O Uso de Tarefas Comunicativas e a sua

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NEGOCIAÇÃO DE FORMA E DE SENTIDO, FEEDBACK DO PROFESSOR E TAREFAS
COMUNICATIVAS: IMPLICAÇÕES PARA O PROCESSO DE GRAMATICALIZAÇÃO NA
LE*
Ana Larissa Adorno Marciotto OLIVEIRA
(UFMG)
Resumo
Este estudo focaliza interações orais em que uma professora deliberadamente utiliza pedidos de
esclarecimentos para suscitar a auto-correção dos alunos sobre o uso do Passado Simples em
inglês. Após o pedido de esclarecimento da professora, verificou-se um alto número de respostas
modificadas com relação ao padrão da língua-alvo, produzido pelos alunos. Além disso,
analisou-se a natureza das interações orais quando a negociação de sentido ou de forma não
ocorreu. O ambiente pedagógico produzido pelas tarefas revelou-se produtivo para integrar
forma e sentido no processo de aprendizagem de uma língua.
Palavras –chave: negociação de sentido, negociação de forma, feedback do professor, tarefas
comunicativas.
1. Introdução:
Engajar os alunos em interação verbal na sala de aula de Língua Estrangeira (LE) sempre
foi uma grande preocupação por parte dos professores. Como essas aulas destinam-se à produção
de enunciados orais, a avaliação delas se dá, freqüentemente, pela quantidade de produção
lingüística registrada. A qualidade desta produção, sua natureza e suas características costumam,
às vezes, não serem devidamente observadas. Pesquisas têm demonstrado, contudo, que a
interação verbal possui um papel maior e teoricamente mais importante para o aprendizado de LE
(c.f. Long 1985, Swain 1985, Schachter 1986 e Pica 1991).
Além disso, a (dita) dicotomia entre forma e sentido pode ser revista por meio de
atividades orais que focalizem o desenvolvimento sintático na LE. Este estudo pretende
demonstrar, pois, como as tarefas comunicativas podem contribuir para o desenvolvimento
lingüístico do aluno em situações de interação com seus pares e/ou com o professor.
2. Negociação de sentido e tarefas comunicativas:
Segundo Long (1983,1985), é por meio da interação verbal que o aprendiz tem a
oportunidade de negociar o sentido de segmentos de fala não entendidos ou, por qualquer razão,
não aceitos. Durante a negociação de sentido, segundo Pica (1991), o aprendiz encontra os três
elementos considerados teoricamente importantes (porém não os únicos) para o aprendizado de
uma língua: input compreensível (Krashen 1982), feedback (Schachter 1986) e output
compreensível (Swain 1985).
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Ao advogar a relevância da interação verbal e da negociação de sentido1 para o
aprendizado de uma LE, pesquisadores como Pica, Kanagy e Falodun (1993) investigaram sobre
o tipo de tarefa comunicativa (TC) que poderia potencializar os elementos envolvidos na
interação verbal, e, também, promover a ocorrência de interação negociada. Segundo esses
estudiosos, dentre os tipos de TCs existentes, aquelas do tipo quebra-cabeça (jigsaw) promovem
mais oportunidades para a negociação de sentido, pois requerem a troca real de informações
entre os participantes, uma vez que cada qual possui apenas metade da informação necessária
para completar a tarefa.2.
Sabe-se, contudo, que o uso de TCs não é muito freqüente nas salas de aula de LE.
Primeiramente, porque sua confecção demanda tempo e certa flexibilidade curricular. Além
disso, muitos professores encontram-se inseridos em políticas educacionais voltadas à obtenção
de resultados rápidos. Desta maneira, eles tendem a evitar que quebras na comunicação ocorram
e atuam como constantes reparadores do fluxo comunicativo, não possibilitando, com isso, que
haja oportunidades para que os sentidos sejam negociados. Há, ainda, o temor de que os alunos,
sem a intervenção direta do professor, interajam na Língua Materna (LM) e não na LE.
A este respeito, as pesquisas sobre o uso de tarefas comunicativas no Brasil (AssisPeterson 1995 e Oliveira 1997), chamam atenção para o fato de os alunos interagirem quase que
exclusivamente na LE, mesmo possuindo níveis básicos de proficiência. Além disso, em relação
a salas populosas, o uso de TCs parece também ser uma boa alternativa, uma vez que, por serem
desenvolvidas em pares, o professor reduz seu contigente à metade, podendo monitorar seus
alunos mais de perto.
É importante destacar que o uso de TCs não garante a ocorrência da negociação de
sentido, uma vez que sua efetivação está também ligada a múltiplos fatores, dentre eles, o grau de
dificuldade proposto pela tarefa, o nível de familiaridade entre os interlocutores e seu repertório
lingüístico. Da mesma maneira, é temerário creditar à negociação de sentido per se o sucesso no
desenvolvimento lingüístico dos aprendizes, uma vez que a aprendizagem depende da interrelação de uma gama variada de fatores (culturais, afetivos, cognitivos, sociais e pessoais), que
interferem diretamente em seu processo de efetivação.
