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UIVERSIDADE CADIDO MEDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SESU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A RELAÇÃO MÉDICO-PACIETE E A PROMOÇÃO DA QUALIDADE DE
VIDA DOS PACIETES AS ISTITUIÇÕES DE SAÚDE
Por: Luziene Francisca da Siva Gottardo
Orientador
Prof. Ms. Marcelo Saldanha
Rio de Janeiro
2009
2
UIVERSIDADE CADIDO MEDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SESU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A RELAÇÃO MÉDICO-PACIETE E A PROMOÇÃO DA QUALIDADE DE
VIDA DOS PACIETES AS ISTITUIÇÕES DE SAÚDE
Apresentação de monografia à Universidade Candido
Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Gestão de Recursos Humanos.
Por: Luziene Francisca da Silva Gottardo
3
AGRADECIMETOS
Com gratidão ao meu Deus e Pai por me
sustentar para mais esta vitória.
À minha família pela força e carinho.
4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho às minhas filhas Débora e
Júlia.
5
RESUMO
O presente estudo sendo uma pesquisa bibliográfica tem com principal método a
leitura de livros sobre o tema relacional entre médicos e pacientes sua influência na
promoção de qualidade de vida dos pacientes nas instituições de saúde.
A abordagem é feita através da história da medicina, do entendimento do
aparecimento do sujeito como paciente, do surgimento do conceito da Psicologia
Médica, da Medicina da Pessoa e seus desdobramentos , do processo de Humanização
nas instituições de saúde, da formação médica e possíveis soluções para que a relação
médico-paciente seja ao menos satisfatória.
A observação participante é feita no Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, onde
a Psicologia Hospitalar faz parte integrante do projeto de aumentar a qualidade de vida
dos pacientes, equipes de saúde, bem como de toda a instituição hospitalar.
6
METODOLOGIA
Este estudo é uma pesquisa bibliográfica que foi escolhida com base em minha
experiência profissional. Como psicóloga hospitalar optei por este tema na expectativa
de levar um olhar crítico sobre os processos de relacionamento médico-paciente e seus
naturais desdobramentos, que em consequência irão influenciar na qualidade de vida dos
pacientes nas organizações de saúde. Com esta demanda o presente estudo esclarece em
seu capítulo introdutório alguns conceitos psicanalíticos importantes nesta relação tais
como: regressão, transferência e contratransferência.
No segundo capítulo elucida a história da medicina e seus personagens
influentes como Asclépios, Hipócrates, Galeno, Versálio e a Tableteca de Assurbanipal.
O terceiro capítulo trata do aparecimento do paciente em paralelo com a
descoberta do funcionamento do corpo
A inauguração da Psicologia Médica com D. Perestello e seus conceitos sobre a
Medicina da Pessoa são abordados no quarto capítulo deste estudo.
O quinto capítulo avalia a importância da comunicação e suas principais
implicações não só na relação do paciente com seu médico, como também na relação do
paciente com seu próprio corpo. Ainda neste capítulo aborda-se a credibilidade da
medicina e modelos da relação em questão.
A identidade médica é analisada no capítulo seis através de reflexões sobre o
perfil psicológico do médico e suas relações, o aluno de medicina e sua formação, assim
como as características emocionais do médico e as sociedades médicas.
No sétimo capítulo é feita uma abordagem de relatos sobre a troca de papéis, ou
seja, o médico como paciente – um golpe do destino.
O processo de humanização da saúde é analisado no oitavo capítulo,
caracterizando as defesas do uso dos rótulos no ambiente hospitalar como defesa contra
o sofrimento experimentado pelas equipes de saúde em seu cotidiano lidando com as
perdas e a morte.
7
O nono capítulo faz um levantamento da ética no contexto do sofrimento
humano, assim como o processo de exclusão usado como defesa, a banalização da dor, a
solidão do profissional de saúde e a bioética na cultura hospitalar.
As considerações finais avaliam as temáticas propostas e soluções que podem
ser postas em prática dentro das instituições de saúde e nas universidades onde a
formação médica é estabelecida. Tais mudanças são propostas para que a relação
médico-paciente satisfatória seja vista e experimentada como parte integrante e
indispensável na promoção de qualidade de vida não só dos pacientes, mas também das
instituições de saúde, responsáveis pela promoção da qualidade de vida da sociedade.
.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I - A Medicina e sua História
08
15
CAPÍTULO II - O Aparecimento do Doente
32
CAPÍTULO III – A Medicina da Pessoa
36
CAPÍTULO IV – A Comunicação
44
CAPÍTULO V – A Identidade Mèdica
58
CAPÍTULO VI – O Médico como Paciente
67
CAPÍTULO VII – A Humanização
72
CAPÍTULO VIII – A Ética do Sofrimento
76
CONCLUSÃO
82
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
52
ÍNDICE
59
FOLHA DE AVALIAÇÃO
63
9
ITRODUÇÃO
O relacionamento médico-paciente vem sendo alvo de
estudos nos últimos anos, em decorrência da tentativa de se
instituir uma medicina humanística dentro da realidade social
contemporãnea.
Tal instituição implica em mudanças de
estruturas mentais e de novas técnicas de trabalho.
A arte médica consiste na capacidade que possui o médico
de realizar-se criativamente no exercício profissional. Sendo que
esse exercício flui intuitivamente da base emocional da relação
médico-paciente.
O exercício profissional médico é um complexo que envolve
variáveis de motivações conscientes e inconsciente da escolha da
profissão e de sua especialidade.
Os recursos tecnológicos por muitas vezes acaba por ser
priorizado à escuta médica, contaminando sua comunicação que
voltada para termos fisiopatológicos tentam explicar as queixas
dos pacientes.
10
Alguns pacientes por sua vez, supervalorizam os exames
complementares, fazendo com que sua história de vida fique
oculta, como se sua subjetividade em nada se relacionasse com
seu corpo. Para alguns deles, médico bom é aquele que lhe pede
muitos exames, sem nada questionar sobre seu estilo de vida, o
que lhe isenta de qualquer responsabilidade sobre a manutenção
de sua saúde
Frente a esse tipo de paciente, resta ao médico o papel de
semideus, que toma total responssabilidade sobre o sujeito, sua
doença e seu tratamento, sem espaço para trocas, questionamentos
e até mesmo falhas. Tal papel pode também ser imposto pelo
médico, tornando mais difícil para o paciente virar o jogo e opinar
sobre algo dentro dessa relação.
A compreensão em sua totalidade da criatura humana
sofredora se faz necessária no contexto dessa relação tão delicada
e importante em nossa sociedade. Essa é uma tendência mundial
da área de saúde, estabelecer a relação médico-paciente em bases
humanísticas. Esse humanismo não objetiva resgatar a figura do
médico da família, pois não se trata de humanitarismo e sim da
visão integralista do paciente como um ser completo e totalitário.
Busca-se integrar, no exercício profissional, os recursos
tecnológicos com a compreensão científica da personalidade do
paciente.
11
Observa-se que uma das características da medicina
ocidental é que somente depois que todo poder exploratório do
modelo biológico for total e exaustivamente empregado é que o
médico começa a considerar com mais detalhes a experiência
subjetiva que o doente vive.
Verifica-se então que para a manifestação dessa experiência
subjetiva na relação entre o paciente e seu médico torna-se
necessário a formação de um vínculo entre ambos, o qual
poderemos chamar de “aliança terapêutica”. Tal vínculo de
confiança e empatia se estabelece através do tipo de comunicação
que se estabelece na relação. Caso essa comunicação seja
contaminada e distorcida em sua patologia, a aliança não será
desenvolvida satisfatóriamente.
Segundo Ballint (1975) cada indivíduo portador de uma
doença apresenta-se a si mesmo como alguém portador de uma
história que lhe é própria, a qual o médico deve estar pronto para
ouvir. Logo, se o médico desenvolvesse uma escuta mais sensível
às demandas inconscientes dos pacientes em suas consultas,
produziriam um efeito terapêutico complementar ao tratamento
convencional.
Para que tal escuta seja feita de forma eficaz, podemos
ressaltar que muitos fatores oriundos do emocional médico irá
determinar se a mesma ocorrerá ou não, dependendo do nível de
maturidade e estrutura psíquica do mesmo.
12
De acordo com Zimerman (1992), estudos feitos pelo
psiquiatra alemão Simmel (1926) sobre a estrutura psiquica do
médico,
descreveram
algumas
fantasias
inconscientes
relacionadas a escolha da carreira médica tais como: satisfação de
impulsos primários (ver pessoas desnudas, ter acesso ao interior
dos corpos, manipular fezes e urina) e negação da doença e da
morte através de um certo sentido de onipotência característico da
profissão.
Verifica-se então que o médico consegue adaptar suas
fantasias inconscientes com a realidade sem transtorno algum,
ganhando ainda a admiração, status e respeito da sociedade e
gratificando seu Id.
A atitude e postura médica frente a seus pacientes é
resultante de fatores que formam o médico, isto é, sua pessoa
integral, sua identidade, que lhe confere características distintas,
acompanhando-o em todos os seus relacionamentos, inclusive na
sua relação com seu paciente.
Para Zimerman (1992) o tipo de personalidade do médico
tem grande influência na qualidade da relação médico-paciente,
fazendo-se necessário certas características psíquicas, que
combinadas a seus conhecimentos e habilidades, definirão o perfil
de sua formação. Isso lhe exige vários atributos tais como:
13
Capacidade de ser continente. Pode-se usar nesse exemplo a
figura da mãe que serve de suporte para as angústias existenciais
de seu filho pequeno. Da mesma forma o médico precisa ser
sensível frente às necessidades de seu paciente aflito. Quando o
médico não é capaz de ser continente com suas próprias
limitações e dúvidas, ele acaba por cair no erro de prescrever uma
série de medicações desnecessárias.
Capacidade de se deprimir. Tal capacidade se relaciona com
a elaboração de suas frustrações e reconhecimento de seus erros,
trazendo-lhe uma responsabilidade que o encaminha a corrigir sua
trajetória e contínua formação.
Capacidade de comunicação. A comunicação humana se dá
de várias formas além da linguagem verbal, como por exemplo
através
dos
gestos,
sintomas
conversivos,
doenças
psicossomáticas, etc.
Para que a comunicação ocorra de forma adequada entre
médico e paciente é necessário que haja na pessoa do médico:
saber escutar sem conceitos pré-estabelecidos, nem julgamentos
morais e padrões de normalidade, saber falar a língua do paciente
se abstendo de jargões técnicos, conseguir comunicar de forma
eficiente as verdades diagnósticas, isto é, avaliar até que ponto o
paciente está preparado para ouví-la.
14
O
paciente,
por
sua
vez,
especialmente
quando
hospitalizado, tende a entrar em um estado regressivo, retornando
a um nível psíquico primitivo, uma vez que tem sua identidade
ameaçada, frente a um ambiente estranho, sem seus pertences,
sendo tratado pelo número de seu leito ou pelo nome de sua
doença.
15
CAPÍTULO I
A MEDICINA E SUA HISTÓRIA
A Tableteca de Assurbanipal
De acordo com Ismael (2002), na Mesopotâmia, região
localizada entre o rio Tigre e Eufrates, começa a ser esboçado o
conceito de civilização. Nela a escrita cuneiforme começa a ser
executada durante aproximadamente dois mil anos. Consistia no
uso da escrita feita com um estilete, gravando assim marcas em
forma de cunha em tabletes de argila úmida, que depois de secos
eram guardados em lugares nem sempre muito adequados para sua
manutenção. Esses tabletes tornaram-se a única fonte da história,
cultura e costumes daquelas civilizações.
A tableteca de Assurbanipal, um dos últimos grandes reis da
Assíria, possui registros sobre práticas médicas que comprovam
que a medicina é tão antiga quanto a civilização. Em alguns
desses tabletes estão descritos como eram feitos os diagnósticos
que muitas vezes podem ser semelhantes aos modernos.
16
De acordo com os registros da época, o paciente era visto
como a arena onde a batalha entre o bem e o mal era travada, já
que acreditavam que as doenças estavam ligadas a entidades
sobrenaturais, cada uma sendo responsável por uma parte do
corpo. As forças do bem eram representadas por Ashipu e Asu,
que lutavam para curar o doente.
