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Welcome to the United States:
carnavalização e paródia na obra de
Frank Zappa1
Vanderlei José Zacchi
Recebido em 14/06/2011 – Aprovado em 27/08/2011
Resumo
Frank Zappa, músico norte-americano do século
20, tornou-se conhecido pela sátira contundente
às instituições oficiais e aos setores conservadores da sociedade, principalmente de seu país. No
aspecto musical, Zappa foi um grande inovador,
mesclando música popular, clássica e jazz sobre
um fundo composto de elementos da cultura popular norte-americana do século 20. Suas paródias
e sátiras revitalizam essas formas por meio da
cultura de massa, que consequentemente também
se renova. Pode-se dizer que sua obra se inscreve
no âmbito da carnavalização, conforme proposta
por Mikhail Bakhtin, que seria uma forma de
subverter o discurso oficial por meio de elementos cômicos e populares. Muitos desses aspectos
podem ser encontrados na peça “Welcome to the
United States”, uma musicalização do formulário
de entrada utilizado nas alfândegas dos Estados
Unidos. À seriedade e rigidez do formulário-letra,
é sobreposta uma música cheia de ruídos e sons
estranhos, que provoca uma desautorização do
discurso oficial.
Palavras-chave: música contemporânea; carnavalização; paródia; grotesco.
Uma versão anterior
deste trabalho foi apresentada no II Congresso
Internacional da Abrapui, realizado em São
José do Rio Preto de 31
de maio a 4 de junho de
2009.
1
Gragoatá
Niterói, n. 31, p. 243-257, 2. sem. 2011
Gragoatá
Vanderlei José Zacchi
Introdução
Mesmo tendo atuado
predominantemente no
mundo do rock, Zappa
utilizou e mesclou vários estilos, mas nunca
se especializou em nen hu m deles: “Zappa
was neither jazzman,
art-rocker, blues purist,
ava nt-ga rde sk ron kmeister, fusion boy, or
metal maven, though
he enjoyed and was enjoyed by players from
all those schools”. (ROTONDI, 1995, p. 72)
2
244
Dois aspectos se destacam na literatura acerca da obra de
Frank Zappa: sua eclética formação musical e o humor corrosivo
típico não apenas de sua música, mas também de suas atitudes
e declarações. São características que impõem uma certa dificuldade para se estabelecer uma linha definidora de sua obra
e estilo. Zappa é mais conhecido como guitarrista e músico de
rock, mas fez também incursões no jazz e tem uma extensa obra
como compositor, englobando desde simples canções até peças
complexas para orquestra. Dificilmente se poderia separar um do
outro. Na verdade, a maneira pouco usual como ele mescla todos
essas qualidades é tida como sua característica mais marcante.
Tendo começado sua carreira na década de 1960 na Califórnia,
o músico teve certamente uma boa razão para escolher o rock
como seu principal meio de expressão e não tanto como um fim
em si mesmo (BRITTO, 1988, p. 2). A Califórnia naquela época
estava em plena efervescência; novas bandas de rock e novas
ideias surgiam a todo momento. Mais que um estilo musical, o
rock era um estilo de vida. Seria através dele e da indústria fonográfica que o cercava que Zappa encontraria o meio de expressar
e divulgar sua obra. Isso é importante para situar sua música
orquestral e de vanguarda: o fato de que ela está profundamente
marcada pela indústria cultural e os meios de comunicação de
massa, diferentemente da quase totalidade da música erudita
que o precedeu e o influenciou.
Em 1964, ele entra para uma banda que viria a se chamar
The Mothers of Invention. Embora os músicos originais tenham
permanecido por muitos anos, inúmeros outros passaram por
ela. Com o tempo, ela se tornaria cada vez mais apenas um grupo
de músicos contratados por Zappa para executar seus projetos.
Na época da formação da banda, a Califórnia estava se tornando
o palco de um dos maiores movimentos culturais, estéticos e
comportamentais da era moderna: o movimento hippie e o flower
power, que logo se estenderia por todo o mundo ocidental. Para o
compositor, não passava de um modismo, que não foi poupado
de sua sátira contundente. Mas é a partir do próprio rock e de
toda a sua estrutura (álbuns, turnês, divulgação na mídia) que
ele faz sua crítica.
A sátira e a paródia
Em meio a tudo isso, ele vai inserindo e mesclando outras
formas musicais. São inúmeras as influências.2 Da música popular norte-americana: Johnny “Guitar” Watson, Guitar Slim,
Clarence Brown, B.B. King; do jazz: Miles Davis, Gil Evans, John
McLaughlin; da música erudita: Stravinsky, Webern, Varèse.
