41 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 5, Edição 10, Ano 2010. JOÃO BATISTA RIBEIRO, O POLÍGRAFO INTERESSADO: ASPECTOS BIOBIBLIOGRÁFICOS E SUA LEITURA DE NIETZSCHE Felipe Luiz Gomes Figueira [email protected] Paranavaí-PR 2010 42 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 5, Edição 10, Ano 2010. JOÃO BATISTA RIBEIRO, O POLÍGRAFO INTERESSADO: ASPECTOS BIOBIBLIOGRÁFICOS E SUA LEITURA DE NIETZSCHE Felipe Luiz Gomes Figueira1 [email protected] Mais vale viver, ainda que a amargura da existência nos incline a suspirar por um termo dos nossos tormentos. João Ribeiro, Floresta de Exemplos, 1959, 63 RESUMO: João Ribeiro, sempre preocupado com a renovação, marca essencial de um espírito crítico, tornou-se um clássico brasileiro que nos permite compreender de forma singular a formação de nossa belíssima cultura nacional. Dessa forma, tal estudo remete de forma inerente à manifestação da originalidade, pois implica discernimento e criticidade, características essenciais de uma formação preocupada com a ética social. Palavras-Chave: João Ribeiro – Nietzsche – História Intelectual. Se considerarmos a história humana como um belo e complexo enredo social ancorado por uma rica poética – que implica individualidade e coletividade -, é possível encontrar vários pensadores narrando essa concepção. João Batista Ribeiro, também conhecido como o polígrafo interessado, representou de forma singular essa complexa poética, sendo autor de uma extensa, clássica e crítica produção bibliográfica, ora mergulhando por águas poéticas - mesmo se considerando um péssimo poeta, conforme escrevera a Prudente de Moraes Neto -, ora históricas, filológicas, folclóricas etc. O polígrafo interessado, com seus estudos e interpretações pioneiras – sobre Nietzsche e sobre o folclore, por exemplo – contribuiu decisivamente para uma formação crítica que se paute no autêntico e complexo enredo da vida social. João Ribeiro afirmaria sobre si mesmo: “Sou um bom intérprete para os curiosos, porque também o sou, não podendo ser mais. – A minha exegese é, em todas as coisas, simplista e superficial. As 1 Graduando em História pela Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí e Membro Aspirante da Academia de Letras e Artes de Paranavaí. 43 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 5, Edição 10, Ano 2010. profundidades causam-me estranhas vertigens”. Ao tecer comentário sobre seu livro O Folclore, resultado de oito palestras pronunciadas a pedido do Dr. Cícero Peregrino, então diretor da Biblioteca Nacional, reafirmou sua crítica concepção: “Como ensino de generalização, talvez aproveite a alguns folcloristas, que em geral coligam documentos abundantes, mas ignoram o sentido histórico e comparativo do material recolhido. – O livro está bem longe de esgotar a matéria e nem sequer a totalidade de apontamentos do autor. Não passa de tentativa imperfeita, sinal apenas do que é razoável, ou é possível fazer”. Ser crítico torna-se, dessa maneira, “sinônimo” de originalidade e de discernimento e é de forma semelhante que Múcio Leão em João Ribeiro - Ensaio Biobibliográfico se expressaria: “Um traço que convém fixar de João Ribeiro é êsse gôsto que ele revelou sempre pelas renovações” (LEÃO, 1954, 38). João Batista Ribeiro de Andrada Fernandes (1860 – 1934). Nascido em Sergipe, na cidade de Laranjeiras, em 24 de junho de 1860, foi o segundo filho de Manuel Joaquim Fernandes e de D. Guilhermina Rosa Ribeiro Fernandes. Ficou órfão de pai muito cedo e fora morar na casa de seu avô, Joaquim José Ribeiro, que era um espírito liberal e admirador entusiasta de Herculano e de Saldanha Marinho. O polígrafo interessado, conforme declarou no inquérito do Movimento Literário, de João Marinho, atribuiu a essa fase de sua vida uma maior importância na constituição do seu espírito. Desde cedo João Ribeiro revelou sua vocação de professor, sendo apaixonado por temas da História e da Filologia. Em 1885 prestou concurso na Biblioteca Nacional para a função de oficial de Secretaria, mas ficou neste cargo por pouco tempo – apenas cinco anos -, quando foi nomeado, através de concurso, para professor no Pedro II, com a tese Morfologia e Colocação dos Pronomes. No entanto, João Ribeiro não seria nomeado para a cadeira de Português, mas para a de História Universal e especialmente do Brasil (Externato). Em 1894, João Ribeiro formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Ao criar-se a Academia Brasileira de Letras, em 1896, João Ribeiro encontrava-se ausente do Brasil e foi por esse motivo que não fora incluído no quadro dos fundadores da 44 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 5, Edição 10, Ano 2010. instituição. Em 1898, já estando no Rio de Janeiro, ocorreu o falecimento de Luiz Guimarães Júnior e a Academia o escolheu para essa primeira vaga. Sua eleição