ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA Manual Prático

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ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA
TRANSCRANIANA
Manual Prático
Joaquim P. Brasil-Neto
2017
Conteúdo
Introdução
4
Estimulação magnética transcraniana (EMT) : uma nova modalidade
terapêutica? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Breve Histórico da EMT
4
5
Surgimento da EMTr como terapia para a depressão fármaco-resistente 10
Por que utilizar a EMTr no tratamento da depressão
Evidências de hipo ou hiperexcitabilidade cortical na depressão . . . .
14
14
EMTr baseada em evidências: grandes estudos multicêntricos controlados 15
Como utilizar a EMTr no tratamento da depressão
17
Identificando os pacientes com depressão fármaco-resistente . . . . . .
17
Entendendo o estimulador magnético . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
18
1
Estimuladores magnéticos comercialmente disponíveis . . . . . . . . .
20
Requisitos mínimos da sala de EMTr . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
21
O atendimento ao paciente
24
Seleção para a EMTr . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
24
Questionário preliminar à Estimulação Magnética Transcraniana . . .
24
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
26
Instrumentos de avaliação do TDM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
26
Concordância do paciente: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O procedimento
26
27
Localização do ponto motor (hot spot) para o APB direito
. . . . . .
28
Determinação do limiar motor (LM) . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
29
Determinação de F3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
30
Fixação da bobina sobre o CPFDL esquerdo . . . . . . . . . . . . . . .
31
Administração do protocolo de tratamento . . . . . . . . . . . . . . . .
31
EMTr de alta frequência sobre o CPFDL esquerdo . . . . . . . .
31
EMTr de baixa frequência sobre o CPFDL direito . . . . . . . . .
32
Possíveis efeitos colaterais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
32
Avaliando os resultados da EMTr . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
33
Documentação do efeito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
33
Planejamento pós-tratamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
34
Uso de EMTr combinada com medicamentos
. . . . . . . . . . .
34
Pacientes que não respondem à EMTr . . . . . . . . . . . . . . .
34
Outras aplicações com aprovação do Conselho Federal de Medicina 37
Alucinações auditivas da esquizofrenia . . . . . . . . . . . . . . . . . .
37
Parâmetros sugeridos pela literatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
38
2
Planejamento de neurocirurgia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
38
Mapeamento motor pré-operatório . . . . . . . . . . . . . . . . .
38
Mapeamento pré-operatório da linguagem . . . . . . . . . . . . .
38
EMTr experimental em outras patologias
Epilepsia
40
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
41
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
41
Parâmetros sugeridos pela literatura . . . . . . . . . . . . . . . .
41
Reabilitação pós-acidente vascular cerebral (AVC) . . . . . . . . . . .
41
Parâmetros sugeridos pela literatura . . . . . . . . . . . . . . . .
42
Doença de Parkinson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
43
Parâmetros sugeridos pela literatura . . . . . . . . . . . . . . . .
44
Distonias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
44
Parâmetros sugeridos pela literatura . . . . . . . . . . . . . . . .
45
Dor crônica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
45
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
45
Parâmetros sugeridos pela literatura . . . . . . . . . . . . . . . .
45
Acúfenos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
46
Parâmetros sugeridos pela literatura . . . . . . . . . . . . . . . .
46
Transtorno do Pânico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
47
Parâmetros sugeridos pela literatura . . . . . . . . . . . . . . . .
47
Conclusão
50
Sobre o Autor
51
3
Introdução
Estimulação magnética transcraniana (EMT) : uma nova
modalidade terapêutica?
A estimulação magnética transcraniana repetitiva (EMTr) é atualmente utilizada
principalmente como um tratamento não farmacológico da depressão. Tem as
desvantagens de ser laboriosa e de requerer múltiplas visitas do paciente à clínica,
mas por não ser um tratamento com efeito sistêmico pode ser utilizada, por exemplo, em gestantes, para as quais as drogas antidepressivas são contraindicadas.
A sua principal indicação, entretanto, reside nos casos de depressão refratária à
terapia medicamentosa.
Recentemente, um painel europeu de especialistas revisou os usos clínicos da
EMTr, concluindo que a estimulação de alta frequência do córtex pré-frontal
dorso-lateral esquerdo apresenta nível de evidência "A"(eficácia comprovada)
para o tratamento da depressão (Lefaucheur et al. 2014).
Dentre os fatores que impedem a maior difusão desta nova modalidade terapêutica podemos destacar: a confusão com vários produtos "magnéticos"há
muito associados a panaceias sem comprovação científica ; a crença de que seria
uma nova forma de eletroconvulsoterapia (popularmente conhecida como "eletrochoque"); e o simples desconhecimento desse tratamento, por ser relativamente
novo (o primeiro estimulador magnético foi construído em 1985).
