O “inglês da escola”: o imaginário de língua estrangeira no discurso de alunosprofessores Michele Teixeira Passini1 RESUMO: O ensino de inglês como língua estrangeira moderna em contexto escolar sofreu influências, de um lado de acontecimentos históricos, e, de outro, das diversas metodologias de ensino que foram ocupando o cenário do ensino-aprendizagem de línguas ao longo dos anos. A fim de pensar o ensino de inglês neste contexto, voltamo-nos no presente trabalho, para o discurso de alunos-professores em circunstância de estágio docente, momento que consideramos privilegiado, uma vez que proporciona a aproximação dos conhecimentos adquiridos na academia com a experiência docente. Ancorados na teoria da Análise do discurso pecheutiana, temos como fio condutor em nossa discussão o imaginário de língua constituído no discurso de alunos-professores de uma universidade privada do norte do Rio Grande do Sul. Para tanto, analisaremos um corpus composto de seis sequências discursivas, selecionadas a partir de um arquivo, resultante da aplicação de um questionário. Noções tais como sujeito, sentido e imaginário serão fundamentais para tal discussão. Palavras-chave: língua, escola, alunos-professores. 1. Introdução Desde a época conhecida por “Brasil colonial”, o ensino de língua estrangeira – inicialmente línguas clássicas, grego e latim – recebe atenção no ambiente escolar. Segundo Leffa (1999), a chegada da família real (1808), a criação do Colégio Pedro II (1837) e a reforma de 1855 podem ser vistos como fatores preponderantes para a inclusão do ensino de línguas modernas no currículo escolar, inclusive a língua inglesa. A partir de então, não é difícil nos deparamos com a designação “inglês da escola”, o que nos permite inferir que a língua inglesa ensinada e aprendida na escola possui características distintas daquela encontrada em outros âmbitos sociais, pois do contrário, o complemento “da escola” se tornaria desnecessário. Desse modo, na presente reflexão nos dedicaremos a refletir acerca de tal designação. Ancorados pela teoria da Análise do Discurso pecheutiana buscaremos responder a alguns questionamentos, tais como: (a) Quais elementos estariam relacionados em tal designação, isto é, quais sentidos ressoam na designação “inglês da escola”? (b) Em que o “inglês da escola” se distingue do “inglês” de outros contextos? (c) Qual a influência do aparelho escolar no ensino da língua inglesa? 1 Contato: [email protected] Para tanto, nos valeremos da análise de um corpus formado por seis sequências discursivas provenientes de um arquivo composto a partir da aplicação de um instrumento de pesquisa a quinze alunos-professores2 de um curso de Letras de uma universidade do Rio Grande do Sul. Noções teóricas como língua, sujeito e imaginário serão de fundamental importância para nossa reflexão, cujo fio condutor encontra-se na questão do ensino de língua inglesa no aparelho escolar. 2. A escola como um Aparelho Ideológico de Estado A instituição escolar recebeu a atenção do filósofo marxista Louis Althusser em seu estudo a respeito de como é assegurada a reprodução das condições de produção na formação social capitalista, isto é, como se dão os processos que naturalizam a dominação de uma classe sob a aparência de que as coisas caminham por si mesmas. Para Althusser existem dois mecanismos que asseguram que a classe dominante mantenha-se no poder, a saber, os Aparelhos Repressores de Estado (ARE) e os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE). O que diferencia um do outro é a maneira como levam os sujeitos a reproduzir, uma vez que, enquanto os ARE funcionam pela violência física, os AIE funcionam por meio da ideologia, a qual ocupa um lugar fundamental na teoria althusseriana. É devido ao funcionamento da ideologia que os indivíduos não precisam de um guarda a seu lado para lhes dizer o que deve ser feito, isto é, eles acreditam estar agindo livremente embora estejam, segundo Althusser, “funcionando” para a manutenção das relações de produção. Cabe ressaltar que na perspectiva althusseriana a ideologia é dotada de materialidade, uma vez que não se limita a ideias, mas existe sempre em um aparelho e em sua(s) prática(s). O filósofo esclarece que anteriormente ao capitalismo, a