3. Negociação de forma e abordagem intervencionista do professor
Durante a realização de uma TC, os alunos interagem para realizar a tarefa, ou seja, a busca
pelo sentido é crucial. Assim, a troca de informações é real. Além disso, as TCs podem ser
desenhadas para desenvolver itens lingüísticos específicos (c.f. tarefa comunicativa de
conscientização gramatical –TCCG- Rutherford & Mclaughlin 1987 e Loschky & Bley-Vroman
1993).
* Este artigo é um recorte de minha dissertação de Mestrado intitulada A interação por meio de tarefas
comunicativas e sua significância para a sala de aula de língua estrangeira, defendida na UFMT, em 1997, sob a
orientação da Profa. Dra. Ana Antônia de Assis-Peterson.
1
Neste estudo, entende-se por negociação de sentido a interlocução gerada a partir de uma quebra no fluxo
comunicativo. Neste caso, os interlocutores trabalham conjuntamente para reestabelecer a comunicação seja
repetindo, modificando ou segmentando seus enunciados (Pica 1989).
2
Segundo o modelo de Kanagy e Falodun (19993), há cinco tipos principais de tarefas comunicativas : o quebracabeça (jigsaw), a lacuna de informação (information gap), a resolução de problemas (problem solving), a tomada
de decisão (decision making) e a conversação livre. Segundo os autores, esta última tarefa é a que propicia menos
oportunidades para a negociação de sentido.
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Neste sentido, Ellis e Nobuyoshi (1993) advogam que a metodologia de aplicação de uma
TCCG, bem como suas condições de produção, determinam a freqüência e a ocorrência do item
lingüístico em destaque na produção do aluno, além aumentar sua percepção ao insumo a ele
dirigido. Assim, por meio de pedidos de esclarecimentos (clarification requests), o professor
busca aumentar a percepção do aluno com respeito a possíveis lacunas entre sua produção e a
forma padrão da LE, para que ele possa reestruturar sua linguagem. A diferença entre a
abordagem intervencionista e a negociação de sentido específica é, pois, o fato de o professor
utilizar pedidos de esclarecimento de maneira propositada e deliberada para “forçar” (push) o
aluno a aprimorar sua produção oral por meio da correção implícita. Este papel pode ser também
desempenhado por um aluno, instruído para tal, ou por um par mais competente lingüisticamente.
4. O desenvolvimento do estudo:
O estudo contou com a participação de 15 alunos e uma professora (a autora). Todos os
alunos eram oriundos de um instituto particular de idiomas, situado em Cuiabá, MT e possuíam
nível pré-intermediário de Inglês. Foram utilizadas uma tarefa comunicativa (TC) do tipo jigsaw
(quebra-cabeça), elaborada com base no modelo criado por Pica, Holliday, Lewis, Newman e
Mortgenthaler (1989) e uma tarefa comunicativa de conscientização gramatical (TCCG),
elaborada conforme Rutherford & Mclaughlin (1987) e Loschky & Bley-Vroman (1993).
Os dados foram coletados em contexto quase-experimental. Em seguida, foram transcritos
e codificados em enunciados orais (utterances, ver Crookes 1988, citado em Assis 1995). Para
codificar os dados em termos de negociação de sentido, foi utilizado o modelo proposto por Pica
et. al (1991). O teste estatístico utilizado para testar as hipóteses foi o qui-quadrado (χ 2), com
grau de significância p<.05)
5. O que ocorre quando alunos não negociam o sentido?
Neste estudo, os alunos negociaram o sentido quando houve quebras no fluxo
comunicativo, porém o índice dessa ocorrência foi inferior a 10%, considerado baixo, em
comparação a pesquisas anteriores. O estudo de Futaba (1994), por exemplo, realizado em
contexto de Segunda Língua (L2), registrou um índice de negociação de 20.70% e Assis (1995),
em contexto de LE, registrou um índice de 18.57%.
Assim, considera-se que o baixo índice de negociação registrado neste estudo pode estar
relacionado a uma série de fatores, dentre eles:
1)Os alunos compartilhavam de um mesmo background lingüístico e cultural: eram todos
brasileiros, falantes de português. Segundo Gass e Varonis (1985), o alto grau de familiaridade
entre os interlocutores é um fator que contribui para a manutenção do fluxo do discurso,
impedindo que quebras na comunicação ocorram. Dessa maneira, mesmo dispondo de um
limitado repertório lingüístico, os interlocutores conseguiram se fazer entender. O excerto 1
demonstra que interlocutores, frente a uma lacuna lexical, optaram pela transferência direta e
não-analisada da LE para a LM. Houve, então, a associação de pass com passar, que possibilitou
que o fluxo comunicativo fosse mantido, não havendo oportunidade para a ocorrência de
negociação de sentido.
