“UMA PARTE PONDERA A OUTRA DELIRA”: SUJEITO, DIREITO E PÓS-MODERNIDADE Alessandra Santiago; Rafael Arrieira; Rosilaine Klumb (Curso de Direito da Faculdade Anhanguera de Pelotas) Traduzir-se [...] Uma parte de mim/é multidão:/outra parte estranheza/e solidão. Uma parte de mim/pesa, pondera:/outra parte/delira. Uma parte de mim/almoça e janta:/outra parte/se espanta. Uma parte de mim/é permanente:/outra parte/se sabe de repente. Ferreira Gullar (2006, p. 335). Apresentação Com o advento da pós-modernidade, percebeu-se que a sociedade contemporânea não acredita mais em verdades absolutas, relativiza tudo, procurando negar a visão dogmática da modernidade. Assume, assim, diferentes identidades para cada momento que vivencia: não existe uma verdade absoluta que rege a realidade, mas indivíduos, culturas, teorias. Sendo assim, pergunta-se: qual o papel do direito neste contexo? Metodologia Para o desenvolvimento do trabalho, foi realizada pesquisa bibliográfica que utilizou autores de diversas áreas do conhecimento: direito, filosofia, sociologia, entre outras. Resultados preliminares O poema “Traduzir-se” demonstra o local em que se encontra o jurista contemporâneo: uma encruzilhada de caminhos. Luís Roberto Barroso (2006, p. 04) ressalta: "entre luz e sombra, descortina-se a pós-modernidade; o rótulo genérico que abriga a mistura de estilos, a descrença no poder absoluto da razão, o desprestígio do Estado; […] uma época pós-tudo: pós-Marxista, pós-Kenseniana, pós-Freudiana". Nas palavras de Cláudia Marques (2002, p. 155): Para alguns o pós-modernismo é uma crise de deconstrução, de fragmentação, de indeterminação à procura de uma nova racionalidade, de desregulamentação e de deslegitimação de nossas instituições, de desdogmatização do direito; para outros, é um fenômeno de pluralismo e relativismo cultural arrebatador a influenciar o direito. Depreende-se dessa fala o direito pós-moderno constitui-se em um sistema aberto, abrangendo elementos fáticos e axiológicos. Ele possui (ou deve possuir) uma dinâmica que impõe ao legislador a elaboração de regras abertas e flexíveis, adaptáveis às transformações sociais. Esse momento histórico que presenciamos possui diversas características. De acordo com Wilmar Luiz Barth (2007), as ideologias presentes na vida do homem pós-moderno são: materialismo, hedonismo, permissivismo, relativismo, consumismo e niilismo. Boaventura de Sousa Santos (2006), por sua vez, considera a ciência pós-moderna como um Paradigma Emergente e aponta quatro características: 1. Todo o conhecimento científico-natural é científico-social. 2. Todo conhecimento é local e total. 3. Todo conhecimento é autoconhecimento. 4. Todo o conhecimento científico visa constituir-se em senso comum. Cláudia Marques (2002, p. 155) entende ser este um momento de desafio para os juristas, que devem admitir outras realidades, mais voltadas para a coletividade do que ao individualismo: Os chamados tempos pós-modernos são um desafio para o direito. Tempos de ceticismo quanto à capacidade da ciência do direito dar respostas adequadas e gerais para aos problemas que perturbam a sociedade atual e modificam-se com uma velocidade assustadora. Tempos de valorização dos serviços, do lazer, do abstrato e do transitório, que acabam por decretar a insuficiência do modelo contratual tradicional do direito civil, que acabam por forçar a evolução dos conceitos do direito, a propor uma nova jurisprudência dos valores, uma nova visão dos princípios do direito civil, agora muito mais influenciada pelo direito público e pelo respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos. Diante disso, Eduardo Bittar (2008, p. 05) pergunta: clonar pessoas ou proibir cientistas de realizar experiências genéticas com seres humanos?; autorizar casamentos entre homossexuais ou proibir a constituição destas sociedades maritais?; diminuir a idade penal e reconhecer a incapacidade da sociedade de atrair novas gerações à consciência social ou deixar relativamente impunes atrocidades cometidas por menores? O quadro jurídico da pós-modernidade, assim, procura ressaltar a importância do resgate de valores desconsiderados pela modernidade, tal como a justiça social. A grande questão encontra-se no descompasso entre o direito (formal e, muitas vezes, irreal) e a sociedade (real). O desafio, então, é o de encontrar uma forma de reconstruir suas conceitualizações, suas práticas e seus valores. Conclusão A interpretação do direito exige que o jurista trabalhe com questões valorativas. Cada vez mais a pós-modernidade põe em pauta valores fluidos: culturais, econômicos, biológicos etc. O direito, como artefato cultural, deve reconhecer tais exigências. O questionamento que essa transição de paradigmas suscita – com toda a sua carga de ceticismo e pessimismo – pode se tornar uma nova maneira de traduzir o direito, para que ele, enfim, cumpra a sua finalidade de garantir a paz e a justiça sociais. Freire (2004, p. 30) tem razão: “O mundo não é. O mundo está sendo...”