Florindo Volpacchio (ZAPPA, 1992, p. 65) acredita que, ao fazer
uso da sátira e da paródia, o compositor norte-americano estaNiterói, n. 31, p. 243-257, 2. sem. 2011
Welcome to the United States: carnavalização e paródia na obra de Frank Zappa
ria mais próximo de Satie que de Varèse ou Stravinsky. Para
Berendt (1975, p. 315), ele “foi o músico que, no setor do rock,
desenvolveu uma linguagem orquestral cuja inventividade,
nível técnico e musical, se coloca à altura dos grandes mestres
da big band jazzística”. O autor não deixa escapar um certo viés
hierárquico: Zappa, apesar de atuar no mundo do rock, comparase aos “grandes mestres” do jazz. Mas é a influência da música
erudita do século 20 que mais chama a atenção na formação
do compositor. Ele escreveu inúmeras peças para orquestra e
manteve um diálogo constante com o ambiente erudito de sua
época. O importante é notar que ele não separava as categorias,
pois tanto inseria música erudita no rock quanto vice-versa. O
arranjador Ali Askin afirma:3
Não conheço nenhum compositor que mescle e alterne entre
todas essas influências e dialetos musicais que ele usa. [...] Eu
poderia compará-lo, nesse aspecto, a alguém como Stravinsky.
Ele também é muito influenciado por compositores europeus,
mas não se importa com o que vem antes ou depois. Ele usa a
progressão de “Louie Louie”4 e vai direto para uma sequência
que poderia ter sido escrita por Ligeti, mas ele não se importa,
contanto que soe bem. (THE YELLOW..., 1995)
A tradução dos textos
em inglês é de minha
responsabilidade.
4
Canção popular norte-americana composta
por Richard Barry em
1955.
3
No encarte do álbum The yellow shark – com gravações
de suas peças pelo grupo europeu de música contemporânea
Ensemble Moderne – lê-se que “pela primeira vez um grupo
de músicos treinados na tradição clássica executa música de
maneira tecnicamente semelhante a um concerto de rock em
larga escala” (THE YELLOW..., 1995). Mais que “fazer citações”
deste ou daquele estilo musical, Zappa transpõe as fronteiras
das formas musicais ao entrelaçá-las indiferenciadamente. Ele
podia ainda compor peças para serem interpretadas pela sua
banda e uma orquestra. Ou fazer uma combinação de instrumentos que não se encaixa na definição de qualquer formação
tradicional. O compositor desafia o papel típico designado a cada
instrumento em contextos musicais específicos e provoca uma
mistura de códigos que escapa a qualquer classificação. Além
disso, ele transpõe para o ambiente erudito toda a estrutura
fornecida pela indústria cultural: exibições para plateias numerosas, execuções radiofônicas, grande tiragem de álbuns, tudo
para um público em sua maioria atraído pelo rock e pouco afeito
à música erudita. Ali Askin considera essa uma das principais
qualidades de Zappa: “Frank tem esse poder de colocar música
moderna, ou nova música, diante dessa plateia tão grande e nas
mentes de todas essas pessoas que nunca ouviram falar disso”
(THE YELLOW..., 1995). Ben Watson, que escreveu uma biografia do compositor norte-americano, afirma que no final de sua
carreira Zappa voltou-se para a música eletrônica, a partir da
qual ele escreveu inúmeras peças de música instrumental de
vanguarda. Para o biógrafo (ANTHROPOLOGY..., 1994), isso
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foi possível somente devido à estrutura logística e financeira
que a indústria do rock proporcionava ao músico, diferentemente do que acontece com a grande maioria dos compositores
eruditos contemporâneos, que encontram sérias dificuldades
para produzir sua obra. Todos esses aspectos apontam para a
ocorrência de uma intertextualidade na música do compositor
norte-americano: “A intertextualidade implica uma ênfase
sobre a heterogeneidade dos textos e um modo de análise que
ressalta os elementos e as linhas diversos e freqüentemente
contraditórios que contribuem para compor um texto” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 137),5 tornando possível a transformação de
textos anteriores e a reestruturação das convenções existentes
para gerar outros. Mas os textos em si não geram nada, a não
ser quando interpretados, o que pressupõe a participação ativa
do público receptor (HUTCHEON, 2000, p. 23). Zappa transpõe
as fronteiras delimitadoras dos gêneros musicais não apenas por
seu ecletismo no momento da produção estética, mas também
por alargar os horizontes de interpretação de seu público. Na
verdade, é antes a paródia, mais que a intertextualidade, que
define adequadamente a música do compositor norte-americano,
conforme se verá abaixo. A paródia implica um (re)conhecimento por parte do receptor que vai além da obra resultante
ao incorporar também a obra parodiada.
Zappa nega que tenha sido “o colapso da tonalidade tonal
e do andamento comum”, proposto por compositores como
Webern e Schoenberg, o mais importante desenvolvimento na
música moderna, mas sim
sua transformação em um negócio... Chegamos a um ponto em
que não é mais possível você simplesmente sentar e compor
porque sabe compor e gosta de fazer isso e no final alguém
irá ouvir sua obra porque gosta de ouvir e talvez alguém vá
tocá-la porque tem vontade. Isto acabou. A etapa em que todo
compositor é obrigado a lidar com a mecânica do mundo do
espetáculo, especialmente como este se caracteriza na sociedade americana, tem necessariamente um impacto importante
naquilo que se compõe. (ZAPPA, 1992, p. 66)
Considerando-se o
texto, neste caso, como
uma manifestação não
e xc lu siva me nt e l i n guística (KRESS; VAN
LEEUWEN, 2006).
5
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O compositor exemplifica com o caso da música minimalista, que segundo ele é consequência direta dos orçamentos
reduzidos para ensaios e da crescente dificuldade de acesso
a grandes orquestras. Zappa coloca grande ênfase na indústria cultural como determinante da produção musical na
atualidade, de modo a não ser mais possível separá-las. Essa
ideia contrapõe-se às visões de Horkheimer e Adorno sobre a
indústria cultural e sua definição de música séria e música leve
como categorias antitéticas. Segundo os autores (ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p. 126-7), a indústria cultural transferiu a arte para a esfera do consumo, despindo a diversão de
“suas ingenuidades inoportunas”. Dessa forma, a “a arte leve”
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Welcome to the United States: carnavalização e paródia na obra de Frank Zappa
tornou-se “a má consciência social da arte séria” e a pior maneira de reconciliar essa antítese seria absorver uma na outra,
como exemplificado na apresentação conjunta do músico de
jazz Benny Goodman e do Quarteto de Budapeste. Para eles,
tudo se resume à subordinação a “uma única fórmula falsa:
a totalidade da indústria cultural. Ela consiste na repetição”.
Segundo Adorno (1991, p. 86), o jazz não foge a essa regra,
pois sua execução, além de servir como entretenimento, visa a
promover a compra de discos e de reduções para piano. Tudo o
que o jazz poderia oferecer de novo, enfim, já estaria presente
na música de compositores como Brahms, Schoenberg e Stravinsky. Adorno acredita que a promoção da “música ligeira” em
detrimento da “música séria” em tempos de indústria cultural
baseia-se na “passividade das massas”, cujo consumo de música
ligeira entra em conflito com suas necessidades objetivas ao
eliminar o indivíduo, agora forçado a moldar-se aos padrões
gerais. Para Zappa, no entanto, a estrutura harmônica das linhas vocais do rhythm and blues norte-americano é tão complexa
quanto a da música clássica (AIR..., 1994). É curioso notar que
os compositores do século 20 que o filósofo alemão mais preza
são justamente aqueles que tiveram grande influência sobre
Zappa, como Webern e Stravinsky.6
A relação entre indústria cultural e produção musical
apresentada pelo compositor norte-americano assemelha-se ao
que propõe Raymond Williams:
Numa economia capitalista moderna, com seu tipo característico de ordem social, as instituições culturais da edição de
livros, revistas e jornais, do cinema, do rádio, da televisão e das
gravadoras de discos não são mais marginais ou sem importância, como nas fases iniciais de mercado, porém, tanto em si
mesmas, como por seu freqüente entrelaçamento e integração
com outras instituições produtivas, são partes da organização
social e econômica global de maneira bastante generalizada e
difundida. (1992, p. 53-54)
Zappa (1992, p. 65),
analisando a música
composta pelo próprio
Adorno, afirma que ela
“soa como se alguém
tivesse tentado compor
como Webern e acabasse
preenchendo todos os
espaços vazios”, o que
seria justamente o aspecto que afastaria sua
obra daquela do compositor austríaco. Zappa
acrescenta ainda que
não encontrou nenhuma ideia na música de
Adorno que “apontasse
para o futuro”.
6
Williams está preocupado em evitar “a idéia básica liberal
de cultura” (p. 34), que pressupõe que a fonte universal da produção cultural é a “expressão individual” do artista, ignorando
todo o contexto histórico e social em que se insere. Zappa, no
entanto, não deixa de fazer sua crítica à indústria cultural.
Como no caso da contracultura, o compositor a faz a partir da
própria estrutura. Em se tratando principalmente do rock, ele
não poupava a música cheia de clichês, cuja fórmula era explorada à exaustão. “Tryin’ to grow a chin”, do álbum Sheik Yerbouti
(MILES, 1993b, p. 79), e “Absolutely free”, de We’re only in it for
the Money (BRITTO, 1988, p. 4), surgem como uma paródia a
certas convenções do rock. Concomitantemente são uma sátira à
indústria fonográfica, que produz ou incentiva a criação dessas
fórmulas para fins eminentemente comerciais. Por isso Zappa
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se considera um compositor e não um músico pop, que para ele
é produto do “rock corporativo” (ZAPPA, 1992, p. 68).
