Carta aberta Hanseníase na o e crime O jornal Folha de S. Paulo deste domingo, 8, traz uma manchete que nos causa preocupação e indignação. O título “Virei um leproso após Lava Jato, diz delator Costa” não é um simples recurso linguístico para dar clareza ao discurso. É o reflexo de um preconceito enraizado em todas as classes sociais do Brasil – país, aliás, que ocupa o segundo lugar no número de casos de hanseníase no mundo, atrás da Índia. Aqui a doença é considerada endêmica e mais de 30 mil casos novos são descobertos a cada ano. Tão grave quanto o alto número de pacientes é o preconceito que recai pesadamente contra cada doente de hanseníase no Brasil. A hanseníase tem sua gravidade, assim como muitas outras doenças. Porém, tem cura, tem tratamento gratuito em todo o sistema público brasileiro e, uma vez em tratamento, o paciente não transmite a hanseníase a seus comunicantes. Mas isso poucas pessoas sabem. Uma das grandes batalhas da Sociedade Brasileira de Hansenologia, desde 1947, quando foi fundada, é contra o preconceito. O tratamento adequado permite que o paciente tenha uma vida normal, trabalhe e estude sem representar risco algum à integridade física de seus amigos, colegas, familiares. Uma tentativa de diminuir os estigmas da doença, o nome ‘lepra’ foi substituído por ‘hanseníase’ em 1995, com a Lei n° 9.010, de 29 de março de 1995. No entanto, desde a publicação da Portaria n° 165, de 14/05/1976, do Ministério da Saúde, estava proibido o uso do termo ‘lepra’ e seus derivados nos documentos oficiais do órgão. Mesmo assim, o preconceito arraigado em toda a sociedade se apresenta com força nos discursos das pessoas comuns, das autoridades, dos formadores de opinião e até de educadores. A gravidade desta situação se reflete no abandono do debate sobre uma das mais antigas doenças conhecidas da humanidade, já extinta em muitos países e que cresce silenciosa e assustadoramente no Brasil. A Sociedade Brasileira de Hansenologia e o Ministério da Saúde têm alertado para o grande número de novos casos em crianças menores de 15 anos. Porém, nas escolas, os programas de ensino se esqueceram de abordar a hanseníase e a falta de esclarecimento leva a todo tipo de preconceito em cadeia na sociedade. Isso tem dificultado o trabalho dos hansenologistas no Brasil. São profissionais que estudam, pesquisam, fazem intercâmbio de informações com grandes centros de pesquisa no mundo, enquanto outros vão a campo, em comunidades desfavorecidas no interior do Brasil, numa peregrinação a aldeias, vilarejos, lugares esquecidos, onde a informação não chega, mas chega e impera o preconceito. É importante ressaltar que, mesmo sendo uma doença característica de populações economicamente desfavorecidas, municípios com alto índice de IDH, de economia pujante e respeitados polos de pesquisa, apresentam índices ainda endêmicos da doença. No Brasil, a prevalência da hanseníase é de 1,27 casos para cada 10.000 habitantes. Há muito tempo, o país poderia estar com menos de 1 caso de prevalência, como estipula a Organização Mundial de Saúde para considerar a hanseníase sob controle. O diagnóstico da hanseníase é clínico e as pessoas precisam ter informações básicas para chegarem aos serviços de saúde antes do surgimento de complicações e do aparecimento de incapacidades. A hanseníase é a doença que mais cega no mundo. Diabetes e hanseníase são as maiores causadoras de feridas no Brasil – país em que as feridas são consideradas problema de saúde pública. Conviver com um cenário preconceituoso não é fácil para um paciente de hanseníase. Outros, nem pacientes chegam a ser, tamanho o preconceito. Assim, a Sociedade Brasileira de Hansenologia solicita um esclarecimento sobre as declarações do Sr. Paulo Roberto Costa na referida reportagem. Ainda que a declaração não tenha sido emitida pelo jornal Folha de S. Paulo, mas pelo entrevistado, o papel de formador de opinião deste periódico é imensurável, mas conhecidamente de peso. Oportunamente, a Sociedade Brasileira de Hansenologia propõe que a imprensa debata sobre a hanseníase e colabore com uma luta que, por falta de eco na sociedade, também tem sido silenciosa. Sociedade Brasileira de Hansenologia Fundada em 1947. É a realizadora do Simpósio Brasileiro de Hansenologia e do Congresso Brasileiro, realiza também cursos de atualização para profissionais de saúde (de várias áreas) por todo o país e promove ações de busca ativa de casos. Marco Andrey Cipriani Frade Presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia