 5% de significância, que há instabilidade nos parâmetros caso a soma saia do intervalo de confiança designado. O teste foi realizado via software Eviews 5.0 após regredirmos a série do logaritmo natural da receita contra o logaritmo natural da despesa, que captura a relação de longo prazo entre as variáveis. Ou seja, no período de 1913 a 1924 temos um indício de quebra estrutural. Entre estes anos houve o segundo funding loan sob um contexto de economia de guerra e queda abrupta do comércio internacional. Sob tal cenário, foi observada a segunda crise cambial da República Velha. Sendo assim, era esperado que os parâmetros não fossem constantes. Quebras estruturais nas séries podem gerar problemas de inferência sobre os modelos. Testes de raízes unitárias assumem que uma possível tendência determinística é especificada de maneira correta, focando o teste nos movimentos estocásticos das séries. No entanto, Maddala e Kim (1998) citam que na literatura existente há controvérsias com relação a esta suposição. Segundo o texto, a presença de quebras estruturais nas séries pode levar à conclusão errônea de que há uma raiz unitária na série, quando na verdade não há. No caso a ser estudado no presente estudo, tal fato seria equivalente a assumir que algum componente da dívida pública, a arrecadação, por exemplo, comportou-se de forma 29 não-estacionária, quando na verdade foi estacionaria. Tal fato pode levar a conclusões errôneas quanto aos testes de cointegração a serem feitos. Porém, não é do escopo do trabalho presente estudar a possibilidade de cointegração entre receitas e despesas do governo incluindo quebras estruturais no modelo. Por limitações operacionais e técnicas a análise foi conduzida sem incluir a possibilidade de quebras estruturais, porém, um próximo passo a ser realizado em pesquisas futuras será dar devido tratamento a possibilidade de quebras estruturais. 6. Análise dos resultados. O período tratado neste trabalho trata de um momento de mudanças estruturais no país. Para citar alguns eventos, houve mudança de regime político, da Monarquia à República; mudança no mercado de trabalho, fim da escravidão e imigração; mudança de cenário internacional, aumento do comércio e posteriormente a Primeira Guerra Mundial e a Crise Mundial de 1929. Dado este ambiente de constantes mudanças, espera-se o comportamento do governo com relação a tais choques na economia tenha sido condizente com as expectativas de movimentos no produto do país, agindo de modo a suavizar tais eventos inesperados. No caso da dívida pública do período, concluímos que o governo seguiu um comportamento “ricardiano”, ou seja, que a dívida pública foi sustentável. No entanto, a fonte de tal comportamento parece não ser proveniente de ações deliberadas do governo. Evidências disso foram os seguidos funding loans adquiridos a fim de saldar suas contas. Além de gastos com investimentos e guerras, como a do Paraguai, Silva et al (2009) também cita gastos correntes, como o casamento de D. Isabel e D. Leopoldina. Ainda, uma importante fonte de gastos do governo a partir do início do século XX foi a política de valorização dos preços do café. Uma vez que houve períodos onde o padrãoouro foi o sistema monetário padrão, o objetivo da política monetária consistia em seguir a conversibilidade entre a moeda local e o ouro. O cenário interno e externo favorecia amplamente a produção de café, como evidencia Furtado (1954), e variações neste segmento, tanto de origem interna (super-safra, por exemplo) ou externa (demanda pelo café, por exemplo) exigiam ajustamentos no nível do meio circulante e, conseqüentemente na atividade do país. Sendo assim, o governo agia de modo a manter o preço do café em patamares sustentáveis do ponto de vista do exportador utilizando-se de financiamento externo. Apesar da reluta do governo em aceitar a proposta dos estados produtores, 30 chamado de Convênio de Taubaté, para garantir a captação de recursos no exterior num primeiro momento, o financiamento externo acabou sendo uma saída para o plano. A inconstância dos influxos de capital no país somados a instituição da Caixa de Conversão, que emitia notas conversíveis em ouro a uma taxa de câmbio fixa e atrelava a estabilidade monetária ao desempenho do Balanço de Pagamentos, fizeram com que o governo obtivesse empréstimos maiores no exterior. Tais empréstimos tinham o objetivo de manter a estabilidade do padrão-ouro e bancar o plano de valorização dos preços do café. Assim, apesar do endividamento ter sido sustentável no período, percebe-se que tal política não foi deliberada. Durante o período, especialmente na fase inicial da República, gastos e despesas do governo representavam uma baixa proporção em relação ao PIB, e ambos eram extremamente dependentes do setor externo, como afirma Goldsmith (1987). Ainda, os seguidos funding loans tinham como exigência significativos arrochos monetários e fiscais, o que impunha certo controle as contas públicas. Por fim, o trabalho presente revela-se inovador ao utilizar métodos de desagregação temporal a fim de obter séries trimestrais de gastos e despesas governamentais. No entanto, tal pratica pode majorar os resíduos das regressões, gerando padrões de autocorrelação indesejáveis o que pó gerar perda no poder de inferência. Um próximo passo a fim de explorar o assunto seria aprimorar os mecanismos de desagregação temporal, incluindo metodologias estatísticas mais refinadas. Uma alternativa seria aprofundar pesquisas históricas de modo a levantar bases de dados mais fiéis e maior freqüência com relação às contas nacionais. Além disso, o tratamento de quebras estruturais via modelagem econométrica parece ser relevante e é uma fonte a ser explorada em trabalhos futuros. 31 Referências ABREU, Marcelo de Paiva. A dívida pública externa do Brasil, 1824-193, Estudos Econômicos,15 (2), 1985. ABREU, Marcelo de Paiva (Org.). 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Gráfico 05 – Comparativo entre os métodos de desagregação temporal (em milhões de reais). Receita do governo em periodicidade trimestral. 5,000,000,000 4,000,000,000 3,000,000,000 2,000,000,000 1,000,000,000 0 70 75 80 85 90 95 00 05 RECEITA 10 15 20 25 30 35 Rec-Denton 4,000,000,000 3,000,000,000 2,000,000,000 1,000,000,000 0 70 75 80 85 90 95 00 RECEITA 6 Baseado em Quilis(2001). 05 10 15 20 Receita-BFL 25 30 35 35 6,000,000,000 5,000,000,000 4,000,000,000 3,000,000,000 2,000,000,000 1,000,000,000 0 70 75 80 85 90 95 00 05 RECEITA 10 15 20 25 30 35 Rec-ChowLin Fonte: Elaboração própria. Gráfico 05 – Comparativo entre os métodos de desagregação temporal (em milhões de reais). Despesa do governo em periodicidade trimestral. 6,000,000,000 5,000,000,000 4,000,000,000 3,000,000,000 2,000,000,000 1,000,000,000 0 70 75 80 85 90 95 00 DESPESA 05 10 15 20 Desp-Denton 25 30 35 36 5,000,000,000 4,000,000,000 3,000,000,000 2,000,000,000 1,000,000,000 0 70 75 80 85 90 95 00 05 DESPESA 10 15 20 25 30 35 25 30 35 Despesa-BFL 6,000,000,000 5,000,000,000 4,000,000,000 3,000,000,000 2,000,000,000 1,000,000,000 0 70 75 80 85 90 95 00 DESPESA Fonte: Elaboração própria. 05 10 15 20 Des-ChowLin