A maioria das enzimas são de natureza proteica e, relativamente aos outros catalisadores, têm uma grande especificidade em relação aos substratos e produtos da reacção. 1- A palavra “enzima” (do Grego: en, na + zima, levedura) foi inventada em 1878 por Fredrich Kühne. 2- A sua natureza proteica só foi definitivamente aceite na década de 1930. 3- Relativamente aos catalisadores não enzímicos as enzimas são, em geral: A Comissão de Enzimas da União Internacional de Bioquímica definiu critérios para a classificação e denominação das enzimas; os critérios são de tipo funcional: duas enzimas com estruturas diferentes que catalisam a mesma reacção (isozimas ou isoenzimas) têm o mesmo nome. 1- A cada enzima foi atribuído um “número EC” (de Enzyme Comission) que contém 4 números separados por pontos (EC W.X.Y.Z). Os números W, X e Y referem-se, respectivamente, à classe, sub-classe e sub-sub-classe e o número Z é específico de cada enzima. a) mais potentes, 2- No dia 30-10-2007 estavam classificadas 4046 enzimas que podem ser consultadas em b) actuam em condições “ pouco agressivas “ (pH ≈ 7, temp. < 100°C, etc.), http://www.expasy.ch/enzyme/ c) têm uma enorme especificidade relativamente aos substratos e produtos, e d) a sua actividade pode ser, frequentemente, regulada por substâncias diferentes dos substratos e dos produtos (as enzimas podem ser sensores do meio ambiente em que estão inseridas...). 4- Sendo as enzimas moléculas proteicas o seu tamanho é, geralmente, muito grande relativamente ao tamanho das moléculas dos substratos. O “sítio activo” (ou “sítio catalítico”) é um local específico modelado de tal forma que permite a interacção específica com o substrato (ou substratos) e onde ocorre a reacção química. 3- Em geral uma mesma enzima tem vários nomes e a nomenclatura não é isenta de ambiguidade; a atribuição de um número EC às enzimas é uma tentativa de resolver essa ambiguidade. Foram definidas 6 classes: Classe 1: oxi-redútases Classe 2: transférases Classe 3: hidrólases Classe 4: líases Classe 5: isomérases Classe 6: lígases ou sintétases 4- A classificação é de tipo funcional: diferentes proteínas com a mesma actividade catalítica 25 As isomérases (EC 5.x.y.z) catalisam a interconversão de dois isómeros: A↔B (como as isoenzimas) têm o mesmo nome e número EC. 26 Nas reacções catalisadas pelas hidrólases (EC 3.x.y.z) um dos reagentes é a água e o substrato rompe-se nas suas partes constituintes: AB + H2O → A + B Em geral, quando à frente do nome de um composto se coloca o sufixo “ase” a enzima em questão é uma hidrólase. Em rigor, as isomérases são as únicas enzimas em que se pode falar do substrato da enzima no singular. As hidrólases catalisam a rotura de ligações sendo a água um dos substratos. Exemplo: isomérase das hexoses-fosfato fosfoglico-mútase fosfoglicerato-mútase epimérase das pentose-fosfato (Glicose-6-P ↔ Frutose-6-P) (Glicose-1-P ↔ Glicose-6-P) (3-fosfoglicerato ↔ 2-fosfoglicerato) (Ribulose-5-P ↔ Xilulose-5-P) Exemplos de ligações que podem sofrer rotura hidrolítica: 1- éster (produtos = álcool + ácido) ou tioéster (produtos = tiol + ácido) 2- lactona (produtos = álcool + ácido; notar que neste caso, porque a lactona é “um éster interno”: A + H2O → B) Em geral, nas reacções catalisadas pelas isomérases as Keq têm valores não muito diferentes de 1 (Ù ∆G’º não muito diferente de 0) e são fisiologicamente reversíveis. 27 3- anidrido (produtos = ácido + ácido) 4- amida (produtos = ácido + amina) 5- osídicas (produtos = semi-acetal + álcool ou semi-acetal + semi-acetal ou semi-acetal + ácido ou o semi-acetal + amina) 28 As reacções catalisadas pelas enzimas podem, frequentemente, ser conceptualmente consideradas como o acoplamento de dois processos: um exergónico (∆G<0) e outro endergónico (∆G>0) ... mas o somatório é exergónico As fosfátases são hidrólases em que um dos produtos é o fosfato inorgânico (Pi). As reacções catalisadas pelas fosfátases chamam-se desfosforilações. Alguns exemplos de fosfátases: ATPase (ATP + H2O → ADP + Pi) pirofosfátase inorgânica (PPi + H2O → 2 Pi) fosfátase alcalina, uma enzima que se pensa estar envolvida na desfosforilação de proteínas (proteína-fosfato + H2O → proteína + Pi) endergónico (∆G>0) exergónico (∆G<0) NOTA: Embora, teoricamente, as hidrólases catalisem as reacções directa e inversa, nas reacções de hidrólise a Keq é tão elevada no sentido da hidrólise que, em geral, não faz sentido falar da reacção inversa. 29 As lígases (ou sintétases) (EC 6.x.y.z) catalisam reacções que podem ser lidas como sendo o somatório de duas reacções: uma de hidrólise do ATP e outra de combinação de duas substâncias. 30 As reacções nunca evoluem no sentido em que são endergónicas mas os processos anabólicos são endergónicos... H2 O ∆G = + 35 kJ ATP + A + B ↔ ADP + Pi + AB ou ATP + A + B ↔ AMP + PPi + AB glutamato Nas reacções catalisadas pelas lígases a energia libertada no processo de hidrólise do ATP permite a combinação de dois reagentes A e B. Ou, considerando o sentido inverso, que a energia libertada na cisão de AB permite a síntese de ATP. glutamina NH4+ ∆G = -50 kJ ADP + Pi ATP H2 O glutamina sintétase da glutamina ATP ∆G soma = -15 kJ Sintétase do AB NH4+ glutamato Quando a rotura do ATP ocorre entre os resíduos fosfato β e γ forma-se ADP e Pi mas quando ocorre entre os resíduos fosfato α e β forma-se AMP e PPi. endergónico (∆G= +35 kJ) exergónico ADP + Pi (∆G=-50kJ) 31 As enzimas são as máquinas que acoplando processos endergónicos com exergónicos possibilitam a ocorrência dos processos endergónicos. 32 A sintétase da glutamina é um exemplo. Nalgumas lígases o nucleosídeo trifosfato envolvido na reacção não é ATP mas o GTP. No ciclo de Krebs a reacção catalisada pela sintétase de succinil-CoA (uma das isoenzimas) evolui no sentido da rotura do succinil-CoA e síntese de GTP: GDP + Pi + succinil-CoA → succinato + CoA + GTP Podemos considerar, conceptualmente, que a sintétase de succinil-CoA faz a acoplagem de duas reacções: Nas reacções catalisadas pelas transférases (EC 2.x.y.z) um substrato dador cede um grupo químico ou um resíduo a um outro substrato (o substrato aceitador) que o aceita: XT + Y → X + YT Uma transférase catalisa uma reacção em que um resíduo T é transferido de XT para Y (ou, tendo em conta a reacção inversa, de YT para X). São exemplos de transférases: ∆G1<0 Succinil-CoA + H2O → Succinato + CoA (reacção exergónica) GDP + Pi → GTP + H2O (reacção endergónica) ∆G2>0 ⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯ 33 GDP + Pi + Succinil-CoA ↔ GTP + Succinato + CoA ∆G(1,2)=∆G1+∆G2 1- cínases 2- fosforílases 3- pirofosforílases 4- tiólases (ATP + Aceitador → ADP + Aceitador-P) (Dador-T + Pi → Dador + T-P) (Dador-T + PPi → Dador + T-PP) (Dador-T + CoASH → Dador + T-CoA) 34 Numa reacção enzímica do tipo: ATP + Y ↔ ADP + Y-P a enzima denominar-se-ia cínase do Y e a regra mantém-se mesmo quando o aceitador é outra enzima. As cínases são fosfotransférases que catalisam reacções do tipo: ATP + Y → ADP + Y-P. As reacções catalisadas pelas cínases chamam-se fosforilações. Nas reacções catalisadas por cínases o resíduo transferido é um fosfato e, em geral, o dador de fosfato é o ATP (ou o GTP) que cede o fosfato γ (o terceiro) a um aceitador. Os produtos são o ADP (ou o GDP) e o aceitador fosforilado (Aceitador-P). Exemplo: a cínase da desidrogénase do piruvato catalisa a fosforilação da desidrogénase do piruvato pelo ATP Numa reacção enzímica do tipo: ATP + Y ↔ ADP + Y-P a enzima denominar-se-ia cínase do Y sendo Y o substrato que aceita o fosfato γ do ATP. Exemplos de cínases: cínases de proteínas Em geral, 35 quando existe uma cínase que catalisa a fosforilação de um substrato A existe também uma fosfátase (hidrólase) que catalisa a desfosforilação do substrato A fosforilado 36 A denominação das cínases não tem em linha de conta o sentido em que a reacção ocorre nos seres vivos Alguns fármacos e hormonas exercem os seus efeitos ligando-se a receptores celulares que têm actividade catalítica intrínseca e que são, portanto, enzimas. Alguns receptores celulares são enzimas. mesmo quando (por razões de índole termodinâmica) apenas a reacção em que ocorre formação de ATP pode ser observada ADP + Y-P → Y + ATP a cínase continua a chamar-se cínase de Y. O receptor da insulina é uma cínase que, quando a insulina está ligada, catalisa a fosforilação de uma proteína citoplasmática chamada “substrato do receptor da insulina”. 