Cap.II: EQUAÇÕES FUNDAMENTAIS DA MECÂNICA DOS FLUIDOS (PERFEITOS) 1 Grandezas que descrevem o movimento. Descrições de Euler e de Lagrange Vamos especificar quais as variáveis que devemos conhecer para a determinação completa do estado de movimento de um fluido. Considerando um elemento ∆V do fluido, precisamos conhecer (i) como grandeza cinemática, a velocidade do fluido ~v . (ii) grandezas termodinâmicas: vimos que entre as diversas grandezas, como ρ (ou V = 1/ρ), p, T, , s, . . ., apenas duas delas são independentes e as outras podem ser obtidas uma vez dada a equação de estado. Para escrever as equações que governam o movimento de um pedaço de fluido, temos que decidir se usamos coordenadas fixas no espaço (descrição Euleriana) ou coordenadas amarradas ao pedaço de fluido (descrição Lagrangiana). Na descrição Lagrangiana, seguemos o movimento de uma partı́cula de fluido como na mecânica clâssica para um ponto. Na descrição Euleriana, olhamos o que acontece num volume de controle fixo através do qual o fluido escoa para dentro e para fora. Talvez o exemplo seguinte possa ajudar a esclarecer a diferença entre as duas descrições. Imaginamos um barco sobre um rio. Podemos acompanhar o movimento do barco ou olhar pontos do rio e descrever o que passa por la. Neste curso, usamos coordenadas Eulerianas, assim as quantidades que calcularemos serão obtidas em vários pontos (x, y, z) do espaço, para tempos t. Queremos determinar, por exemplo ~v = ~v (x, y, z, t) ρ = ρ(x, y, z, t) p = p(x, y, z, t) (2.1) Queremos conhecer, como funções de ~r e t, cinco grandezas (as componentes de ~v e duas grandezas termodinâmicas). Em conseqüência, necessitamos de 5 equações (diferenciais) para determiná-las (além da equação de estado para fixar o restante das grandezas termodinâmicas). 1 Um fluido é naturalmente um sistema dinâmico e como tal deve satisfazer as leis de conservação da matéria (massa), da quantidade de movimento e da energia. A massa e a energia sendo escalares e a quantidade de movimento um vetor, estas leis de conservação dão ao todo 1 + 1 + 3 = 5 relações entre as grandezas fı́sicas mencionadas. Portanto, é de se esperar que as equações procuradas surjam como conseqüências destas leis de conservação. 2 2.1 Equação de Continuidade para a massa, para um fluido qualquer: Caso geral Discutiremos inicialmente a conservação da matéria. Consideremos um volume arbitrário fixo completamente dentro do fluido. Vamos chamá-lo de V e a superfı́cie que o delimita de S. Calculemos a variação da massa no seu interior com o tempo de duas maneiras diferentes: (i) Se a densidade em cada ponto é ρ(x, y, z, t), a massa total dentro de R V no instante t é V ρ dV . Portanto a taxa de mudança com o tempo é dada por Z ∂ρ d Z ρ dV = dV . (2.2) dt V V ∂t (ii) Por outro lado, devido à conservação da matéria, este aumento de massa só pode ser causado pelo fluxo através da superfı́cie S. Se sobre um elemento de superfı́cie dS, com a normal ~n dirigida para fora do volume, a velocidade do fluido é ~v e a densidade ρ, a quantidade de matéria que ~ (cf. fig. 1): atravessa dS por unidade de tempo é ρ~v · ~n dS(≡ ρ~v · dS) 2 to em parte perpendicular e parte paralela a dS. Somente a primeira parte corresponde a transporte de matéria atraves dedS. Isto é a raz ao A integral desta quantidade sobre toda a superfı́cie S é a taxa de mudança total de massa contida em V por unidade de tempo: I ~ . ρ~v · dS (2.3) S Vamos igualar agora as