UIVERSIDADE CADIDO MEDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SESU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A RELAÇÃO MÉDICO-PACIETE E A PROMOÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA DOS PACIETES AS ISTITUIÇÕES DE SAÚDE Por: Luziene Francisca da Siva Gottardo Orientador Prof. Ms. Marcelo Saldanha Rio de Janeiro 2009 2 UIVERSIDADE CADIDO MEDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SESU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A RELAÇÃO MÉDICO-PACIETE E A PROMOÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA DOS PACIETES AS ISTITUIÇÕES DE SAÚDE Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Gestão de Recursos Humanos. Por: Luziene Francisca da Silva Gottardo 3 AGRADECIMETOS Com gratidão ao meu Deus e Pai por me sustentar para mais esta vitória. À minha família pela força e carinho. 4 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho às minhas filhas Débora e Júlia. 5 RESUMO O presente estudo sendo uma pesquisa bibliográfica tem com principal método a leitura de livros sobre o tema relacional entre médicos e pacientes sua influência na promoção de qualidade de vida dos pacientes nas instituições de saúde. A abordagem é feita através da história da medicina, do entendimento do aparecimento do sujeito como paciente, do surgimento do conceito da Psicologia Médica, da Medicina da Pessoa e seus desdobramentos , do processo de Humanização nas instituições de saúde, da formação médica e possíveis soluções para que a relação médico-paciente seja ao menos satisfatória. A observação participante é feita no Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, onde a Psicologia Hospitalar faz parte integrante do projeto de aumentar a qualidade de vida dos pacientes, equipes de saúde, bem como de toda a instituição hospitalar. 6 METODOLOGIA Este estudo é uma pesquisa bibliográfica que foi escolhida com base em minha experiência profissional. Como psicóloga hospitalar optei por este tema na expectativa de levar um olhar crítico sobre os processos de relacionamento médico-paciente e seus naturais desdobramentos, que em consequência irão influenciar na qualidade de vida dos pacientes nas organizações de saúde. Com esta demanda o presente estudo esclarece em seu capítulo introdutório alguns conceitos psicanalíticos importantes nesta relação tais como: regressão, transferência e contratransferência. No segundo capítulo elucida a história da medicina e seus personagens influentes como Asclépios, Hipócrates, Galeno, Versálio e a Tableteca de Assurbanipal. O terceiro capítulo trata do aparecimento do paciente em paralelo com a descoberta do funcionamento do corpo A inauguração da Psicologia Médica com D. Perestello e seus conceitos sobre a Medicina da Pessoa são abordados no quarto capítulo deste estudo. O quinto capítulo avalia a importância da comunicação e suas principais implicações não só na relação do paciente com seu médico, como também na relação do paciente com seu próprio corpo. Ainda neste capítulo aborda-se a credibilidade da medicina e modelos da relação em questão. A identidade médica é analisada no capítulo seis através de reflexões sobre o perfil psicológico do médico e suas relações, o aluno de medicina e sua formação, assim como as características emocionais do médico e as sociedades médicas. No sétimo capítulo é feita uma abordagem de relatos sobre a troca de papéis, ou seja, o médico como paciente – um golpe do destino. O processo de humanização da saúde é analisado no oitavo capítulo, caracterizando as defesas do uso dos rótulos no ambiente hospitalar como defesa contra o sofrimento experimentado pelas equipes de saúde em seu cotidiano lidando com as perdas e a morte. 7 O nono capítulo faz um levantamento da ética no contexto do sofrimento humano, assim como o processo de exclusão usado como defesa, a banalização da dor, a solidão do profissional de saúde e a bioética na cultura hospitalar. As considerações finais avaliam as temáticas propostas e soluções que podem ser postas em prática dentro das instituições de saúde e nas universidades onde a formação médica é estabelecida. Tais mudanças são propostas para que a relação médico-paciente satisfatória seja vista e experimentada como parte integrante e indispensável na promoção de qualidade de vida não só dos pacientes, mas também das instituições de saúde, responsáveis pela promoção da qualidade de vida da sociedade. . 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO CAPÍTULO I - A Medicina e sua História 08 15 CAPÍTULO II - O Aparecimento do Doente 32 CAPÍTULO III – A Medicina da Pessoa 36 CAPÍTULO IV – A Comunicação 44 CAPÍTULO V – A Identidade Mèdica 58 CAPÍTULO VI – O Médico como Paciente 67 CAPÍTULO VII – A Humanização 72 CAPÍTULO VIII – A Ética do Sofrimento 76 CONCLUSÃO 82 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 52 ÍNDICE 59 FOLHA DE AVALIAÇÃO 63 9 ITRODUÇÃO O relacionamento médico-paciente vem sendo alvo de estudos nos últimos anos, em decorrência da tentativa de se instituir uma medicina humanística dentro da realidade social contemporãnea. Tal instituição implica em mudanças de estruturas mentais e de novas técnicas de trabalho. A arte médica consiste na capacidade que possui o médico de realizar-se criativamente no exercício profissional. Sendo que esse exercício flui intuitivamente da base emocional da relação médico-paciente. O exercício profissional médico é um complexo que envolve variáveis de motivações conscientes e inconsciente da escolha da profissão e de sua especialidade. Os recursos tecnológicos por muitas vezes acaba por ser priorizado à escuta médica, contaminando sua comunicação que voltada para termos fisiopatológicos tentam explicar as queixas dos pacientes. 10 Alguns pacientes por sua vez, supervalorizam os exames complementares, fazendo com que sua história de vida fique oculta, como se sua subjetividade em nada se relacionasse com seu corpo. Para alguns deles, médico bom é aquele que lhe pede muitos exames, sem nada questionar sobre seu estilo de vida, o que lhe isenta de qualquer responsabilidade sobre a manutenção de sua saúde Frente a esse tipo de paciente, resta ao médico o papel de semideus, que toma total responssabilidade sobre o sujeito, sua doença e seu tratamento, sem espaço para trocas, questionamentos e até mesmo falhas. Tal papel pode também ser imposto pelo médico, tornando mais difícil para o paciente virar o jogo e opinar sobre algo dentro dessa relação. A compreensão em sua totalidade da criatura humana sofredora se faz necessária no contexto dessa relação tão delicada e importante em nossa sociedade. Essa é uma tendência mundial da área de saúde, estabelecer a relação médico-paciente em bases humanísticas. Esse humanismo não objetiva resgatar a figura do médico da família, pois não se trata de humanitarismo e sim da visão integralista do paciente como um ser completo e totalitário. Busca-se integrar, no exercício profissional, os recursos tecnológicos com a compreensão científica da personalidade do paciente. 11 Observa-se que uma das características da medicina ocidental é que somente depois que todo poder exploratório do modelo biológico for total e exaustivamente empregado é que o médico começa a considerar com mais detalhes a experiência subjetiva que o doente vive. Verifica-se então que para a manifestação dessa experiência subjetiva na relação entre o paciente e seu médico torna-se necessário a formação de um vínculo entre ambos, o qual poderemos chamar de “aliança terapêutica”. Tal vínculo de confiança e empatia se estabelece através do tipo de comunicação que se estabelece na relação. Caso essa comunicação seja contaminada e distorcida em sua patologia, a aliança não será desenvolvida satisfatóriamente. Segundo Ballint (1975) cada indivíduo portador de uma doença apresenta-se a si mesmo como alguém portador de uma história que lhe é própria, a qual o médico deve estar pronto para ouvir. Logo, se o médico desenvolvesse uma escuta mais sensível às demandas inconscientes dos pacientes em suas consultas, produziriam um efeito terapêutico complementar ao tratamento convencional. Para que tal escuta seja feita de forma eficaz, podemos ressaltar que muitos fatores oriundos do emocional médico irá determinar se a mesma ocorrerá ou não, dependendo do nível de maturidade e estrutura psíquica do mesmo. 12 De acordo com Zimerman (1992), estudos feitos pelo psiquiatra alemão Simmel (1926) sobre a estrutura psiquica do médico, descreveram algumas fantasias inconscientes relacionadas a escolha da carreira médica tais como: satisfação de impulsos primários (ver pessoas desnudas, ter acesso ao interior dos corpos, manipular fezes e urina) e negação da doença e da morte através de um certo sentido de onipotência característico da profissão. Verifica-se então que o médico consegue adaptar suas fantasias inconscientes com a realidade sem transtorno algum, ganhando ainda a admiração, status e respeito da sociedade e gratificando seu Id. A atitude e postura médica frente a seus pacientes é resultante de fatores que formam o médico, isto é, sua pessoa integral, sua identidade, que lhe confere características distintas, acompanhando-o em todos os seus relacionamentos, inclusive na sua relação com seu paciente. Para Zimerman (1992) o tipo de personalidade do médico tem grande influência na qualidade da relação médico-paciente, fazendo-se necessário certas características psíquicas, que combinadas a seus conhecimentos e habilidades, definirão o perfil de sua formação. Isso lhe exige vários atributos tais como: 13 Capacidade de ser continente. Pode-se usar nesse exemplo a figura da mãe que serve de suporte para as angústias existenciais de seu filho pequeno. Da mesma forma o médico precisa ser sensível frente às necessidades de seu paciente aflito. Quando o médico não é capaz de ser continente com suas próprias limitações e dúvidas, ele acaba por cair no erro de prescrever uma série de medicações desnecessárias. Capacidade de se deprimir. Tal capacidade se relaciona com a elaboração de suas frustrações e reconhecimento de seus erros, trazendo-lhe uma responsabilidade que o encaminha a corrigir sua trajetória e contínua formação. Capacidade de comunicação. A comunicação humana se dá de várias formas além da linguagem verbal, como por exemplo através dos gestos, sintomas conversivos, doenças psicossomáticas, etc. Para que a comunicação ocorra de forma adequada entre médico e paciente é necessário que haja na pessoa do médico: saber escutar sem conceitos pré-estabelecidos, nem julgamentos morais e padrões de normalidade, saber falar a língua do paciente se abstendo de jargões técnicos, conseguir comunicar de forma eficiente as verdades diagnósticas, isto é, avaliar até que ponto o paciente está preparado para ouví-la. 14 O paciente, por sua vez, especialmente quando hospitalizado, tende a entrar em um estado regressivo, retornando a um nível psíquico primitivo, uma vez que tem sua identidade ameaçada, frente a um ambiente estranho, sem seus pertences, sendo tratado pelo número de seu leito ou pelo nome de sua doença. 15 CAPÍTULO I A MEDICINA E SUA HISTÓRIA A Tableteca de Assurbanipal De acordo com Ismael (2002), na Mesopotâmia, região localizada entre o rio Tigre e Eufrates, começa a ser esboçado o conceito de civilização. Nela a escrita cuneiforme começa a ser executada durante aproximadamente dois mil anos. Consistia no uso da escrita feita com um estilete, gravando assim marcas em forma de cunha em tabletes de argila úmida, que depois de secos eram guardados em lugares nem sempre muito adequados para sua manutenção. Esses tabletes tornaram-se a única fonte da história, cultura e costumes daquelas civilizações. A tableteca de Assurbanipal, um dos últimos grandes reis da Assíria, possui registros sobre práticas médicas que comprovam que a medicina é tão antiga quanto a civilização. Em alguns desses tabletes estão descritos como eram feitos os diagnósticos que muitas vezes podem ser semelhantes aos modernos. 