T14 – Disfunção hepática Fígado É o principal órgão de distribuição metabólica do organismo, regula a composição química do organismo, em particular a glicemia e é um órgão altruísta, pois capta as substâncias tóxicas para as metabolizar, podendo ficar ele prejudicado. O fígado é, portanto, o centro do metabolismo. Principais vias metabólicas Glicólise – degradação de glucose Neoglicogénese – síntese de glucose Glicogenólise – degradação de glucogénio, com actuação da enzima chave glicose 6 fosfatase Síntese de glicogénio – armazenamento de reservas de glucose sob a forma de glicogénio Via das pentoses – produção de equivalentes redutores, NADPH, e de riboses Ciclo da ureia – destoxificação da amónia Ciclo de Krebs – produção de NADH e FADH2 e ATP Fosforilação oxidativa – produção de ATP, energia β-oxidação dos AG – conversão de ácidos gordos em acetil-CoA Formação/degradação de corpos cetónicos – forma solúvel de acetil-CoA sob a forma de acetoacetato, hidroxibutirato e acetona (menor quantidade) Síntese e degradação de colesterol Síntese e conjugação de sais biliares – síntese a partir do colesterol, permitem a emulsão dos lípidos, facilitando a sua absorção nos intestinos Síntese de AG/TG – armazenamento de gorduras para serem utilizados no jejum Síntese de VLDL – forma de triglicerídeos endógenos Degradação de LDL – degradação de colesterol Síntese de aminoácidos/proteínas Degradação de aminoácidos/proteínas Conjugação e excreção de bilirrubina – forma de excreção e destoxificação dos grupos heme Disfunção hepática crónica Cirrose – processo difuso de fibrose e formação de nódulos, frequentemente com necrose hepatocelular. Causas: Álcool - é a causa mais frequente de cirrose em Portugal: o álcool e o vírus da Hepatite C são responsáveis por mais de 90% das cirroses no nosso país Hepatite - B e C - Em Portugal o número de cirroses causadas pela Hepatite Crónica C é muito superior ao número de cirroses causadas por Hepatite Crónica B (a Hepatite Crónica B é pouco frequente em Portugal) Hepatite auto-imune: inflamação de causa desconhecida em que os anticorpos agridem as células do fígado como se fossem proteínas estranhas ou bactérias Obstrução biliar: quer relacionada com situações congénitas (atrésia biliar), hereditárias (doença de Alagile), imunológicas (cirrose biliar primária ) ou de causa desconhecida (colangite esclerosante primária) Doença de Wilson: acumulação anormal de cobre no fígado Hemocromatose: acumulação anormal de ferro no fígado (Europa: 1:200-300) Deficiência de alfa1-antitripsina Causas vasculares: síndrome de Budd-Chiari (trombose das veias hepáticas e suprahepáticas) etc Criptogénica: em cerca de 10 % dos casos por mais exaustiva que seja a investigação não é possível encontrar uma causa para a cirrose Fármacos e tóxicos: vários medicamentos e tóxicos podem causar hepatite e cirrose. Disfunção hepática alcoólica Hepatite – inflamação do fígado por ser causada por vírus e por isso se diz que há a hepatite viral A, B e C Falência hepática Hipertensão portal – causada pelo aumento de fluxo de sangue na veia porta ou pelo aumento da resistência da passagem do sangue através do fígado Hemocromatose – acumulação de ferro nos tecidos Doença de Wilson – acumulação tóxida de cobre no fígado e no cérebro, é autossómica recessiva Doença de Gaucher – doença genética relacionada com o metabolismo dos lípidos Erros hereditários do metabolismo Carcinoma hepático (liver cancer) Hepatoma – carcinoma fibrolamelar Cirrose biliar primária – doença auto-imune que consiste na destruição lenta e progressiva dos canículos biliares que estão dentro do fígado Colangite esclerosante primária – inflamação dos canais biliares impedindo a circulação da bílis para o intestino Sarcoidose – doença inflamatória, infiltração pulmonar, colestase intra-hepática Síndrome de Zellweger – redução ou ausência de peroxissomas nas células do fígado, rins e cérebro Consequências da Disfunção Hepática Quando