duas expressões para a taxa de variação de massa, calculadas independentemente acima, colocando sinais apropriados (se a massa aumenta, ~v é antiparalelo a ~n e (2.3) precisa de um sinal negativo para ser uma quantidade positiva; se a massa diminui, ~v é paralelo a ~n e (2.3) precisa de um sinal negativo também para ser uma quantidade negativa) : Z V Z I ∂ρ ~ ~ · (ρ~v ) dV , dV = − ρ~v · dS = − ∇ ∂t V S onde na última passagem foi usado o teorema de Gauss. Portanto, Z V ∂ρ ~ + ∇ · (ρ~v ) dV = 0 . ∂t (2.4) Esta igualdade foi obtida, tomando-se um volume arbirário V . Em particular, se o volume considerado for um volume infinitesimal ∆V → 0, temos ∂ρ ~ + ∇ · (ρ~v ) ∆V = 0 ∂t ou seja ∂ρ ~ + ∇ · (ρ~v ) = 0 . (2.5) ∂t Esta é a Equação de Continuidade (na forma diferencial) e constitui uma das equações fundamentais da Mecânica dos Fluidos. Ela expressa a conservação da matéria. O vetor ~j = ρ~v é a corrente de densidade de matéria: aRdireção e o sentido do vetor são os do movimento do fluido e de ~ representa a quantidade de fluido que atravessa ∆S por modo geral ∆S ~j · dS unidade de tempo. 2.2 Escoamento estacionário Um caso particular conhecido é o do escoamento estacionário onde ~v (t, x, y, z) = ~v (x, y, z). Isto quer dizer que os “pedaços”, ou partı́culas, de fluido sempre 3 passam por um ponto dado com a mesma velocidade, embora esta possa variar de ponto a ponto. O escoamento de água a baixa velocidade numa canalização ligada a um grande reservatório é, com boa aproximação, estacionário. Num escoamento estacionário, as linhas de corrente coincidem com as trajetórias das partı́culas de fluido. Chama-se linha de corrente num dado instante uma linha tangente em cado ponto ao vetor ~v neste ponto. As linhas de corrente são as linhas de “força” do campo de velocidade (de maneira análoga ás linhas de campo para o campo elétrico ou magnético). Para materializar o campo vetorial de velocidades do fluido, podemos imaginar introduzir partı́culas de corante em diferentes pontos do fluido e depois tirar um fotografia com tempo de exposição curto. A figura 2 (esquerda) dá uma ideia do que se obteria para o caso do escoamento numa canalização cujo diâmetro diminui na região central. Se o fluido escoa para a direita poderiamos colocar uma seta em cada traço para indicar o sentido do vetor velocidade. Fig.2 : num dado instante, o campo de velocidade (esq.) e as linhas de corrente (dir.) A trajetória de uma partı́cula de fluido é o caminho que ela percorre conforme o tempo passa. Para materializar as trajetórias do fluido, podemos introduzir partı́culas de corante em diferentes pontos do fluido e depois tirar uma fotografia com tempo de exposição longo. Em geral o comportamento do fluido num dado instante não é similar ao que acontece em vários instantes, linhas de corrente e trajetórias não precisam coincidir. Porém no escoamento estacionário, devido a ~v (t, x, y, z) = ~v (x, y, z), elas concidem. Escoamentos estacionários são um caso particular de fluxo importante na mecânica dos fluidos e encontrarmo-los de novo neste capı́tulo. Eles sãp também o assunto do capı́tulo IV. Para o escoamento estacionário, ρ(t, x, y, z) = ρ(x, y, z). (2.2) vale assim zero e por consequência (2.3) também: I ~ =0 ρ~v · dS S 4 Aplicamos este resultado ao caso de um volume delimitado por linhas de corrente como na figura 3 (isto se chama tubo de corrente). Fig.3: tubo de linhas de corrente. Decompomos a superfı́cie S do tubo