16 De acordo com os registros da época, o paciente era visto como a arena onde a batalha entre o bem e o mal era travada, já que acreditavam que as doenças estavam ligadas a entidades sobrenaturais, cada uma sendo responsável por uma parte do corpo. As forças do bem eram representadas por Ashipu e Asu, que lutavam para curar o doente. O hitoriador grego Heródoto, segundo Ismael (2002), registra que na Babilônia qualquer pessoa poderia como um médico, oferecer conselhos, rituais e receitas de ervas, assim como hoje pode-se chamar tais práticas de tratamentos alternativos. O Asu, era uma espécie de mágico, que era subsstituido pelo Ashipu, caso não obtivesse resultados satisfatórios frente ao mal. Ashipu era especialista na aplicação de emplastros de ervas, raízes e gordura animal. Ambos prestavam atendimento domiciliar, ou seja, passavam a morar com os doentes na condição de empregados, só indo embora quando estes melhorassem ou morressem. 17 Era costume também que as consultas fossem feitas próximas às margens dos rios, pois era considerado local sagrado pelos mesopotâmicos devido a fonte de energia espiritual que consideravam fluir deste local. Hoje ainda pode-se observar familiares de pacientes graves submentendo-os à práticas de tratamentos que têm como base a mesma motivação: afastá-los o quanto puderem da morte. Os babilônicos se preocupavam já naquela época com a qualidade do antendimento médico, tanto que o rei Hammurabi (1792-1750 a.C) criou o conhecido Código de Hamurabi, onde estipula severas penalidades aos maus médicos, embora tais penalidades fossem de acordo com a classe social do paciente. Segundo o código se um doente morrese em uma cirurgia, o responsável era punido com a amputação da mão. Porém, se o mesmo doente fosse um escravo, o médico teria como pena apenas comprar outro serviçal para seu senhor. Tal código fixava que os honorários médicos deveriam ser pagos apenas se o paciente fosse curado, e ainda assim de acordo com a condição financeira do doente. 18 Não se tem registros de outras civilizações além dos coletados por Assurbanipal, não podendo assim afirmar se entre outros povos da época a relação médico-paciente fosse diferente. O que se pode afirmar é que o consolo e conforto ao doente está presente desde os primórdios, tendo sua origem nos rituais místico-religiosos. Asclépios O marco zero da medicina ocidental, segundo Ismael (2002), se constitui com o mito de Asclépios, onde nasce a “Ars curandi”, ou seja a arte de curar, ou se tratar. Asclépios, como deus da medicina não estimulava-a como ciência, e sim como consolação e escuta ao doente. Asclépios era filho de Apolo e de Coronis, foi educado por Quíron, conhecido por seus conhecimentos em música, ética, filosofia e medicina. Higeia, uma das filhas de Asclépios, personifica a saúde. As lições de medicina que Asclépios recebe de Quíron, giram em torno da consolação, considerada fundamental para a cura do doente. 19 De acordo com a mitologia o deus da medicina aprendeu tão bem a arte da consolação que teria ressuscitado os mortos, despertando assim a ira de Zeus, que o fulmina com seus raios. O médico idealizado por ele, modelo de equilíbrio, sensatez e sabedoria, deve saber amenizar a solidão do doente, reconduzindo-o ao convívio social. Sua influência perdurou na medicina até o início do Iluminismo grego por volta do século 7o a.C.. O caduceu do médico foi originado do inseparável cajado de Asclépios com uma serpente entalhada á sua volta. Ismael (2002) afirma que a serpente era um animal presente no culto de Asclépios, uma vez que a troca anual de pele da mesma simbolizava o rejuvenecimento. Algusns historiadores declaram que os sacerdores asclepianos eram charlatães que faziam os doentes, sob a influência das ervas, se acharem na presença do deus e, com isso, eram tão influênciados a ponto de sentirem-se curados. Muitos séculos se passaram até que a superstição e magia cedesse lugar às práticas médicas. Verifica-se que o poeta grego Homero (700 a.C.), em poemas épicos como Ilíada e Odisséia, supervalorizam a coragem da intervenção dos heróis do Olimpo e questionam a primazia dos deuses de dispor a seu bel-prazer do destino dos homens. Começam então a responsabilizar o próprio homem pelo cuidado de si mesmo e de seu semelhante. 20 Homero ressalta, de forma geral, que a consolação dos feridos é tão ou mais importante que o tratamento a eles dispensados por Macáon e Podalírio, filhos de Asclépios, guerreiros e médicos do exército grego. Hipócrates O contexto estava pronto para que as teorias asclepianas fossem consolidadas, retirando-lhes porém todo e qualquer componente mágico e místico. Para que isso ocorresse surgiu Hipócrates, considerado como pai da ciência, do prognóstico e diagnóstico. Ismael (2002), afirma que Hipócrates era considerado um revolucionário por negar qualquer influência sobrenatural e de punição divina no aparecimento das doenças. Ele enfatizava o exercício da razão e observação do paciente, é também reconhecido por intuir as teses do monge austríaco Gregor J. Mendel sobre a génetica e a transmissão das doenças. A epilepsia foi desmistificada por Hipócrates (1952): “Ela é tão sagrada como qualquer outra doença, tem uma causa natural que só os ignorantes teimam em não admitir”.(ISMAEL, 2002, p.25) 21 Para o pai da ciência o paciente deve ser o centro de toda a atenção, dedicação e respeito, devendo o médico se distanciar de todo procedimento que possa prejudicá-lo. Hipócrates era considerado o pai da medicina, não apenas por ter aplicado filosofia à clínica, mas também e principalmente por aplicá-la combinada à observações feitas no leito do doente, a quem escutava com toda atenção. Não é difícil imaginar o quanto seus conceitos impactavam os pseudocientistas da época que não viam o doente como uma pessoa, creditando o fracasso do tratamento médico às forças do destino, levado até as últimas consequências pelo inconsciente coletivo grego. Hipócrates foi muito infeliz na sua defesa inquestionável da autoridade médica em relação ao paciente, que lhe devia submissão absoluta. Verifica-se ainda hoje que o perfil médico se encaixa em sua maioria nessa espera pela submissão cega e inquestionável por parte do paciente, que inúmeras vezes tem de se submeter a tratamentos sem maiores explicações, exigindo-se dele apenas obediência total. E por vezes quando o mesmo não adere adequadamente ao tratamento proposto, o médico se mostra intolerante, chegando até mesmo a abrir mão de tratar tal paciente. 22 Hipócrates demonstrava uma admirável, preocupação com a influência do meio ambiente na saúde das pessoas, salientando que para a preservação da mesma se faz necessário cuidadosa escolha da alimentação, do trabalho, e do local de moradia. Criticava a busca excessiva e indiscriminada de formas de tratamento, afirmando que em muitos casos a natureza do próprio paciente, quando submetida a dieta equilibrada e abstenção de drogas, encontrava seu próprio tratamento.De acordo com Ismael (2002), pautado em muitos princípios éticos como por exemplo a prática do aborto, os formandos contemporâneos de medicina, mesmo vinte e cinco séculos após o seu nascimento ainda fazem o Juramento de Hipócrates, transcrito a seguir: “Eu juro, por Apolo médico, por Asclépios, Higiéia e Panacéia, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir de acordo com minhas forças e inteligência a promessa que se segue: estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta Arte; repartir com ele meus bens e ajudá-lo nas suas necessidades; considerar seus filhos comos meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta Arte, se desejarem aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das missões e de todo o resto do ensino, os meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos sujeiros aos regulamentos da profissão, e a ninguém mais. Prescreverei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca paara causar dano ou 23 mal a alguém.A ninguém darei remédio mortal, nem conselho que induza a destruição. Do mesmo modo, não darei a nenhuma mullher uma substância abortiva. Conservarei imaculada minha vida e minha Arte. Não praticarei a talha, nas pessoas calculosas deixando essa operação para os especialistas nesta Arte. Entrarei nas casas para o bem do doente, mantendo-me longe de todo dano voluntário e de toda a sedução, sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados. Aquilo que no exercício da profissão ou fora dele e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto. Nunca me servirei da profissão para corromper os costumes e favorecer o crime. Prometo que, ao exercer a Arte de curar me mostrarei sempre fiel aos preceiros da honestidade, da caridade e da ciência. Se eu cumprir este juramento com rigor, que me seja dado gozar da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir que o contrário me aconteça.” Foram precisos seis séculos para que outro personagem da importância de Hipócrates surgisse na história da medicina: Claudius Galeno. Galeno 24 De acordo com Ismael (2002), Galeno foi um dos pensadores gregos que nos dois primeiros séculos da era cristã conquistou maior prestígio e fortuna em Roma. Nascido em Pérgamo, na Ásia menor, desde jovem dedicou-se ao estudo da filosofia platônica e estóica. Com expressiva bagagem cultural, e convencido de que somente com a ajuda da filosofia o homem pode conviver com sua angustiante sede de transcender, Galeno volta-se para a medicina, tendo deixado uma centena de tratados sobre o assunto. Embora sua contribuição seja muito importante, um dos seus traços mais marcantes foi o autoritarismo: achando que tinha resposta para tudo, estabeleceu o padrão de personalidade para a profissão que até hoje persiste. O racionalismo na medicina também foi defendido por Galeno, tendo-o importado da lógica, talvez a sua principal paixão. 25 Em 170 muda-se para Roma tornando-se médico do imperador Marco Aurélio, e logo conquista admiradores e inimigos com idêntico passionalismo. Torna-se um personagem controverso, mas de indiscutível importância na história da medicina. Sem dar trégua ao misticismo das seitas médicas que proliferavam, revoluciona grande parte do conhecimento até então obtido em fisiologia, principalmente ao demonstrar que as artérias transportam sangue, e não ar, como se ensinava havia mais de quatrocentos anos. Os hitoriadores são unanimes em relatar que a anatomia galênica tem dois pontos vulneráveis: o apego a filosofia religiosa e a insistência em validar sua teorias a partir da dissecação de animais. Sua tese de que o corpo humano é semelhante ao de mera máquina, dublê da que existe nos animais, foi tão contestada como a que atribuía a montagem dessa máquina ao determinismo divino, responsável, segundo ele, pela harmonia e precisão do seu funcionamento. A grandeza do seu criador estaria na sabedoria com que se dedicou aos detalhes, mantidas as características próprias de cada um deles, para uní-los na obra perfeita da engenharia divina que descreve em “Os usos das partes do corpo humano”. 26 Ismael (2002), relata que apesar de sua inegável visão humanística, Galeno dá pouca importância à pessoa do paciente, para ele um conjunto de órgãos sem outra finalidade a não ser mantê-lo vivo, e submetido a um poder superior inexplicável e amedrontador. Essa visão mecanicista do homem, completada por um paradoxo espiritual, seria incorporada por muitas escolas de medicina da Idade Média, época em que o controle das informações, exercido pelo fundamentalismo cristão, amordaça a divulgação das já tímidas pesquisas científicas. Paracelso 27 Somente no Renascimento a história do indivíduo, anulada ao longo da Idade Média, começa a ser reescrita, e no campo médico a importância dada à pessoa começa a ser discutida sob uma perspectiva ética, ou seja, humana, até então desprezada. A valorização do paciente como pessoa alcança com Paracelso uma dimensão inédita.De acordo com Ismael (2002), Paracelso se constitui uma das figuras mais exóticas e interessantes da história da medicina. É possível que tenha sofrido a influência de seu pai que era médico. Mas sua inquietação e repúdio pelo ensino convencional o levam a abandonar o curso formal, passando a viajar compulsivamente pela Europa sem destino certo e a conviver com mineiros do Tirol, cujos males tratava com mapas astrológicos e inalações de ervas. Suas pesquisas e idéias foram expostas num tratado considerado pioneiro sobre a doença ocupacional. 28 De volta a Basiléia, em 1526, contratado para proferir palestras na universidade local, é acolhido com frieza pela maioria do corpo docente e com desconfiança pelo discente. Intrigas promovidas por inimigos levam-no a ser preso na Alemanha, quando chegava para proferir mais um dos seus polêmicos cursos.Praticante de um estilo teatral, Paracelso começa as palestras rasgando e queimando livros de Galeno e Avicena, considerados por ele retrógados odiosos. Os tratamentos que prescreve, e que já contavam com muitos seguidores, eram baseados principalmente na interpretação cristã da teoria holística dos neoplatônicos, para os quais a vida humana e o cosmos tem sua origem em comum (o filósofo francês René Descartes avalizaria, cem anos depois, essa idéia), a doença significa o resultado de uma ruptura entre essa ligação primordial, que nem mesmo a morte consegue romper: ao contrário, transforma-a em eterna. Sua carreira de professor dura pouco e ele retorna as viagens pela Europa, morrendo em Salzburgo, onde se refugiara após a morte de um paciente em condições misteriosas e desprezado pela comunidade científica da época. 29 Conforme Ismael (2002), o filósofo e o médico não podem se contentar com a aparência externa das coisas ou com o efeito de tudo o que se observa, devendo buscar a raiz da doença e o conhecimento profundo do paciente se quiser ter êxito no tratamento. Uma das teses de Paracelso mais discutida na época foi a que responsabilizava a desvios de rígidos códigos morais a causa das moléstias, só curáveis após a mudança de comportamentos e atitudes que afastam o homem da sua natureza divina. Paracelso defende a idéia de que a prática médica, em vez de restringir pura e simplesmente à prescrição de remédios, só atinge a excelência quando o tratamento – a alquimia mística - é exercido com devoção incondicional e desinteressada, e com a consciência do poder das forças misteriosas da natureza humana responsáveis por sua unidade sistêmica, mas, ao mesmo tempo, pela diversidade que faz de cada pessoa um sujeito único e insubstituível. Para ele, o médico ideal “é aquele que deve possuir percepção espiritual, conhecimento espiritual e força espiritual (...) essas qualidades pertencem não ao que é humano no homem, mas à luz do espírito que nele brilha”. (ISMAEL, 2002, p.38). Vesálio 30 De acordo com Ismael (2002), desde a antiguidade a relação do homem com seu corpo é angustiante e complexa, fonte de incomodos infinitos, dos quais a doença é o principal. Tal relação pode ser explicada talvez pela descoberta tardia do corpo, que precedeu a das estrelas e do ambiente e sucedeu à da personalidade e da sociedade, fazendo o indivíduo acostumar-se com a idéia de ser prisioneiro de uma máquina cujo funcionamento não conseguia compreeder. Na história da medicina, a anatomia é um dos capítulos mais curiosos porque foi escrito mais pela intuição do que pela observação direta, desprezada em nome de uma pretensa sacralidade do corpo humano. Na Renascença, o conhecimento indireto e combatido por filósofos alcança a prática médica. Os anatomistas da época, em sua maioria ateus, resgatam a concepção do paciente das sombras da ignorância e da superstição, jogando por terra as teorias meramente especulativas, e estimulando novas reflexões sobre a constituição do corpo humano. Segundo o autor acima citado, o doente começa a ser visto timidamente como alguém que possui um corpo, mais é mais que esse corpo. Pode-se dizer que a história dessa avaliação, que contribui decisivamente para a inserção do humanismo na história da medicina, começou com o médico belga Andreas Vesálio, que passou à História como pai da anatomia moderna. 31 Nascido em Bruxelas em 1514, Vesálio estuda em Louvain e Paris, transferindo-se definivamente para Pádua com 30 anos de idade, em cuja universidade logo se destaca. Vesálio, tradutor e crítico de Galeno cujo prestígio ainda era presente na época, introduz um método rigorosamente científico ao estudar a anatomia e a biologia como ciência, revindicando-lhes um status científico que até então não possuíam. Desde jovem dedica-se de forma brilhante à tarefa de fazer da anatomia um estudo interessante para os alunos, após constatar a repulsa que seus alunos dispensavam-na, assim como à dissecação de animais. Dando uma nova dimensão à realidade humana, reúne suas pesquisas num livro publicado em 1543 – De Humani Corporis Fabrica – escrito em latim retórico e feito na forma de sete placas orgulhosamente ilustradas pelo pintor flamengo Jan Stephan Van Kalkar, que também o retratou. Inicia uma nomenclatura que padroniza os termos da antiga anatomia, dos quais se originam muitos que chegaram aos tempos modernos. 32 Sua autobiografia é um retrato vívido da medicina européia progressista do seu tempo, voltada para buscar alternativas científicas de tratamento clínico e cirúrgico longe da magia e superstições que ainda a mantinham na Idade Média e que anulavam qualquer individualidade do paciente, impedindo sua valorização como pessoa. Suas aulas de anatomia ficaram célebres, onde fazia o elogio à observação direta, sem a qual nenhuma teoria poderia ser comprovadamente aceita. Tal posicionamento causou-lhe inúmeros problemas junto ao clero e aos que se negavam em alterar conceitos da teoria galênica, uma vez que tornava-se mais cômodo diagnosticar o paciente apartir dos sintomas e não buscando suas causas. Entre os seus principais seguidores estão Gabriel Fallopius (1523-1562), Hieronymus Fabricius (1537-16190 e Ambroise Paré (1510-1590). 33 Paré , segundo Ismael (2002), considerado o pai da cirurgia moderna, passou à história por ter trazido à tona a importância da “interferência mínima” pregada por Hipócrates. Tal conceito afirma que “o processo natural da cura de certas doenças e ferimentos não deve ser interrompido com o uso de medicamentos, sob pena de eles terem efeito oposto – ou nenhum – ao pretendido, uma demonstração não só de perícia médica, mas de respeito ao indivíduo cujo perfil humano começa a tranformá-lo de cliente em paciente”. (ISMAEL, 2002, p. 40) CAPÍTULO II O APARECIMENTO DO DOENTE A Descoberta do Funcionamento do Corpo 34 Ismael (2002) afirma que entre os séculos XVII e XIX, teorias cada vez mais consistentes alimentam o experimentalismo, que busca não apenas encontrar novas respostas para antigas perguntas, mas formular novas questões. Criam-se assim novas metodologias sobre o complexo funcionamento do corpo: o cliente toma lentamente o lugar de paciente (do latim, patior = aquele que sofre, e não é passivo). As questões de como começam a ser feitas pelo por quê. É necessário descobrir não só como cada órgão participa do conjunto dos outros órgãos, mas por que funciona de certa forma e não de outra. William Harvey (1578-1657) segundo autor acima, recebe com unanimidade entre os historiadores o título de pai da medicina moderna. É com ele que a medicina começa a ser tratada como disciplina científica. Graças às suas pesquisas, pela primeira vez o funcionamento correto da circulação sanguínea é corretamente descrito. Segundo Ismael (2002), Thomas Sydenham (1624-1689), chamado de “Hipócrates inglês” defende a prática clínica centrada na observação direta e objetiva do paciente para depois tratar da sua doença, e provoca uma série de críticas a sua proposta. Era quase uma aberração considerar o paciente um sujeito, e não apenas um corpo físico no qual aconteciam reações bioquímicas e elétricas. 35 No século XVII, segundo Ismael (2002) o médico alemão Samuel Hahnemann, questiona os métodos de tratamento vigentes, que não davam importância devida a individualidade do doente e, com isso, provoca a revolta daqueles que temiam perder seus consumidores dos remédios convencionais. Hahnemann, batiza a sua teoria de homeopatia em oposição a alopatia (termo também criado por ele), inspirando-se no princípio Similia similibus curnantur, já conhecido por Hipócrates e Paracelso. Praticamente tudo sobre o corpo humano e seu funcionamento e estrutura já era conhecido no início do século XIX. Na busca da racionalidade de seu ofício, os cientistas foram muitas vezes incompreendidos e solitários, exorcizando qualquer coisa que o impedisse de colocar a medicina como único método capaz de enfrentar as doenças. Se por um lado o racionalismo científico beneficiou o doente através de diagnósticos, tratamentos e prognósticos, por outro lado tornou sem importância sua pessoa e subjetividade. Não parecia haver espaço, no tratamento da doença, para a atenção ao doente, atitude que ainda perdura até hoje, pois segundo N. R. Remen (1993), o médico, em sua grande maioria, não é ensinado a assumir, como parte da sua função, a responsabilidade de prover crescimento do paciente como pessoa, ou seja, a percepção de que ele é mais do que a sua doença, ou seja, a doença do seu corpo. 36 A tendência do profissional de saúde é interagir mais à doença, do que à pessoa, esse olhar exclusivo à doença pode fazer com que o profissional considere como seu trabalho apenas responder às falhas e não às forças. Em geral, conforme N. R. Remen (1993), é isso o que as pessoas passaram a esperar do sistema de saúde. Elas também estão mais conscientes de seus problemas do que de suas forças, daquilo que elas têm de recursos em si mesmas, para lançar mão frente a doença. Essa abordagem tornou-se o principal fator incapacitante do doente e do médico em compreender o adoecer e estimular a recuperação da saúde. Segundo Ismael (2002) até o inicio do século XX a ciência médica estava contaminada pela teoria de Descartes da separação mente/corpo, que Santo Agostinho levou às ultimas consequências. Para o filósofo francês, a medicina deveria ser uma ciência exata, sendo o corpo uma máquina da qual se espera um funcionamento preciso. Essa visão mecanicista contrubuiu para radicalizar a oposição entre o corpo, com leis de funcionamento supostamente conhecidas, e a mente, cujos mistérios insondáveis só poderiam ser conhecidos por Deus. 37 O fundamento da teologia agostiniana baseia-se nessa oposição, mas de acordo com o autor acima citado, a divisão biológicamente correta não seria entre mente e corpo, e sim entre corpo e organismo, porque quando diz-se “ter” um organismo, precisa-se lembrar que se “é” um corpo ao qual a mente está terminantemente integrada, e não separada. À luz dessa dicotomia, fica mais fácil de entender por que o médico, ao deterse apenas no funcionamento (mau) do organismo, esquece-se de que o paciente é mais do que um conjunto de orgãos que precisam de tratamento. Em sua maioria o profissional de saúde esquece que o paciente tem um corpo que não apenas se opõe, mas transcende o organismo, sendo individualizado por sua personalidade. CAPÍTULO III A MEDICINA DA PESSOA A Inauguração da Psicologia Médica 38 Segundo D. Perestello (1996) e seus conceitos sobre o que denominou “Medicina da Pessoa”, o olhar do médico deve repousar sobre a pessoa e não sobre o organismo, em vez de se procurar causas ou fatores, deve-se buscar a totalidade, em vez de se pensar em termos de estímulo-reação, deve-se pensar em situação-expressão. Para o autor a medicina da pessoa vai além da psicossomática, bastando ao médico aceitar o inconsciente, a expressividade do homem em seus diversos niveis, como ponto de partida para a compreensão da pessoa humana. Sem dúvida tratase de uma postura holística e uma atitude compreensiva, sem que isso signifique que, mesmo se conceituando “psicossomaticamente” o homem, não se possa estar muito próximo desse conceito básico e da compreensão citada. A Medicina da Pessoa é considerada a obra que inaugurou o campo da Psicologia Médica no contexto brasileiro. Sua apresentação, tem caráter original e uma preocupação em situar-se diferenciada ao modelo proposto pela medicina moderna. Reivindicava uma prática médica baseada em princípios humanitários, onde se considerasse o paciente como indivíduo e não apenas como uma doença. 