Outro dos aspectos comumente atribuídos a ele é sua propensão à sátira contundente. E ela pode se dirigir aos modismos,
a bandas de música ou a grupos sociais. Mas seus principais
alvos eram as instituições oficiais e os setores conservadores
dos Estados Unidos. Conforme mencionado anteriormente, o
músico norte-americano satirizava o movimento hippie e toda a
onda pacifista da Califórnia dos anos 1960. Ele não acreditava
na eficácia dos protestos e defendia que a solução para libertar os Estados Unidos de seu conservadorismo viria somente
através da tomada do poder – pelos jovens (MILES, 1993a, p.
75). Pouco antes de ser diagnosticado com câncer na década
de 1990, cogitou até mesmo de concorrer à presidência. Apesar
dessa visão romântica de poder, Zappa talvez tenha sido mais
eficaz para desestabilizá-lo ao se valer da sátira, da paródia e da
ironia. Mesmo que elas não estivessem sendo necessariamente
direcionadas aos setores conservadores e que, para isso, fosse
preciso fazer uso de um veículo comercial.
O álbum We’re only in it for the money, de 1968, é uma de
suas mais conhecidas paródias e foi inspirado no álbum Sgt.
Pepper’s Lonely Hearts Club Band, lançado pelos Beatles no ano
anterior. O alvo não é necessariamente a banda inglesa. Zappa
a respeitava e em outros momentos chegou a trabalhar com
John Lennon, Yoko Ono e Ringo Starr. Além disso, havia uma
atmosfera de mútua influência. Por um lado, a concepção de Sgt.
Pepper’s Lonely Hearts Club Band já demonstra a influência dos
álbuns anteriores dos Mothers: “a concepção do álbum como
um todo coerente, a ausência de intervalos entre as faixas, a
utilização de elementos da música de vanguarda, as técnicas de
montagem sonora” (BRITTO, 1988, p. 3). Por outro lado, Britto
acrescenta, naquela época parodiar os Beatles era uma maneira
de reconhecer sua importância e homenageá-los. Ainda de
acordo com Britto, a sátira aos Beatles limita-se a “escrachar o
bom-mocismo” dos músicos ingleses e o clima de saudosismo
“um pouco piegas” de seu álbum. A começar pelo título do
álbum dos Mothers, lança-se a suspeita de que, numa época
de apologia ao desprendimento material, o interesse mesmo
da banda inglesa era ganhar dinheiro. Mas a sátira fica mais
evidente na comparação entre as capas. Na dos Beatles, há um
tom de pompa, seriedade e equilíbrio. Na dos Mothers, o tom
é de deboche: Zappa, entre outros, está vestido de mulher, um
dos músicos está numa cadeira de rodas levantando o vestido
de outro e há um grupo eclético de personagens – entre eles
Jimi Hendrix – que dá a impressão de desordem e anarquia.
Se o nome dos Beatles vem escrito com flores, o dos Mothers é
uma composição de frutas e vegetais, uma constante na obra de
Zappa, em geral com alguma conotação erótica.
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Música e letras, entretanto, remetem para outras sátiras e
paródias, principalmente ao movimento hippie e o flower power.
“Flower punk”, por exemplo, é uma paródia a “Hey Joe”, que
havia sido recém gravada por Jimi Hendrix. Ela mantém a forma
de diálogo e praticamente a mesma linha melódica desta última
(BRITTO, 1988, p. 4). Mas a letra é uma crítica direta aos valores
da contracultura: “Hey Punk, where you goin’ with that flower
in your hand? / Well, I’m goin’ to Frisco7 to join a psychedelic
band” (ZAPPA, 1985, p. 79). Como outras canções do álbum, ela
satiriza a cultura “paz e amor” dos hippies de cabelos compridos
e amantes das drogas, o que, para Zappa, mais que um protesto,
era apenas um modismo. Uma vez mais, a paródia a Hendrix
não deixa de ser uma homenagem a ele. O álbum se caracteriza,
enfim, por uma duplicidade de crítica e identificação com o rock
e a contracultura. Mesmo com todo seu sarcasmo, o compositor
identifica-se com esse mundo e não se exclui dele (BRITTO, 1988,
p. 5). Hutcheon (2000, p. 77) se refere a essa duplicidade como a
“essência paradoxal da paródia”: uma mescla singular de “repetição conservadora” e “diferença revolucionária”, continuidade
e mudança. Essa ideia de repetição com diferença requer da
paródia não apenas a imitação, mas também um distanciamento
crítico. Mesmo assim, ao distanciar-se do texto parodiado, ela
não deixa de reforçá-lo. É o que acontece com as inúmeras releituras que Zappa faz de “clássicos” da música popular, como a
já citada “Louie, Louie”, e da música erudita, como “Bolero”, de
Ravel, para não falar da presença constante de elementos da
música de Varèse em sua obra. Além disso, a paródia possui,
para além de suas propriedades formais, um ethos pragmático
que pode estender-se desde o ridículo desdenhoso até a homenagem reverencial. Ela não teria necessariamente, portanto,
uma correlação direta com o cômico, o ridículo, ou ainda uma
conotação negativa. Nisso ela se diferencia da sátira, que tem
uma função social e moral e que, ao ridicularizar, busca corrigir “os vícios e loucuras da humanidade” (HUTCHEON, 2000,
p. 43). Dessa forma, Zappa, ao parodiar as obras dos Beatles e
de Hendrix, presta-lhes uma homenagem. Ao mesmo tempo,
porém, satiriza o movimento hippie, a cultura flower power e as
propensões comerciais dos mesmos Beatles. No caso da música
contemporânea, Hutcheon (p. 3) sugere ainda que ela tem, em
suas propriedades formais, sua fonte de interesse principal. O
resultado dessa reflexão sobre sua própria constituição proporciona um “virar-se para dentro” a partir de reelaborações
paródicas de música já existente.