em tampas e corpo. Sobre o corpo do ~ = 0 pois ~v ⊥ dS ~ . Para as tampas A1 e A2 supostas transversais tubo: ρ~v · dS e pequenas o suficiente para que ρ e ~v sejam constantes sobre elas: ρ1 A1 v1 − ρ2 A2 v2 = 0 ρ A v é a massa atravessando uma seção transversal qualquer por unidade tempo. A equação de continuidade para o escoamento estacionário é uma equação de constância para ρ A v, fluxo de massa por unidade de tempo atraves da seção transversal do tubo. Para um fluido compressı́vel, se a área do tubo for mantida constante, a densidade varia com o inverso da velocidade. Este resultado pode ser aplicado ao escoamento estacionário de carros na estrada: em regiões onde a velocidade diminui (por exemplo perto de um radar), a densidade de carros tende a aumentar. 2.3 Fluido incompressı́vel Outro caso interessante é o de um fluido incompressı́vel i.e. cuja densidade não varia no espaço e no movimento: ρ(x, y, z, t) = ρ (cste). (Se tivermos um recipiente com pistão, preenchido de ar, conseguemos comprimir o ar empurando o pistão para dentro. Se tiver água no lugar de gas, não conseguemos comprimi-la.) Assim para um fluido incompressı́vel também I ~ =0 ρ~v · dS S 5 e a equação de continuidade se re-escreve: 0 = A1 v1 − A2 v2 A quantidade A v é o volume de fluido atravessando uma seção transversal qualquer por unidade de tempo e se chama vazão. Ela é expresso em m3 /s. A equação de continuidade neste caso é uma equação de constância da vazão A v. No escoamento de um fluido incompressı́vel, a velocidade aumenta nos estrangulamentos para manter a vazão constante. Uma ilustração bonita deste resultado é a seguinte [1]. Quando uma torneira é aberta pouco a pouco, forma-se um jato de água fino cujo raio diminui com a distância a torneira (e que ao final se rompe em gotas). A forma do jato de água pode ser calculada em função da velocidade v0 e raio r0 na saida da torneira. A uma distância h da torneira, o raio r e a velocidade do água satisfazem: r2 v = r02 v0 . Fig. 4: escoamento estacionário de um fluxo incompressı́vel [1] Por outro lado a velocidade v é a velocidade atingida em queda livre de uma altura h (isto é razoavel mas será demonstrado na proxima secão). A formula de Torricelli fornece v 2 = v02 + 2 g h 6 Combinando as duas equações anteriores, obtemos o raio do jato em funação da distância da torneira: v2 r = r0 2 0 v0 + 2 g h 1/4 O lado direto da figura 4 é uma fotografia mostrando o jato e superposta sobre ele, a solução analitica que calculamos. O acordo é ótimo. 3 3.1 Equação de Euler (equação do movimento de um fluido perfeito): Caso geral Consideremos agora a conservação da quantidade de movimento e vejamos qual é a expressão matemática correspondente em termos das variáveis do fluido. Neste caso, é mais conveniente considerarmos um certo volume V arbitrário do fluido, movimentando-se sob ação de forças ao invés de um volume fixo no espaço como no caso anterior. (Discutemos a ligação com as representações de Euler e Lagrange no final.) Vejamos então qual é a força externa aplicada sobre este para um fluido perfeito. Temos a força exercida pelas partes vizinhas (força superficial) − I p~n dS = − S Z ~ dV . ∇p V O sinal - vem do fato que temos uma força de pressão, i.e. atuando em sentido oposto a ~n. Usamos aquı́ uma formulação do teorema de Gauss mas que involve gradientes (ver por exemplo a §1.11 da ref. [2]). Podemos ter também uma força volumétrica, por exemplo a força gravR itacional