39 Para Perestrello(1989) o indivíduo é como uma totalidade, uma unidade indecomponível, e somente é possível estudá-lo quando se considera o seu processo histórico e as relações de nexos entre os fatos. Torna-se necessário assim, conceber o homem em relação com o mundo. Propõe que ao estudar o ser humano se faça conexões entre o seu passado, o presente e suas aspirações futuras. Para tal, é preciso pesquisar a sua história de vida, realizar um levantamento de sua biografia, inclusive com seus projetos e perspectivas. Neste viéis, o homem pode realmente ser compreendido. O autor baseia-se no historiador Dilthey para distinguir entre uma abordagem do homem à luz da perspectiva naturalista e da histórico-cultural. A primeira ao entender o ser humano como biológico apenas o explica; enquanto que a segunda o compreende. Nas ciências naturais, o conceito de lei universal requer um processo hipotético-dedutivo para chegar às leis gerais, e portanto, generaliza os fenômenos. Em oposição, a ciência cultural visa a singularização. A Medicina da Pessoa estaria nos moldes da históricocultural, e esta abordagem teria relevantes conseqüências na prática médica, à medida que o médico no seu procedimento individualiza seu paciente, passa a abandonar o enfoque da doença e passa a dar ênfase à pessoa e sua subjetividade. 40 A Medicina da Pessoa defende que o psíquico e o fisiológico estão intrinsecamente relacionados, o modo de ser e o modo de adoecer são construções da história de vida de cada indivíduo. A doença nesta perspectiva torna-se um modo de expressão de conflitos internos. Esta tem um caráter pessoal e está vinculada à relação da pessoa com seu mundo. A enfermidade é tida como a expressão máxima da crise existencial vivido pela pessoa, como episódio necessário, talvez dos novos rumos que iria tomar. A doença veio como o modo mais ruidoso de manifestar-se à pessoa e se elaborava muito antes. Segundo Perestrello (1989), o homem não existe ele coexiste; ou seja, o ser humano é um sistema aberto, em constante interação com o seu meio. Sendo assim, o adoecer é uma das manifestações do homem com seu ambiente. Os médicos, para que possam desenvolver uma medicina baseada em uma visão integradora, devem estar atentos e preparados para lidar com seu paciente. Além de estarem aptos a detectar as circunstâncias de emergência de uma doença, é necessário que compreendam como o enfermo relaciona-se com sua enfermidade, isto é, como a doença insere-se nas suas relações com o mundo. 41 Devido a estas inúmeras implicações no processo do adoecer, a figura do médico transforma-se em um poderoso instrumento da prática clínica. As funções exigidas pelo modelo naturalista a realização de perguntas sobre a doença, o exame físico e a indicação de medicamentos tornam-se insuficientes. O médico deve ter características de um terapeuta, respeitar a individualidade de seu paciente, e, sobretudo, ouvi-lo. Para tal, é preciso o abandono da tradicional anamnese dirigida, pois através desta somente se pode chegar ao diagnóstico de uma doença em termos biológicos. Metodologia que possibilita apenas uma visão organicista e parcial da enfermidade. De acordo com o método das ciências naturais, o enfermo é tratado como uma máquina, "uma peça na engrenagem dos acontecimentos" (PERESTELLO,1989, p.98). . 42 Deste modo, as entrevistas direcionadas, freqüentemente, causam configurações desarmoniosas entre médico e seu paciente. O médico, ao posicionar-se de uma maneira indisponível, interessado apenas em ouvir dados objetivos da doença, assume uma atitude de rejeição. Esta postura remete o paciente a outras configurações anteriores de sua vida, nas quais estabeleceu relações insatisfatórias, como por exemplo, nos primeiros contatos com a mãe, ou nos momentos da infância conflituosos com o pai ou mesmo com alguma figura parental. Neste caso a relação médico-paciente é perpassada por uma hostilidade, muitas vezes inconsciente, que prejudica o restabelecimento da enfermidade. Para que haja a superação deste modelo mecanicista, é preciso optar por uma anamnese não dirigida, na qual estabeleça um relacionamento satisfatório e eficaz. Desta forma, o clínico pode entender as circunstâncias que fizeram a doença eclodir e lidar com esta situação sem agravar o quadro da enfermidade. A relação transpessoal torna-se um ponto crucial nesta proposta. As atitudes do médico poderão ser terapêuticas ou não, e produzirem configurações benéficas ou maléficas no curso do adoecer. 43 Segundo Perestello (1996) a formação de uma equipe para o ensino da medicina da pessoa é um processo lento, onde a chefia deve ser confiada a um médico psicanalista, tendo vivência clínica que não a psiquiátrica. Como professor, terá que conhecer a atmosfera dos ambulatórios e enfermarias de clínica médica, cirúrgica ou de outras especialidades. O autor chama a atenção para o perigo desse profissional estar em “lua-de-mel com a psicanálise”, ou seja deslumbrado com o inconsciente, a ponto de fazer interpretações do paciente. Tal atitude, só trará malefícios, uma vez que o médico precisa compreendê-lo no lugar de interpretá-lo. Através destas explanações pode-se considerar que esta proposta norteia-se a partir das seguintes postulações: 1) O ser humano forma-se como um ser total, psíquico e somático. 2) A mente e o corpo são inseparáveis. 3) A doença é basicamente psicossomática. 4) A doença é a expressão da vivência do indivíduo. 5) Torna-se inquestionável a importância da escuta médica. 7) A importância da invesstigação biográfica por parte do médico é indispensável. 8) Importância do conceito psicanalítico de transferência e contratransferência. 44 9) O médico deve ser considerado peça central no processo de cura. Confortar a pessoa que sofre e pede atenção é tarefa que exige e requer do profissional não apenas tempo e vontade, mas uma dedicação incondicional e uma forte decisão interior. Além dos remédios o médico precisa fazer parte do tratamento, como se ele mesmo fosse o mais eficaz remédio que prescreve. 45 CAPÍTULO IV A COMUNICAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS A Comunicação Entre o Paciente e Seu Corpo Ismael (2002) afirma que a relação do doente com seu corpo se faz de forma dramática, pois a crença de que somente os outros ficam doentes é desmistificada, lançando-o numa crise existencial. Como na clássica explicação freudiana, o corpo (parte integrante do ego), nasce com a sua descoberta. Com o adoecer ambos, ego e corpo experimentam uma dolorosa ruptura, sensação nova e terrível para o sujeito. Dissociado do corpo, o ego torna-se frágil e vulnerável, contribuindo para agravar os sintomas da doença. As religiões orientais acreditam que a felicidade plena só pode ser alcaçada com a destruição do ego, tentando adequá-lo à perfeição espiritual através do altruísmo com o próprio corpo. Para os ocidentais, a descoberta de que esse corpo os trai adoecendo é sempre traumática. Ele adoece sem autorização, passando a ser um outro, regido por princípios que não se compreende. De acordo com o teólogo H. Lepargneur (1987), a doença põe em evidência um problema de todo ser humano, a oportuna e necessária dialética entre a aceitação e a recusa do corpo para a auto-identificação, sendo a pessoa ao mesmo tempo tão visível quanto invisível. 46 O entendimento dessa dialética, que segundo ele, pode-se chamar de “distanciamento” torna-se fundamental para o médico compreeder como a sua colaboração é importante para o processo de conciliação do paciente com seu corpo, impedindo –o de vê-lo como um território estranho e alheio a si mesmo que passa a odiar. Conforme N. Remen (1993), ao provocar dor e fraqueza, a doença faz com que o indivíduo tenha sua atenção dirigida para determinada parte do corpo e suas necessidades, sentindo raiva porque seu corpo se recusa a obedecer a todos os seus comandos. Perder a crença de que a individualidade só pode ser mantida enquanto saudável é experiência estarrecedora. A doença é a materialização de um evento que “desindividualiza” o sujeito, pois a vida passa a girar em torno de frios diagnósticos com indiscutíveis prognósticos. É nesse momento que deve entrar em cena o saber médico, que nem sempre admite não separar o doente da doença, pois seu aprendizado acadêmico está centrado na relação médico/doença. 47 Para N. Renem (1993), em determinado estágio da doença as pessoas aprendem a cuidar de si mesmas e de seu corpo. Pessoas doentes em sua maioria tem mais consciência de seu corpo, mais próximas dele do que as saudáveis. Quando se percebem doentes desinvestem a energia que era empregada para os outros e voltamse para si mesmas . Este estágio da doença se caracteriza pela “auto-absorção” (p.106) N. Renem (1993) afirma que tradicionalmente os cuidados com o corpo são feitos de forma predominantemente intelectual e analítica, sendo o tal cuidado melhor transmitido pelo toque ou por outras formas de comunicação não-verbal. Os doentes precisam não apenas das habilidades dos outros mas também e principalmente de sua humanidade, traduzidas pelo bom humor, compeensão e compaixão.A autora ressalta a importância do toque, da cor, do som, da textura e do aroma como meios de conforto e comunicação pessoal. As mensagens não-verbais do ambiente devem ser observadas, assim como às mensagens nãoverbais das pessoas do ambiente. Observa-se que a luz do sol, plantas, música e certas cores inflluenciam na estimulação de um sentimento de esperança, podendo até mesmo diminuir o nível de ansiedade do doente. A Comunicação na relação Médico-Paciente 48 O pensamento acadêmico continua o mesmo de duzentos anos atrás: o médico é preparado para se relacionar com a doença e não com o paciente. A distinção entre doença grave e menos grave não tem repercussão naquilo que o paciente espera receber do médico: tenha ele um alergia ou um câncer terminal, sua carência de atenção, apoio e conforto, não pode ser medida em função do seu estado. O que ele precisa é sentir-se como parte atuante na comunicação com seu médico. A autora afirma que de acordo com a personalidade e os recursos pessoais, cada um reagirá de forma diferente diante da necessidade de serem cuidadas por alguém no período da doença. Alguns consideram uma fraqueza humana, outros a necessidade de pedir e receber ajuda é considerada justificada, e elas se alegram por conseguirem tal apoio. A relação médico-paciente constitui um dos assuntos mais complexos e intrigantes da comunicação humana, desafiando os estudiosos que tentam decodificá-la, embora todos concordem que mais do que qualquer outra, para ter sucesso essa relação precisa contar de um lado com a confiança que o médico inspira, e por outro na compreensão do paciente em aceitar que o médico está sujeito às limitações da profissão, onde a palavra milagre não tem nenhum significado. 49 Diante desse contexo tratado sobre comunicação N. Remen (1993) relata que o paciente elogiado e tido como ideal para os médicos é aquele que não exige que a comunicação entre ambos seja muito satisfatória. Para a autora a ilusão do “bom paciente pode ser resumida em algumas características: É totalmente cooperativo. Confia de modo total e absoluto no profissional sem questioná-lo nunca. Não é curioso. Não exige que o profissional dedique muito tempo a ele. Não tem parente que possa pedir explicações. Mantém suas emoções sob controle. É um perfeito conhecedor de seu histórico passado. Cura-se com rapidez e não apresenta recaídas. Tem uma doença física que pode ser diagnosticada e curada. Não se torna um doente crônico nem morre. Poucos seres humanos se enquadram nesse perfil, fazendo com que o esforço para satisfazer tais espectativas irreais empobreçam a comunicação da relação médico-paciente. O que está faltando segundo a autora é o carinho humano norteanto a comunicação entre ambos. 50 O médcico não é estimulado a aceitar e canalizar seus próprios sentimentos, ou a procurar compreeder os sentimentos do paciente, como elementos importantes e úteis à saúde, no lugar de considerá-los incovenientes e obstrutivos na busca desse objetivo. Não é sugerido ao médico que toque o paciente a não ser para obter informações clínicas, embora o toque carinhoso possa ser uma importante forma de comunicação. A comunicação na relação sai ganhando, segundo Ismael (2002), quando o empenho de ambos se transforma em um projeto comum, sem que o médico tema em discutir com o paciente sobre sua doença, e este não se constranja em dizer-lhe que pretende buscar uma segunda opinião. 