Gíria para San Francisco, na Cali fór n ia,
cidade onde teria se originado o movimento
hippie.
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A carnavalização e o grotesco
As instituições oficiais e os setores conservadores dos Estados Unidos – com os quais dificilmente se poderia dizer que o
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compositor se identificava – sempre foram também objeto de sua
sátira. Ele mantinha uma postura declaradamente liberal acerca
da censura e era terminantemente contra qualquer supressão
da liberdade de expressão, ainda que fosse para proibir letras
de música heavy metal que ele não apreciava tanto. Um grupo
denominado Liga Antidifamação entrou com um pedido de
proibição da faixa “Jewish princess” com o argumento de que
sua letra continha “referências vulgares, sexuais e anti-semíticas” (MILES, 1993b, p. 78). O músico ameaçou a liga com um
contra-processo e afirmou: “Sou um artista e tenho o direito de
expressar minha opinião. Não sou anti-semita. As princesas
judias para quem toquei essa canção acham-na engraçada”. Mas
seus alvos preferidos eram políticos e fundamentalistas brancos
cristãos da extrema direita, como Jimmy Swaggart. Em 1989
declarou: “o inimigo que a América deve enfrentar não são os
comunistas lá fora, são esses lunáticos perturbados da extrema
direita aqui mesmo na América!” (apud MILES, 1993b, p. 87).
Nesse caso, pode-se dizer que Zappa faz sua crítica também a
partir de um viés eminentemente norte-americano, e não como
alguém de fora do país, evidente ainda na opção tipicamente
estadunidense da palavra “América” em substituição a “Estados
Unidos”.
Essa crítica interna reflete-se na peça “Welcome to the
United States”, do álbum The yellow shark (ZAPPA, 1995). É uma
situação de fronteira, pois refere-se ao formulário de entrada
das alfândegas dos Estados Unidos. O compositor mostra uma
certa empatia com os visitantes, mas mais claramente com os
músicos alemães que participaram das gravações do álbum e
que portanto precisaram preencher o formulário. Mesmo assim,
a situação ainda é tratada como um problema interno do país.
A proposta do músico não é criticar a posição dos Estados
Unidos no cenário mundial, mas antes acusar o conservadorismo que caracteriza suas instituições, o que, para ele, afeta
profundamente a liberdade civil de seus habitantes, incluindo
os imigrantes. A peça resume-se à musicalização do formulário
para não-imigrantes que pretendem ingressar no país. Zappa
argumenta:
Quando vi o formulário da alfândega que deve ser preenchido pelas pessoas que entram nos Estados Unidos, não pude
acreditar que alguém fosse fazer essas perguntas e esperar que
alguém desse respostas honestas. Parecia uma peça clássica da
idiotice governamental; primeiro, que ela exista; segundo, que
as pessoas sejam forçadas a preenchê-las. [...] Como a maioria
das pessoas do grupo é alemã, sei que quando elas vieram
para os Estados Unidos tiveram que preencher essas coisas, e
devem ter considerado isso particularmente ofensivo. (THE
YELLOW..., 1995)
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Welcome to the United States: carnavalização e paródia na obra de Frank Zappa
A exemplo do que
afirmam Kress e Van
Leeuwen (2006, p. 20) sobre textos multimodais
que combinam escrita e
imagem.
8
Sendo um documento oficial, o compositor o ridiculariza
evidenciando seu absurdo. Considerando-se as seguintes perguntas: “O objetivo de sua entrada é envolver-se em atividades
criminosas ou imorais?” e “Você já esteve ou está envolvido em
espionagem ou sabotagem ou atividades terroristas; ou genocídio?”, que resposta se poderia esperar? Obviamente as opções
são apenas “Sim” ou “Não”. O efeito de ridicularização é conseguido principalmente através de dois artifícios: em primeiro
lugar, a leitura cômica do formulário pelo músico Hermann
Kretzschmar. O efeito é intensificado pelo fato de que ela se
passa no interior de uma peça para orquestra num contexto
pretensamente sério. A paródia à música erudita estabelece
o parâmetro para a sátira às autoridades estadunidenses. Em
segundo lugar, a inserção de ruídos e sons estranhos na música
despe as palavras do formulário de sua seriedade e rigidez e
faz que adquiram novo sentido, o que provoca uma espécie
de desautorização do discurso oficial. Pode-se dizer que, em
“Welcome to the United States”, a letra diz uma coisa e a música
outra.8 Mais que isso, há um emprego de outras práticas multimodais que se mesclam para a geração de novos significados.