Igreja ocupava a posição de AIE dominante, porém, após o fim da Idade Média, tal lugar passou a ser ocupado pelo Aparelho Escolar. Deixemos o próprio autor elucidar tal ponto: 2 Optamos pelo termo “aluno-professor” por consideramos que melhor representa o lugar social no qual se encontram estes sujeitos, pois, na situam-se socialmente como alunos na instância acadêmica e como professores na escolar. [A escola] recebe as crianças de todas as classes sociais desde o Maternal e, a partir daí, com os novos e igualmente com os antigos métodos, ela lhes inculca, durante anos e anos, no período em que a criança é mais „vulnerável‟, imprensada entre o aparelho de Estado Família e o aparelho de Estado Escola, determinados „savoir-faire‟ revestidos pela ideologia dominante (língua materna, cálculo, história natural, ciências, literatura), ou muito simplesmente a ideologia dominante em estado puro (moral e cívica, filosofia) (2008, p.168) A posição de Althusser indicia a importância que o aparelho escolar ocupa na relação do sujeito com os saberes que circulam na sociedade, uma vez que, conforme explicitado no excerto recém-apresentado, a escola estaria a serviço da reprodução de determinados “savoir-faire”, os quais seriam inculcados nos alunos. Para Michel Pêcheux, por outro lado, ao se pensar a reprodução deve-se, essencialmente, considerar a existência de resistência a ela, pois se há uma ideologia dominante é porque há, necessariamente, outras ideologias dominadas, conforme lemos abaixo: isso implica em considerar ideologias dominadas não como microorganismos ideológicos pré-constituídos com a tendência para se desenvolver de tal forma que venham a substituir simetricamente a dominação da ideologia dominante. Em vez disso, implica em considerá-las como uma série de efeitos ideológicos que emergem da dominação e que trabalham contra ela por meio das lacunas e das falhas no seio dessa própria dominação” (PÊCHEUX, 2011(b), p. 96). Com base nessas palavras, percebemos que Pêcheux entende que a reprodução que se dá no interior dos AIE não ocorre de forma homogênea, uma vez que existem sempre outras ideologias não-dominantes produzindo efeitos que possibilitam certa resistência. A partir disso, o autor considera que os AIE não são meras máquinas de reprodução da ideologia dominante, pois são, na verdade, um conjunto complexo, comportando relações de “contradição-desigualdade-subordinação entre seus elementos” (PÊCHEUX, 2009, p.131). Desse modo, é possível pensar na possibilidade de transformação dessas relações, embora não de maneira estanque, como se fosse possível pontuar de um lado reprodução e de outro, transformação, pois o que existe é um movimento de tensão entre reprodução e transformação. Desse modo, embora seja o AIE dominante na atual formação social, a escola não deve ser vista como um lugar de mera reprodução, uma vez que há essa possibilidade de transformação. Ela é um objeto de estudo da maior importância, pois é um lugar de legitimação de saberes. Pensar o pedagógico é, portanto, ir além de discussões concernentes a melhores metodologias de ensino, é ressaltar o papel político que esse aparelho desempenha na sociedade. Para Silva (2007, p. 153): O discurso pedagógico, apagando o social e o político que o determinam, pelo uso intensivo de noções como as de „interação‟ e de „cooperação‟, na desigualdade, não exclui apenas o povo da política, mas exclui a política da história, em um movimento de assepsia em que não há lugar para o econômico, o ideológico, para as relações de poder. Essa assepsia de aspectos sociais e políticos conforme ressalta a autora ocorre também no tratamento da língua como objeto a ser ensinado-aprendido no ambiente escolar. A língua é submetida a um processo de escolarização, o qual tende a apagar não apenas seus aspectos político e histórico, como sua memória. 