51 A respeto dos obstáculos que o médico costuma opor à colaboração do paciente, N. Remen (1993, pag.56), lamenta tal atitude que, segundo ela, precisaria ser ensinada com mais empenho pelas escolas. Diz ela que “a capacidade de se relacionar de maneira colaboradora, por meio de um acordo, é uma habilidade aprendida e que precisa ser mais amplamente ensinada.(...) Pouca coisa na formação dos médicos ou em sua experiência o ajuda a dominar as habilidades cooperativas dentro da sua própria profissão ou a desenvolver a larga flexiblilidade necessária para se relacionarem com os pacientes de forma a reconhecer suas forças e capacidades individuais. (...) Em grande parte, a disposição de devolver às pessoas a responsabilidade pelo cuidado de suas doenças se baseia no quanto os profissionais são controlados pela própria ideia de autoridade.” Ismael (2002) afirma que provavelmente o americano Talcott Parsons (1902-1972) tenha sido o primeiro sociólogo moderno a estudar os meandros da comunicação entre médico e paciente. Sua contribuição mais importante para esse tema foi defender a tese de que é possivel a coexistência da medicina socializada com o respeito devido aos direitos e individualidade do paciente, o que tem sido, infelizmente, desmentido pela realidade. 52 No Brasil, F. Gilberto (1983), é pioneiro no assunto, para ele uma dialética positiva entre médico e paciente depende do médico integrar o quanto antes o paciente no corpo social, tal interesse está acima dos do próprio indivíduo. Na mesma linha de raciocínio está Parsons, que vê a doença mais como um transtorno social do que algo que diga respeito a individualidade do paciente, contrariando os que defendem o primado dos interesses da pessoa sobre os interesses da sociedade. Uma significativa contribuição para a defesa desse argumento tem sido dada por H. Linda (1993), sendo coordenadora de um grupo de trabalho que estuda assuntos relacionados à saúde, vê na comunicação pobre o principal sintoma de frustração tanto do médico quanto do paciente. Para ela, o profissional maduro pode encontrar um equilíbrio tal que consiga expressar seu saber sem colocar no paciente o medo de se colocar como participante na relação, estabelecendo com ele uma colaboração genuína. 53 A autora citada atribui a origem do antagonismo entre o paciente e o médico, o fato deste nem sempre poder fazer um diagnóstico preciso e imediato, contrariando as expectativas do paciente. Além disso diz ser necessário que o médico seja capaz de demontrar sua insegurança, sem que isso seja entendido pelo paciente como sinal de incapacidade profissional. Quando tal abertura ocorre, a comunicação entre eles desde o início será estabelecidade de forma transparente e franca, contribuindo assim para o sucesso do tratamento. H. Linda (1993) faz coro com os que afirmam que o profissional de saúde precisa ser compassivo sem ser melodramático, firme em ser ditatorial e sereno sem ser indiferente, uma vez que a angústia e solidão ansiosa do paciente é um convite ao exercício de um poder ditatorial, por mais experiente que seja o profissional. Arma-se então um paradoxo: o paciente precisa sentir que o profissional que irá tratá-lo domina o assunto, embora seja exatamente essa postura soberana do médico, tomando por exemplo sua caligrafia ilegível das receitas, que pode reprimí-lo ao ponto de não colaborar no tratamento. Sobre esse contexto, Ismael (2002, p.53), transcreve trechos do manifesto assinado pelo médico americano Ralph Crawshaw e outros sete colegas, e publicado na edição de 17 de maio de 1996 do Journal of the American Medical Association: 54 “A medicina é, acima de tudo, uma prática moral baseada num contrato de confiança. (...) Hoje, este contrato está ameaçado: internamente por causa dosinteresses materialistas dos médicos e externamente pelas empresas de saúde de que, somente interessadas em lucros, pressionam os médicos, transformando-os em agentes comerciais. Tais distorções de responsabilidade do médico aviltam seu relacionamento com o paciente. (...) Pela sua própria tradição e natureza, a medicina é uma atividade humana especial que não pode ser exercida adequadamente sem as virtudes da humildade, honestidade, integridade intelectual, compaixão e contenção de uma ambição excessiva. (...) {pois os médicos}(...) pertencem a uma comunidade moral que se dedica a algo mais que seus próprios interesses (...) somente ao cuidar e defender nossos pacientes, a integridade da nossa profissão será afirmada, só assim iremos honrar o nosso contrato de confiança com eles.” Modelos da Relação Médico-Paciente Segundo Ismael (2002), em 1972, Robert M. Veatch, médico e diretor do Instituro Kennedy de Ética da Universidade de Georgetown, EUA, publicou num artigo no boletim do Hastings Center Report, quatro modelos em que se resumiam a relação mécico-paciente. 55 Modelo Autoridade Poder Relação Poder Médico Sacerdotal Médico Médico Dominação Engenheiro Médico Paciente Acomodação Variável Colegial - Igualitário Negociação Contratualista Médico de Relação do Poder Paciente de do Submissão Negociação Compartilhado Compromisso Compromisso Modelo Sacerdotal – não há envolvimento nenhum com o paciente, uma vez que esse modelo é baseado na tradição hipocrática, onde o médico adota um postura totalmente autoritária e paternalista, não ouvindo as opiniões, as expectativas ou crenças do paciente, que por sua vez adota um temor e submissão inquestionáveis. Modelo Engenheiro – o médico preserva apenas sua autoridade, abrindo mão do poder, deixando com o paciente a tomada de decisões. Cabe ao médico o papel de executor das ações propostas pelo paciente. Modelo Colegial – Embaralha o papel do médico e paciente, onde ambos compartilham o poder de forma igualitária. Modelo Contratualista – O médico preserva sua autoridade baseando-se nos seus conhecimentos, o paciente por sua vez participa decisivamente nas tomadas de decisões baseado no seu estilo de vida, valores pessoais e morais. 56 A Credibilidade Social da Medicina Para Ismael (2002) Veatch aprisiona a relação médicopaciente em um modelo reducionista e estanque, sendo impossível definir que um profissional se relacione com seus pacientes de uma mesma maneira. Para N. Remen (1993) os profissionais de saúde continuam sendo pessoas respeitadas e dignas de confiança por parte da sociedade. Ainda se acredita que sua motivação é o bem-estar das pessoas e sua qualidade de vida, tendo a medicina a oportunidade de promover transformações que sirvam como mudanças de paradigmas adaptáveis em todos os contextos institucionais. Em contrapartida o médico S. Nelson (1990) afirma que hoje a reputação da classe medica está abalada, por sua própria culpa e da sistema que o oprime, além do charlatanismo, da negligência, desonestidade e mercantilismo de muitos que pertencem infelizmente à classe. Para ele o médico pode ser considerado como outro profissional qualquer, porém este lida com um mercadoria que não tem preço sequer estimativo, que é a vida humana. 57 Ismael (2002) também como S. Nelson (1990), discorda de N. Remen (1993), visto que relata estar perdida a preciosa confiança que era depositada na figura do médico. Tal diminuição da credibilidade, segundo ele, se dá por causa de alguns fatores tais como: a) o número exagerado dos cursos de medicina sem qualidade necessária; b)maus profissionais exercendo a profissão, por conta de processos administrativos, mesmo com provas concretas de improbidade; c) mercantilização da profissão através da imprensa (proibido pelo Código de Ética); d)atendimento massificado prestado pelas operadoras de planos de seguros de saúde e pelo poder público. Segundo Zimerman (1992, p.65) “deve-se acrescentar ainda uma existente crise do médico brasileiro, crise esta alavancada em sua identidade, causadas por fatores de diversas ordens, tendo como uma delas a desidealização chegando até ao denegrimento da figura do médico, concorrendo para que o estudante se debata com dilemas do tipo: “que tipo de médico quero ser, posso ser, devo ser, ou esperam que eu seja?” Para N. Remen (1993), a revolução científica cumpriu fielmente sua promessa de melhorar a qualidade de vida das pessoas, entretanto ao suprir tal necessidade, verifica-se que faltam outras qualidades vitais em várias áreas de relacionamentos, em seus trabalhos e etc. Perceber isso é segundo a autora o primeiro passo para uma atitude terapêutica. 58 Em busca do suprimento dessas necessidades busca-se as instituições, porém as mesmas sofrem pela ausência de direção, objetivo e significado. Com a tecnocracia os especialista se separam cada vez mais daqueles que não detêm o conhecimento, parecendo impossível que as instituições nos acolham e supram os vazios, a menos que nos esforcemos por mudá-las. A crise institucional é global, atinge todos os ramos sociais, porém a medicina vem suportando pressões por mudanças muito antes de outras instituições tendo hoje tomado grandes proporções, uma vez que na área da saúde o contexto é vinculado às questões humanas mais profundas, tornando os problemas culturais muito exarcebados, como por exemplo: vida, morte, sofrimento, tristeza, perdas etc. Tais problemas são vivenciados em situações onde o indivíduo encontra-se muito vulnerável e carente da atenção do profissional médico. “Talvez seja significativo o fato de a medicina ser uma instituição social que se encontra em sua crise mais aguda; em razão da intensidade e severidade de seus problemas, é razoável esperar que as atenções se concentrem com maior profundidade nessa área e que as soluções provavelmente comecem a surgir dela (...) A medicina, enquanto instituição, pode atender (...) às necessidades da civilização como um todo” (N. RENEM, 1993, p. 16). 59 CAPÍTULO V A IDENTIDADE MÉDICA A Formação Psicológica do Médico Conforme Zimerman (1992), a formação psicológica do médico resulta de uma série de elementos como temperamento, personalidade, ética, caráter, atributos do ego e identidade. Temperamento – resultado dos impulsos e humores ”heredoto-constitucionais”. Moral – depende do tipo de superego do indivíduo, sendo o que lhe determina os costumes (do latim, mos, moris, de onde vem moral). Personalidade – é a forma como a imagem da pessoa chega até os demais (persona é o nome que davam à máscara usada pelos atores do antigo teatro greco-romano). Ètica – deriva de ethos (meio ambiente, território) e aponta para o respeito do indivíduo pelos demais. Caráter – determina a conduta do sujeito consciente, que depende no plano inconsciente dos impulsos e mecanismos de defesa. 60 Atributos do Ego – organiza-se através de funções e capacidades, tais como percepção, pensamento, atenção, memória, juízo crítico, linguagem e ação. Identidade – capacidade do indivíduo manter-se o mesmo, em equilíbrio, a despeito das pressões e circunstâncias adversas (idem – o mesmo). Zimerman (1992) afirma que a identidade de alguém é como se fosse sua “carteira de identidade”, que lhe nomeia, confere características importantes, e o acompanha através dos tempos, independente do lugar ou inflluência social. A formação da identidade do indivíduo é estabelecida por identificações com pessoas importantes de sua vida e com o surgimento de “papéis” (expontâneos ou impostos) ou supostos papéis sobre o que acha que esperam dele. Uma identidade sadia, de acordo com o autor acima, só se estabelece quando consta de autonomia, autenticidade e estabilidade, do contrário pode ser uma falsa identidade onde o sujeito muda de acordo com o que esperam dele, tendo como alvo ser aceito por todos. Pode ainda se tratar de uma identidade ambígua, onde o sujeito reage como maduro e adulto, mas no íntimo sente-se inseguro como uma criança e vice-versa. 