Entretanto,o grande obstáculo a uma maior difusão desse tipo revolucionário de
tratamento reside na dificuldade encontrada, tanto pelos pacientes quanto pelos
profissionais da saúde, para encontrar informação correta e confiável, em língua
portuguesa, reunida em um só local. Existe algum material em língua portuguesa,
de boa qualidade, mas com cunho acadêmico e muitas vezes enfatizando o uso
4
da técnica em pesquisa e não na clínica.
O objetivo do presente manual é fornecer ao profissional de saúde uma coletânea
de informações atualizadas e baseadas em evidências científicas, informações
essas indispensáveis a quem pretenda fazer uso clínico de EMTr. Aqui estão
disponibilizadas referências e links para documentos abrangendo aspectos médicos, técnicos, éticos e legais do uso clínico da EMTr nos pacientes com depressão.
A EMTr já foi aprovada para uso clínico na depressão pelo Conselho Federal de
Medicina,que condicionou a aplicação terapêutica da técnica à existência, no
ambiente de atendimento, de alguns requisitos mínimos de segurança do paciente.
Também já existem consensos internacionais a respeito dos protocolos desejáveis
de tratamento e das características físicas essenciais dos serviços de EMTr, bem
como dos seus fluxos de trabalho. Todas essas recomendações serão abordadas
aqui, com indicação de vasto material para consulta.
Bibliografia:
Lefaucheur, J. P., N. Andre-Obadia, A. Antal, S. S. Ayache, C. Baeken, D.
H. Benninger, R. M. Cantello, et al. 2014. “Evidence-based guidelines on the
therapeutic use of repetitive transcranial magnetic stimulation (rTMS).” Clin
Neurophysiol 125 (Nov): 2150–2206.
Breve Histórico da EMT
O uso medicinal da eletricidade tem uma longa história. Já no século I da era
cristã Scribonius Largus, (1-50 DC) introduziu a terapia com peixes elétricos
(torpedos) para o alívio da gota e da cefaleia. Galeno (130-c.201) também
descreveu as propriedades paralisantes e analgésicas do peixe torpedo. Os textos
médicos árabes de Avicena também indicavam a terapia com peixes elétricos
5
para a cura de dores de cabeça, melancolia e para interromper crises convulsivas
(Tsoucalas et al. 2014).
Na Idade Média, os poderes do peixe torpedo foram considerados mágicos e
sobrenaturais. Somente após muitas especulações sobre como um peixe poderia
paralisar as suas vítimas de maneira tão rápida foi que Henry Cavendish (17311810) observou que a "ferroada"do torpedo era semelhante ao choque produzido
por uma jarra de Leyden (tipo primitivo de capacitor elétrico) e construiu
um modelo experimental de peixe elétrico composto por uma série de jarras de
Leyden abrigadas numa capa de couro do tamanho e formato do peixe (Tsoucalas
et al. 2014).
Tecido animal excitável havia sido estimulado eletricamente por volta de 1780
por Luigi Galvani (1737-1798) na Universidade de Bolonha: utilizando uma jarra
de Leyden ele demonstrou que a sua descarga era capaz de induzir movimento
de uma perna de rã, estimulando tanto o nervo quanto o músculo.
Figura 1: Ilustração de um dos experimentos de Galvani
Ao longo dos séculos XVIII e XIX seguiram-se muitos experimentos comprovando
a susceptibilidade do tecido nervoso à estimulação elétrica, e em 1831 Michael
Faraday descobriu a indução eletromagnética.
6
O primeiro relato de estimulação elétrica cortical em seres humanos foi o de
Bartholow, em 1874. O experimento, que até hoje levanta questões éticas, foi
realizado em Mary Rafferty, uma paciente com exposição do córtex cerebral
secundária a uma erosão cancerosa do crânio (Harris and Almerigi 2009).
A estimulação elétrica do tecido neural também pode ser obtida por indução
eletromagnética, como foi demonstrado por d’Arsonval, físico e médico, em
1896. Ele passou correntes elétricas de alta intensidade por bobinas ao redor da
cabeça de voluntários e verificou que eram produzidos fosfenos, vertigem e, em
alguns casos, síncope. Hoje sabemos que os fosfenos se davam por estimulação
eletromagnética da retina (Geddes 2008). O fenômeno dos magnetofosfenos
tornou-se muito popular quando a corrente alternada estava sendo desenvolvida
para fins comerciais e também foi estudado por outros autores, como Beer,
Sylvanus Thompson, Dunlap, Walsh e Magnusson e Stevens, na primeira década
do século XX.
Após três décadas de esquecimento, os magnetofosfenos voltaram a ser estudados
por Barlow, que comprovou a sua origem retiniana. Em 1965 Reginald Bickford,
um eletroencefalografista, descreveu a estimulação de nervos periféricos humanos
por um campo magnético pulsado (Bickford and Fremming 1965).