3. A noção de imaginário Um das noções teóricas norteadoras desta reflexão é a de imaginário, a qual se relaciona com o fato de que para o sujeito, enquanto constituído na e pela linguagem, a sua percepção de mundo está, necessariamente relacionada à ordem do simbólico. Assim é sempre pela via do simbólico que o sujeito se relaciona com a realidade que o cerca. Nas palavras de Žižek (1996, p. 26) entendemos que “a realidade não é a „própria coisa‟, é sempre já simbolizado, constituído e estruturado por mecanismos simbólicos”. É, portanto, via simbólico que o sujeito interpreta o mundo em que vive. Contudo, existe algo que resiste a simbolização resultando em uma “imperfeição” constitutiva da linguagem, o que implica na impossibilidade de tudo dizer, ao que Pêcheux se refere como “castração simbólica” (PÊCHEUX, 2012, p.46). Estar na ordem do simbólico, é, desse modo, estar fadado a deparar-se com um real que resiste a simbolização: um “real constitutivamente estranho à univocidade lógica, e um saber que não se transmite, não se aprende, não se ensina, e que, no entanto, existe produzindo efeitos” (PÊCHEUX, 2012, p. 46). Nesse sentido, no quadro teórico da Análise do Discurso, a língua é compreendida “como um real específico formando o espaço contraditório do desdobramento das discursividades” (PÊCHEUX, 2011(a), p. 228). Ela tem, portanto, uma natureza dialética, pois abriga a contradição sob a aparência de unidade. Entendemos, assim, que a língua é a base material do discurso, o que permite que uma mesma língua vincule diferentes discursos: “o sistema da língua é, de fato, o mesmo para o materialista e para o idealista, para o revolucionário e para o reacionário, para aquele que dispõe de um conhecimento dado e para aquele que não dispõe desse conhecimento. Entretanto, não se pode concluir, a partir disso, que esses diversos personagens tenham o mesmo discurso”. (PÊCHEUX, 2009, p. 81) Consequentemente os sentidos das palavras e expressões não se encontram fixos no sistema da língua, mas se constituem juntamente com os sujeitos na medida em que esses se inscrevem em uma formação discursiva3. Assim, no dizer do sujeito enunciador marca-se uma tomada de posição com relação aos sentidos, ou seja, ao observamos a linearidade do discurso (intradiscurso) somos levados às identificações que esse sujeito estabelece com saberes que são históricos. De Nardi (2007) entende o imaginário como “uma forma de conhecimento que representa, para o sujeito, um saber no qual o mesmo se insere, que possibilita e determina a sua apreensão da realidade e, consequentemente, a sua relação com a língua” (p. 162). Desse modo, ressaltamos que ao analisar o discurso de um sujeito o fazemos com base na materialidade linguística, a qual sendo pertence à ordem do simbólico (re)vela as identificações do sujeito com saberes que são históricos. 4. Análise das Sequências Discursivas As sequências discursivas (doravante sds) aqui apresentadas são provenientes de um arquivo composto a partir de um instrumento de pesquisa (questionário) aplicado a alunos-professores por ocasião de uma disciplina de estágio supervisionado, de uma universidade do norte do Rio Grande do Sul. Com vistas a observar os sentidos da designação “inglês da escola”, selecionamos as sds que nos permitem compreendê-la no discurso desses sujeitos. 4.1. Condições de Produção Como mencionamos anteriormente, estamos no âmbito do discurso, e, portanto, não consideramos que os sentidos estejam dados previamente, mas sim, que se constituem com o sujeito quando este se inscreve em uma dada formação discursiva. Se a língua é a 3 A noção de formação discursiva é definida por Pêcheux e Fuchs (AAD-75) como “o que pode e deve ser dito em a partir de uma posição dada numa conjuntura”. É, portanto, a matriz de sentido. mesma para todos, os discursos definitivamente não são, uma vez que dependem de um todo que lhe é constitutivo. Analisar o discurso é observar atentamente suas condições de produção. Esse “entorno” no qual uma sequência discursiva é produzida é, desta forma, fundamental na análise dos efeitos de sentidos. Os alunos-professores (doravante A.P.) participantes desta pesquisa eram na ocasião da aplicação do instrumento acadêmicos do último ano do curso de Letras com habilitação em inglês, iniciando seu processo de estágio supervisionado em ambiente de educação básica (ensino fundamental e médio). Alguns já lecionavam inglês e outros contavam apenas com a experiência resultante das horas de observação em sala de aula. É importante ressaltar que todos estavam realizando seus planos de estágio com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua estrangeira (PCN-LE). No primeiro bloco, trazemos três sds as quais resultaram de respostas dos alunos-professores a seguinte pergunta: “Como foram suas aulas de inglês na escola (ensino fundamental e médio)?”