61 Uma vez que toda identidade é resultante de interações e junções de identificações parciais (introjeção de um tanto do pai com outro tanto da mãe, etc.), é importante que o médico consiga dicernir quais “as partes” que podem estar atuando em determinadas situações clínicas que podem prejudicar ou contaminar sua relação com o paciente, prejudicando assim o tratamento. Pode-se citar nesse contexto àqueles que se deixam seduzir, que seduzem, que se intimidam ou se superdesvelam, entre tantas outras reações que podem ocorrer no ambiente hospitalar. De acordo com A.Hoirisch (1992) a preocupação com a identidade é muito antiga, esperando-se que na idade adulta, mais do que na adolescência, sua consolidação seja completa incluindo ao menos dois potos definidos: o desempenho do papel profissional e o desempenho do papel heterossexual. A identidade etária, genética e sexual configuram-se através de status e papel. No campo psicossocial o que se vê é que nem sempre o indivíduo atingiu sua identidade profissional, não escolheram suas profissões, delas não gostam e, caso sejam médicos,a grande vítima é o paciente. 62 Logo, verifica-se que o ideal seria que a profissão médica se originasse na vocação, (vocare: chamar), tendo o médico optado pelo papel, sentindo-se chamado por ele e capaz de amar o que faz. Trata-se pois de uma escolha adulta, sendo o papel apenas exercido satisfatoriamente por quem já atingiu a maturidade. Tais aspectos, segundo A. Hoirisch (1992), são indispensáveis para o início de uma carreira bem sucedida: ser adulto e amar a atividade profissional. O Médico e suas relações Em primeiro lugar está sua relação consigo mesmo, onde passando por várias crises existenciais, como qualquer ser humano, espera-se que aprenda a ser ele mesmo sempre, atingindo uma constância em sua relação existencial. Em seguida, há que se enfocar a relação que diz respeito a seus colegas de profissão, se identificando positiva ou negativamente, apurando ou não sua identidade profissional 63 Destaca-se também a relação médico-paciente, onde se cria um par complementar e contrastante: “eu sou eu, porque não sou como o outro”. No entanto ser médico e ser paciente, segundo A. Hoirisch (1992) são condições opostas dialeticamente, por isso verifica-se quão dramático é o adoecer do médico, e este quando experimenta tal situação, “se compreeder as vicissitudes do enfermo, ganhará uma dimensão mais humana no exercício de sua profissão”.(p.70) Segundo o autor acima citado, a identidade médica como identidade humana por vezes dá lugar a uma identidade divina, tendo seu poder considerado como próprio deus, ou sacerdote ou ainda como o médico das sociedades tribais, intermediário entre deuses e mortais. Portanto é com cuidado que o médico deve dicernir para não se comportar como tal, pois seus status na sociedade pode embriagar-lhe. Na prática isso pode ser constatado quando vê-se um médico impedindo que o doente terminal morra com dignidade, prolongando uma vida as custas do sofrimento e humilhação. Ou ainda quando certos profissionais sentem-se frustados quando são solicitados por pacientes que no seu entender são sem gravidade (hipocondríacos), reagindo assim com desprezo e hostilidade. 64 O Aluno de Medicina e sua Formação A. Hoirisch (1992) afirma que o rito de passagem e iniciação do médico passou a ser feito nas faculdades e a prática profissional passou dos templos para os consultórios e hospitais. Com sua entrada na faculdade de medicina o aluno sofre rupturas contraditórias ocorrem com muita rapidez. O aluno que era acostumado a respeitar o mortos, agora sente-se como um profanador, manipulando o corpo alheio. Tal manipulação constitui-se no “batismo de fogo” do jovem calouro, colocando a prova sua capacidade de lidar com a morte e suas evidências. Com a passagem do ciclo básico para o cíclo clínico, o estudante é levado a deixar as peças anatômicas e de laboratório para conviver com gente de carne e osso nos hospitais, nos ambulatórios e enfermarias. Entram em contato com a dor do outro avaçalado pela doença, e se vê de frente com a morte em seu processo. Não é mais um corpo morto, é uma vida que está se perdendo. Outra crise que possivelmente o aluno possa experimentar é da identificação com o paciente, ocorrida no acompanhamento de pacientes graves. Os alunos chegam a ficar tão impressionados com o quadro, que começam a experimentar os sintomas dos pacientes., o que pode-se chamar de “hipocondria transitória” , segundo A. Hoirisch (1992). 65 A invasão de intimidade imposta aos estudantes no início do cíclo profissional, constitui-se em outro fator constrangedor para o iniciante, acostumado em sua maioria a respeitar a privacidade e nudez das pessoas, vê-se obrigado a mudar seu comportamento. Segue-se assim sucessivas situações onde o aluno deve se adaptar a nova realidade profissional, tais como a perda de seu primeiro paciente, um caso de difícil diagnóstico, o convívio com loucos na psiquiatria , a difícial escolha da especialidade para alguns, e por fim a colação de grau. Características de Maturidade do Profissional Médico Para o exercício da profissão o médico precisa de maturidade emocional que se verifica com algumas características que A. Hoirisch (1992) destaca como: Alto nível de tolerância à frustração Capacidade de controle racional dos impulsos agressivos e eróticos Capacidade de se adaptar às novas situações Ter objetividade e coerência de propósitos Capacidade de suportar a realidade Capacidade de fazer previsões futuras Maturidade psicossexual 66 Outro fator indispensável no perfil médico de acordo com o autor citado é o perfil de cientista, que precisa ser verdadeiramente marcada pela educação permanente feita através de congressos, livros, revistas especializadas, centro de estudos, etc. O espírito conservador não deve ter lugar na ciência pois as verdades são transitórias, logo o espírito jovem deve nortear o cientista na busca permanente de novas descobertas. “Como uma profissão verdadeiramente baseada em sólido e atualizado saber científico e uma prática sabidamente eficiente, a Medicina autêntica não pode mais ser confundida com o charlatanismo, o curandeirismo popular ou feitiçaria. O médico que abraça as práticas heterodoxas ou acientíficas distancia-se de seu verdadeiro papel.” (A. HOIRISCH, 1992, p.72). As Sociedades Médicas Os médicos frequentemente se comportam como se pertencessem a uma sociedade secreta onde se busca constantemente o conhecimento da verdade, deixando claro aos que vivem em sociedade a diferença e os limite para os que estão dentro e os que estão fora do contexto médico. 67 A tão falada letra diíicil das receitas médicas, os termos impregnados de raízes gregas, os nomes difíceis anatômicos, os efeitos colaterais dos medicamentos, o conhecimento das iatropatogenias e muito mais, fazem com que seja nítido a delimitação que se coloca entre os “iniciados nos segredos da Medicina e os profanos”.(HOIRISCH, 1992, p.72). 68 CAPÍTULO VI O MÉDICO COMO PACIETE Um Golpe do Destino È bastante conhecido o fato de que o médico é um paciente naturalmente difícil, cuidando desleixadamente de sua própria saúde física e mental, estabelecendo para si um estilo de vida estressante onde adia-se cirurgias prescritas, se auto-medicam erroneamente e só procuram a ajuda de outro colega especializado em último caso. Tais procedimentos transparecem a recusa de se colocar no lugar de paciente, recusa essa que não o impede de um dia ter de fazê-lo. A psiquiatra A. Meleiro (1999), afirma que ao encontrar-se no papel de enfermo, o médico encontra-se ferido na essência do seu narcisismo. A compulsão de autodiagnosticar-se e automedicar-se é o resultado de uma formação deficiente, que faz com que o profissional não queira trilhar o caminho que indica para seus pacientes. J. Groopman (2000) narra os próprios sofrimentos causados por um diagnóstico errado, feito por um colega ortopedista, que quase lhe causa a morte. Relata que sua passagem pelo hospital e as reflexões feitas nesse período tornaram-no mais humano e ensinaram-no a escutar seus pacientes de uma forma nunca feita antes. O autor afirma que aprendeu mais durante sua doença do que com as aulas da faculdade, aprendendo que muitos pacientes precisam buscar uma segunda opinião sobre sua doença e tratamento adequados. 69 J. Groopman (2000), salienta que com o aparecimento da doença, o paciente e sua família são submersos em um mar de decisões a serem tomadas, o que aumenta suas angústias e sofrimento, além daqueles causados pela doença em si. Para superá-los aconselha que os envolvidos procurem munir-se da maior quantidade de informação possível, e que sempre procurem profissionais dispostos ao diálogo e a entender a problemática emocional dos que o procuram nessa situação. Orientá-los com clareza, firmeza e transparência é ajuda preciosa no tratamento, pois segundo ele, não há nada de tão esotérico na medicina que não possa ser explicado e entendido pelo leigo. Com uma experiência similar, D. Biro (2000) acabara de terminar a residência e se preparava para trabalhar com o pai, médico dermatologista como ele, quando foi diagnosticada tardiamente a doença, uma mutação genética nas células da medula, que quase o levou a morte, não fosse um bem sucedido transplante das células doadas pela irmã. 70 Sua experiência o levou a refletir sobre a importância dos diagnósticos precisos e precoces, que exigem do profissional além de muita informação, uma grande dose de sensibilidade. O autor afirma que a doença lhe conferiu um grande amadurecimento profissional e humano, e aconselha aos colegas que ao se sentirem donos do mundo se coloquem no lugar do paciente, pois assim descobrirão seus limites e execitarão seu ofício com a dose de humildade que se espera de quem exerce uma profissão tão especial. No Brasil o médico A. Botsaris (2001), sofreu uma experiência dolorosa com o sistema de saúde quando recebeu a notícia da morte de seu filho, nascido prematuramente, sem nenhuama esplicação satisfatória para a dolorosa perda. O autor alerta para a urgência da medicina reconquistar sua humanidade, que vem sendo perdida por três fatores: o excesso de tecnicismo, o desprezo pela subjetividade dos paciente e a deficiente formação médica, pouco direcionada para aspectos humanos. A principal crítica de A. Botsaris (2001) é a ocorrência da iatrogênia (a qual atribui a morte do filho), ou seja, a causa da doença é o proprio tratamento com intervenções extremamente desnecessárias. Por causa disso a imagem da medicina entra em descrédito, todos sabem de uma história triste para contar sobre o malefício ocasionado por algum tipo de tratamento além dos limites. 71 Segundo Ismael (2002), o crescente descrédito do paciente com a qualidade de atendimento que lhe é dado, seja na rede pública ou particular, não é novidade alguma. Casos como esses servem como radiografia do sistema de saúde. Caprara (1999) relata depoimentos importantes de um pacientes médicos como o de Oliver Sacks (1991) que passa rapidamente para a condição de paciente quando andando por um caminho ermo na Noruega se depara com um touro, tomado de pânico começa a correr e cai fraturando uma das pernas. Para ele, transformar-se em paciente significou “ (...) a sistemática despersonalização que se vive quando se é paciente. As próprias vestes são substituídas por roupas brancas padronizadas e , como identificação um simples número. A pessoa fica totalmente dependente das regras da instituição, se perde muitos dos seus direitos, não se é mais livre” (SACKS, 1991, p. 28) Geiger, um clínico geral conta como sua experiência com o adoecer mudou sua forma de ver a biomedicina: (...) No espaço de uma a duas horas, transformei-me de um estado saudável, a uma condição de dor, de incapacidade física. Fui internado. Eu era considerado um médico tecnicamente preparado e respeitado pelos colegas, no entanto, como paciente, tornei-me dependente dos outros e ansioso. Ofereciam-me um suporte técnico à medida em que eu me submetia a um considerável nível de dependência” (GEIGER, 1975, apud HAHN, 1995, p. 238). 