ocorreu no dia 8 de agosto de 1898, tendo como concorrente José Vicente de Azevedo Sobrinho. João Ribeiro obteve 17 votos, não recebendo nenhum o seu antagonista. Sua posse aconteceu em 30 de novembro do mesmo ano, saudando-o José Veríssimo. Na Academia, fez parte de várias comissões, sendo um dos principais promotores da reforma ortográfica de 1907. João Ribeiro teve seu nome apresentado diversas vezes para a função de presidente da Academia, mas declinou sistematicamente. Em 22 de dezembro de 1927, não atendendo os seus declínios, a Academia o elegeria presidente, mas o polígrafo interessado apresentou, imediatamente, sua renúncia ao cargo. Augusto Frederico Schmidt comentaria: “João Ribeiro não queria nada, não desejava alterações em sua vida; mas compreendia tudo muito bem”. João Ribeiro não pretendia se enganar e, dessa forma, não ir contra si mesmo. Conforme escrevera Nietzsche, filósofo que o polígrafo fora auspicioso leitor: “É com seu próprio deus que as pessoas são mais desonestas: não lhe é permitido pecar” (NIETZSCHE, 2001, 67). João Ribeiro faria importantes considerações sobre o filósofo alemão, seja em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras - “Frederico Nietzsche via na tragédia grega a forma mais veemente e máscula da poesia clássica e a tragédia era o consórcio do elemento épico e do lírico, da ação e do coro; era a identificação do elemento apolíneo, plástico, sereno e escultural com o elemento dionisíaco, feito de dor, de subjetivismo e de música. Em suma, era a conjugação da palavra à música, a subordinação da narrativa ao ritmo” – seja em seu livro O Fabordão: Tomava o seu espírito todas as atitudes; era filologo, erudito, era literato e artista genial da palavra, poeta e filozofo. Póde-se de algum modo liga-lo a Schopenhauer, mas nem essa comunhão o obriga, e ei-lo, em breve, um inovador idealista. Schopenhauer verificava a mizeria animal e não achava outro remedio ou conselho sinão no Nirvana. Ao contrario, Nietzsche sonhava evolução nova a do sobre-homem, mas já não pelo processo darwinico ou goethiano da fome do amor, mas por uma seleção nova, guerreira sem dúvida, e todavia intelectual. Para Nietzsche a luta pela vida não se faria mais pelo pedaço mesquinho de pão, mas, ao contrario, pela vitoria do superfluo, da riqueza, da arte e do genio (RIBEIRO, 1910, 18-19). O estudo sobre a vida e obra de um autor clássico torna-se essencial numa educação crítica, conforme o próprio sentido do termo “clássico” nos esclarece: “aquilo que resiste ao tempo”. Não se trata, com efeito, de uma formação supressora do presente em sua devida singularidade e autonomia, não sendo, portanto, uma educação determinista que oriente os 45 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 5, Edição 10, Ano 2010. agentes sociais em torno de um reprodutivismo que resulta, não raro, numa supressão da pluralidade e num ideal degenerado de ser humano. Os clássicos permitem-nos compreender de forma honesta o que o ser humano já produziu em matéria de conhecimento e, com isso, o que ainda precisa ser produzido. Diante desta concepção, tal estudo remete de forma inerente à manifestação da originalidade, pois implica discernimento e criticidade, características essenciais de uma formação preocupada com a ética social. João Ribeiro, sempre preocupado com a renovação, marca essencial de um espírito crítico, tornou-se um clássico brasileiro que nos permite compreender de forma singular a formação de nossa belíssima cultura nacional. Na sociedade do espetáculo – ou a sociedade niilista passiva, conforme escrevera Nietzsche – é comum as pessoas se inclinarem em favor de objetos e ideais pouco significantes para uma vida orgânica e crítica, alienando o ser em ter. A autêntica educação, dessa maneira, pode ser relegada a um segundo plano em prol de meras festas e outras folias próprias de quem inclina seu espírito para objetos alienantes. Nada contra quem festeja, porém, é preferível a lucidez estabelecendo prioridades, não alienando as práticas cotidianas rumo a um eminente vazio de si próprio desta sociedade. 46 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 5, Edição 10, Ano 2010. REFERÊNCIAS GOYA, Francisco de. Due vecchi che mangiano - 1820-23. Madrid Museo del Prado. Disponível em: http://www.museodelprado.es/. Acesso em: 14/12/2008. (Imagem – Marca D’água). LEÃO, Múcio. João Ribeiro: Ensaio Biobibliográfico. Rio de Janeiro: Publicações da Academia Brasileira de Letras, 1954 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Além do Bem e do Mal: prelúdio a uma filosofia do futuro. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001 RIBEIRO, João. Floresta de Exemplos. 2ª edição. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1959 _______. O Fabordão: Cronica de vario assunto. Rio de Janeiro: H. Garnier, LivreiroEditor, 1910