. Nosso intuito era oportunizar aos alunos-professores que discorressem acerca de sua experiência como alunos durante os anos de educação básica. A seguir, no bloco II, demonstramos o que o discurso desses alunos-professores revela quanto a como o “inglês da escola” deveria ser. Bloco I – A abstração do objeto a ser ensinado Que inglês é esse que a escola ensina? Foi no intuito de responder a essa pergunta que selecionamos as três sequências que agora apresentamos. Na primeira delas, percebemos a referência de A.P. 1 ao ensino de gramática ser predominante em suas aulas de língua inglesa ao longo do ensino fundamental: Sd1 - Durante meus estudos de Língua Inglesa no ensino fundamental, o aprendizado não era voltado para interação dos alunos, não havia uma temática. Predominava o ensino da gramática4. (A.P. 1) É possível notar ainda, a menção a ausência de interação e temáticas, dois termos que nos remetem aos saberes trazidos nos Parâmetros Curriculares Nacionais de língua estrangeira (PCNs-LE), o qual foi estudado pelos alunos-professores participantes desta pesquisa. É interessante observar que para o sócio-interacionismo, teoria que embasa os 4 Todos os grifos das Sds apresentadas são nossos. referidos documentos, a língua deve ser ensinada-aprendida prezando seu caráter interacional, sem limitar-se, portanto, ao ensino exclusivo da estrutura. Sd2 - As aulas seguiam o Livro Didático escolhido pelo professor e não havia nenhum tipo de interação, na língua estudada, em sala de aula. O conteúdo era estudado a partir de frases e palavras soltas e descontextualizadas. Portanto, a minha experiência com Inglês no Ensino Médio não foi boa. (A.P. 2) Na Sd2 também encontramos referência a interação, indiciando uma identificação com os saberes da metodologia institucionalizada, isto é, proveniente dos PCN-LE. Ao afirmar que “o conteúdo era estudado a partir de frases e palavras soltas e descontextualizadas”, A.P. 2 revela ter encontrado uma língua fragmentada, cujo ensino enfatizava o caráter lexical e sintático, ou seja, elementos estritamente estruturais. É válido ressaltar o uso da palavra “conteúdo” ao falar da língua, demonstrando a escolarização da língua neste ambiente no qual ela passa a ser “matéria” para a ser dominada. Sd3 - Eu comecei a ter aulas de Inglês na 7ª série, do Ensino Fundamental e continuaram até o 3º ano do Ensino Médio. As aulas tinham como foco a gramática, com exercícios isolados. Lembro de ter visto listas de verbos, as listas tradicionais com as três colunas, e o professor fazia uma espécie de jogo, o grupo adversário pedia um verbo e o membro do grupo adversário tinha que fala o referido verbo no passado e no particípio. O verbo To Be, e os regulares e irregulares presente e passado, vocabulários, como as cores, números, porém tudo era estudado fora de um contexto. Lembro-me que no 3º ano o professor nos deus um texto e nos pediu a tradução de todas as palavras. Desse modo, as quatros habilidades, eram totalmente deixadas de lado, a interação, que os PCNs recomendam que haja dentro da sala de aula, não me lembro de ter sido trabalhada, pois as atividades eram isoladas e individual. Não lembro de aulas com atividades diferentes, apenas listas nos quadro e nós apenas copiávamos. Rádio, música, filmes, e o laboratório de informática, esses materiais não eram utilizados nas aulas de Língua Inglês. Além disso, percebia-se que os professores não planejavam as aulas, não havia um objetivo especifico e nem geral, apenas passar determinados tópicos gramáticas”. (A.P. 3) A.P. 3 revela que o foco de suas aulas de inglês estava centralizado na gramática, a qual era ensinada por meio do que se refere como “exercícios isolados”, possivelmente contrapondo com o ensino da língua via trabalho com texto tal como é explicitado nos PCNs-LE, isto é, com atividades de pré-leitura, leitura e pós-leitura, nas quais o professor buscará ativar conhecimentos prévios trazidos pelos alunos, os quais, segundo os documentos, auxiliam nas inferências por eles realizadas. Vemos, também na Sd3 a menção ao uso