Dessa forma, a fixidez do formulário-letra entra em conflito não
apenas com a performance musical, mas também com a gestual
e espacial.
Ruídos sempre fizeram parte da música de Zappa. Em
algumas de suas composições para orquestra, os músicos eram
requisitados a arrotar e produzir outros sons estranhos. Os
ruídos não só interferem na música como introduzem um certo
estranhamento, promovendo uma inversão. Eles desautorizam o
discurso da música dita séria e tornam evidente que ela pertence
a este mundo, e não a um mundo idealizado ao qual apenas
uma minoria tem acesso. O mesmo se pode dizer da combinação de música erudita e o linguajar coloquial, e frequentemente
vulgar, típico das produções verbais e performáticas de Zappa.
Esse artifício assemelha-se ao que se passava nos carnavais
europeus nos séculos 16 a 18 descritos por Burke. Um aspecto
muito comum nessas festas era a inversão das convenções. Um
ritual invertido de casamento, por exemplo, poderia ser executado com o pretenso noivo, ou a pretensa noiva, sendo levado/a
pelas ruas montado/a de costas num burro, ao som de alguma
“música grosseira” (BURKE, 1989, p. 222), como batidas em
panelas e caçarolas, o que “fornecia uma espécie de ‘música de
ponta-cabeça’”.
Mas, em “Welcome to the United States”, não é a própria
música que está sendo satirizada, e sim as instituições governamentais dos Estados Unidos. A paródia, nesse caso, desafia a
autoridade oficial por meio de uma espécie de carnavalização.
Bakhtin salienta o aspecto positivo da carnavalização, principalmente no contexto da Idade Média e do Renascimento e a
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partir da obra de um dos maiores escritores europeus da época:
o francês François Rabelais (BAKHTIN, 1993). Para Bakhtin, o
carnaval e outras festas populares da Idade Média giravam em
torno do jogo entre vida e morte, mas em geral privilegiando a
primeira. Dessa forma, a paródia servia menos para salientar
os aspectos negativos relacionados às autoridades oficiais que
para promover a renovação: saía o velho e entrava o novo. Isso
fica mais evidente nos rituais festivos, em praça pública, de
destronamento e entronização simbólicos das autoridades, entre
as quais o papa. Em “Welcome to the United States”, o espaço
aberto da praça pública transforma-se no espaço fechado da
alfândega, onde se desautoriza o discurso do oficial de imigração
pela leitura cômica do conteúdo do formulário. Bakhtin afirma,
no entanto, que a carnavalização passou a estar cada vez mais
vinculada a uma crítica negativa na cultura moderna e contemporânea, perdendo muito de seu poder criativo e renovador. A
essa ideia opõem-se autores da atualidade, como Discini, para
quem “a carnavalização é categoria que pode ser depreendida e
analisada nos textos de qualquer época” (2006, p. 90). Hutcheon
(2000, p. 73) vai mais longe ao propor pontos nevrálgicos de
contato entre a metaficção contemporânea e o carnaval. Segundo
ela, ambos existem na fronteira entre a literatura e a vida e, tanto
em forma quanto em conteúdo, operam subvertendo as estruturas autoritárias lógicas e formalistas. Por fim, pode-se dizer que
Zappa assemelha-se muito a um Rabelais contemporâneo, numa
época em que a cultura de massa assume proporções bem mais
abrangentes quando comparada com a que existia no período
do Renascimento.
Burke, por sua vez, tende a minimizar os efeitos positivos da carnavalização ainda no período da Idade Média e do
Renascimento. Para ele, esses ritos populares funcionavam
mais como uma “válvula de segurança” (BURKE, 1989, p. 225)
que compensava as frustrações dos “subordinados”. Dessa
forma, eles seriam úteis também às classes altas, que os permitiam porque o “mundo de cabeça pra baixo” não fazia senão
reforçar as hierarquias sociais e tão logo terminasse o período
de Carnaval, ou de outros ritos populares, voltava-se “à realidade cotidiana”. Segundo Hutcheon (2000, p. 74), o próprio
Bakhtin reconhece que o discurso paródico está marcado por
um paradoxo: a transgressão autorizada das normas, pois “O
reconhecimento do mundo invertido ainda assim exige um
conhecimento da ordem do mundo que ele inverte e, num certo
sentido, incorpora”. Burke fala também de “um tráfego de mão
dupla” (BURKE, 1989, p. 85) entre as chamadas “cultura erudita” e “cultura popular”. Refutando a ideia de que esta seria
um rebaixamento daquela, ele afirma, em primeiro lugar, que
não havia uma transferência pura e simples de características
culturais, mas uma transformação. Se de cima o que se via era
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Welcome to the United States: carnavalização e paródia na obra de Frank Zappa
De ma nei ra semelhante ao que aponta
Santos (2009) a respeito
da prosa requi ntada
do escritor fluminense
Cornélio Penna, muito
in fluenciada por um
gênero da literatura de
massa: o gótico.