V ρ~g dV , e a força total será a soma destes termos Z ~ + ρ~g ) dV . (−∇p V (Para um fluido perfeito, não tem forças ligadas ao deslizamento das camadas fluidas uma sobre outra.) Devido à ação desta força, cada elemento do fluido sofre uma aceleração d~v /dt e a integral sobre V desta aceleração multiplicada pela densidade deve 7 igualar a força calculada acima. Isto é Z V Z d~v ~ + ρ~g ) dV . ρ dV = (−∇p dt V (2.6) Como V é arbitrário, segue ρ d~v ~ + ρ~g . = −∇p dt (2.7) Esta equação é uma equação de movimento para um elemento de fluido de densidade de massa ρ. Em palavras, o elemento de volume é acelerado devido ao (negativo do) gradiente da pressão e à força gravitacional. É preciso compreender bem o significado da derivada d/dt que aparece na equação (2.7). É o objetivo da próxima sub-seção. 3.2 Derivada material Muitas vezes queremos olhar a evolução no tempo de uma quantidade ligada a um pedaço de fluido. Calculamos este tipo de derivada considerando uma grandeza escalar f referente ao elemento do fluido ∆V (f pode ser uma função, uma das componentes de um vetor, de um tensor). Temos f (x, y, z, t) = f (x(t), y(t), z(t), t) já que estamos seguindo a trajetória de um pedaço de fluido. df = ( ∂f + ∂t ∂f = ( ∂t + ∂f dx ∂x dt ∂f v ∂x x dy dz + ∂f + ∂f )dt ∂y dt ∂z dt ∂f ∂f + ∂y vy + ∂z vz )dt. onde usamos dx/dt = vx , etc. Portanto, df ∂f ∂f ∂f ∂f ∂f ~ = vx + vy + vz + ≡ + (~v · ∇)f , dt ∂x ∂y ∂z ∂t ∂t isto é d ∂ ~ . = + (~v · ∇) (2.8) dt ∂t A derivada material tem outros nomes, derivada convectiva, substancial, Lagrangiana,... De fato ela conecta a raxa de mudança de f seguindo a partı́cula a esquerda (descrição de Lagrange) com o que é medido em pontos fixos (descrição de Euler) a direita. Em palavras, para o pedaço de fluido, f 8 varia com o tempo porque num ponto fixo do espaço x, y, z ela pode mudar com o tempo e também porque o pedaço de fluido será transportado para x + vx dt, y + vy dt, z + vz dt num tempo dt, o ponto onde ele chega depende de dt. Como exemplo, supomos um fluido onde a velocidade é dada por ~v = (ax, −ay) com a constante. Na descrição de Lagrange, x, y dependem de t. Podemos integrar dx/dt = ax e dy/dt = −ay para obter x = x0 eat e y = y0 e−at . Podemos também derivar e obter d~v /dt = a2 (x, y) = a2~r. Isto é o lado esquerdo da eq. (2.8). Na descrição de Euler, x, y são fixos, não v ~ v = (ax∂/∂x − = 0 mas podemos calcular (~v · ∇)~ dependem de t então ∂~ ∂t 2 ay∂/∂y)(ax, −ay) = a ~r. Isto é o lado direito da eq. (2.8). Calculando coretamente a aceleração, as duas descrições dão o mesmo resultado. Voltando á equação de Euler, substituindo d/dt da eq. (2.8) na equação do movimento, podemos reescrever ~ ∂~v d~v ~ v = − ∇p + ~g , = + (~v · ∇)~ dt ∂t ρ (Equação de Euler – 1755) (2.9) que é uma outra equação fundamental da Mecânica dos Fluidos (para fluidos perfeitos). Podemos também se quisermos, re-escrever a equação de continuidade na forma dρ ~ · ~v . = −ρ∇ dt 3.3 Escoamento estaciónario incompressı́vel. Equação de Bernouilli Consideramos agora o caso particular do escoamento estaciónario de um flu~ ido perfeito incompressı́vel num campo gravitacional ~g = −g ŷ = −∇(gy). Neste caso, d~v ~ v = (∇ ~ × ~v ) × ~v + 1 ∇(v ~ 2 ). = (~v · ∇)~ dt 2 (Nesta última igualidade usamos uma identidade da analise vetorial muito usada em mecânica dos fluidos.) Assim v ~ 1 v2) ~v d~ = = ~v ∇( dt 2 ~ ∇p ~ = ~v (− ρ − ∇gy) 9 o que pode ser re-escrito: ~ 1 v 2 + p + gy) = 0 ~v · ∇( 2 ρ ~ = 0 para escoamento estaciónario, De modo geral, quando temos ~v · ∇f ~ podemos escolher um vetor dl tangente a trajetória-linha de corrente num ~ em ponto, ele é paralelo a ~v neste ponto. Podemos também decompor ∇f ~ = v∂f /∂l que implica ∂f /∂l = 0 ∂f /∂lˆl mais termos ortogonais. Assim ~v ·∇f i.e. f não muda ao longo da linha de corrente. Chamamos filete um tubo de corrente de seção transversal tão pequena que as grandezas p, ρ, v sejam constantes sobre ela. Assim num escoamento estacionário, podemos dizer: ao longo de um filete, 1 2 p v + + gy = constante 2 ρ ou 1 ρ∆v 2 + ∆p + ρ g ∆y = 0 2 A constante varia de linha de corrente para linha de corrente em geral. Esta equação é a equação de Bernouilli. Ela foi obtida a partir da equação de Euler no caso de um fluido (perfeito) incompressı́vel com escoamento estaciónario. Ela pode ser obtida também como uma equação de conservação de energia: a variação de energia cinética (por unidade de volume) 12 ρ∆v 2 é igual ao trabalho feito sobre o sistema(por unidade de volume), pela força gravitacional −ρ g ∆y e pelas forças aplicadas sobre um elemento de fluido pelo fluido vizinho −∆p. (Cf. §2.4 de [3].) O fato de poder resolver um problema considerando a equação de movimento-Euler ou usando a conservação da energia é similar a o que encontramos na mecânica usual por exemplo lançando um projétil. A equação de Bernouilli será generalizada no capı́tulo IV. Ela também tem muitas aplicações que veremos em detalhe mais tarde. Por enquanto notamos os casos particulares seguintes: (i) Fluido em repouso: p2 = p1 + ρ g (y1 − y2 ) Isto é a lei de Stevin: a pressão no interior de um fluido aumenta linearmente com a profundidade para um fluido incompressı́vel num campo 10 gravitacional”pf undo = p + ρgh”. (ii) Fluido com y = cste: 1 1 p2 + ρv22 = p1 + ρv12 2 2 Isto é a fórmula do efeito Venturi. Para um tubo de corrente, num estrangulamento a velocidade aumenta (porque a vazão é constante) e a pressão diminui. Isto ocorre devido à aceleração do fluido no estrangulamento. (iii) Fluido submetido a pressão constante p1 = p2 v 2 = v02 + 2 g h onde v é a velocivade em um ponto á distância h abaixo de um ponto com velocidade v0 , é o mesmo resultado que se obtem resolvando a equação ÿ = −g para o movimento de queda livre. Isto é a fórmula de Torricelli. (iv) Tubo de Pitot, medidor de Venturi, etc. 3.4 Escoamento isentrópico de um fluido perfeito Em muitos problemas, a condição de adiabaticidade pode ser escrita simplesmente s =const (s não depende da posição e tempo, da mesma maneira que ρ é constante num fluido incompressı́vel). Dizemos que o movimento é isentrópico. Nesse caso, a equação de Euler pode ser reescrita em termos de entalpia. Lembremos que 1 w(s, p) = + pV , (V = ) ρ 1 dw = d + p dV + V dp = (T ds − p dV ) + p dV + V dp = T ds + dp . ρ Como s =const., temos dw = 1 dp . ρ Portanto a equação de Euler se re-escreve, ∂~v ~ v = −∇w ~ − ∇φ ~ g , + (~v · ∇)~ ∂t ~ g , φg =potencial gravitacional. onde usamos ~g = −∇φ 11 (2.13) Às vezes reescrevemos também o primeiro membro. Usando ~ v = (∇ ~ × ~v ) × ~v + 1 ∇~ ~ v2 , (~v · ∇)~ 2 em (2.13) ∂~v ~ × ~v ) × ~v + 1 ∇~ ~ v 2 = −∇(w ~ + (∇ + φg ) . (2.14) ∂t 2 ~ a ambos os membros (usando ∇ ~ × ∇f ~ = 0): Ou ainda, aplicando ∇× ∂ ~ ~ × [~v × (∇ ~ × ~v )] . (∇ × ~v ) = ∇ ∂t (2.15) Esta forma da equação de Euler só envolve a velocidade. 4 Equação de Continuidade para a entropia de um fluido perfeito Vamos ver agora como se obtém a última equação da hidrodinâmica. Conforme discutido no inı́cio, esperamos que a lei da conservação da energia nos forneça uma equação. Na prática para fluido perfeito, é mais prático considerar a conservação de entropia. (Voltamos sobre isto no Cap.IV.) Consideramos um fluido perfeito i.e. desprovido de viscosidade (e sem condução térmica no seu interior). Nesse caso, não tem troca de calor, o movimento é adiabático (δQ = 0) e cada elemento do fluido executa o seu movimento sem mudar a sua entropia (δQ = T ds = 0), assim: ds =0 , dt onde s = s(x, y, z, t) é a entropia especı́fica. Usando (2.8), podemos reescrever ∂s ~ =0 , + ~v · ∇s (2.10) ∂t que expressa a adiabaticidade do movimento. Levando em conta a equação de continuidade para a massa, eq. (2.5), podemos reescrever esta equação ainda sob forma de equação de continuidade (para a entropia). Introduzindo a densidade de entropia (entropia por unidade de volume) ρs, vem ∂(ρs) ∂s ∂ρ ~ − s∇(ρ~ ~ v ) = −∇(ρs~ ~ =ρ +s = −ρ~v · ∇s v) , ∂t ∂t ∂t 12 ou seja ∂(ρs) ~ + ∇ · (ρs~v ) = 0 , (2.11) ∂t onde ρs~v é a densidade de corrente de entropia. Esta equação é uma equação de continuidade para a densidade de entropia ρ s, da mesma maneira que obtivemos uma equação de continuidade para a densidade de massa ρ. As vezes ela é chamada equação de adiabaticidade. A tabela seguinte resuma nossos resultados. conservação da dens. de massa equação do movimento conservação da dens. de entr. 5 equação geral ∂ρ ~ v) = 0 + ∇(ρ~ ∂t fluido qualquer (cont.p/massa) ~ ∂~v ~ v = − ∇p + (~v · ∇)~ + ~g ∂t ρ fluido perfeito (Euler) ∂(ρs) ~ + ∇(ρs~ v) = 0 ∂t fluido perfeito (cont. p/entr.) caso particular caso particular ρ1 A1 v1 = ρ2 A2 v2 escoamento estacion. A1 v1 = A2 v2 + incompress. ~ v) ~ × (~v × (∇ ~ × ~v ) + p + ρ g y = cste/f ilete ∂(∇×~ =∇ ∂t perfeito + esc. estacion. perfeito + incompress. (Bernouilli) +isentrôpico 1 ρv 2 2 Condições Iniciais e de Contorno: Temos 5 grandezas (~v e duas grandezas termodinâmicas) e 5 equações. Estamos, portanto, em condições de determinar os movimentos de um fluido. Entretanto, na resolução de equações diferenciais aparecem certas funções arbitrárias, que devem ser fixadas usando as condições iniciais e as de contorno. (i) Como condições iniciais, devemos ter, para t = 0, ~v0 ≡ ~v (x, y, z, t = 0) p0 ≡ p(x, y, z, t = 0) ρ0 ≡ ρ(x, y, z, t = 0) ou duas outras grandezas termodinâmicas no lugar de p0 e ρ0 . (ii) Condições de contorno: a) Paredes: Se uma parede de separação está em repouso, devemos ter ~v ·~n = 0 13 na sua superfı́cie, pois, caso contrário, haveria uma penetração do fluido dentro da parede ou formação de vácuo junto à parede. Assim ~v tem que ser tangencial à superfı́cie. 4: condição de contorno com parede fixa: ~v tangencial Se a parede do recipiente está em movimento, devemos ter ~v ·~n = ~vparede ·~n, isto é a velocidade normal do fluido é igual à velocidade normal da parede. b) Superfı́cie de separação entre dois fluidos não missı́veis: Devemos ter ( p1 = p2 , ~v1 · ~n = ~v2 · ~n. Fig. 5: interface entre fluidos não missiveis. 14 Dicas de revisão • Equação de continuidade para fluido incompressı́vel §2.2 ref. [3] • Equação de Euler §2.3 ref. [3] [5] • Equação de Bernouilli §2.4 ref. [3] [5] • Equação de Torricelli §2.5 ref. [3]. 