O hitoriador grego Heródoto, segundo Ismael (2002),
registra que na Babilônia qualquer pessoa poderia como um
médico, oferecer conselhos, rituais e receitas de ervas, assim
como hoje pode-se chamar tais práticas de tratamentos
alternativos.
O Asu, era uma espécie de mágico, que era subsstituido pelo
Ashipu, caso não obtivesse resultados satisfatórios frente ao mal.
Ashipu era especialista na aplicação de emplastros de ervas, raízes
e gordura animal. Ambos prestavam atendimento domiciliar, ou
seja, passavam a morar com os doentes na condição de
empregados, só indo embora quando estes melhorassem ou
morressem.
17
Era costume também que as consultas fossem feitas
próximas às margens dos rios, pois era considerado local sagrado
pelos mesopotâmicos devido a fonte de energia espiritual que
consideravam fluir deste local. Hoje ainda pode-se observar
familiares de pacientes graves submentendo-os à práticas de
tratamentos que têm como base a mesma motivação: afastá-los o
quanto puderem da morte.
Os babilônicos se preocupavam já naquela época com a
qualidade do antendimento médico, tanto que o rei Hammurabi
(1792-1750 a.C) criou o conhecido Código de Hamurabi, onde
estipula severas penalidades aos maus médicos, embora tais
penalidades fossem de acordo com a classe social do paciente.
Segundo o código se um doente morrese em uma cirurgia, o
responsável era punido com a amputação da mão. Porém, se o
mesmo doente fosse um escravo, o médico teria como pena
apenas comprar outro serviçal para seu senhor. Tal código fixava
que os honorários médicos deveriam ser pagos apenas se o
paciente fosse curado, e ainda assim de acordo com a condição
financeira do doente.
18
Não se tem registros de outras civilizações além dos
coletados por Assurbanipal, não podendo assim afirmar se entre
outros povos da época a relação médico-paciente fosse diferente.
O que se pode afirmar é que o consolo e conforto ao doente está
presente desde os primórdios, tendo sua origem nos rituais
místico-religiosos.
Asclépios
O marco zero da medicina ocidental, segundo Ismael
(2002), se constitui com o mito de Asclépios, onde nasce a “Ars
curandi”, ou seja a arte de curar, ou se tratar. Asclépios, como
deus da medicina não estimulava-a como ciência, e sim como
consolação e escuta ao doente.
Asclépios era filho de Apolo e de Coronis, foi educado por
Quíron, conhecido por seus conhecimentos em música, ética,
filosofia e medicina. Higeia, uma das filhas de Asclépios,
personifica a saúde. As lições de medicina que Asclépios recebe
de Quíron, giram em torno da consolação, considerada
fundamental para a cura do doente.
19
De acordo com a mitologia o deus da medicina aprendeu tão
bem a arte da consolação que teria ressuscitado os mortos,
despertando assim a ira de Zeus, que o fulmina com seus raios. O
médico idealizado por ele, modelo de equilíbrio, sensatez e
sabedoria,
deve
saber
amenizar
a
solidão
do
doente,
reconduzindo-o ao convívio social. Sua influência perdurou na
medicina até o início do Iluminismo grego por volta do século 7o
a.C..
O caduceu do médico foi originado do inseparável cajado de
Asclépios com uma serpente entalhada á sua volta. Ismael (2002)
afirma que a serpente era um animal presente no culto de
Asclépios, uma vez que a troca anual de pele da mesma
simbolizava o rejuvenecimento.
Algusns
historiadores
declaram
que
os
sacerdores
asclepianos eram charlatães que faziam os doentes, sob a
influência das ervas, se acharem na presença do deus e, com isso,
eram tão influênciados a ponto de sentirem-se curados.
Muitos séculos se passaram até que a superstição e magia
cedesse lugar às práticas médicas. Verifica-se que o poeta grego
Homero (700 a.C.), em poemas épicos como Ilíada e Odisséia,
supervalorizam a coragem da intervenção dos heróis do Olimpo e
questionam a primazia dos deuses de dispor a seu bel-prazer do
destino dos homens. Começam então a responsabilizar o próprio
homem pelo cuidado de si mesmo e de seu semelhante.
20
Homero ressalta, de forma geral, que a consolação dos
feridos é tão ou mais importante que o tratamento a eles
dispensados por Macáon e Podalírio, filhos de Asclépios,
guerreiros e médicos do exército grego.
Hipócrates
O contexto estava pronto para que as teorias
asclepianas fossem consolidadas, retirando-lhes porém todo e
qualquer componente mágico e místico. Para que isso ocorresse
surgiu Hipócrates, considerado como pai da ciência, do
prognóstico e diagnóstico.
Ismael (2002), afirma que Hipócrates era considerado um
revolucionário por negar qualquer influência sobrenatural e de
punição divina no aparecimento das doenças. Ele enfatizava o
exercício da razão e observação do paciente, é também
reconhecido por intuir as teses do monge austríaco Gregor J.
Mendel sobre a génetica e a transmissão das doenças.
A epilepsia foi desmistificada por Hipócrates (1952): “Ela é
tão sagrada como qualquer outra doença, tem uma causa natural
que só os ignorantes teimam em não admitir”.(ISMAEL, 2002,
p.25)
21
Para o pai da ciência o paciente deve ser o centro de toda a
atenção, dedicação e respeito, devendo o médico se distanciar de
todo procedimento que possa prejudicá-lo.
Hipócrates era considerado o pai da medicina, não apenas
por ter aplicado filosofia à clínica, mas também e principalmente
por aplicá-la combinada à observações feitas no leito do doente, a
quem escutava com toda atenção. Não é difícil imaginar o quanto
seus conceitos impactavam os pseudocientistas da época que não
viam o doente como uma pessoa, creditando o fracasso do
tratamento médico às forças do destino, levado até as últimas
consequências pelo inconsciente coletivo grego.
Hipócrates foi muito infeliz na sua defesa inquestionável da
autoridade médica em relação ao paciente, que lhe devia
submissão absoluta. Verifica-se ainda hoje que o perfil médico se
encaixa em sua
maioria nessa espera pela submissão cega e
inquestionável por parte do paciente, que inúmeras vezes tem de
se submeter a tratamentos sem maiores explicações, exigindo-se
dele apenas obediência total. E por vezes quando o mesmo não
adere adequadamente ao tratamento proposto, o médico se mostra
intolerante, chegando até mesmo a abrir mão de tratar tal paciente.
22
Hipócrates demonstrava uma admirável, preocupação com a
influência do meio ambiente na saúde das pessoas, salientando
que para a preservação da mesma se faz necessário cuidadosa
escolha da alimentação, do trabalho, e do local de moradia.
Criticava a busca excessiva e indiscriminada de formas de
tratamento, afirmando que em muitos casos a natureza do próprio
paciente, quando submetida a dieta equilibrada e abstenção de
drogas, encontrava seu próprio tratamento.De acordo com Ismael
(2002), pautado em muitos princípios éticos como por exemplo a
prática do aborto, os formandos contemporâneos de medicina,
mesmo vinte e cinco séculos após o seu nascimento ainda fazem o
Juramento de Hipócrates, transcrito a seguir: “Eu juro, por Apolo
médico, por Asclépios, Higiéia e Panacéia, e tomo por
testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir de acordo
com minhas forças e inteligência a promessa que se segue:
estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta
Arte; repartir com ele meus bens e ajudá-lo nas suas necessidades;
considerar seus filhos comos meus próprios irmãos; ensinar-lhes
esta Arte, se desejarem aprendê-la, sem remuneração e nem
compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das missões e
de todo o resto do ensino, os meus filhos, os de meu mestre e os
discípulos inscritos sujeiros aos regulamentos da profissão, e a
ninguém mais. Prescreverei os regimes para o bem do doente
segundo o meu poder e entendimento, nunca paara causar dano ou
23
mal a alguém.A ninguém darei remédio mortal, nem conselho que
induza a destruição. Do mesmo modo, não darei a nenhuma
mullher uma substância abortiva. Conservarei imaculada minha
vida e minha Arte. Não praticarei a talha, nas pessoas calculosas
deixando essa operação para os especialistas nesta Arte. Entrarei
nas casas para o bem do doente, mantendo-me longe de todo dano
voluntário e de toda a sedução, sobretudo longe dos prazeres do
amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados.
Aquilo que no exercício da profissão ou fora dele e no convívio
da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso
divulgar, eu conservarei inteiramente secreto. Nunca me servirei
da profissão para corromper os costumes e favorecer o crime.
Prometo que, ao exercer a Arte de curar me mostrarei sempre fiel
aos preceiros da honestidade, da caridade e da ciência. Se eu
cumprir este juramento com rigor, que me seja dado gozar da vida
e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu
dele me afastar ou infringir que o contrário me aconteça.”
Foram precisos seis séculos para que outro personagem da
importância de Hipócrates surgisse na história da medicina:
Claudius Galeno.
Galeno
24
De acordo com Ismael (2002), Galeno foi um dos
pensadores gregos que nos dois primeiros séculos da era cristã
conquistou maior prestígio e fortuna em Roma. Nascido em
Pérgamo, na Ásia menor, desde jovem dedicou-se ao estudo da
filosofia platônica e estóica. Com expressiva bagagem cultural, e
convencido de que somente com a ajuda da filosofia o homem
pode conviver com sua angustiante sede de transcender, Galeno
volta-se para a medicina, tendo deixado uma centena de tratados
sobre o assunto.
Embora sua contribuição seja muito importante, um dos seus
traços mais marcantes foi o autoritarismo: achando que tinha
resposta para tudo, estabeleceu o padrão de personalidade para a
profissão que até hoje persiste. O racionalismo na medicina
também foi defendido por Galeno, tendo-o importado da lógica,
talvez a sua principal paixão.
25
Em 170 muda-se para Roma tornando-se médico do
imperador Marco Aurélio, e logo conquista admiradores e
inimigos com idêntico passionalismo. Torna-se um personagem
controverso, mas de indiscutível importância na história da
medicina. Sem dar trégua ao misticismo das seitas médicas que
proliferavam, revoluciona grande parte do conhecimento até então
obtido em fisiologia, principalmente ao demonstrar que as artérias
transportam sangue, e não ar, como se ensinava havia mais de
quatrocentos anos.
Os hitoriadores são unanimes em relatar que a anatomia
galênica tem dois pontos vulneráveis: o apego a filosofia religiosa
e a insistência em validar sua teorias a partir da dissecação de
animais. Sua tese de que o corpo humano é semelhante ao de mera
máquina, dublê da que existe nos animais, foi tão contestada
como a que atribuía a montagem dessa máquina ao determinismo
divino, responsável, segundo ele, pela harmonia e precisão do seu
funcionamento. A grandeza do seu criador estaria na sabedoria
com que se dedicou aos detalhes, mantidas as características
próprias de cada um deles, para uní-los na obra perfeita da
engenharia divina que descreve em “Os usos das partes do corpo
humano”.
26
Ismael (2002), relata que apesar de sua inegável visão
humanística, Galeno dá pouca importância à pessoa do paciente,
para ele um conjunto de órgãos sem outra finalidade a não ser
mantê-lo vivo, e submetido a um poder superior inexplicável e
amedrontador. Essa visão mecanicista do homem, completada por
um paradoxo espiritual, seria incorporada por muitas escolas de
medicina da Idade Média, época em que o controle das
informações, exercido pelo fundamentalismo cristão, amordaça a
divulgação das já tímidas pesquisas científicas.
Paracelso
27
Somente no Renascimento a história do indivíduo, anulada
ao longo da Idade Média, começa a ser reescrita, e no campo
médico a importância dada à pessoa começa a ser discutida sob
uma perspectiva ética, ou seja, humana, até então desprezada. A
valorização do paciente como pessoa alcança com Paracelso uma
dimensão inédita.De acordo com Ismael (2002), Paracelso se
constitui uma das figuras mais exóticas e interessantes da história
da medicina. É possível que tenha sofrido a influência de seu pai
que era médico. Mas sua inquietação e repúdio pelo ensino
convencional o levam a abandonar o curso formal, passando a
viajar compulsivamente pela Europa sem destino certo e a
conviver com mineiros do Tirol, cujos males tratava com mapas
astrológicos e inalações de ervas. Suas pesquisas e idéias foram
expostas num tratado considerado pioneiro sobre a doença
ocupacional.
