inFLaÇÃo, PoLÍtiCa monEtÁria E rECoLHimEntoS ComPULSÓrioS

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Carta Econômica
Fevereiro de 2010
Por George Bezerra
INFLAÇÃO, POLÍTICA MONETÁRIA E RECOLHIMENTOS COMPULSÓRIOS
A quebra do Lehmann Brothers, em setembro de 2008, no contexto de uma grave crise que já se aprofundava há
vários meses, teve um impacto brutal sobre a liquidez do sistema bancário no mundo inteiro. No Brasil não foi diferente.
São raros os casos na história econômica brasileira em que um determinado evento tenha levado a uma retração tão
brusca e violenta do crédito e da liquidez no mercado interbancário. Parece óbvio que este impacto poderia ter causado a
quebra de bancos no Brasil, não fosse a pronta a eficiente atuação do Banco Central.
Naquela época, o mundo inteiro enfrentava pressões deflacionárias, o que já havia produzido um movimento global
de redução forte e persistente das taxas de juros. Porém, o aperto de liquidez e a retração do crédito verificada após a
quebra do Lehmann introduziu um elemento inteiramente novo, que exigiu medidas compensatórias específicas também
de grande magnitude.
Dentre todos os países do mundo o Brasil era, naquele momento, um dos que praticava percentuais de recolhimento
compulsório sobre depósitos bancários mais elevados. Dessa forma, o banco central dispunha de uma grande margem
de manobra para lidar, especificamente, com este súbito e dramático problema de liquidez no sistema bancário. Como
declarou Henrique Meirelles em entrevista ao jornal Valor, no dia 26.02.10: “A existência de compulsórios no Brasil se
revelou fundamental na estratégia de enfrentamento da crise financeira internacional”; “Porque permitiu a liberação de
compulsórios para o sistema com o objetivo de irrigar a liquidez, e também porque liberou compulsórios para algumas
instituições pequenas e médias, para as quais aquela liquidez era fundamental. Ao decidir elevar o compulsório, olhamos
esses dois critérios”.
No momento há um debate entre os economistas ligados ao mercado financeiro sobre até que ponto este aumento
do compulsório é uma medida substituta ou complementar da elevação da taxa de juros, tendo em vista o objetivo de
trazer de volta as expectativas para o centro da meta de inflação. Na citada entrevista há uma pergunta e uma resposta
particularmente esclarecedoras sobre o entendimento que tem o presidente do banco central sobre este tema. Vamos
reproduzi-las:
Pergunta: “A decisão do compulsório não ajuda a política de juros do BC, uma vez que diminui a liquidez e aumenta o
custo do crédito”?
Resposta: “São duas coisas diferentes. De um lado, é uma medida que tem efeitos de política monetária. Restrição
ou injeção de liquidez tem efeitos monetários. No entanto, a experiência mostra que o mecanismo básico que o BC deve
usar para alterar a trajetória futura da inflação é a taxa de juros (SELIC). É o mecanismo mais eficiente, uma vez que
as séries históricas estão mais bem estabelecidas e, portanto, é algo mensurável. Trata-se do instrumento básico de
ação dos bancos centrais no mundo todo e do BC brasileiro. Não procuramos substituir um mecanismo por outro. Para o
controle específico da liquidez, em alguns momentos, o recolhimento ou a liberação do compulsório, como fizemos em
2008, é um mecanismo extremamente eficaz. Portanto, a decisão do compulsório teve em vista questões de liquidez.
Não há dúvida, porém, de que ela tem efeitos de política monetária”.
A nosso ver a resposta foi suficientemente clara. “De um lado, (a elevação do compulsório) é uma medida que tem
efeitos de política monetária”. De outro, “... o mecanismo básico que o BC deve usar para alterar a trajetória futura de
inflação é a taxa de juros (SELIC)”. “Não procuramos substituir um mecanismo por outro”. “Portanto, a decisão do
compulsório teve em vista questões de liquidez”.
Carta Econômica
Fevereiro de 2010
Ou seja, o aumento do recolhimento compulsório não é uma medida substituta da elevação da taxa de juros. O
compulsório foi reduzido em 2008 complementarmente à forte redução da taxa de juros que se seguiu. Por que deveria
ser diferente agora? Esta assimetria seria injustificável.
Parece óbvio que a demanda agregada tem se expandido, há alguns meses, a uma taxa significativamente superior
ao crescimento potencial da economia. Alguns estudos já indicam, inclusive, que o hiato de produto do setor industrial já
se tornou positivo desde o final do ano passado. E mesmo que este hiato ainda seja levemente negativo para a economia
como um todo, deixará de ser no curto prazo, dado o excesso de demanda que hoje se verifica na economia. Além disso, o
pequeno hiato negativo remanescente se torna ainda mais irrelevante quando se considera o comportamento recente dos
índices de inflação, que têm vindo significativamente acima das expectativas (inclusive, e principalmente, as medidas
de núcleo). Para completar, observe-se que a taxa real de juros SELIC, no momento, se encontra significativamente
abaixo da neutralidade, sob qualquer critério de aferição.
Numa avaliação prospectiva, só existe, a nosso ver, um motivo pelo qual a demanda agregada no Brasil poderia vir
a sofrer uma acomodação capaz de dispensar a elevação da taxa de juros, no curto prazo: seria um forte mergulho
da atividade econômica no mundo desenvolvido, em particular nos Estados Unidos. Esta não é uma possibilidade
inteiramente desprezível. Mas não está no nosso cenário básico. E, mais importante, também não é este o cenário de
maior probabilidade para o banco central, conforme declarações recentes de seu presidente e de documentos oficiais,
como a Ata do COPOM e o Relatório de inflação.
Excluindo-se esta possibilidade de forte reversão da recuperação (ainda débil e vacilante, é verdade) da economia
no mundo desenvolvido, são raras, senão inexistentes, as avaliações de analistas especializados de que um certo grau
de aperto da política monetária poderá ser evitado. Portanto, desde que esta possibilidade não faz parte do cenário
principal do BACEN, o adiamento da decisão de iniciar o ciclo de aperto monetário só pode resultar em prejuízo para a
eficiência da política monetária. Particularmente num momento em que vem sendo questionada a capacidade do BACEN
de continuar imune a influências políticas, neste ano eleitoral que se inicia.
As economias dos países desenvolvidos ainda se encontram num momento de grande incerteza. Não se pode
descartar surpresas de significado e impacto relevantes na divulgação de indicadores econômicos, ao longo das
próximas semanas e meses. Portanto, embora já bastante próxima, a decisão do COPOM sobre a taxa de juros na sua
reunião de março ainda poderá ser afetada por dados que venham a ser conhecidos daqui até a data da reunião. Porém,
com base nos dados até agora disponíveis (inclusive a elevação do compulsório) e no cenário básico para a economia
mundial com que trabalha o Bacen, achamos que o ciclo de aperto monetário começará nesta próxima reunião, com uma
elevação de 50 pontos-base.
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