A primeira descrição de estimulação magnética do cérebro humano foi publicada
em 1985 (Barker, Jalinous, and Freeston 1985). Nos anos seguintes, a possibilidade de estimular o córtex motor humano de maneira não-invasiva e indolor foi
explorada clinicamente, para estudo do tempo de condução motora central, com
a técnica de potenciais evocados motores (Mayr et al. 1991) e também como
uma ferramenta experimental de estudo da fisiologia e plasticidade do sistema
nervoso (Topka et al. 1991);(Cohen, Roth, et al. 1991);(Cohen, Bandinelli, et al.
7
Figura 2: Sylvanus Thompson tentando estimular magneticamente o próprio
cérebro
Figura 3: O primeiro estimulador magnético transcraniano
1991).
8
Já em 1994, entretanto, ficara claro que estímulos magnéticos repetidos, aplicados sobre o córtex motor humano, eram capazes de produzir alterações da
excitabilidade cortical que perduravam após o término da sessão de estimulação
(Pascual-Leone et al. 1994). Este achado foi interessante pois era reminiscente
dos resultados obtidos por estimulação elétrica do hipocampo e do cerebelo de
animais e que resultaram na descrição dos fenômenos de potenciação a longo
prazo (LTP) e depressão a longo prazo (LTD) (Bliss and Lømo 1973), (Malenka
1991). Uma das hipóteses para o mecanismo de ação da EMTr sobre o córtex
motor humano é a indução de fenômenos semelhantes à LTP e LTD. Entretanto,
ações sobre ritmos corticais subjacentes, alterações da liberação de neurotransmissores e ações em circuitos distantes, subcorticais, também têm sido postuladas
(Lefaucheur et al. 2014).
Somente em 1996 Pascual-Leone publicou um artigo clássico, mostrando que a
EMT de pulsos repetidos (EMTr) era capaz de produzir melhora em quadros
graves de depressão resistente à terapia farmacológica (Pascual-Leone et al.
1996). Desde então, e a partir do estudo das mudanças da excitabilidade cortical
que podem ser induzidas pela EMTr (Pascual-Leone et al. 1998), essa forma de
estimulação, aplicada em sessões repetidas, passou a ser utilizada em diversos
transtornos neuropsiquiátricos, sempre com o intuito de excitar ou inibir de
forma duradoura certas regiões do encéfalo que se supõe estejam implicadas
na fisiopatologia desses distúrbios(Lefaucheur et al. 2001);(Gomes et al. 2012);
(Chung and Mak 2016); (Iannone et al. 2016).
A vasta bibliografia já acumulada levou à aprovação da EMTr para o tratamento
da depressão resistente à medicação, tanto pela Food and Drug Administration
(Estados Unidos da América) quanto pelo Conselho Federal de Medicina em
nosso país (vide links).
9
Surgimento da EMTr como terapia para a depressão
fármaco-resistente
Após o trabalho pioneiro de Pascual-Leone e colaboradores (Pascual-Leone et al.
1996), vários outros pesquisadores confirmaram a eficácia da estimulação de alta
frequência sobre o córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL) esquerdo (Fregni et
al. 2004);(Rosa et al. 2006); (Janicak and Dokucu 2015), bem como da EMTr
de baixa frequência sobre o CPFDL direito (Boechat-Barros and Brasil-Neto
2004);(Dell’Osso et al. 2015);(Brunoni et al. 2016).
A EMTr como terapia para a depressão fármaco-resistente foi aprovada pela
FDA (FDA 2011), bem como pelo CFM (CFM 2011).
Bibliografia
Barker, A. T., R. Jalinous, and I. L. Freeston. 1985. “Non-invasive magnetic
stimulation of human motor cortex.” Lancet 1 (May): 1106–1107.
Bickford, Reginald G., and B. D. Fremming. 1965. “Neuronal stimulation by
pulsed magnetic fields in animals and man.” In Digest of the 6th Internat. Conf.
Medical Electronics and Biological Engineering, 112.
Bliss, Tim VP, and Terje Lømo. 1973. “Long-lasting potentiation of synaptic
transmission in the dentate area of the anaesthetized rabbit following stimulation
of the perforant path.” The Journal of physiology 232: 331–356.
Boechat-Barros, R., and J. P. Brasil-Neto. 2004. “[Transcranial Magnetic
Stimulation in depression: results of bi-weekly treatment].” Rev Bras Psiquiatr
26 (Jun): 100–102.
Brunoni, A. R., A. Chaimani, A. H. Moffa, L. B. Razza, W. F. Gattaz, Z.
J. Daskalakis, and A. F. Carvalho. 2016. “Repetitive Transcranial Magnetic
10
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