de listas de palavras para serem copiadas pelos alunos, ao ensino de gramática e a ausência de um “contexto”, já que as atividades são relatadas como “isoladas e individual”. Com base nessas três sds apresentadas, podemos perceber que o “inglês da escola” no dizer desses alunos-professores refere-se a uma língua transparente, fragmentada, sem vida e sem contexto, apresentada em seu aspecto estrutural, com predominância do ensino de aspectos lexicais e sintáticos. Bloco II– “Devemos tornar a língua viva” Neste segundo bloco apresentaremos três Sds, as quais foram recortadas da resposta dada pelos alunos-professores a seguinte questão: “Como as aulas de inglês deveriam ser nas escolas?”. Sd4 – As aulas deveriam ser como os professores, na faculdade dizem que deveria ser, ou seja, com foco na interação, atividade em duplas ou grupos pequenos. Desse modo, englobando as quatro habilidades, procurando desenvolver a autonomia do aluno. Aulas preparadas com objetivos gerais e específicos, com pré-leitura, leitura e pósleitura, com foco na materialização da língua e não apenas na sua estrutura. No entanto sabemos que isso não é uma tarefa fácil, mas é possível, talvez com atividades as quais atraiam a atenção do aluno, para que ele perceba que o inglês faz parte da vida de cada um, ou seja, como algo que já faz parte da sua realidade e não como algo inatingível. (A.P. 3). Na Sd4 podemos notar uma grande influência dos saberes institucionalizados quanto a prática de ensino de inglês: “deveria ser como os professores na faculdade dizem que deveria ser, ou seja, com foco na interação, atividade em duplas (...)”. Há, inclusive, menção as etapas de leitura (pré-leitura, leitura e pós-leitura). A.P.4 afirma que é preciso enfocar não apenas na estrutura, mas também na materialização da língua, o que corrobora com o que observamos nas sequências apresentadas no bloco I, as quais demonstram que o “inglês da escola” é voltado para o ensino de estrutura. Segundo ela, a mudança desse panorama encontra-se no trabalho com a língua de forma a mostrar para os alunos que ela faz parte da vida deles, ou seja, que ela não é “algo inatingível”. Bastante próxima é a resposta de A.P.4 na Sd5 apresentada abaixo: Sd5 – As aulas deveriam ser mais adequadas ao dia a dia do aluno, mostrando dessa forma a presença da língua inglesa em nossas vidas. Ainda podem ser utilizados mais recursos como internet, músicas, vídeos.(A.P.4) Notamos, mais uma vez, a menção a “presença da língua inglesa” no cotidiano do aluno, indiciando um clamor pelo ensino de uma língua viva, a qual pode ser reconhecida não apenas no espaço escolar, mas em outros contextos da vida do aluno. Sd6 – Acho que as aulas deveriam ser muito mais lúdicas e táteis no EF, ou seja, fazer com que os alunos vivenciassem a língua de maneira comunicativa e sem aquela cobrança de “aprender porque vai cair na prova” ou porque os professores já começaram a pensar em vestibular. A questão de ficar passando listinhas também só contribui para quer o aluno perca totalmente a vontade de estudar. No EM, com um conhecimento mais amplo, os alunos poderiam começar com nomenclaturas gramaticais e estudos mais aprofundados da linguagem, mas sem que se perdesse a diversão, sempre fazendo uso da língua em sites que permitam a troca de experiências com outros alunos ou falantes nativos, por exemplo. (A.P.5) Enfatizamos na Sd6 o termo utilizado por A.P.5 “táteis” que se refere a uma língua que não seja, como apresentada na Sd4 “inatingível”. Mais uma vez o que se destaca é o desejo de que o “inglês da escola” deixe de ser uma matéria que “vai cair na prova” como afirma A.P.5. É interessante observar a sugestão de fazer uso de sites nos quais os alunos possam “trocar experiências com falantes nativos”, o que atualmente, no tratamento de abstração que é dado a língua em ambiente escolar, acaba por ser considerado uma perspectiva utópica. Contudo, tal atitude ultrapassaria os limites de uma língua escolarizada, uma língua que se faz matéria para ser cobrada em prova, tornando-se diferente de suas manifestações no mundo real. Para fins de uma melhor visualização demonstramos no quadro abaixo como o imaginário de “inglês da escola” pode ser visto no dizer dos alunos-professores e como deveria