15 EXERCÍCIOS 1. A secção transversal da aorta de uma pessoa normal em repouso é 3 cm2 e a velocidade do sangue 30 cm/s. Um capilar tı́pico tem diametro de ∼ 6 µm e velocidade sanguinea de 0,05 cm/s. Quantos capilares esta pessoa tem? (fácil) 2. Dois riachos se juntam para formar um rio. Um dos riachos tem largura de 8,2 m, profundidade de 3,4 m e correnteza de velocidade 2,3 m/s. O outro riacho tem largura de 6,8 m, profundidade de 3,2 m e correnteza de velocidade 2,6 m/s. A largura do rio é 10,5 m e a velocidade da correnteza é 2,9 m/s. Qual é sua profundidade? (fácil) 3. Uma piscina grande, de profundidade L está cheia d’água. Através de um orifı́cio circular, localizado na parede perto do fundo, ela está sendo esvaziada lentamente. a) Explicar porquê todos os filetes tem o mesmo valor da constante na fórmula de Bernouilli (§2.2). b) Qual é a velocidade no jato d’água perto do orifı́cio (na ”vena contracta” ou parte cilindrica do jato após o o afunilamento inicial)? c) Supor que o orifı́cio está localizado a a < L da superfı́cie da água. Mostrar que as equações do movimento no jato são dvx /dt = 0 e dvy /dt = −g e integra-las. A que distância máxima D da parede o jato de água saindo pelo orifı́cio irá atingir o chão? d) qual deve ser o valor de a para que o valor de D seja o maior possı́vel e qual é este valor de D? (médio) (Cálcul aproximativo do valor da contração: cf. M.Catani “Elementos de Mecânica dos fluidos” Ed.Blücher 1990, §1.7B.1. Ver também T.E.Faber “Fluid dynamics for physicists”, Cambridge U.Press 1995,§2.12.) 16 4. Um reservatório contem água até 0,5m de altura e sobre a água, óleo de densidade 0,6 g/cm−3 , também com 0,5m de altura. Abre-se um pequeno orifı́cio na base do reservatório. Qual é velocidade de escapamento da água? Comparar com o caso onde só tiver água e explicar. (3,96m/s). (médio) 5. Para calcular a equação das linhas de corrente, escolhemos um vetor posição ~l numa certa posição da curva e chamamos de s um parametro ao longo da curva (por exemplo s pode ser um comprimento, um arco, etc). a) Mostrar que a equação das linhas de corrente é obtida resolvendo d~l/ds = ~v (~l, t) para t fixo. b) Calcular trajetórias e linhas de corrente num fluido de velocidade ~v = (ay, −ax, b(t)). O que acontece se b for constante? (médio) 6. Repetir q a 5b) para ~v = (xt, −y, 0). (y = y0 exp(− ln x2 /x20 ), xy t = cste.) (médio) 7. Com computador: um fluido tem movimento unidimensional com vx = −x. Considerar um elemento de fluido em x0 = 1m em t0 = 0s. a) Calcular analiticamente a trajetória deste elemento de fluido. b) Calcular numericamente a trajetória deste elemento de fluido e comparar com o a). (médio) 8. No caso de um fluido composto de partı́culas com carga elétrica, derivar a equação de continuidade adicional. (médio) 9. Consideremos um fluido com velocidade de escoamento ~v = (ax, −ay, 0) e supomos o tempo inicial t0 = 0. a) Calcular a trajetória e aceleração de um elemento de fluido na descrição Lagrangiana. b) Calcular a aceleração de um elemento de fluido na descrição Euleriana. ((x0 eat , y0 e−at , z0 ),(a2 x0 eat , −a2 y0 e−at , 0) = (a2 x, −a2 y, 0);(a2 x, −a2 y, 0).) 17 10. Escrever as 5 equações obedecidas por um fluido perfeito em uma dimensão a) na descrição Euleriana. b) na descrição Lagrangiana (cf. [2] §2). References [1] Y.Hama “Mecanica dos Fluidos”, notas de aula. [2] L.D.Landau & E.M.Lifshitz “Fluid Mechanics”, Pergamon Press, 2nd ed. [3] H.M.Nussenzveig “Fı́sica básica” vol.2, Ed.Blücher, 3a ed. [4] V.Grubelnik & M.Marhl Am.J.Phys. 73 (2005) 415. [5] R.P. Feynman “Fı́sica básica” vol.2, cap. 40, ed. Addison Wesley. 18