o fígado não tem a capacidade de desempenhar a sua função correctamente, o ciclo da ureia fica comprometido tal como todos os outros metabolismos que ocorrem preferencialmente no fígado. Assim, vai haver uma diminuição de ureia na urina, mas o grande problema é o aumento de amónia, que ao combinar-se com o glutamato produz glutamina e causa encefalopatia. Por outro lado, o défice da metabolização da amónia proveniente dos aa faz com que haja um aumento dos aa aromáticos (fenilalanina, triptofano e tirosina) e esses vão interferir com os neurotransmissores na fenda sinática. Metabolização do Etanol ↑ NADH ↑ Acetato Inibição da PDH ↑ Acetil-CoA Inibição do ciclo de Krebs ↑ Citrato ↑ síntese de AG ↓ CRM + Inibição da neoglicogénese ↓ ATP Fígado Gordo Coma Um alcoólico crónico apresenta inicialmente um fígado gordo devido à elevada síntese de AG. Quando o fígado está neste estádio a sua função ainda é reversível, ou seja, a ausência do consumo de álcool ainda poderá dar ao fígado a possibilidade de recuperar as suas vias metabólicas. No entanto, quando o estado já está mais avançado e já há necrose e fibrose hepática, ou seja, cirrose hepática, a função hepática já não é passível de ser restituída. Além disso, a metabolização do álcool interfere com a metabolização das hormonas sexuais, pelo que um homem que seja alcoólico crónico pode desenvolver ginecomastia. Alterações bioquímicas aquando da cirrose hepática Marcadores bioquímicos Metabolismos afectados Hipertrigliceridémia Síntese em excesso Hiperlactacidémia Devido ao aumento do NADH que é utilizado para reduzir o piruvato a lactacto Hipoglicémia Inibição da neoglicogénese Hiperuricémia Aumento da degradação de purinas (constituintes de muitas bebidas alcoólicas e das células que entram em necrose) Hiperamoniémia Défice do ciclo da ureia, por disfunção hepática Hiperbilirrubinémia Aumento da bilirrubina não conjugada Hipermetioninémia Diagnóstico da disfunção hepática Diminuição da glucose – défice na manutenção da glicemia Diminuição dos factores de coagulação – défice da sua síntese Diminuição de ureia e aumento da amónia – défices no ciclo de ureia Défices de albumina – proteína sintetizada maioritariamente no fígado Aumento de bilirrubina – défice na sua conjugação Aumento da fosfatase alcalina e da GGT Aumento da aspartato aminotransferase – indicador de lesão celular, está presente no citosol e nas mitocôndrias Fosfatase alcalina e Gama-glutamil transpeptidase (GGT ou γGT) A fosfatase alcalina é uma hidrolase responsável pela remoção dos grupos fosfato em muitas moléculas como nucleótidos, proteínas e alcalóides. Ocorre o aumento da sua síntese junto dos canículos biliares, aumentando a sua actividade, quando ocorre colestase. Também surgem níveis elevados no plasma em situações de cirrose e tumores. Os seus níveis sanguíneos provêm, essencialmente, do fígado e do osso. A gama-glutamil transpeptidase é uma enzima do fígado envolvida na transferência dos aa pela membrana celular, durante o metabolismo da glutationa. É uma enzima microssomal e um sensível marcador de lesão hepática. É influenciada pela ingestão de álcool e alguns fármacos e os seus níveis aumentados podem ainda indicar colestase. Assim sendo, os níveis elevados de fosfatase alcalina, associados aos níveis elevados de GGT indicam lesão hepática. Deficiência de α1-antitripsina (A1AT) A alfa1-antitripsina e uma glicoproteína produzida principalmente pelos hepatócitos e é um inibidor da protease de serina, a elastase neutrofílica, que tem a capacidade de hidrolisar as fibras de elastina no pulmão. Protege os tecidos do corpo de serem danificados pela elastase presente nos neutrófilos, monócitos e eosinófilos. Alterações na sua estrutura proteica causam a perda na sua capacidade inibitória. Assim, ela agrega-se em forma de corpúsculo de inclusão nos hepatócitos, provocando a diminuição dos seus níveis séricos. É localizada na banda das alfa-globulinas num proteinograma.