ser, segundo os mesmos: “Inglês da escola” é: “Inglês da escola” deveria ser: Abordado em seu aspecto estrutural (gramática); Representado por frases soltas e palavras isoladas; Ensinado sem interatividade por meio de listas de palavras. Enfocar seu aspecto material e não apenas estrutural. Não ser abordado como algo “inatingível”, mas sim de forma “tátil” Ensinado por meio de atividades que demonstrem que está presente na vida do aluno; Considerações Iniciamos esta reflexão levantando três questionamentos acerca do ensino de inglês em contexto escolar. Nossa primeira indagação foi a respeito dos sentidos da designação “inglês da escola” no dizer de alunos-professores em fase de estágio supervisionado. Pudemos observar que o ensino voltado predominantemente para a gramática, contempla aspectos estruturais em detrimento de aspectos semânticos, os quais seriam capazes de abordar os aspectos político e histórico, constitutivos da língua. Ao desprovê-la de tais aspectos em função de uma supervalorização de seu aspectos estrutural, ela passa a ser tratada como uma língua morta, como uma abstração. Orlandi e Souza (1988) mencionam que ao apagar os aspectos sócio-histórico e ideológico da língua, esta torna-se uma língua imaginária, sobre a qual alertam: “A língua imaginária não é inofensiva, não deixa de ter seu efeito sobre o real. E isto em duas direções: (a) Para a história da língua, onde vemos que ela obriga a passar pelas coerções, coloca paradigmas e controla o uso e a forma da língua.(1988, p.30) Nossa segunda indagação a respeito da distinção entre “inglês da escola” e “inglês” em outros contextos, observamos que são, de fato, duas línguas diferentes. O processo de escolarização da língua cobra o preço de torna-la sem vida. A terceira questão nos leva a reflexão sobre o aparelho escolar, o qual é considerado conforme vimos com Althusser, como Aparelho Ideológico de Estado dominante, uma vez que recebe os indivíduos desde muito jovens e lhes ensina aqueles saberes legitimados, os quais costumam ser vistos como neutros. No caso do ensino de uma língua estrangeira, o processo de escolarização tende a apagar ainda os aspectos culturais da língua, refratando o fato de que uma língua é sempre uma língua de uma nação. Nesse sentido, apaga-se a memória da língua. Para finalizarmos, gostaríamos de nos remeter ao um mito conhecido por “Mito do leito de Procusto”, o qual parece ser relevante para relacionarmos com a escolarização da língua inglesa. Sabe-se que Procusto era um homem de má índole que convidava os viajantes que passavam pela floresta em que vivia para dormirem em sua casa. Contudo, o leito que oferecia a seus convidados tinha um tamanho fixo e para que o tamanho do hóspede servisse ao do leito, quando o hóspede era maior, Procusto lhe cortava as pernas com um machado, quando o leito era maior que o convidado, ele utilizava-se de cordas para estica-lo a fim de que servisse perfeitamente ao tamanho do leito. Assim, o mito de Procusto passou a servir de metáfora para situações em que não apenas uma medida é considerada a certa, e quando algo foge ao que foi estabelecido, alterações são realizadas a fim de que adapta-se ao que foi previsto. Desse modo, ao escolarizar o a língua inglesa, faz-se como Procusto, forçando-a a “caber” no leito, mesmo que se pague o preço de uma apagamento do que lhe é inerente: sua memória e sua história. O “inglês da escola” pode ser entendido, portanto, como sendo a língua inglesa dessecada e apartada de seu aspecto discursivo. Referências Bibliográficas: ALTHUSSER, Louis. Sobre a reprodução. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. DE NARDI, Fabiele Stockmans. Identidade, memória e os modos de subjetivação. In: INDURSKY, Freda; FERREIRA, Maria Cristina Leandro. Michel Pêcheux & Análise do Discurso: uma relação de nunca acabar. 2 ed. São Carlos: Claraluz, 2007. LEFFA, V. J. O ensino de línguas estrangeiras no contexto nacional. Contexturas, APLIESP, n. 4, p. 13-24, 1999. ORLANDI, E. P.; SOUZA, T. C. C. A Língua Imaginária e a Língua Fluída: dois métodos de trabalho com a linguagem. In: ORLANDI, E. P. (Org.) Política Linguística na América Latina. Campinas: Pontes, 1988. PÊCHEUX, Michel. 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