72 Rabin, endocrinologista com diagnóstico de esclerose lateral amiotrófica, de início procurou esconder seu caso de seus colegas com medo de prejudicar sua carreira, porém com o agravamento de seu quadro muitos colegas se afastaram. Buscando ter um diagnóstico preciso, procurou um especialista na área e sobre esse contato relatou: “Fiquei desiludido com a comunicar com os pacientes. maneira impessoal de se Não demonstrou em nenhum momento interesse por mim, como pessoa que estava sofrendo. Não me fez nenhuma pergunta sobre meu trabalho. Não me aconselhou nada a respeito do que tinha que fazer ou do que considerava importante psicologicamente, para facilitar o enfrentamento das minhas reações a fim de me adaptar e responder à doença degenerativa”(RABIN & RABIN, 1982, apud HAHN, 1995, p. 245) Alguns mese depois lendo um artigo deste mesmo médico, Rabin ficou surpreso quando leu sua opinião sobre a relevante importância do apoio emocional aos pacientes com diagnóstico de esclerose lateral amiotrófica. Observa-se assim que os médicos que passaram pela experiência de estarem no lugar do paciente, apontam que a formação médica é quase que exclusivamene voltada para à anatomia, à fisiologia, à clínica, à patologia, não levando em conta a história da pessoa doente, o aspecto moral e psicológico. 73 CAPÍTULO VII A HUMANIZAÇÃO O Rótulo como defesa Segundo N. Renem (1993), os profissionais de saúde reagem mais à doença do que à pessoa, os cuidados com a saúde se concentram mais nas falhas do que nas forças. Procura-se encontrar o erro. Como se fosse o “jogo dos sete erros”, a atenção fica tão voltada para eles, que se esquece de como é de fato a figura, analisa-se as partes, e a imperfeição toma conta do quadro e torna-se sua característica mais importante. Tal atitude dificulta e impede com o profissional de saúde analise a pessoa total, fazendo com que a atenção exclusiva seja para a doença. Assim os profissionais de saúde correm o risco de considerarem seu trabalho apenas responder às falhas e não às forças. Em geral, segundo a autora é isso que se espera do sistema de saúde também, as pessoas procuram o médico para descobrirem o que está de errado com elas Precisa-se com urgência concentrar o sistema de saúde na identificação da força das pessoas que tem a doença, com a mesma persistência que se busca entender o processo da doença. Quando alguém está doente, em sua maioria, não se sente e não se parece forte, porém podem existir partes numa pessoa doente que se encontram cheias de recurso para reagir, crescer e se desenvolver durante a crise. Quando tais forças estão presentes e são reconhecidas, podem ser despertadas, para colaborarem no estabelecimento da saúde. N. Renem (1993) afirma que se faz necessário um novo modo de olhar para as pessoas e a doença, a fim de que o verdadeiro problema seja visto, pois “Há uma inegável tendência no pensamento contemporâneo a enxergar, a nós mesmos e aos outros, não como se tivéssemos nossas doenças, mas como se fôssemos nossas doenças” (p.24) “Acabamos de admitir outro epiléptico na enfermaria”. “A vesícula biliar desta manhã precisa trocar o curativo”. A primeira vista parece um modo prático e eficiênte de se referir ao trabalho, mas após anos de prática se transforma numa forma de ver a realidade e de lidar com ela. “Não é apenas o processo de compreensão da saúde que é 74 afetado pela linguagem e hábitos de pensamento, mas também a compreensão do processo individual de cada pessoa que está com a doença” (N. REMEN, 1993, p. 25). Quando percebe-se o outro como “diabético” é estabelecido um relação de atitudes e interações onde não se entende que a única coisa que um diabético tem de semelhante ao outro é a doença. E também se tem no profissional de saúde uma falsa idéia de que se conhece tudo a respeito da pessoa, pois basta conhecer sua patologia - a diabetes, no lugar de reconhecê-lo como alguém ainda desconhecido, sobre quem devemos investir nossa atenção. De acordo com a autora citada os rótulos dificultam a percepção da individualidade e subjetividade do indivíduo, limitando assim o potencial de mudança, ecarando a situação de enfermidade como estática, isenta de transformação. Os seres humanos são muito além dos seus corpos, assim o rótulo “diabético” diz quase nada a respeito de quem está sendo aplicado, sobre quem ela é, e no que pode se tornar. A generalização é válida nos cuidados da saúde até certo ponto, pois na verdade nem a doença, nem a pessoa se encaixam num processo classificador. A análise e classificação é herança da medicina botânica classificatória, que fez com que a pessoa que sofre fosse separada, do ambiente que vive, e de sua doença. O rótulo pode definir a doença, mas o paciente geralmente é definido pelo que acha de si mesmo e pelo que acredita ser possível. Basicamente, o rótulo classificatório funciona como uma defesa que se torna útil para àqueles que se encontram em situações que de outra maneira não suportariam, como por exemplo o profissional de saúde diante de alguém que sofre, que está à morte. Neste caso lançam mão do desligamento proporcionado pela classificação, se distanciando assim do paciente como ser humano. Muitas vezes a questão não é que o médico não se importe com a dor do outro e por isso o classifica, a verdade geralmente é que ele se importa , mas se defende contra a dor de se importar. Segundo N. Remen (1993), em geral o estresse do profissional de saúde é enorme e a classificação representa um esforço incosciente para adquirir imunidade contra a dor e o sofrimento. Infelizmente tal proteção também o impede de perceber o paciente como um todo, único e indivisível. 75 Em entrevistas realizadas por Ismael (2002), com trinta pessoas, com idade entre 30 e 65 anos, sobre o que esperam receber do médico aparecem quatro atitudes principais: confortar, escutar, olhar e tocar. Os títulos, os cursos de especialização e o tempo de formado vêm em seguida nesta ordem de importância. Para 65% dos entrevistados, a boa aparência é mais importante do que o luxo do consultório, pois o pouco caso com a iluminação, a pintura, o mobiliário traduz-se ao pacinte como um desleixo na vida. Outro dado importante foi com relação a atenção e humor da secretária do médico, que segundo o autor antecipa ao paciente que tipo de atendimento receberá do profissional. Entre os exemplos de imperícia está o atendimento apressado e impessoal, como um dos mais citados pelos entrevistados. Confortar – Confortar e sem dúvida a tradução perfeita do humanismo pregado por Asclépio e Hipócrates. Sem nenhuma semellhança com o sentimento de piedade profissional, significa sim apoiar, amparar, consolar. Qualquer médico um pouco experiente consegue identificar que alguém doente precisa de conforto, assim como a criança necessita dos pais. Isto se dá por causa do intolerável angústia e carência que o adoecer desperta no sujeito. Para Ismael (2002), muitas vezes a capacidade técnica do médico é inversamente proporcional a sua capacidade de lidar com o emocional do paciente. “Por isso o médico que não estiver imbuído da nobre missão de confortar torna-se apenas um robótico operador sanitário. (…) confortar o paciente pode significar envolver-se emocionalmente com ele, atitude que tem tanto defensores quanto os que a condenam.”(p.66). Escutar – Ao contrário das religiões orientais, que afirmam ser sagrado o ouvir o outro, no Ocidente, significa cada vez mais ser pressionado por prazos, pela pressa e pela escolha de relacionamento cada vez mais descartáveis. Para o paciente sua história é única, cheia de sofrimento e subjetividade, para o médico se trata de mais um relato, igual a tantos que ouviu sem escutar. Ismael (2002) afirma que “O médico que quiser desenvolver com o paciente uma relação construtiva não pode demonstrar tédio ou impaciência: precisa escutá-lo com toda a atenção, mesmo porque para muitos pacientes sua história pessoal só começa a ter algum significado com o aparecimento da doença” (p.67). 76 Olhar – Nos tempos modernos o olhar entrou em desuso, talvez por causa da superficialidade das relações, onde as pessoas não querem se expor, ser transparentes nem muito menos enxergar a necessidade e carência do outro. Como diz um ditado chinês “nem no escuro o olhar consegue mentir”, por isso hoje as pessoas vêem mas não olham, pois o olhar traduz o que estão pensando, entrando em desacordo com o que dizem. Em nenhuma outra profissão, diz Ismael (2002), o olhar tem tanta importância como na Medicina, pois o olhar do outro confirma a existência pessoal. O paciente precisa ser olhado tendo a confirmação de que existe para o médico e não se reduz a um mero prontuário. Como a maioria que esqueceu a importância do olhar, o médico precisa reaprendê-lo, pois para o paciente ele é insubstituível, apesar da tentativa de substituição feita corriqueiramente pelo profissional informatizado. Muitas pessoas entram em seus consultórios e deparam-se com o profissional hipnotizado frente a tela de seu micro lendo o prontuário sem sequer levantar seus olhos, “é uma cena patética” (ISMAEL,2002,p.68). Tocar – O toque é uma expressão não-verbal muito forte, e o autor acima citado afirma que desde o primeiro toque do aperto de mão (duração e pressão) dado no início da consulta, traduz ao paciente como será o andamento da consulta. O toque legitima a existência de quem tocou e de quem foi tocado. Na história do Cristianismo o toque está diretamente relacionado à curas milagrosas, e todo médico experiente sabe que para a grande maioria dos pacientes a consulta só é considerada satisfatória quando são apalpados e auscultados, mesmo que tais procedimentos sejam dispensáveis. N. Remen (1993) afirma que os doentes não preicisam apenas da habilidade de quem os trata mas também de seus cuidados de compaixão, que podem ser traduzidos mais por outras formas de humanização na relação do que pela demonstração de sua competência profissional. CAPÍTULO VIII A ÉTICA DO SOFRIMENTO A Banalização do sofrimento 77 Brasil (1996) salienta a “banalização do sofrimento” na sociedade através da banalização da própria morte, onde as manchetes diárias dos jornais expoem-na como se , dependendo de quem morre, seja a coisa mais normal e esperada de acontecer.Tal banalização do sofrimento é verificado também na assitência à população mais carente, onde o desrespeito aos direitos mínimos de cidadania estáo presentes, afirma o autor. Nos ambulatórios de saúde mental se observa a cronicidade das queixas, onde o paciente perambula por consultórios de clínica médica a procura de alguém que lhe escute realmente. Na história dessa perambulação é fácil se identificar o quanto o modelo médico atual está dissociado da preocupação com o sofrimento humano. Segundo o autor isso se explica através do modelo biomédico que dita que todos os problemas do paciente são originados nele mesmo, ou melhor no seu corpo, exigido assim uma solução biológica. “Se a doença é o maior sofrimento, o maior sofrimento da doença é a solidão” (BRASIL, apud FIGUEIREDO, 1996, p.21) Segundo Brasil (1996) a advertência de Platão de que o maior erro da medicina é tentar curar o corpo sem curar a alma continua sendo válida como denúncia nos tempos atuais. Para o autor a verdadeira mudança do modelo médico só será possível a partir de uma radical mudança no currículo de ensino médico, onde o sofrimento seja aprendido e tratado dentro de sua dimensão humana.O autor afirma que “se não atentarmos para isso, corremos o risco de fazer uma medicina veterinária, sofisticada, sem dúvida, mas desumanizada” (p.23). Brasil (1996) ainda adverte ser impossível uma abordagem sobre questões do sofrimento humano sem inserí-lo dentro de um contexto sociocultural, não podendo o ser humano ser extraído do mesmo. O autor acha ilusório supor, como fez N. Remen (1993), que a solução para todos os problemas sociais do homem, estariam no modelo médico, pois toda a resposta à saúde da população, realizada exclusivamente pela assistência médica, seria fadada ao fracasso, ultrapassando a economia do país. 78 Envolver e Sofrer Ismael (2002) aborda a complicada questão do envolvimento do médico com o paciente, colocando como tal até que ponto esse envolvimento é desejável e possível. Nenhum paciente em sã consciência espera que seu médico vá chorar junto com ele compartilhando a esse ponto suas mazelas a ponto de passar noites em claro, mas sim que lhe dedique um legítimo interesse pessoal. Para