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distorção ou má compreensão, de baixo parecia adaptação a
necessidades específicas. Em segundo lugar, havia também
um movimento na direção contrária, “escala social acima”. Por
fim, havia casos em que um mesmo tema transitava entre as
duas categorias por séculos. Burke cita como exemplo o próprio
Rabelais, que se inspirou na cultura popular da Idade Média
e Renascimento para escrever suas obras primas. Na direção
contrária, a obra de Rabelais teria influenciado artistas populares pelo menos até o século 19. Obviamente as fronteiras entre
“cultura popular”, “cultura erudita” e, pode-se incluir, “cultura
de massa” têm se tornado cada vem mais tênues. No que se
refere à música de Zappa, pode-se dizer que suas releituras e
paródias promovem uma renovação de todos esses elementos
ao entretecê-los num novo contexto. Ao mesmo tempo, ele
contribui para a diluição das fronteiras entre as diversas formas
culturais por não estabelecer uma hierarquia de valores entre
si. E por também romper a distinção entre música séria e de
entretenimento como categorias fixas. Peter Rundel, regente
do Ensemble Moderne, comenta sobre a habilidade do compositor norte-americano de romper com as regras específicas do
rock, do jazz e da “chamada música clássica contemporânea”
(THE YELLOW..., 1995). O resultado seria uma música que não
apenas questiona a si mesma, mas também ao “ouvinte tradicional”. Talvez o aspecto mais importante a identificar a obra
de Zappa como paródica seja justamente sua proposta de fazer
música “séria”, ou “música clássica contemporânea”, a partir
da estrutura da cultura de massa e da arte de entretenimento.
Essa proposta não deixa de ser uma ironia, elemento que, para
Hutcheon, acentua a diferença dos textos presentes na paródia,
que pode ser definida ainda como uma “transcontextualização
irônica” (2000, p. 12).9
A fusão entre o sério e o cômico e entre o sublime e o rasteiro é outro aspecto característico da carnavalização (DISCINI,
2006, p. 77-78). Assim, o “mundo oficial” que a carnavalização
procura desestabilizar pode ser pensado também como “modo
de presença que aspira à transparência e à representação da
realidade como sentido acabado, uno e estável” (p. 84). Ao utilizar a música erudita como veículo da paródia, Zappa funde
o sério ao cômico, o sublime ao rasteiro, desestabilizando um
“mundo oficial” que se quer uno e acabado não apenas no
âmbito sociopolítico mas também estético. Essa ideia de mundo
acabado remete a outra concepção de Bakhtin ainda no contexto
da carnavalização: o grotesco e sua relação com o corpo. O
corpo grotesco, para Bakhtin, traduz-se na imperfeição e na
incompletude e revela a vida no seu processo ambivalente e interiormente contraditório. É, portanto, um corpo em movimento,
jamais pronto ou acabado, que está em constante criação. Nele
têm valor especial os orifícios e ramificações – boca, nariz, falo,
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traseiro, vagina –, pois é através deles que se efetuam as trocas
e as orientações recíprocas:
Por isso os principais acontecimentos que afetam o corpo
grotesco, os atos do drama corporal – o comer, o beber, as necessidades naturais (e outras excreções: transpiração, humor
nasal, etc.), a cópula, a gravidez, o parto, o crescimento, a
velhice, as doenças, a morte, a mutilação, o desmembramento, a absorção por um outro corpo – efetuam-se nos limites do
corpo e do mundo ou nas do corpo antigo e do novo; em todos
esses acontecimentos do drama corporal, o começo e o fim da
vida são indissoluvelmente imbricados (BAKHTIN, 1993, p. 277
– grifos no original).
No corpo grotesco encontra-se, portanto, o mesmo princípio de renovação por inversão encontrado na cosmovisão
carnavalesca. Na extremidade oposta, estaria o corpo pronto e
acabado, do qual os orifícios e ramificações foram eliminados.
Tendo-se transformado num corpo individual fechado, não se
funde com os outros. Nesse sentido a obra de Zappa está repleta
de elementos que se referem a esses “atos do drama corporal”
que remetem ao grotesco. De um lado, os atos relativos às
excreções do corpo humano. De outro, aqueles vinculados à
ingestão. A comida e o sexo assumem um papel de destaque
em ambos os casos. Como já mencionado anteriormente, é
comum encontrar em sua obra menções a frutas e vegetais
com conotações eróticas. Sexo e comida inspiram também os
nomes de muitas das personagens criadas por ele. Como a
obra de Rabelais, a do compositor norte-americano está repleta
de eventos de sua época, com uma profusão de personagens
baseadas seja em personalidades políticas e artísticas seja em
pessoas do cotidiano. Zappa (ANTHROPOLOGY..., 1994) afirma
que inspira suas canções no folclore e no comportamento das
“várias tribos” que habitam seu país. É aí que se potencializa
o seu mais sincero “Welcome to the United States”! Os temas de
suas letras também podem se inspirar nas mais variadas fontes,
como é o caso do formulário de imigração. Um processo que
ele chama de “Anything Anytime Anyplace For No Reason At
All (AAAFNRAA)” (THE YELLOW…, 1995). Da mesma forma,
o compositor utiliza em sua música uma infinidade de sons e
ruídos que tanto podem ser extraídos do mundo circundante
quanto ser uma paródia das peças de Edgard Varèse ou John
Cage, entre outros, que também fazem uso abundante de ruídos
em suas músicas.
Algumas das personagens mais conhecidas de Zappa:
Suzy Creamcheese, The Guacamole Queen, The Dancing Fool,
The Muffin Man, Willie the Pimp, Potato-Head Bobby, The Illinois Enema Bandit. Este último, baseado numa notícia de jornal,
refere-se a um assaltante que aplicava doses de enema em suas
vítimas, todas mulheres. O músico desafia, dessa forma, o que
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Eagleton chama de “obsessão da classe média norte-americana
com o corpo” (2005, p. 128), que se revela em suas “preocupações
da moda: câncer, dieta, fumo, esporte, higiene, estar em forma
e com boa saúde, assaltos, sexualidade, abuso infantil”. Tudo o
que seja ingerível tornou-se uma “neurose nacional”. Eagleton
conclui que, se o corpo carnavalesco é licencioso, o “totalmente abotoado corpo puritano” (p. 130) precisa ser purgado
de qualquer impureza, assim como a linguagem, fetichizada
no discurso politicamente correto. O músico norte-americano
desafia igualmente essa linguagem, fazendo uso extensivo do
linguajar coloquial e familiar, quando não vulgar. Em “Welcome
to the United States”, o linguajar coloquial não se expressa linguisticamente, mas por meio de ruídos, entonações e gestos da
orquestra, que se contrapõe à linguagem oficial do texto verbal.
Segundo Bakhtin, quanto menos oficial a linguagem, mais se
enfraquece a fronteira entre o louvor e a injúria, que passam a
coincidir em uma única coisa ou pessoa, representantes de “um
mundo em devir” (1993, p. 369). Revela-se assim o aspecto não
oficial do corpo grotesco: retomar a vida numa forma “licenciosa e alegre”.
Conclusão
Frank Zappa afirma que, quando criança, pretendia se
tornar um químico e que um de seus passatempos era fazer
explosivos caseiros com qualquer ingrediente que encontrasse
à frente (AIR..., 1994). Ele parece colocar em sua música muito
dessa química experimental, mais ou menos como o bricoleur
de Lévi-Strauss, “que constrói todo tipo de coisas com o material que tem à mão” (BAUMAN, 2005, p. 55). O compositor
norte-americano é uma espécie de deglutidor das formas musicais, artísticas e culturais do século 20. Como já mencionado,
suas paródias e sátiras revitalizam essas formas por meio da
cultura de massa, que consequentemente também se renova.
O resultado é uma transgressão das mais variadas fronteiras,
não apenas das diversas formas musicais: o cômico e o sério
se mesclam e a velha distinção entre música séria e de entretenimento perde seu valor. O compositor Todd Yvega (THE
YELLOW..., 1995) afirma: “Considero sua música realmente
importante porque acho que vai perdurar por muitos séculos.
É séria nesse sentido, mas está aí, acima de tudo, para nos
divertir”. Para o biógrafo Ben Watson (ANTHROPOLOGY...,
1994), há uma questão mais existencial por trás disso. A obra
de Zappa, para ele, é marcada por um paradoxo zen-budista,
como alguém que cria “a coisa mais importante do mundo”
mas logo em seguida desconversa e diz que tudo não passou
de uma bela piada.
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Abstract
20th-century North-American composer Frank
Zappa became well known for his sharp satires to
U.S. official institutions and conservative sectors
of society. In music he was a great innovator by
blending together jazz, popular and classical
music over a background of elements from 20th-century North-American popular culture. His
parodies and satires revitalize these cultural and
aesthetic forms by means of mass culture, which
consequently is also renewed. His work can be
inscribed in the framework of Mikhail Bakhtin’s
concept of carnavalization: a means to subvert
the official discourse through comic and popular
elements. Several of these aspects can be found in
the piece “Welcome to the United States”, composed from a U.S. customs form. Zappa submits the
form/lyrics to a music full of noises and strange
sounds, thus challenging the official authoritative
discourse.
Keywords: contemporary music; carnavalization; parody; grotesque.
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