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Excerto 1
Aluno A:
Aluno B:
What he xx buy there tohis familyand friends
Brian
How do you say passou?
Passed
Brian passed 21 days
2)Os alunos utilizaram largamente estratégias de comunicação para compensar suas
limitações no repertório da LE. Entre as estratégias comunicativas3 mais recorrentes, destacam-se
as estratégias de realização, tais como paráfrase, tradução literal, generalização, uso inapropriado
de palavras em inglês para designar outros sentidos. Houve ainda a presença de back channel
clues e echos . Os enunciados Yeah e Hot , nos excertos 2 e 3, correspondem , respectivamente, a
back channel clues e echos que atuaram como elementos inibidores do processo de negociação
de sentido, mas que indicaram também o discurso colaborativo entre eles:
Excerto 2:
Aluno A
Aluno B:
What was the weather like?
I think ah sun
It’s a sol/all day sun
I think the Charlotte/the Charlotte stay in Greece
Yeah
Excerto 3:
Aluno A
Aluno B
Oh Yes...what was the weather like?
The weather in America I think hot
Hot
Hot yes but the information no explain
3)O discurso colaborativo também se deu sob a forma de complementações na fala (completions).
Segundo Plough e Gass (1993) as complementações são usadas quando um dos interlocutores
pressente que o outro não será capaz de finalizar uma idéia ou enunciado e, assim, numa tentativa
de colaborar com ele, completa-lhe a fala. As complementações evidenciaram, neste estudo, uma
3
Para uma descrição mais detalhada das estratégias de comunicação aqui mencionadas, ver Willems (1987) e Faerch
e Kasper (1983).
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atmosfera de acordância, ratificação e cumplicidade entre os interlocutores, próprio de quem
realiza um trabalho conjunto. No excerto 4, o aluno A completa o enunciado do aluno B (Alice
because the weather), mantendo a fluência do discurso e inibindo a ocorrência de negociação, o
mesmo ocorre em Because the Champagne.
Exemplo 4:
Aluno A
Aluno B:
Cowboy boots/okay?
Ireland/Ireland em/em
I think Alice
=Alice because the weather
Because the rings/the rings are celtics
This is a souvenir that/that
You have there
And I know about David
He went to France
Yes because the Champagne
5. A abordagem intervencionistra do professor pode contribuir para o processo de
gramaticalização na LE?
Neste estudo, cinco alunos constituíram par com a professora (autora do estudo) e
desenvolveram uma tarefa comunicativa de conscientização gramatical (Rutherford &
Mclaughlin 1987 e Loschky & Bley-Vroman 1993), utilizando-se a abordagem intervencionista
do professor (Ellis e Nobuyoshi 1993).
Demonstrou-se, pois, que a professora, ao conduzir os alunos por meio de pedidos de
esclarecimentos, quando estes utilizavam inadequadamente a forma lingüística em destaque na
TCCG (Simple Past), promoveu oportunidades para a conscientização gramatical. Ou seja, a
correção implícita, neste caso, parece ter favorecido o desenvolvimento sintático dos aprendizes.
Como se vê no excerto 5 abaixo:
Excerto 5:
Aluno
Professora
What Charlotte/ buy
Did buy there?
Sorry?
What Charlotte
What did Charlotte buy?
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6. Considerações finais
Este estudo procurou contribuir com uma linha de pesquisa inaugurada por estudiosos do
contexto de L2 como Long (1980, 1981), Doughty e Pica (1986), Pica (1987), Pica et al. (1991),
dentre outros, e por Assis (1995), em contexto de LE, cujo interesse principal tem sido
investigar o papel da interação verbal e da negociação de sentido para o desenvolvimento
lingüístico do aluno.
Os alunos negociaram o sentido quando houve quebras no fluxo comunicativo, porém
num índice considerado baixo (menos de 10%). Argumentou-se que a menor freqüência de
negociação está relacionada ao variado número de estratégias de comunicação utilizado pelos
alunos, ao uso de complementações da fala e ao alto grau de familiaridade entre os interlocutores.
Contudo, em relação à natureza da interação registrada, observou-se que os enunciados
envolvidos em negociação propiciaram aos alunos a oportunidade de reestruturarem e
desenvolverem sua linguagem, tendo em vista, principalmente, o alto número de respostas
modificadas registrado. Cabe, portanto, questionar: até que ponto a alta freqüência da negociação
é tão relevante? Sua ocorrência per se já não seria um fator significativo para o processo de
aprendizagem da LE? O fato de os alunos terem se valido de uma larga gama de estratégias de
comunicação não demonstra que eles interagiram dentro daquilo que Crookes (1989) chama de
“a level of competence which will not allow students to be considered native-like, but which will
be a practical basis for expressing their meanings?” (Crookes 1989, citado em Skehan 1994:184).
Além disso, é importante ressaltar o papel do professor que, por meio da correção
implícita, durante uma TCCG, pode contribui para o desenvolvimento da consciência gramatical
dos alunos e favorecer a integração de forma e sentido.
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