a médica brasileira Miranda (1996), sofrer com o sofrimento do outro é uma característica humana e o envolvimento do profissional com o paciente torna a relação relação rica e gratificante para ambos. Para ela a neutralidade médica não dá lugar a uma postura afetiva e efetiva. Segundo Ismael (2002), muitos médicos defendem sua neutralidade como necessária contra a dor alheia, com a qual simplesmente não conseguem conviver, sob o risco de perderem o equilíbrio. Para eles o paciente ideal é aquele que não questiona nada, querendo apenas livrar-se de seu mal a qualquer custo. A questão resume-se numa pergunta: os médicos não dão importância ao envolvimento com o paciente ou não têm condições de prestá-lo? Para aqueles que não dão a devida importância para o envolviment com o paciente, Ismael (2002) afirma que exercem a profissão sem questionar nada que fuja aos limites científicos. No segundo caso, o médico usa o jaleco para se proteger dos sofrimentos alheios porque estes lhe acarretam uma sobrecarga além das suas forças. Muitos autores como Ballint e Veikko Tähkä creditam tal comportamento a falta de um mínimo preparo psicológico para compreender tal demanda de envolvimento, precisando ele – o médico – de submeter-se a psicoterapia. A Exclusão como Defesa Ballint (1988), neurologista, psicológo e psiquiatra de origem húngara, morto em 1970, é considerado o pioneiro no estudo com base analítica da relação médico-paciente. Foi 79 analisado por Sachs e Sandor Ferenczi, se estabelece em Birmingham, Inglaterra em 1947, começando a publicar inúmeros trabalhos de pesquisa, muitos destes co-assinados por sua esposa, a psicóloga Enid Ballint. Sua tese principal fala que o clínico usa justificativas inconscientes para afastar de seu relacionamento com o paciente questões psicológicas, excluindo assim a psicoterapia como ferramenta preciosa em seu trabalho de assistência a saúde. A psiquiatra inglesa A. Miles (1982) segue o mesmo raciocínio de Ballint (1988) quando afirma que os médicos tendem a ignorar o tratamento psicoterapêutico, mas quando não conseguem diagnosticar nenhuma doença física tendem a dizer que é um tipo de neurose, classificando assim os problemas psicológicos como menos importanter do que os fisicos. Ballint (1988) lamenta a ausência de matérias desde a sua época de acadêmico, que bem preparem os médicos para lidar com a questões psicológicas dos pacientes, com suas limitações frente a determinados pacientes, pois muitas vezes o profissional não sabe admitir sua falibilidade, impotência ou incapacidade que vão além do saber médico. Saber parar e não levar a frente um tratamento fadado ao fracasso é prova de maturidade profissional. A Solidão Profissinal Psicanalista finlandês com forte formação científica e filosófica, crítico da impessoalidade do médico, aponta para o posicionamento equilibrado do mesmo,Tähkä (1988), afirma que a impessoalidade reinante na relação médico-paciente, que surgiu quando a medicina deixou de ser “arte” pode ser tão ruim para o paciente quanto a própria doença. Segundo ele, tal situação só tem chances de mudanças o médico deixar de ser mero repetidor de conteúdos aprendidos em luvros técnicos e transcender a doença. O autor citado chama de maneirismo a armadura usada pelo médico para ocultar sua subjetividade. Para o profissional que lança mão desse mecanismo, é quase impossível se adaptar a situações novas que fujam de seu controle, daí seu fracasso de não conseguir ir além de uma receita. 80 Tähkä (1988) condena qualquer identificação feita pelo médico com o paciente, pois esta poderá prejudicar o diagnóstico e tratamento. Para que isso não ocorra o autor fala sobre a solidão profissional. Ismael (2002) interpreta tal zelo excessivo a formação e origem do autor escandinavo, onde não se compreende expressões carregadas de afeto. Mas segundo Ismael (2002) o que ele basicamente acredita é que a identificação com o paciente seja temporária e necessária apenas nos limites do consultório, pois colocar-se no lugar do paciente e essencial para o tratamento. O que Tähkä (1988) condena é o perigo do saber ou suposto saber assumir forma ditatorial colocando o paciente no lugar infantilizado para quem se deve dizer a todo o tempo o que fazer ou não. O Tempo Profissinal e o Tempo Pessoal Egundo N. Remen (1983) muitos profissionais de saúde tem a tendência de separarem seu tempo na vida como o profissional e o pessoal. O tempo gasto no treinamento técnico é considerado como medida de valor do trabalho e não como sua área de interesse. Entretanto um mesmo valor não é dado ao tempo dedicado ao crescimento pessoal. Um médico que passa tempo investindo em áreas que estão além da medicina , adquirindo insight pessoal, cuidando de sua família e amigos, são consideradas muitas vezes por seus colegas de trabalho e pacientes como perda de tempo. Segundo a autora se na profissão de médico, esses cuidados com o assuntos além medicina, são considerados desnecessários, traduz então o conceito dominante que para o sucesso do profissinal seu lado pessoal e subjetivo não precisa estar presente. Tal suposição desumaniza o relacionamento com o paciente, pois incentiva o médico em assumir que sua vida pessoal está totalmente separada de sua vida profissional. Esse distanciamento do self, quando aceito pelo profissional tende a distanciar também a pessoa doente levando a mensagem de que elas também não devem estar presentes como seres humanos em tal relação. Não é então de se estranhar que as pessoas enquanto pacientes tenham tanta dificuldade de falar de si mesmas, falando apenas de seus sintomas. 81 Segundo N. Remen (1993), além da desumanização na assistência a saúde, as noções de tempo pessoal e tempo profissional não incentivam os profissionais a usar seu tempo de forma responsável, cuidando de si mesmos, de seu bem-estar. O que mais se conhece são as histórias de pouco caso dos médicos com seus corpos, alimentação, período de descanso etc. Hoje se toma como medida de competência profissional a tendência da satisfação imediata das necessidades e não a de planejar o tempo a longo prazo. A ênfase no tempo imediato é característica do treinamento médico ocidental. Como consequência vê-se como é manejado o tempo do conultório do médico, de forma bem mais eficiente do que seu tempo de vida. A consulta ou contato rápido com o paciente é simplista, não porque seja rápido, mas porque é avaliado e vivenciado quantitativamente, no tempo do relógio. O tempo quantitativo e destituído de conteúdo e valor . Não é ele que constrói a essência de uma vida” (N. REMEN, 1993, p,137) A Bioética Segundo Ismael (2002) a bioética busca soluções para os conflitos de valores dentro das intervenções biomédicas, dizendo respeito à conduta do médico com seu paciente, não apenas no contexto profissional mas também no que valida o indivíduo como sujeito único e subjetivo. Para os profissionais da bioética cabe adequar a responsabilidade moral, às conquistas e aos perigos da anulação da individualidade do paciente. Segundo o autor, a bioética não questiona e nem se propõe a alterar o saber médico, mas o preenche colocando limites morais e humanísticos do mundo. Na relação médicopaciente esse princípios destacam o paciente como parceiro dessa relação, sendo tal instituido no Código de Ética. Tal comparação com a realidade brasileira é discrepante, uma vez que são incompatíveis com a realidade social e econômica do país. O aumento dos portais médicos na internet está no centro de um debate, que por um lado tem os médicos que não acreditam na sua positividade, e por outro pacientes ansiosos por informações que os médicos se negam a prestar. Assim o profissinal responsável se vê cada vez mais pressionado a investir em sua formação ética e moral, 82 pois é ela que lhe auxiliará em sua conduta frente as expectativas do paciente e da sociedade à qual ambos estão ligados. Ismael (2002) verifica que a bioética está com muitos motivos para colocar em pauta as consequências tecnológicas e o progresso científico, uma vez que esse progresso poderá fazer o caminho inverso à liberdade e dignidade das pessoas. Quem arrisca dizer que todo esse progresso científico não transformará o homem em seus servos indefesos, a quem se oferece possibilidade de cura às custas da alienação da dignidade humana? Questiona o autor alertando sobre questões que estão na ordem do dia sendo discutidas com por exemplo as pesquisas (consentidas ou não) feitas em seres humanos, os limites da clonagem, a produção e o descarte de embriões humanos no processo da fertilização in vitro, a manipulação de células-tronco embrionária, o progresso da neurociência e a popularização da telemedicina. Segundo Ismael(2002), as alterações que o progresso científico pode causar na relação médico-paciente dizem respeito a desumanização do paciente, voltando este ao estágio de duzentos anos atrás, de simples cliente onde lhe cabe um atendimento impessoal. Não será nenhuma surpresa que o médico tenha o papel de um técnico que prescreve seguindo um rígido código de procedimentos. Já N. Renem (1993) é mais otimista quando afirma que “os primeiros passos em direção a atitudes humanas no cuidado da saúde já foram dados; o esforço contínuo não constitui responsabilidade apenas dos profissionais, ele inclui o compromisso de todos os que podem vir a ser afetados pela doença na criação de um sistema médico que seja não apenas analítico, mas compreensivo; um sistema científico porém sensível” (p.18). CONCLUSÃO Observa-se uma grande necessidade de se instituir uma medicina humanística dentro da realidade social contemporânea, desenvolvendo-se uma relação aberta e dinâmica entre médicos e pacientes, possibilitando assim que a qualidade da relação seja cada vez mais humana. 83 Para que tal objetivo seja alcançado, conclui-se que o primeiro ponto a ser analisado deva ser a atitude médica no exercício da sua profissão. Este, além do suporte técnicodiagnóstico, necessita de sensibilidade para enxergar o paciente como alguém que sofre e é portador de uma história que precisa ser realmente ouvida. É também de responsabilidade médica o identificar no paciente suas forças e potencializá-las para que consiga lutar contra o desequilíbrio que o norteia, traduzindose em sintomas. Uma comunicação adequada na relação médico-paciente permite que ambos se beneficiem com a adesão ao tratamento por parte do paciente, e o sucesso do mesmo como vitória conquistada pelo profissional em seu ofício.Outra questão importante se dá no olhar médico que deve ser centrado no paciente e não na doença, diminuindo assim a assimetria existente entre ambos. Uma vez diminuída a distância entre médico e paciente, levando em consideração todos os fatores já abordados até aqui, podemos esperar uma autêntica melhora na qualidade de vida das instituições de saúde, sendo construídos vivências dinamizadoras e curativas que proporcionarão um clima organizacional saudável, acolhedor, satisfatório e humanizado. Para que tal demanda seja satisfeita há de se efetuar mudanças curriculares na formaçao médica, visando a ampliação de suas competências, acompanhada de um efetivo espaço que propicie exercícios de reflexão sobre as vicissitudes do ato médico. Tal contexto multidisciplinar precisa contar efetivamente com a participação de todos, visando que as organizações de saúde realmente promovam a qualidade de vida na sociedade e em seus desdobramentos. 84 REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS BALLINT, M. O medico, seu paciente e a doença. Rio de Janeiro: Atheneu, 1975. ZIMERMAN, W. D. A formação psicológica do médico. In MELLO FILHO J. Psicossomática Hoje. 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Porto Alegre: Artes Médicas ÍNDICE 86 FOLHA DE ROSTO 2 AGRADECIMENTO 3 DEDICATÓRIA 4 RESUMO 5 METODOLOGIA 6 SUMÁRIO 7 INTRODUÇÃO 8 CAPÍTULO I (TÍTULO) 11 1.1 - A Busca do Saber 12 1.2 – O prazer de pesquisar 15 1.2.1 - Fator psicológico 15 1.2.2 - Estímulo e Resposta 17 CONCLUSÃO 48 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 52 ÍNDICE 55 87 FOLHA DE AVALIAÇÃO Nome da Instituição: Título da Monografia: Autor: Data da entrega: Avaliado por: Conceito: