BIOLOGIA E SAÚDE

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BIOLOGIA E SAÚDE
A VIDA ARTIFICIAL JÁ É REALIDADE
(Tradução para o blog IC FAMA, por Antonio Souza, do artigo “La vida artificial ya está aqui”,
publicado no Jornal espanhol EL PAIS, em 28.03.14, no link de ciência por Javier Sampedro,
depois da divulgação de trabalho científico sobre biologia sintética na revista Science.)
Chefe da pesquisa, o professor Boeke
Imagem de cromossomo de levedura
Cientistas de várias universidades dos Estados Unidos e da Europa chegaram ao que eles
chamam de “Monte Evereste da Biologia Sintética”: o primeiro cromossomo eucarionte
(célula com núcleo) fabricado em laboratório. Trata-se de um cromossomo de levedura, o
fungo que se usa para fazer cerveja, pão, biocombustível e a metade relacionada com a
investigação sobre os organismos eucariontes, como nós mesmos, os humanos. A capacidade
de introduzir um cromossomo sintético neste organismo (uma célula de levedura com núcleo,
claro: ela tem 16 cromossomos, bem menos do que os 46 do ser humano; se criou
sinteticamente um desses cromossomos) permitirá melhorar tudo o que havia antes, como
fazer biocombustíveis mais sustentáveis para o entorno, ou desenhar novos antibióticos, além
de um continente de investigação sobre a pergunta que muitos fazem: como construir o
genoma inteiro de um organismo superior? A reconstrução do homem de Neandertal, por
exemplo, seria impossível sem este passo essencial.
A biologia sintética é uma disciplina emergente que trata não só de modificar organismo, mais
ainda de desenvolvê-los a partir de princípios básicos. Nos últimos cinco anos se conseguiram
avanços espetaculares, como a síntese artificial do genoma completo de uma bactéria e vários
vírus. Mas esta é a primeira vez que se consegue fabricar um cromossomo completo e
funcional de um organismo superior, ou eucarionte (uma célula boa, em grego, a mesma que
forma os humanos). O consórcio liderado por Jeff Boeke, diretor do Instituto de Genética de
Sistema da Universidade de Nova York, apresenta seu grande achado na revista Science.
Para Jeff Boeke, que é um dos pioneiros neste campo, “nossa investigação move a agulha da
biologia sintética desde a teoria até a realidade. Este trabalho representa o maior passo que
foi dado até hoje, num esforço internacional, para construir o genoma completo de uma
levedura sintética”.
Boeke começou este projeto há sete anos, numa outra universidade, a John Hopkins de
Baltimore, com um grupo de 60 estudantes universitários, num projeto chamado Build a
genome (construir o genoma). As técnicas para sintetizar ADN melhorariam muito na última
década, mas produzem complexos bastante curtos de sequências, não mais do que 100 a 200
letras (tgaagcct...). Os estudantes se ocuparam em fazer estas sequências em complexos cada
vez maiores. O cromossomo final mede cerca de 300.000 letras. Que uma descoberta
científica se refira a levedura (Saccharomyces cerevisiae), um fungo unicelular, já utilizado
pelos egípcios para fazer cerveja, parece um paradoxo ou uma má piada, mas não é assim. A
divisão fundamental entre todos os seres vivos da Terra não é a que existe entre plantas e
animais, nem entre micro-organismos e espécies grandes ou macroscópicas: é entre
procariontes (bactérias e arqueas, que é uma espécie de domínio de ser vivo diferente da
bactéria) e eucariontes (todas as demais, inclusive o ser humano).
E o importante da levedura é que, por mais que seja um organismo unicelular, ela cai no nosso
lado da barreira. Não é exagerado dizer que a maior parte do que sabemos sobre a biologia
humana se deve a investigação deste fungo familiar, de aparência modesta. A levedura tem
uns 6000 genes, e comparte um terço deles com o ser humano, a pesar de um bilhão de anos
que nos separam.
Os cromossomos são os bastões em que se reparte o genoma dos organismos superiores, ou
eucariontes. São muito mais do que um pedaço de ADN: estão embastonados em complexas
arquiteturas formados por centenas de proteínas que interagem com o material genético.
Estão dotadas de um centrômero, a região mais condensada de um cromossomo, a maquinaria
especializada em distribuir cópia do genoma para cada célula filha em cada ciclo de divisão
celular. Daí que o achado atual vai muito além da síntese do genoma de uma bactéria que se
tenha chegado até hoje.
Nós temos o genoma dividido em 23 pares de cromossomos; a levedura tem uma distribuição
de 16 pares, e os cientistas se centraram no menor deles, o número 3. Extraíram do fungo seu
cromossomo 3 natural e o substituíram por sua versão sintética, chamada Syn III, que cobre as
funções do seu colega natural.
A fabricação de antibióticos é atualmente obra de micro-organismos. Que o cromossomo
sintético funcione no seu entorno natural, uma célula de levedura, é o verdadeiro achado do
trabalho, segundo os investigadores. Para Boeke, “mostramos que as células de levedura que
levam ao cromossomo sintético são notavelmente normais; se comportam de forma quase
idêntica a das leveduras naturais, salvo por que agora possuem novas capacidades e podem
fazer coisas que suas versões silvestres não podem fazer”.
Apesar de suas evidentes implicações para a biologia fundamental, o projeto tem sobretudo
objetivos práticos, aplicados. E não só nas áreas industriais, como a fabricação de pão e
bebidas, nas que este organismo sempre foi utilizado.
Já se tem vírus e bactérias de laboratório. Uma das aplicações que os autores do trabalho
ressaltam é a melhora na manufatura de medicamentos, como a arteminina para a malária ou
a vacina para a hepatite B. Como a maioria dos antibióticos provém de fungos, e a levedura é
um deles, também cabe predizer avanços no desenvolvimento e produção destes
medicamentos.
Mais em longo prazo, as leveduras sintéticas podem facilitar a síntese de medicamentos
anticancerosos como o taxol. Numa área industrial específica, esta tecnologia, segundo
esperam os seus autores, servirá para desenvolver biocombustíveis mais eficazes que os
atuais, entre eles os álcoois como o butano e também diesel de origem biológica. Levantando
a vista mais para o futuro, cabe especular sobre a ressureição de espécies extintas como o
mamute ou o homem de Neandertal, cujos genomas já foram sequenciados a partir dos seus
restos fósseis. Se estes projetos chegarem a seus termos algum dia, terão que basear-se numa
técnica similar a que Boeke e seus colegas acabam de anunciar, a partir de um simples fungo,
que tantos serviços têm prestado para a espécie humana desde o alvorecer do neolítico.
REFERÊNCIAS:
SAMPEDRO, Javier. La vida artificial ya está aqui. El Pais, 28 de março de 2014.
SOUZA, Antonio. Blog IC FAMA – A Iniciação Científica da FAMA na Web. In 31 de março de
2014.
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