28
De volta a Basiléia, em 1526, contratado para proferir
palestras na universidade local, é acolhido com frieza pela maioria
do corpo docente e com desconfiança pelo discente. Intrigas
promovidas por inimigos levam-no a ser preso na Alemanha,
quando chegava para proferir mais um dos seus polêmicos
cursos.Praticante de um estilo teatral, Paracelso começa as
palestras rasgando e queimando livros de Galeno e Avicena,
considerados por ele retrógados odiosos. Os tratamentos que
prescreve, e que já contavam com muitos seguidores, eram
baseados principalmente na interpretação cristã da teoria holística
dos neoplatônicos, para os quais a vida humana e o cosmos tem
sua origem em comum (o filósofo francês René Descartes
avalizaria, cem anos depois, essa idéia), a doença significa o
resultado de uma ruptura entre essa ligação primordial, que nem
mesmo a morte consegue romper: ao contrário, transforma-a em
eterna.
Sua carreira de professor dura pouco e ele retorna as viagens
pela Europa, morrendo em Salzburgo, onde se refugiara após a
morte de um paciente em condições misteriosas e desprezado pela
comunidade científica da época.
29
Conforme Ismael (2002), o filósofo e o médico não podem
se contentar com a aparência externa das coisas ou com o efeito
de tudo o que se observa, devendo buscar a raiz da doença e o
conhecimento profundo do paciente se quiser ter êxito no
tratamento. Uma das teses de Paracelso mais discutida na época
foi a que responsabilizava a desvios de rígidos códigos morais a
causa
das
moléstias, só
curáveis
após
a
mudança de
comportamentos e atitudes que afastam o homem da sua natureza
divina.
Paracelso defende a idéia de que a prática médica, em
vez de restringir pura e simplesmente à prescrição de remédios, só
atinge a excelência quando o tratamento – a alquimia mística - é
exercido com devoção incondicional e desinteressada, e com a
consciência do poder das forças misteriosas da natureza humana
responsáveis por sua unidade sistêmica, mas, ao mesmo tempo,
pela diversidade que faz de cada pessoa um sujeito único e
insubstituível. Para ele, o médico ideal “é aquele que deve possuir
percepção espiritual, conhecimento espiritual e força espiritual
(...) essas qualidades pertencem não ao que é humano no homem,
mas à luz do espírito que nele brilha”. (ISMAEL, 2002, p.38).
Vesálio
30
De acordo com Ismael (2002), desde a antiguidade a relação
do homem com seu corpo é angustiante e complexa, fonte de
incomodos infinitos, dos quais a doença é o principal. Tal relação
pode ser explicada talvez pela descoberta tardia do corpo, que
precedeu a das estrelas e do ambiente e sucedeu à da
personalidade e da sociedade, fazendo o indivíduo acostumar-se
com a idéia de ser prisioneiro de uma máquina cujo
funcionamento não conseguia compreeder.
Na história da medicina, a anatomia é um dos capítulos mais
curiosos porque foi escrito mais pela intuição do que pela
observação direta, desprezada em nome de uma pretensa
sacralidade do corpo humano.
Na Renascença, o conhecimento indireto e combatido por
filósofos alcança a prática médica. Os anatomistas da época, em
sua maioria ateus, resgatam a concepção do paciente das sombras
da ignorância e da superstição, jogando por terra as teorias
meramente especulativas, e estimulando novas reflexões sobre a
constituição do corpo humano.
Segundo o autor acima citado, o doente começa a ser visto
timidamente como alguém que possui um corpo, mais é mais que
esse corpo. Pode-se dizer que a história dessa avaliação, que
contribui decisivamente para a inserção do humanismo na história
da medicina, começou com o médico belga Andreas Vesálio, que
passou à História como pai da anatomia moderna.
31
Nascido em Bruxelas em 1514, Vesálio estuda em Louvain e
Paris, transferindo-se definivamente para Pádua com 30 anos de
idade, em cuja universidade logo se destaca.
Vesálio, tradutor e crítico de Galeno cujo prestígio
ainda era presente na época, introduz um método rigorosamente
científico ao estudar a anatomia e a biologia como ciência,
revindicando-lhes um status científico que até então não
possuíam. Desde jovem dedica-se de forma brilhante à tarefa de
fazer da anatomia um estudo interessante para os alunos, após
constatar a repulsa que seus alunos dispensavam-na, assim como à
dissecação de animais.
Dando uma nova dimensão à realidade humana, reúne suas
pesquisas num livro publicado em 1543 – De Humani Corporis
Fabrica – escrito em latim retórico e feito na forma de sete placas
orgulhosamente ilustradas pelo pintor flamengo Jan Stephan Van
Kalkar, que também o retratou. Inicia uma nomenclatura que
padroniza os termos da antiga anatomia, dos quais se originam
muitos que chegaram aos tempos modernos.
32
Sua autobiografia é um retrato vívido da medicina européia
progressista do seu tempo, voltada para buscar alternativas
científicas de tratamento clínico e cirúrgico longe da magia e
superstições que ainda a mantinham na Idade Média e que
anulavam qualquer individualidade do paciente, impedindo sua
valorização como pessoa.
Suas aulas de anatomia ficaram célebres, onde fazia o elogio
à observação direta, sem a qual nenhuma teoria poderia ser
comprovadamente
aceita.
Tal
posicionamento
causou-lhe
inúmeros problemas junto ao clero e aos que se negavam em
alterar conceitos da teoria galênica, uma vez que tornava-se mais
cômodo diagnosticar o paciente apartir dos sintomas e não
buscando suas causas.
Entre os seus principais seguidores estão Gabriel Fallopius
(1523-1562), Hieronymus Fabricius (1537-16190 e Ambroise
Paré (1510-1590).
33
Paré , segundo Ismael (2002), considerado o pai da cirurgia
moderna, passou à história por ter trazido à tona a importância da
“interferência mínima” pregada por Hipócrates. Tal conceito
afirma que “o processo natural da cura de certas doenças e
ferimentos
não
deve ser
interrompido
com
o
uso
de
medicamentos, sob pena de eles terem efeito oposto – ou nenhum
– ao pretendido, uma demonstração não só de perícia médica,
mas de respeito ao indivíduo cujo perfil humano começa a
tranformá-lo de cliente em paciente”. (ISMAEL, 2002, p. 40)
CAPÍTULO II
O APARECIMENTO DO DOENTE
A Descoberta do Funcionamento do Corpo
34
Ismael (2002) afirma que entre os séculos XVII e XIX,
teorias cada vez mais consistentes alimentam o experimentalismo,
que busca não apenas encontrar novas respostas para antigas
perguntas, mas formular novas questões. Criam-se assim novas
metodologias sobre o complexo funcionamento do corpo: o
cliente toma lentamente o lugar de paciente (do latim, patior =
aquele que sofre, e não é passivo). As questões de como começam
a ser feitas pelo por quê. É necessário descobrir não só como cada
órgão participa do conjunto dos outros órgãos, mas por que
funciona de certa forma e não de outra.
William Harvey (1578-1657) segundo autor acima, recebe
com unanimidade entre os historiadores o título de pai da
medicina moderna. É com ele que a medicina começa a ser tratada
como disciplina científica. Graças às suas pesquisas, pela primeira
vez o funcionamento correto da circulação sanguínea é
corretamente descrito.
Segundo Ismael (2002), Thomas Sydenham (1624-1689),
chamado de “Hipócrates inglês” defende a prática clínica
centrada na observação direta e objetiva do paciente para depois
tratar da sua doença, e provoca uma série de críticas a sua
proposta. Era quase uma aberração considerar o paciente um
sujeito, e não apenas um corpo físico no qual aconteciam reações
bioquímicas e elétricas.
35
No século XVII, segundo Ismael (2002) o médico alemão
Samuel Hahnemann, questiona os métodos de tratamento
vigentes, que não davam importância devida a individualidade do
doente e, com isso, provoca a revolta daqueles que temiam perder
seus consumidores dos remédios convencionais. Hahnemann,
batiza a sua teoria de homeopatia em oposição a alopatia (termo
também criado por ele), inspirando-se no princípio Similia
similibus curnantur, já conhecido por Hipócrates e Paracelso.
Praticamente
tudo
sobre
o
corpo
humano
e
seu
funcionamento e estrutura já era conhecido no início do século
XIX. Na busca da racionalidade de seu ofício, os cientistas foram
muitas vezes incompreendidos e solitários, exorcizando qualquer
coisa que o impedisse de colocar a medicina como único método
capaz de enfrentar as doenças.
Se por um lado o racionalismo científico beneficiou o
doente através de diagnósticos, tratamentos e prognósticos, por
outro lado tornou sem importância sua pessoa e subjetividade.
Não parecia haver espaço, no tratamento da doença, para a
atenção ao doente, atitude que ainda perdura até hoje, pois
segundo N. R. Remen (1993), o médico, em sua grande maioria,
não é ensinado a assumir, como parte da sua função, a
responsabilidade de prover crescimento do paciente como pessoa,
ou seja, a percepção de que ele é mais do que a sua doença, ou
seja, a doença do seu corpo.
36
A tendência do profissional de saúde é interagir mais à
doença, do que à pessoa, esse olhar exclusivo à doença pode fazer
com que o profissional considere como seu trabalho apenas
responder às falhas e não às forças. Em geral, conforme N. R.
Remen (1993), é isso o que as pessoas passaram a esperar do
sistema de saúde. Elas também estão mais conscientes de seus
problemas do que de suas forças, daquilo que elas têm de recursos
em si mesmas, para lançar mão frente a doença. Essa abordagem
tornou-se o principal fator incapacitante do doente e do médico
em compreender o adoecer e estimular a recuperação da saúde.
Segundo Ismael (2002) até o inicio do século XX a ciência
médica estava contaminada pela teoria de Descartes da separação
mente/corpo,
que
Santo
Agostinho
levou
às
ultimas
consequências. Para o filósofo francês, a medicina deveria ser
uma ciência exata, sendo o corpo uma máquina da qual se espera
um funcionamento preciso. Essa visão mecanicista contrubuiu
para radicalizar a oposição entre o corpo, com leis de
funcionamento supostamente conhecidas, e a mente, cujos
mistérios insondáveis só poderiam ser conhecidos por Deus.
37
O fundamento da teologia agostiniana baseia-se nessa
oposição, mas de acordo com o autor acima citado, a divisão
biológicamente correta não seria entre mente e corpo, e sim entre
corpo e organismo, porque quando diz-se “ter” um organismo,
precisa-se lembrar que se “é” um corpo ao qual a mente está
terminantemente integrada, e não separada. À luz dessa
dicotomia, fica mais fácil de entender por que o médico, ao deterse apenas no funcionamento (mau) do organismo, esquece-se de
que o paciente é mais do que um conjunto de orgãos que precisam
de tratamento.
Em sua maioria o profissional de saúde esquece que o
paciente tem um corpo que não apenas se opõe, mas transcende o
organismo, sendo individualizado por sua personalidade.
CAPÍTULO III
A MEDICINA DA PESSOA
A Inauguração da Psicologia Médica
38
Segundo D. Perestello (1996) e seus conceitos sobre o que
denominou “Medicina da Pessoa”, o olhar do médico deve
repousar sobre a pessoa e não sobre o organismo, em vez de se
procurar causas ou fatores, deve-se buscar a totalidade, em vez de
se pensar em termos de estímulo-reação, deve-se pensar em
situação-expressão. Para o autor a medicina da pessoa vai além da
psicossomática, bastando ao médico aceitar o inconsciente, a
expressividade do homem em seus diversos niveis, como ponto de
partida para a compreensão da pessoa humana. Sem dúvida tratase de uma postura holística e uma atitude compreensiva, sem que
isso
signifique
que,
mesmo
se
conceituando
“psicossomaticamente” o homem, não se possa estar muito
próximo desse conceito básico e da compreensão citada.
A Medicina da Pessoa é considerada a obra que inaugurou o
campo da Psicologia Médica no contexto brasileiro. Sua
apresentação, tem caráter original e uma preocupação em situar-se
diferenciada ao modelo proposto pela medicina moderna.
Reivindicava uma prática médica baseada em princípios
humanitários, onde se considerasse o paciente como indivíduo e
não apenas como uma doença.
39
Para Perestrello(1989) o indivíduo é como uma totalidade,
uma unidade indecomponível, e somente é possível estudá-lo
quando se considera o seu processo histórico e as relações de
nexos entre os fatos. Torna-se necessário assim, conceber o
homem em relação com o mundo.
Propõe que ao estudar o ser humano se faça conexões entre
o seu passado, o presente e suas aspirações futuras. Para tal, é
preciso pesquisar a sua história de vida, realizar um levantamento
de sua biografia, inclusive com seus projetos e perspectivas. Neste
viéis, o homem pode realmente ser compreendido.
O autor baseia-se no historiador Dilthey para distinguir entre
uma abordagem do homem à luz da perspectiva naturalista e da
histórico-cultural. A primeira ao entender o ser humano como
biológico apenas o explica; enquanto que a segunda o
compreende. Nas ciências naturais, o conceito de lei universal
requer um processo hipotético-dedutivo para chegar às leis gerais,
e portanto, generaliza os fenômenos. Em oposição, a ciência
cultural visa a singularização.
A Medicina da Pessoa estaria nos moldes da históricocultural, e esta abordagem teria relevantes conseqüências na
prática médica, à medida que o médico no seu procedimento
individualiza seu paciente, passa a abandonar o enfoque da
doença e passa a dar ênfase à pessoa e sua subjetividade.
40
A Medicina da Pessoa defende que o psíquico e o
fisiológico estão intrinsecamente relacionados, o modo de ser e o
modo de adoecer são construções da história de vida de cada
indivíduo.
A doença nesta perspectiva torna-se um modo de expressão
de conflitos internos. Esta tem um caráter pessoal e está vinculada
à relação da pessoa com seu mundo.
A enfermidade é tida como a expressão máxima da crise
existencial vivido pela pessoa, como episódio necessário, talvez
dos novos rumos que iria tomar. A doença veio como o modo
mais ruidoso de manifestar-se à pessoa e se elaborava muito antes.
Segundo Perestrello (1989), o homem não existe ele
coexiste; ou seja, o ser humano é um sistema aberto, em constante
interação com o seu meio. Sendo assim, o adoecer é uma das
manifestações do homem com seu ambiente.
Os médicos, para que possam desenvolver uma medicina
baseada em uma visão integradora, devem estar atentos e
preparados para lidar com seu paciente. Além de estarem aptos a
detectar as circunstâncias de emergência de uma doença, é
necessário que compreendam como o enfermo relaciona-se com
sua enfermidade, isto é, como a doença insere-se nas suas relações
com o mundo.
41
Devido a estas inúmeras implicações no processo do
adoecer, a figura do médico transforma-se em um poderoso
instrumento da prática clínica. As funções exigidas pelo modelo
naturalista a realização de perguntas sobre a doença, o exame
físico e a indicação de medicamentos tornam-se insuficientes. O
médico deve ter características de um terapeuta, respeitar a
individualidade de seu paciente, e, sobretudo, ouvi-lo.
Para tal, é preciso o abandono da tradicional anamnese
dirigida, pois através desta somente se pode chegar ao diagnóstico
de uma doença em termos biológicos. Metodologia que possibilita
apenas uma visão organicista e parcial da enfermidade. De acordo
com o método das ciências naturais, o enfermo é tratado como
uma máquina, "uma peça na engrenagem dos acontecimentos"
(PERESTELLO,1989, p.98). .
42
Deste modo, as entrevistas direcionadas, freqüentemente,
causam configurações desarmoniosas entre médico e seu paciente.
O médico, ao posicionar-se de uma maneira indisponível,
interessado apenas em ouvir dados objetivos da doença, assume
uma atitude de rejeição. Esta postura remete o paciente a outras
configurações anteriores de sua vida, nas quais estabeleceu
relações insatisfatórias, como por exemplo, nos primeiros contatos
com a mãe, ou nos momentos da infância conflituosos com o pai
ou mesmo com alguma figura parental. Neste caso a relação
médico-paciente é perpassada por uma hostilidade, muitas vezes
inconsciente, que prejudica o restabelecimento da enfermidade.
Para que haja a superação deste modelo mecanicista, é
preciso optar por uma anamnese não dirigida, na qual estabeleça
um relacionamento satisfatório e eficaz. Desta forma, o clínico
pode entender as circunstâncias que fizeram a doença eclodir e
lidar com esta situação sem agravar o quadro da enfermidade.
A relação transpessoal torna-se um ponto crucial nesta
proposta. As atitudes do médico poderão ser terapêuticas ou não,
e produzirem configurações benéficas ou maléficas no curso do
adoecer.
43
Segundo Perestello (1996) a formação de uma equipe para o
ensino da medicina da pessoa é um processo lento, onde a chefia
deve ser confiada a um médico psicanalista, tendo vivência clínica
que não a psiquiátrica. Como professor, terá que conhecer a
atmosfera dos ambulatórios e enfermarias
de clínica médica,
cirúrgica ou de outras especialidades. O autor chama a atenção
para o perigo desse profissional estar em “lua-de-mel com a
psicanálise”, ou seja deslumbrado com o inconsciente, a ponto de
fazer interpretações do paciente. Tal atitude, só trará malefícios,
uma vez que o médico precisa compreendê-lo no lugar de
interpretá-lo.
Através destas explanações pode-se considerar que
esta proposta norteia-se a partir das seguintes postulações:
1) O ser humano forma-se como um ser total, psíquico e
somático.
2) A mente e o corpo são inseparáveis.
3) A doença é basicamente psicossomática.
4) A doença é a expressão da vivência do indivíduo.
5) Torna-se inquestionável a importância da escuta médica.
7) A importância da invesstigação biográfica por parte do
médico é indispensável.
8) Importância do conceito psicanalítico de transferência e
contratransferência.
44
9) O médico deve ser considerado peça central no processo
de cura.
Confortar a pessoa que sofre e pede atenção é tarefa que
exige e requer do profissional não apenas tempo e vontade, mas
uma dedicação incondicional e uma forte decisão interior. Além
dos remédios o médico precisa fazer parte do tratamento, como se
ele mesmo fosse o mais eficaz remédio que prescreve.
45
CAPÍTULO IV
A COMUNICAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS
A Comunicação Entre o Paciente e Seu Corpo
Ismael (2002) afirma que a relação do doente com seu corpo
se faz de forma dramática, pois a crença de que somente os outros
ficam doentes é desmistificada, lançando-o numa crise existencial.
Como na clássica explicação freudiana, o corpo (parte integrante
do ego), nasce com a sua descoberta. Com o adoecer ambos, ego e
corpo experimentam uma dolorosa ruptura, sensação nova e
terrível para o sujeito. Dissociado do corpo, o ego torna-se frágil
e vulnerável, contribuindo para agravar os sintomas da doença.
As religiões orientais acreditam que a felicidade plena só
pode ser alcaçada com a destruição do ego, tentando adequá-lo à
perfeição espiritual através do altruísmo com o próprio corpo.
Para os ocidentais, a descoberta de que esse corpo os trai
adoecendo é sempre traumática. Ele adoece sem autorização,
passando a ser um outro, regido por princípios que não se
compreende.
De acordo com o teólogo H. Lepargneur (1987), a doença
põe em evidência um problema de todo ser humano, a oportuna e
necessária dialética entre a aceitação e a recusa do corpo para a
auto-identificação, sendo a pessoa ao mesmo tempo tão visível
quanto invisível.
46
O entendimento dessa dialética, que segundo ele, pode-se
chamar de “distanciamento” torna-se fundamental para o médico
compreeder como a sua colaboração é importante para o processo
de conciliação do paciente com seu corpo, impedindo –o de vê-lo
como um território estranho e alheio a si mesmo que passa a
odiar.
Conforme N. Remen (1993), ao provocar dor e
fraqueza, a doença faz com que o indivíduo tenha sua atenção
dirigida para determinada parte do corpo e suas necessidades,
sentindo raiva porque seu corpo se recusa a obedecer a todos os
seus comandos. Perder a crença de que a individualidade só pode
ser mantida enquanto saudável é experiência estarrecedora.
A doença é a materialização de um evento que
“desindividualiza” o sujeito, pois a vida passa a girar em torno de
frios diagnósticos com indiscutíveis prognósticos. É nesse
momento que deve entrar em cena o saber médico, que nem
sempre admite não separar o doente da doença, pois seu
aprendizado acadêmico está centrado na relação médico/doença.
47
Para N. Renem (1993), em determinado estágio da doença as
pessoas aprendem a cuidar de si mesmas e de seu corpo. Pessoas
doentes em sua maioria tem mais consciência de seu corpo, mais
próximas dele do que as saudáveis. Quando se percebem doentes
desinvestem a energia que era empregada para os outros e voltamse para si mesmas . Este estágio da doença se caracteriza pela
“auto-absorção” (p.106)
N. Renem (1993) afirma que tradicionalmente os cuidados
com o corpo são feitos de forma predominantemente intelectual e
analítica, sendo o tal cuidado melhor transmitido pelo toque ou
por outras formas de comunicação não-verbal. Os doentes
precisam não apenas das habilidades dos outros mas também e
principalmente de sua humanidade, traduzidas pelo bom humor,
compeensão e compaixão.A autora ressalta a importância do
toque, da cor, do som, da textura e do aroma como meios de
conforto e comunicação pessoal. As mensagens não-verbais do
ambiente devem ser observadas, assim como às mensagens nãoverbais das pessoas do ambiente. Observa-se que a luz do sol,
plantas, música e certas cores inflluenciam na estimulação de um
sentimento de esperança, podendo até mesmo diminuir o nível de
ansiedade do doente.
A Comunicação na relação Médico-Paciente
48
O pensamento acadêmico continua o mesmo de
duzentos anos atrás: o médico é preparado para se relacionar com
a doença e não com o paciente. A distinção entre doença grave e
menos grave não tem repercussão naquilo que o paciente espera
receber do médico: tenha ele um alergia ou um câncer terminal,
sua carência de atenção, apoio e conforto, não pode ser medida
em função do seu estado. O que ele precisa é sentir-se como parte
atuante na comunicação com seu médico.
A autora afirma que de acordo com a personalidade e os
recursos pessoais, cada um reagirá de forma diferente diante da
necessidade de serem cuidadas por alguém no período da doença.
Alguns consideram uma fraqueza humana, outros a necessidade
de pedir e receber ajuda é considerada justificada, e elas se
alegram por conseguirem tal apoio.
A relação médico-paciente constitui um dos assuntos
mais complexos e intrigantes da comunicação humana, desafiando
os estudiosos que tentam decodificá-la, embora todos concordem
que mais do que qualquer outra, para ter sucesso essa relação
precisa contar de um lado com a confiança que o médico inspira, e
por outro na compreensão do paciente em aceitar que o médico
está sujeito às limitações da profissão, onde a palavra milagre não
tem nenhum significado.
49
Diante desse contexo tratado sobre comunicação N. Remen
(1993) relata que o paciente elogiado e tido como ideal para os
médicos é aquele que não exige que a comunicação entre ambos
seja muito satisfatória. Para a autora a ilusão do “bom paciente
pode ser resumida em algumas características:
É totalmente cooperativo.
Confia de modo total e absoluto no profissional sem
questioná-lo nunca.
Não é curioso.
Não exige que o profissional dedique muito tempo a ele.
Não tem parente que possa pedir explicações.
Mantém suas emoções sob controle.
É um perfeito conhecedor de seu histórico passado.
Cura-se com rapidez e não apresenta recaídas.
Tem uma doença física que pode ser diagnosticada e curada.
Não se torna um doente crônico nem morre.
Poucos seres humanos se enquadram nesse perfil,
fazendo com que o esforço para satisfazer tais espectativas irreais
empobreçam a comunicação da relação médico-paciente. O que
está faltando segundo a autora é o carinho humano norteanto a
comunicação entre ambos.
50
O médcico não é estimulado a aceitar e canalizar seus
próprios sentimentos, ou a procurar compreeder os sentimentos do
paciente, como elementos importantes e úteis à saúde, no lugar de
considerá-los incovenientes e obstrutivos na busca desse objetivo.
Não é sugerido ao médico que toque o paciente a não ser para
obter informações clínicas, embora o toque carinhoso possa ser
uma importante forma de comunicação.
A comunicação na relação sai ganhando, segundo Ismael
(2002), quando o empenho de ambos se transforma em um projeto
comum, sem que o médico tema em discutir com o paciente sobre
sua doença, e este não se constranja em dizer-lhe que pretende
buscar uma segunda opinião.
51
A respeto dos obstáculos que o médico costuma opor à
colaboração do paciente, N. Remen (1993, pag.56), lamenta tal
atitude que, segundo ela, precisaria ser ensinada com mais
empenho pelas escolas. Diz ela que “a capacidade de se relacionar
de maneira colaboradora, por meio de um acordo, é uma
habilidade aprendida e que precisa ser mais amplamente
ensinada.(...) Pouca coisa na formação dos médicos ou em sua
experiência o ajuda a dominar as habilidades cooperativas dentro
da sua própria profissão ou a desenvolver a larga flexiblilidade
necessária para se relacionarem com os pacientes de forma a
reconhecer suas forças e capacidades individuais. (...) Em grande
parte, a disposição de devolver às pessoas a responsabilidade pelo
cuidado de suas doenças se baseia no quanto os profissionais são
controlados pela própria ideia de autoridade.”
Ismael (2002) afirma que provavelmente o americano
Talcott Parsons (1902-1972) tenha sido o primeiro sociólogo
moderno a estudar os meandros da comunicação entre médico e
paciente. Sua contribuição mais importante para esse tema foi
defender a tese de que é possivel a coexistência da medicina
socializada com o respeito devido aos direitos e individualidade
do paciente, o que tem sido, infelizmente, desmentido pela
realidade.
52
No Brasil, F. Gilberto (1983), é pioneiro no assunto, para ele
uma dialética positiva entre médico e paciente depende do médico
integrar o quanto antes o paciente no corpo social, tal interesse
está acima dos do próprio indivíduo. Na mesma linha de
raciocínio está Parsons, que vê a doença mais como um transtorno
social do que algo que diga respeito a individualidade do
paciente, contrariando os que defendem o primado dos interesses
da pessoa sobre os interesses da sociedade.
Uma significativa contribuição para a defesa desse
argumento tem sido dada por H. Linda (1993), sendo
coordenadora de um grupo de trabalho que estuda assuntos
relacionados à saúde, vê na comunicação pobre o principal
sintoma de frustração tanto do médico quanto do paciente. Para
ela, o profissional maduro pode encontrar um equilíbrio tal que
consiga expressar seu saber sem colocar no paciente o medo de se
colocar como participante na relação, estabelecendo com ele uma
colaboração genuína.
53
A autora citada atribui a origem do antagonismo entre o
paciente e o médico, o fato deste nem sempre poder fazer um
diagnóstico preciso e imediato, contrariando as expectativas do
paciente. Além disso diz ser necessário que o médico seja capaz
de demontrar sua insegurança, sem que isso seja entendido pelo
paciente como sinal de incapacidade profissional. Quando tal
abertura ocorre, a comunicação entre eles desde o início será
estabelecidade de forma transparente e franca, contribuindo assim
para o sucesso do tratamento.
H. Linda (1993) faz coro com os que afirmam que o
profissional
de
saúde
precisa
ser
compassivo
sem
ser
melodramático, firme em ser ditatorial e sereno sem ser
indiferente, uma vez que a angústia e solidão ansiosa do paciente
é um convite ao exercício de um poder ditatorial, por mais
experiente que seja o profissional. Arma-se então um paradoxo: o
paciente precisa sentir que o profissional que irá tratá-lo domina o
assunto, embora seja exatamente essa postura soberana do
médico, tomando por exemplo sua caligrafia ilegível das receitas,
que pode reprimí-lo ao ponto de não colaborar no tratamento.
Sobre esse contexto, Ismael (2002, p.53), transcreve trechos
do manifesto assinado pelo médico americano Ralph Crawshaw e
outros sete colegas, e publicado na edição de 17 de maio de 1996
do Journal of the American Medical Association:
54
“A medicina é, acima de tudo, uma prática moral
baseada num contrato de confiança. (...) Hoje, este contrato está
ameaçado: internamente por causa dosinteresses materialistas dos
médicos e externamente pelas empresas de saúde de que, somente
interessadas em lucros, pressionam os médicos, transformando-os
em agentes comerciais. Tais distorções de responsabilidade do
médico aviltam seu relacionamento com o paciente. (...) Pela sua
própria tradição e natureza, a medicina é uma atividade humana
especial que não pode ser exercida adequadamente sem as
virtudes da humildade, honestidade, integridade intelectual,
compaixão e contenção de uma ambição excessiva. (...) {pois os
médicos}(...) pertencem a uma comunidade moral que se dedica a
algo mais que seus próprios interesses (...) somente ao cuidar e
defender nossos pacientes, a integridade da nossa profissão será
afirmada, só assim iremos honrar o nosso contrato de confiança
com eles.”
Modelos da Relação Médico-Paciente
Segundo Ismael (2002), em 1972, Robert M. Veatch, médico
e diretor do Instituro Kennedy de Ética da Universidade de
Georgetown, EUA, publicou num artigo no boletim do Hastings
Center Report, quatro modelos em que se resumiam a relação
mécico-paciente.
55
Modelo
Autoridade Poder
Relação
Poder
Médico
Sacerdotal
Médico
Médico
Dominação
Engenheiro
Médico
Paciente
Acomodação Variável
Colegial
-
Igualitário
Negociação
Contratualista Médico
de Relação
do Poder
Paciente
de
do
Submissão
Negociação
Compartilhado Compromisso Compromisso
Modelo Sacerdotal – não há envolvimento nenhum com o
paciente, uma vez que esse modelo é baseado na tradição
hipocrática, onde o médico adota um postura totalmente
autoritária e paternalista, não ouvindo as opiniões, as expectativas
ou crenças do paciente, que por sua vez adota um temor e
submissão inquestionáveis.
Modelo Engenheiro – o médico preserva apenas sua
autoridade, abrindo mão do poder, deixando com o paciente a
tomada de decisões. Cabe ao médico o papel de executor das
ações propostas pelo paciente.
Modelo Colegial – Embaralha o papel do médico e paciente,
onde ambos compartilham o poder de forma igualitária.
Modelo Contratualista – O médico preserva sua autoridade
baseando-se nos seus conhecimentos, o paciente por sua vez
participa decisivamente nas tomadas de decisões baseado no seu
estilo de vida, valores pessoais e morais.
56
A Credibilidade Social da Medicina
Para Ismael (2002) Veatch aprisiona a relação médicopaciente em um modelo reducionista e estanque, sendo impossível
definir que um profissional se relacione com seus pacientes de
uma mesma maneira.
Para N. Remen (1993) os profissionais de saúde continuam
sendo pessoas respeitadas e dignas de confiança por parte da
sociedade. Ainda se acredita que sua motivação é o bem-estar das
pessoas e sua qualidade de vida, tendo a medicina a oportunidade
de promover transformações que sirvam como mudanças de
paradigmas adaptáveis em todos os contextos institucionais.
Em contrapartida o médico S. Nelson (1990) afirma que hoje
a reputação da classe medica está abalada, por sua própria culpa e
da sistema que o oprime, além do charlatanismo, da negligência,
desonestidade e mercantilismo de muitos que pertencem
infelizmente à classe. Para ele o médico pode ser considerado
como outro profissional qualquer, porém este lida com um
mercadoria que não tem preço sequer estimativo, que é a vida
humana.
57
Ismael (2002) também como S. Nelson (1990), discorda de
N. Remen (1993), visto que relata estar perdida a preciosa
confiança que era depositada na figura do médico. Tal diminuição
da credibilidade, segundo ele, se dá por causa de alguns fatores
tais como: a) o número exagerado dos cursos de medicina sem
qualidade necessária; b)maus profissionais exercendo a profissão,
por conta de processos administrativos, mesmo com provas
concretas de improbidade; c) mercantilização da profissão através
da imprensa (proibido pelo Código de Ética); d)atendimento
massificado prestado pelas operadoras de planos de seguros de
saúde e pelo poder público.
Segundo Zimerman (1992, p.65) “deve-se acrescentar ainda
uma existente crise do médico brasileiro, crise esta alavancada
em sua identidade, causadas por fatores de diversas ordens, tendo
como uma delas a desidealização chegando até ao denegrimento
da figura do médico, concorrendo para que o estudante se debata
com dilemas do tipo: “que tipo de médico quero ser, posso ser,
devo ser, ou esperam que eu seja?”
Para N. Remen (1993), a revolução científica cumpriu
fielmente sua promessa de melhorar a qualidade de vida das
pessoas, entretanto ao suprir tal necessidade, verifica-se que
faltam
outras
qualidades
vitais
em
várias
áreas
de
relacionamentos, em seus trabalhos e etc. Perceber isso é segundo
a autora o primeiro passo para uma atitude terapêutica.
58
Em busca do suprimento dessas necessidades busca-se as
instituições, porém as mesmas sofrem pela ausência de direção,
objetivo e significado. Com a tecnocracia os especialista se
separam cada vez mais daqueles que não detêm o conhecimento,
parecendo impossível que as instituições nos acolham e supram os
vazios, a menos que nos esforcemos por mudá-las.
A crise institucional é global, atinge todos os ramos sociais,
porém a medicina vem suportando pressões por mudanças muito
antes de outras instituições tendo hoje tomado grandes
proporções, uma vez que na área da saúde o contexto é vinculado
às questões humanas mais profundas, tornando os problemas
culturais muito exarcebados, como por exemplo: vida, morte,
sofrimento, tristeza, perdas etc. Tais problemas são vivenciados
em situações onde o indivíduo encontra-se muito vulnerável e
carente da atenção do profissional médico.
“Talvez seja significativo o fato de a medicina ser uma
instituição social que se encontra em sua crise mais aguda; em
razão da intensidade e severidade de seus problemas, é razoável
esperar que as atenções se concentrem com maior profundidade
nessa área e que as soluções provavelmente comecem a surgir
dela (...) A medicina, enquanto instituição, pode atender (...) às
necessidades da civilização como um todo” (N. RENEM, 1993, p.
16).
59
CAPÍTULO V
A IDENTIDADE MÉDICA
A Formação Psicológica do Médico
Conforme Zimerman (1992), a formação psicológica do
médico resulta de uma série de elementos como temperamento,
personalidade, ética, caráter, atributos do ego e identidade.
Temperamento – resultado dos impulsos e humores
”heredoto-constitucionais”.
Moral – depende do tipo de superego do indivíduo, sendo o
que lhe determina os costumes (do latim, mos, moris, de onde vem
moral).
Personalidade – é a forma como a imagem da pessoa chega
até os demais (persona é o nome que davam à máscara usada
pelos atores do antigo teatro greco-romano).
Ètica – deriva de ethos (meio ambiente, território) e aponta
para o respeito do indivíduo pelos demais.
Caráter – determina a conduta do sujeito consciente, que
depende no plano inconsciente dos impulsos e mecanismos de
defesa.
60
Atributos do Ego – organiza-se através de funções e
capacidades, tais como percepção, pensamento, atenção, memória,
juízo crítico, linguagem e ação.
Identidade – capacidade do indivíduo manter-se o mesmo,
em equilíbrio, a despeito das pressões e circunstâncias adversas
(idem – o mesmo).
Zimerman (1992) afirma que a identidade de alguém é como
se fosse sua “carteira de identidade”, que lhe nomeia, confere
características importantes, e o acompanha através dos tempos,
independente do lugar ou inflluência social. A formação da
identidade do indivíduo é estabelecida por identificações com
pessoas importantes de sua vida e com o surgimento de “papéis”
(expontâneos ou impostos) ou supostos papéis sobre o que acha
que esperam dele.
Uma identidade sadia, de acordo com o autor acima, só se
estabelece quando consta de autonomia, autenticidade e
estabilidade, do contrário pode ser uma falsa identidade onde o
sujeito muda de acordo com o que esperam dele, tendo como alvo
ser aceito por todos. Pode ainda se tratar de uma identidade
ambígua, onde o sujeito reage como maduro e adulto, mas no
íntimo sente-se inseguro como uma criança e vice-versa.
61
Uma vez que toda identidade é resultante de interações e
junções de identificações parciais (introjeção de um tanto do pai
com outro tanto da mãe, etc.), é importante que o médico consiga
dicernir quais “as partes” que podem estar atuando em
determinadas situações clínicas que podem prejudicar ou
contaminar sua relação com o paciente, prejudicando assim o
tratamento. Pode-se citar nesse contexto àqueles que se deixam
seduzir, que seduzem, que se intimidam ou se superdesvelam,
entre tantas outras reações que podem ocorrer no ambiente
hospitalar.
De acordo com A.Hoirisch (1992) a preocupação com a
identidade é muito antiga, esperando-se que na idade adulta, mais
do que na adolescência, sua consolidação seja completa incluindo
ao
menos dois potos definidos: o desempenho do papel
profissional e
o desempenho do papel heterossexual. A
identidade etária, genética e sexual configuram-se através de
status e papel. No campo psicossocial o que se vê é que nem
sempre o indivíduo atingiu sua identidade profissional, não
escolheram suas profissões, delas não gostam e, caso sejam
médicos,a grande vítima é o paciente.
62
Logo, verifica-se que o ideal seria que a profissão médica se
originasse na vocação, (vocare: chamar), tendo o médico optado
pelo papel, sentindo-se chamado por ele e capaz de amar o que
faz. Trata-se pois de uma escolha adulta, sendo o papel apenas
exercido satisfatoriamente por quem já atingiu a maturidade.
Tais
aspectos,
segundo
A.
Hoirisch
(1992),
são
indispensáveis para o início de uma carreira bem sucedida: ser
adulto e amar a atividade profissional.
O Médico e suas relações
Em primeiro lugar está sua relação consigo mesmo,
onde passando por várias crises existenciais, como qualquer ser
humano, espera-se que aprenda a ser ele mesmo sempre, atingindo
uma constância em sua relação existencial. Em seguida, há que se
enfocar a relação que diz respeito a seus colegas de profissão, se
identificando positiva ou negativamente, apurando ou não sua
identidade profissional
63
Destaca-se também a relação médico-paciente, onde se
cria um par complementar e contrastante: “eu sou eu, porque não
sou como o outro”. No entanto ser médico e ser paciente, segundo
A. Hoirisch (1992) são condições opostas dialeticamente, por isso
verifica-se quão dramático é o adoecer do médico, e este quando
experimenta tal situação, “se compreeder as vicissitudes do
enfermo, ganhará uma dimensão mais humana no exercício de
sua profissão”.(p.70)
Segundo o autor acima citado, a identidade médica como
identidade humana por vezes dá lugar a uma identidade divina,
tendo seu poder considerado como próprio deus, ou sacerdote ou
ainda como o médico das sociedades tribais, intermediário entre
deuses e mortais. Portanto é com cuidado que o médico deve
dicernir para não se comportar como tal, pois seus status na
sociedade pode embriagar-lhe.
Na prática isso pode ser constatado quando vê-se um médico
impedindo que o doente terminal morra com dignidade,
prolongando uma vida as custas do sofrimento e humilhação. Ou
ainda quando certos profissionais sentem-se frustados quando são
solicitados por pacientes que no seu entender são sem gravidade
(hipocondríacos), reagindo assim com desprezo e hostilidade.
64
O Aluno de Medicina e sua Formação
A. Hoirisch (1992) afirma que o rito de passagem e iniciação do médico passou
a ser feito nas faculdades e a prática profissional passou dos templos para
os
consultórios e hospitais. Com sua entrada na faculdade de medicina o aluno sofre
rupturas contraditórias ocorrem com muita rapidez.
O aluno que era acostumado a respeitar o mortos, agora
sente-se como um profanador, manipulando o corpo alheio. Tal
manipulação constitui-se no “batismo de fogo” do jovem calouro,
colocando a prova sua capacidade de lidar com a morte e suas
evidências.
Com a passagem do ciclo básico para o cíclo clínico, o
estudante é levado a deixar as peças anatômicas e de laboratório
para conviver com gente de carne e osso nos hospitais, nos
ambulatórios e enfermarias. Entram em contato com a dor do
outro avaçalado pela doença, e se vê de frente com a morte em seu
processo. Não é mais um corpo morto, é uma vida que está se
perdendo.
Outra crise que possivelmente o aluno possa experimentar é
da identificação com o paciente, ocorrida no acompanhamento de
pacientes graves. Os alunos chegam a ficar tão impressionados
com o quadro, que começam a experimentar os sintomas dos
pacientes., o que pode-se chamar de “hipocondria transitória” ,
segundo A. Hoirisch (1992).
65
A invasão de intimidade imposta aos estudantes no início do
cíclo profissional, constitui-se em outro fator constrangedor para
o iniciante, acostumado em sua maioria a respeitar a privacidade e
nudez das pessoas, vê-se obrigado a mudar seu comportamento.
Segue-se assim sucessivas situações onde o aluno deve se
adaptar a nova realidade profissional, tais como a perda de seu
primeiro paciente, um caso de difícil diagnóstico, o convívio com
loucos na psiquiatria , a difícial escolha da especialidade para
alguns, e por fim a colação de grau.
Características de Maturidade do Profissional Médico
Para o exercício da profissão o médico precisa de
maturidade emocional que se verifica com algumas características
que A. Hoirisch (1992) destaca como:
Alto nível de tolerância à frustração
Capacidade de controle racional dos impulsos agressivos e
eróticos
Capacidade de se adaptar às novas situações
Ter objetividade e coerência de propósitos
Capacidade de suportar a realidade
Capacidade de fazer previsões futuras
Maturidade psicossexual
66
Outro fator indispensável no perfil médico de acordo
com o autor citado é o perfil de cientista, que precisa ser
verdadeiramente marcada pela educação permanente feita através
de congressos, livros, revistas especializadas, centro de estudos,
etc. O espírito conservador não deve ter lugar na ciência pois as
verdades são transitórias, logo o espírito jovem deve nortear o
cientista na busca permanente de novas descobertas.
“Como uma profissão verdadeiramente baseada em
sólido e atualizado saber científico e uma prática sabidamente
eficiente, a Medicina autêntica não pode mais ser confundida com
o charlatanismo, o curandeirismo popular ou feitiçaria. O médico
que abraça as práticas heterodoxas ou acientíficas distancia-se de
seu verdadeiro papel.” (A. HOIRISCH, 1992, p.72).
As Sociedades Médicas
Os médicos frequentemente se comportam como se
pertencessem
a
uma
sociedade
secreta
onde
se
busca
constantemente o conhecimento da verdade, deixando claro aos
que vivem em sociedade a diferença e os limite para os que estão
dentro e os que estão fora do contexto médico.
67
A tão falada letra diíicil das receitas médicas, os termos
impregnados de raízes gregas, os nomes difíceis anatômicos, os
efeitos colaterais dos
medicamentos, o conhecimento das
iatropatogenias e muito mais, fazem com que seja nítido a
delimitação que se coloca entre os “iniciados nos segredos da
Medicina e os profanos”.(HOIRISCH, 1992, p.72).
68
CAPÍTULO VI
O MÉDICO COMO PACIETE
Um Golpe do Destino
È bastante conhecido o fato de que o médico é um paciente naturalmente difícil,
cuidando desleixadamente de sua própria saúde física e mental, estabelecendo para si
um estilo de vida estressante onde adia-se cirurgias prescritas, se auto-medicam
erroneamente e só procuram a ajuda de outro colega especializado em último caso. Tais
procedimentos transparecem a recusa de se colocar no lugar de paciente, recusa essa que
não o impede de um dia ter de fazê-lo.
A psiquiatra A. Meleiro (1999), afirma que ao
encontrar-se no papel de enfermo, o médico encontra-se ferido na
essência do seu narcisismo. A compulsão de autodiagnosticar-se
e automedicar-se é o resultado de uma formação deficiente, que
faz com que o profissional não queira trilhar o caminho que indica
para seus pacientes.
J. Groopman (2000) narra os próprios sofrimentos
causados por um diagnóstico errado, feito por um colega
ortopedista, que quase lhe causa a morte.
Relata que sua
passagem pelo hospital e as reflexões feitas nesse período
tornaram-no mais humano e ensinaram-no a escutar seus pacientes
de uma forma nunca feita antes. O autor afirma que aprendeu mais
durante sua doença do que com as aulas da faculdade, aprendendo
que muitos pacientes precisam buscar uma segunda opinião sobre
sua doença e tratamento adequados.
69
J. Groopman (2000), salienta que com o aparecimento
da doença, o paciente e sua família são submersos em um mar de
decisões a serem tomadas, o que aumenta suas angústias e
sofrimento, além daqueles causados pela doença em si. Para
superá-los aconselha que os envolvidos procurem munir-se da
maior quantidade de informação possível, e que sempre procurem
profissionais dispostos ao diálogo e a entender a problemática
emocional dos que o procuram nessa situação. Orientá-los com
clareza, firmeza e transparência é ajuda preciosa no tratamento,
pois segundo ele, não há nada de tão esotérico na medicina que
não possa ser explicado e entendido pelo leigo.
Com uma experiência similar, D. Biro (2000) acabara
de terminar a residência e se preparava para trabalhar com o pai,
médico dermatologista como ele, quando foi diagnosticada
tardiamente a doença, uma mutação genética nas células da
medula, que quase o levou a morte, não fosse um bem sucedido
transplante das células doadas pela irmã.
70
Sua experiência o levou a refletir sobre a importância
dos diagnósticos precisos e precoces, que exigem do profissional
além de muita informação, uma grande dose de sensibilidade. O
autor
afirma
que
a
doença
lhe
conferiu
um
grande
amadurecimento profissional e humano, e aconselha aos colegas
que ao se sentirem donos do mundo se coloquem no lugar do
paciente, pois assim descobrirão seus limites e execitarão seu
ofício com a dose de humildade que se espera de quem exerce
uma profissão tão especial.
No Brasil o médico A. Botsaris (2001), sofreu uma
experiência dolorosa com o sistema de saúde quando recebeu a
notícia da morte de seu filho, nascido prematuramente, sem
nenhuama esplicação satisfatória para a dolorosa perda. O autor
alerta para a urgência da medicina reconquistar sua humanidade,
que vem sendo perdida por três fatores: o excesso de tecnicismo,
o desprezo pela subjetividade dos paciente e a deficiente
formação médica, pouco direcionada para aspectos humanos.
A principal crítica de A. Botsaris (2001) é a ocorrência
da iatrogênia (a qual atribui a morte do filho), ou seja, a causa da
doença é o proprio tratamento com intervenções extremamente
desnecessárias. Por causa disso a imagem da medicina entra em
descrédito, todos sabem de uma história triste para contar sobre o
malefício ocasionado por algum tipo de tratamento além dos
limites.
71
Segundo Ismael (2002), o crescente descrédito do
paciente com a qualidade de atendimento que lhe é dado, seja na
rede pública ou particular, não é novidade alguma. Casos como
esses servem como radiografia do sistema de saúde.
Caprara (1999) relata depoimentos importantes de um
pacientes médicos como o de Oliver Sacks (1991) que passa
rapidamente para a condição de paciente quando andando por um
caminho ermo na Noruega se depara com um touro, tomado de
pânico começa a correr e cai fraturando uma das pernas. Para ele,
transformar-se em paciente significou “ (...) a sistemática
despersonalização que se vive quando se é paciente. As próprias
vestes são substituídas por roupas brancas padronizadas e , como
identificação um simples número.
A pessoa fica totalmente
dependente das regras da instituição, se perde muitos dos seus
direitos, não se é mais livre” (SACKS, 1991, p. 28)
Geiger, um clínico geral conta como sua experiência com o
adoecer mudou sua forma de ver a biomedicina: (...) No espaço de
uma a duas horas, transformei-me de um estado saudável, a uma
condição de dor, de incapacidade física. Fui internado. Eu era
considerado um médico tecnicamente preparado e respeitado
pelos colegas, no entanto, como paciente, tornei-me dependente
dos outros e ansioso. Ofereciam-me um suporte técnico à medida
em que eu me submetia a um considerável nível de dependência”
(GEIGER, 1975, apud HAHN, 1995, p. 238).
72
Rabin, endocrinologista com diagnóstico de esclerose lateral
amiotrófica, de início procurou esconder seu caso de seus colegas
com medo de prejudicar sua carreira, porém com o agravamento
de seu quadro muitos colegas se afastaram. Buscando ter um
diagnóstico preciso, procurou um especialista na área e sobre esse
contato relatou:
“Fiquei desiludido com a
comunicar com os pacientes.
maneira impessoal de se
Não demonstrou em nenhum
momento interesse por mim, como pessoa que estava sofrendo.
Não me fez nenhuma pergunta sobre meu trabalho. Não me
aconselhou nada a respeito do que tinha que fazer ou do que
considerava importante psicologicamente, para facilitar o
enfrentamento das minhas reações a fim de me adaptar e
responder à doença degenerativa”(RABIN & RABIN, 1982, apud
HAHN, 1995, p. 245)
Alguns mese depois lendo um artigo deste mesmo médico,
Rabin ficou surpreso quando leu sua opinião sobre a relevante
importância do apoio emocional aos pacientes com diagnóstico de
esclerose lateral amiotrófica.
Observa-se assim que os médicos que passaram pela
experiência de estarem no lugar do paciente, apontam que a
formação médica é quase que exclusivamene voltada para à
anatomia, à fisiologia, à clínica, à patologia, não levando em
conta a história da pessoa doente, o aspecto moral e psicológico.
73
CAPÍTULO VII
A HUMANIZAÇÃO
O Rótulo como defesa
Segundo N. Renem (1993), os profissionais de saúde reagem mais à doença do que à
pessoa, os cuidados com a saúde se concentram mais nas falhas do que nas forças.
Procura-se encontrar o erro. Como se fosse o “jogo dos sete erros”, a atenção fica tão
voltada para eles, que se esquece de como é de fato a figura, analisa-se as partes, e a
imperfeição toma conta do quadro e torna-se sua característica mais importante.
Tal atitude dificulta e impede com o profissional de saúde analise a pessoa total,
fazendo com que a atenção exclusiva seja para a doença. Assim os profissionais de
saúde correm o risco de considerarem seu trabalho apenas responder às falhas e não às
forças.
Em geral, segundo a autora é isso que se espera do sistema de saúde também, as pessoas
procuram o médico para descobrirem o que está de errado com elas Precisa-se com
urgência concentrar o sistema de saúde na identificação da força das pessoas que tem a
doença, com a mesma persistência que se busca entender o processo da doença.
Quando alguém está doente, em sua maioria, não se sente e não se parece forte, porém
podem existir partes numa pessoa doente que se encontram cheias de recurso para
reagir, crescer e se desenvolver durante a crise. Quando tais forças estão presentes e são
reconhecidas, podem ser despertadas, para colaborarem no estabelecimento da saúde.
N. Renem (1993) afirma que se faz necessário um novo modo de olhar para as pessoas e
a doença, a fim de que o verdadeiro problema seja visto, pois “Há uma inegável
tendência no pensamento contemporâneo a enxergar, a nós mesmos e aos outros, não
como se tivéssemos nossas doenças, mas como se fôssemos nossas doenças” (p.24)
“Acabamos de admitir outro epiléptico na enfermaria”. “A vesícula biliar desta manhã
precisa trocar o curativo”. A primeira vista parece um modo prático e eficiênte de se
referir ao trabalho, mas após anos de prática se transforma numa forma de ver a
realidade e de lidar com ela. “Não é apenas o processo de compreensão da saúde que é
74
afetado pela linguagem e hábitos de pensamento, mas também a compreensão do
processo individual de cada pessoa que está com a doença” (N. REMEN, 1993, p. 25).
Quando percebe-se o outro como “diabético” é estabelecido um relação de atitudes e
interações onde não se entende que a única coisa que um diabético tem de semelhante
ao outro é a doença. E também se tem no profissional de saúde uma falsa idéia de que se
conhece tudo a respeito da pessoa, pois basta conhecer sua patologia - a diabetes, no
lugar de reconhecê-lo como alguém ainda desconhecido, sobre quem devemos investir
nossa atenção.
De acordo com a autora citada os rótulos dificultam a percepção da individualidade e
subjetividade do indivíduo, limitando assim o potencial de mudança, ecarando a
situação de enfermidade como estática, isenta de transformação. Os seres humanos são
muito além dos seus corpos, assim o rótulo “diabético” diz quase nada a respeito de
quem está sendo aplicado, sobre quem ela é, e no que pode se tornar.
A generalização é válida nos cuidados da saúde até certo ponto, pois na verdade nem a
doença, nem a pessoa se encaixam num processo classificador. A análise e classificação
é herança da medicina botânica classificatória, que fez com que a pessoa que sofre fosse
separada, do ambiente que vive, e de sua doença.
O rótulo pode definir a doença, mas
o paciente geralmente é definido pelo que acha de si mesmo e pelo que acredita ser
possível.
Basicamente, o rótulo classificatório funciona como uma defesa que se torna útil para
àqueles que se encontram em situações que de outra maneira não suportariam, como por
exemplo o profissional de saúde diante de alguém que sofre, que está à morte. Neste
caso lançam mão do desligamento proporcionado pela classificação, se distanciando
assim do paciente como ser humano.
Muitas vezes a questão não é que o médico não se importe com a dor do outro e por isso
o classifica, a verdade geralmente é que ele se importa , mas se defende contra a dor de
se importar.
Segundo N. Remen (1993), em geral o estresse do profissional de saúde é enorme e a
classificação representa um esforço incosciente para adquirir imunidade contra a dor e o
sofrimento. Infelizmente tal proteção também o impede de perceber o paciente como um
todo, único e indivisível.
75
Em entrevistas realizadas por Ismael (2002), com trinta pessoas, com idade entre 30 e
65 anos, sobre o que esperam receber do médico aparecem quatro atitudes principais:
confortar, escutar, olhar e tocar. Os títulos, os cursos de especialização e o tempo de
formado vêm em seguida nesta ordem de importância. Para 65% dos entrevistados, a
boa aparência é mais importante do que o luxo do consultório, pois o pouco caso com a
iluminação, a pintura, o mobiliário traduz-se ao pacinte como um desleixo na vida.
Outro dado importante foi com relação a atenção e humor da secretária do médico, que
segundo o autor antecipa ao paciente que tipo de atendimento receberá do profissional.
Entre os exemplos de imperícia está o atendimento apressado e impessoal, como um dos
mais citados pelos entrevistados.
Confortar – Confortar e sem dúvida a tradução perfeita do humanismo pregado por
Asclépio e Hipócrates. Sem nenhuma semellhança com o sentimento de piedade
profissional, significa sim apoiar, amparar, consolar. Qualquer médico um pouco
experiente consegue identificar que alguém doente precisa de conforto, assim como a
criança necessita dos pais. Isto se dá por causa do intolerável angústia e carência que o
adoecer desperta no sujeito.
Para Ismael (2002), muitas vezes a capacidade técnica do médico é inversamente
proporcional a sua capacidade de lidar com o emocional do paciente. “Por isso o médico
que não estiver imbuído da nobre missão de confortar torna-se apenas um robótico
operador
sanitário.
(…)
confortar
o
paciente
pode
significar
envolver-se
emocionalmente com ele, atitude que tem tanto defensores quanto os que a
condenam.”(p.66).
Escutar – Ao contrário das religiões orientais, que afirmam ser sagrado o ouvir o outro,
no Ocidente, significa cada vez mais ser pressionado por prazos, pela pressa e pela
escolha de relacionamento cada vez mais descartáveis. Para o paciente sua história é
única, cheia de sofrimento e subjetividade, para o médico se trata de mais um relato,
igual a tantos que ouviu sem escutar. Ismael (2002) afirma que “O médico que quiser
desenvolver com o paciente uma relação construtiva não pode demonstrar tédio ou
impaciência: precisa escutá-lo com toda a atenção, mesmo porque para muitos pacientes
sua história pessoal só começa a ter algum significado com o aparecimento da doença”
(p.67).
76
Olhar – Nos tempos modernos o olhar entrou em desuso, talvez por causa da
superficialidade das relações, onde as pessoas não querem se expor, ser transparentes
nem muito menos enxergar a necessidade e carência do outro. Como diz um ditado
chinês “nem no escuro o olhar consegue mentir”, por isso hoje as pessoas vêem mas não
olham, pois o olhar traduz o que estão pensando, entrando em desacordo com o que
dizem.
Em nenhuma outra profissão, diz Ismael (2002), o olhar tem tanta importância como na
Medicina, pois o olhar do outro confirma a existência pessoal. O paciente precisa ser
olhado tendo a confirmação de que existe para o médico e não se reduz a um mero
prontuário.
Como a maioria que esqueceu a importância do olhar, o médico precisa reaprendê-lo,
pois para o paciente ele é insubstituível, apesar da tentativa de substituição feita
corriqueiramente pelo profissional informatizado. Muitas pessoas entram em seus
consultórios e deparam-se com o profissional hipnotizado frente a tela de seu micro
lendo o prontuário sem sequer levantar seus olhos, “é uma cena patética”
(ISMAEL,2002,p.68).
Tocar – O toque é uma expressão não-verbal muito forte, e o autor acima citado afirma
que desde o primeiro toque do aperto de mão (duração e pressão) dado no início da
consulta, traduz ao paciente como será o andamento da consulta. O toque legitima a
existência de quem tocou e de quem foi tocado. Na história do Cristianismo o toque está
diretamente relacionado à curas milagrosas, e todo médico experiente sabe que para a
grande maioria dos pacientes a consulta só é considerada satisfatória quando são
apalpados e auscultados, mesmo que tais procedimentos sejam dispensáveis.
N. Remen (1993) afirma que os doentes não preicisam apenas da habilidade de quem os
trata mas também de seus cuidados de compaixão, que podem ser traduzidos mais por
outras formas de humanização na relação do que pela demonstração de sua competência
profissional.
CAPÍTULO VIII
A ÉTICA DO SOFRIMENTO
A Banalização do sofrimento
77
Brasil (1996) salienta a “banalização do sofrimento” na sociedade através da
banalização da própria morte, onde as manchetes diárias dos jornais expoem-na como se
, dependendo de quem morre, seja a coisa mais normal e esperada de acontecer.Tal
banalização do sofrimento é verificado também na assitência à população mais carente,
onde o desrespeito aos direitos mínimos de cidadania estáo presentes, afirma o autor.
Nos ambulatórios de saúde mental se observa a cronicidade das queixas, onde o paciente
perambula por consultórios de clínica médica a procura de alguém que lhe escute
realmente. Na história dessa perambulação é fácil se identificar o quanto o modelo
médico atual está dissociado da preocupação com o sofrimento humano. Segundo o
autor isso se explica através do modelo biomédico que dita que todos os problemas do
paciente são originados nele mesmo, ou melhor no seu corpo, exigido assim uma
solução biológica.
“Se a doença é o
maior sofrimento, o maior sofrimento da doença é a solidão”
(BRASIL, apud FIGUEIREDO, 1996, p.21)
Segundo Brasil (1996) a advertência de Platão de que o maior erro da medicina é tentar
curar o corpo sem curar a alma continua sendo válida como denúncia nos tempos atuais.
Para o autor a verdadeira mudança do modelo médico só será possível a partir de uma
radical mudança no currículo de ensino médico, onde o sofrimento seja aprendido e
tratado dentro de sua dimensão humana.O autor afirma que “se não atentarmos para
isso, corremos o risco de fazer uma medicina veterinária, sofisticada, sem dúvida, mas
desumanizada” (p.23).
Brasil (1996) ainda adverte ser impossível uma abordagem sobre questões do
sofrimento humano sem inserí-lo dentro de um contexto sociocultural, não podendo o
ser humano ser extraído do mesmo. O autor acha ilusório supor, como fez N. Remen
(1993), que a solução para todos os problemas sociais do homem, estariam no modelo
médico, pois toda a resposta à saúde da população, realizada exclusivamente pela
assistência médica, seria fadada ao fracasso, ultrapassando a economia do país.
78
Envolver e Sofrer
Ismael (2002) aborda a complicada questão do envolvimento do médico com o paciente,
colocando como tal até que ponto esse envolvimento é desejável e possível. Nenhum
paciente em sã consciência espera que seu médico vá chorar junto com ele
compartilhando a esse ponto suas mazelas a ponto de passar noites em claro, mas sim
que lhe dedique um legítimo interesse pessoal.
Para a médica brasileira Miranda (1996), sofrer com o sofrimento do outro é uma
característica humana e o envolvimento do profissional com o paciente torna a relação
relação rica e gratificante para ambos. Para ela a neutralidade médica não dá lugar a uma
postura afetiva e efetiva.
Segundo Ismael (2002), muitos médicos defendem sua neutralidade como necessária
contra a dor alheia, com a qual simplesmente não conseguem conviver, sob o risco de
perderem o equilíbrio. Para eles o paciente ideal é aquele que não questiona nada,
querendo apenas livrar-se de seu mal a qualquer custo.
A questão resume-se numa pergunta: os médicos não dão importância ao envolvimento
com o paciente ou não têm condições de prestá-lo?
Para aqueles que não dão a devida importância para o envolviment com o paciente,
Ismael (2002) afirma que exercem a profissão sem questionar nada que fuja aos limites
científicos. No segundo caso, o médico usa o jaleco para se proteger dos sofrimentos
alheios porque estes lhe acarretam uma sobrecarga além das suas forças.
Muitos autores como Ballint e Veikko Tähkä creditam tal comportamento a falta de um
mínimo preparo psicológico para compreender tal demanda de envolvimento,
precisando ele – o médico – de submeter-se a psicoterapia.
A Exclusão como Defesa
Ballint (1988), neurologista, psicológo e psiquiatra de origem húngara, morto em 1970,
é considerado o pioneiro no estudo com base analítica da relação médico-paciente. Foi
79
analisado por Sachs e Sandor Ferenczi, se estabelece em Birmingham, Inglaterra em
1947, começando a publicar inúmeros trabalhos de pesquisa, muitos destes co-assinados
por sua esposa, a psicóloga Enid Ballint.
Sua tese principal fala que o clínico usa justificativas inconscientes para afastar de seu
relacionamento com o paciente questões psicológicas, excluindo assim a psicoterapia
como ferramenta preciosa em seu trabalho de assistência a saúde.
A psiquiatra inglesa A. Miles (1982) segue o mesmo raciocínio de Ballint (1988)
quando afirma que os médicos tendem a ignorar o tratamento psicoterapêutico, mas
quando não conseguem diagnosticar nenhuma doença física tendem a dizer que é um
tipo de neurose, classificando assim os problemas psicológicos como menos importanter
do que os fisicos.
Ballint (1988) lamenta a ausência de matérias desde a sua época de acadêmico, que bem
preparem os médicos para lidar com a questões psicológicas dos pacientes, com suas
limitações frente a determinados pacientes, pois muitas vezes o profissional não sabe
admitir sua falibilidade, impotência ou incapacidade que vão além do saber médico.
Saber parar e não levar a frente um tratamento fadado ao fracasso é prova de maturidade
profissional.
A Solidão Profissinal
Psicanalista finlandês com forte formação científica e filosófica, crítico da
impessoalidade do médico, aponta para o posicionamento equilibrado do mesmo,Tähkä
(1988), afirma que a impessoalidade reinante na relação médico-paciente, que surgiu
quando a medicina deixou de ser “arte” pode ser tão ruim para o paciente quanto a
própria doença. Segundo ele, tal situação só tem chances de mudanças o médico deixar
de ser mero repetidor de conteúdos aprendidos em luvros técnicos e transcender a
doença.
O autor citado chama de maneirismo a armadura usada pelo médico para ocultar sua
subjetividade. Para o profissional que lança mão desse mecanismo, é quase impossível
se adaptar a situações novas que fujam de seu controle, daí seu fracasso de não
conseguir ir além de uma receita.
80
Tähkä (1988) condena qualquer identificação feita pelo médico com o paciente, pois
esta poderá prejudicar o diagnóstico e tratamento. Para que isso não ocorra o autor fala
sobre a solidão profissional. Ismael (2002) interpreta tal zelo excessivo a formação e
origem do autor escandinavo, onde não se compreende expressões carregadas de afeto.
Mas segundo Ismael (2002) o que ele basicamente acredita é que a identificação com o
paciente seja temporária e necessária apenas nos limites do consultório, pois colocar-se
no lugar do paciente e essencial para o tratamento.
O que Tähkä (1988) condena é o perigo do saber ou suposto saber assumir forma
ditatorial colocando o paciente no lugar infantilizado para quem se deve dizer a todo o
tempo o que fazer ou não.
O Tempo Profissinal e o Tempo Pessoal
Egundo N. Remen (1983) muitos profissionais de saúde tem a tendência de separarem
seu tempo na vida como o profissional e o pessoal. O tempo gasto no treinamento
técnico é considerado como medida de valor do trabalho e não como sua área de
interesse. Entretanto um mesmo valor não é dado ao tempo dedicado ao crescimento
pessoal. Um médico que passa tempo investindo em áreas que estão além da medicina ,
adquirindo insight pessoal, cuidando de sua família e amigos, são consideradas muitas
vezes por seus colegas de trabalho e pacientes como perda de tempo.
Segundo a autora se na profissão de médico, esses cuidados com o assuntos além
medicina, são considerados desnecessários, traduz então o conceito dominante que para
o sucesso do profissinal seu lado pessoal e subjetivo não precisa estar presente. Tal
suposição desumaniza o relacionamento com o paciente, pois incentiva o médico em
assumir que sua vida pessoal está totalmente separada de sua vida profissional.
Esse distanciamento do self, quando aceito pelo profissional tende a distanciar também
a pessoa doente levando a mensagem de que elas também não devem estar presentes
como seres humanos em tal relação. Não é então de se estranhar que as pessoas
enquanto pacientes tenham tanta dificuldade de falar de si mesmas, falando apenas de
seus sintomas.
81
Segundo N. Remen (1993), além da desumanização na assistência a saúde, as noções de
tempo pessoal e tempo profissional não incentivam os profissionais a usar seu tempo de
forma responsável, cuidando de si mesmos, de seu bem-estar. O que mais se conhece
são as histórias de pouco caso dos médicos com seus corpos, alimentação, período de
descanso etc.
Hoje se toma como medida de competência profissional a tendência da satisfação
imediata das necessidades e não a de planejar o tempo a longo prazo. A ênfase no tempo
imediato é característica do treinamento médico ocidental. Como consequência vê-se
como é manejado o tempo do conultório do médico, de forma bem mais eficiente do que
seu tempo de vida.
A consulta ou contato rápido com o paciente é simplista, não porque seja rápido, mas
porque é avaliado e vivenciado quantitativamente, no tempo do relógio. O tempo
quantitativo e destituído de conteúdo e valor . Não é ele que constrói a essência de uma
vida” (N. REMEN, 1993, p,137)
A Bioética
Segundo Ismael (2002) a bioética busca soluções para os conflitos de valores dentro das
intervenções biomédicas, dizendo respeito à conduta do médico com seu paciente, não
apenas no contexto profissional mas também no que valida o indivíduo como sujeito
único e subjetivo. Para os profissionais da bioética cabe adequar a responsabilidade
moral, às conquistas e aos perigos da anulação da individualidade do paciente.
Segundo o autor, a bioética não questiona e nem se propõe a alterar o saber médico, mas
o preenche colocando limites morais e humanísticos do mundo. Na relação médicopaciente esse princípios destacam o paciente como parceiro dessa relação, sendo tal
instituido no Código de Ética. Tal comparação com a realidade brasileira é discrepante,
uma vez que são incompatíveis com a realidade social e econômica do país.
O aumento dos portais médicos na internet está no centro de um debate, que por um
lado tem os médicos que não acreditam na sua positividade, e por outro pacientes
ansiosos por informações que os médicos se negam a prestar. Assim o profissinal
responsável se vê cada vez mais pressionado a investir em sua formação ética e moral,
82
pois é ela que lhe auxiliará em sua conduta frente as expectativas do paciente e da
sociedade à qual ambos estão ligados.
Ismael (2002) verifica que a bioética está com muitos motivos para colocar em pauta as
consequências tecnológicas e o progresso científico, uma vez que esse progresso poderá
fazer o caminho inverso à liberdade e dignidade das pessoas.
Quem arrisca dizer que todo esse progresso científico não transformará o homem em
seus servos indefesos, a quem se oferece possibilidade de cura às custas da alienação da
dignidade humana? Questiona o autor alertando sobre questões que estão na ordem do
dia sendo discutidas com por exemplo as pesquisas (consentidas ou não) feitas em seres
humanos, os limites da clonagem, a produção e o descarte de embriões humanos no
processo da fertilização in vitro, a manipulação de células-tronco embrionária, o
progresso da neurociência e a popularização da telemedicina.
Segundo Ismael(2002), as alterações que o progresso científico pode causar na relação
médico-paciente dizem respeito a desumanização do paciente, voltando este ao estágio
de duzentos anos atrás, de simples cliente onde lhe cabe um atendimento impessoal.
Não será nenhuma surpresa que o médico tenha o papel de um técnico que prescreve
seguindo um rígido código de procedimentos.
Já N. Renem (1993) é mais otimista quando afirma que “os primeiros passos em direção
a atitudes humanas no cuidado da saúde já foram dados; o esforço contínuo não
constitui responsabilidade apenas dos profissionais, ele inclui o compromisso de todos
os que podem vir a ser afetados pela doença na criação de um sistema médico que seja
não apenas analítico, mas compreensivo; um sistema científico porém sensível” (p.18).
CONCLUSÃO
Observa-se uma grande necessidade de se instituir uma medicina humanística dentro da
realidade social contemporânea, desenvolvendo-se uma relação aberta e dinâmica entre
médicos e pacientes, possibilitando assim que a qualidade da relação seja cada vez mais
humana.
83
Para que tal objetivo seja alcançado, conclui-se que o primeiro ponto a ser analisado
deva ser a atitude médica no exercício da sua profissão. Este, além do suporte técnicodiagnóstico, necessita de sensibilidade para enxergar o paciente como alguém que sofre
e é portador de uma história que precisa ser realmente ouvida.
É também de responsabilidade médica o identificar no paciente suas forças e
potencializá-las para que consiga lutar contra o desequilíbrio que o norteia, traduzindose em sintomas.
Uma comunicação adequada na relação médico-paciente permite que ambos se
beneficiem com a adesão ao tratamento por parte do paciente, e o sucesso do mesmo
como vitória conquistada pelo profissional em seu ofício.Outra questão importante se dá
no olhar médico que deve ser centrado no paciente e não na doença, diminuindo assim a
assimetria existente entre ambos.
Uma vez diminuída a distância entre médico e paciente, levando em consideração todos
os fatores já abordados até aqui, podemos esperar uma autêntica melhora na qualidade
de vida das instituições de saúde, sendo construídos vivências dinamizadoras e curativas
que proporcionarão um clima organizacional saudável, acolhedor, satisfatório e
humanizado.
Para que tal demanda seja satisfeita há de se efetuar mudanças curriculares na formaçao
médica, visando a ampliação de suas competências, acompanhada de um efetivo espaço
que propicie exercícios de reflexão sobre as vicissitudes do ato médico. Tal contexto
multidisciplinar precisa contar efetivamente com a participação de todos, visando que as
organizações de saúde realmente promovam a qualidade de vida na sociedade e em seus
desdobramentos.
84
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TÄHKÄ V. O relacionamento médico/paciente. Porto Alegre: Artes Médicas
ÍNDICE
86
FOLHA DE ROSTO
2
AGRADECIMENTO
3
DEDICATÓRIA
4
RESUMO
5
METODOLOGIA
6
SUMÁRIO
7
INTRODUÇÃO
8
CAPÍTULO I
(TÍTULO)
11
1.1 - A Busca do Saber
12
1.2 – O prazer de pesquisar
15
1.2.1 - Fator psicológico
15
1.2.2 - Estímulo e Resposta
17
CONCLUSÃO
48
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
52
ÍNDICE
55
87
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição:
Título da Monografia:
Autor:
Data da entrega:
Avaliado por:
Conceito:
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