37 38 As pirofosforílases são enzimas em que o substrato aceitador do resíduo transferido é o pirofosfato inorgânico (PPi): XT + PPi ↔ X + T-P-P. As reacções catalisadas pelas fosforílases denominam-se pirofosforólises. As fosforílases são transférases em que o substrato aceitador é o fosfato inorgânico (Pi): XT + Pi ↔ X + T-P. As reacções catalisadas pelas fosforílases denominam-se fosforólises. Numa reacção do tipo XT + PPi ↔ X + T-P-P Numa reacção do tipo XT + Pi ↔ X + T-P a enzima denominar-se-ia pirofosforílase do XT a enzima denominar-se-ia fosforílase do XT (T é o resíduo transferido) ...e XT sofre pirofosforólise: rompe-se (lise) por acção do pirofosfato inorgânico (PPi). ...e XT sofre uma fosforólise: XT rompe-se (lise) por acção do fosfato inorgânico (Pi). Exemplo de fosforílase: A fosforílase do glicogénio catalisa a fosforólise do glicogénio Exemplo de pirofosforílase: Pirofosforílase do UDP-Glicose Glicose-glicose-glicose...+ Pi → glicose-glicose...+ Glicose-1-P 39 É interessante notar as semelhanças entre as denominações das enzimas e as reacções catalisadas pelas fosforílases, pirofosfosforílases e hidrólases. 40 do No limite as hidrólases poderiam ser consideradas transférases em que o substrato aceitador resíduo transferido é a água; rompe-se uma ligação mas formam-se outras com a água. As reacções catalisadas pelas transférases também podem ser conceptualmente consideradas como o acoplamento de dois processos: um exergónico e outro endergónico. glicose + ATP glicose-6-P + ADP ∆G = -32 kJ glicose + Pi glicose-6-P + H2O ∆G = + 18 kJ ADP + Pi ∆G = -50 kJ ATP + H2O cínase da glicose ATP glicose-6-P glicose endergónico (∆G= +18 kJ) ADP exergónico (∆G=-50kJ) A cínase da glicose é uma “máquina química” que acopla um processo endergónico (a 41 formação de glicose-6-P) com outro exergónico (a hidrólise do ATP). As oxi-redútases (EC 1.x.y.z) catalisam reacções de oxiredução Nas reacções catalisadas pelas líases (EC 4.x.y.z) um dos reagentes que contém uma dupla ligação combina-se com um segundo reagente de tal maneira que o produto já não contém a dupla ligação: A=B + C ↔ ABC Ou, pensando na reacção inversa: são líases as enzimas que catalisam reacções em que um composto se rompe dando origem a dois produtos sendo que um destes produtos contém uma dupla ligação que não existia no composto que lhe deu origem: ABC ↔A=B + C Frequentemente o composto C é a água mas aqui, ao contrário do caso das hidrólases, a reacção de C com A=B não resulta na lise de A=B. 42 A palavra síntase (não confundir com sintétase) está popularmente associado a algumas enzimas e as síntases podem pertencer a diferentes classes. Algumas vezes o nome que foi originalmente atribuído a uma enzima (síntase do composto X), embora fora da nomenclatura sistemática, manteve-se o mais popular ao longo dos anos. Exemplos de nomes associados a oxi-redútases: Desidrogénases Redútases Oxídases Oxigénases Peroxídases Catálase Dismútases 1- A síntase do glicogénio é de facto uma transférase. dinucleotídeos são substratos 2- Outras síntases foram classificadas na classe das líases. Exemplos: O2 é o oxidante directo o H2O2 é reduzido a água... catalisam reacções de dismutação 43 Síntase do citrato (acetil-CoA + oxalacetato + H2O → citrato + CoA) Síntase da hidroxi-metil-glutaril-CoA (acetil-CoA + acetoacetil-CoA + H2O → hidroxi-metil-glutaril-CoA + coenzima A) 44 À rotura hidrolítica das ligações fosfoanidrido do ATP (entre os fosfatos α-β e β-γ) estão associados valores de ∆G’º “muito” negativos; por isso se diz na gíria dos bioquímicos que “estas ligações são ricas em energia”. As ligações em que o ∆G´º que corresponde à sua rotura hidrolítica (em condições padrão) tem um valor semelhante ou é ainda mais negativo que o que corresponde à 1- Dizemos que a glicose e o etanol dizem-se “ricas em energia” e costumam representar-se por “são substâncias energéticas” porque no seu processo de oxidação libertam enormes quantidades de energia: As ligações “ricas em energia” podem, por exemplo, ser de tipo a) fosfoanidrido como no ATP Glicose + 6 O2 → 6 CO2 + 6 H2O ∆G´º = - 2840 kJ/mol Etanol + 2 O2 → 2 CO2 + 2 H2O ∆G´º = - 168 kJ/mol 2- Quando dizemos que o ATP é “uma substância energética” não estamos a falar da reacção de oxidação do ATP mas da sua fosfohidrólise. ATP + H2O → AMP + PPi ~. ∆G´º= - 43kJ b) fosfamida como na fosfocreatina (nota: estes ∆G’º não se referem aos seres vivos; ∆G’º refere-se sempre a condições padrão) ATP + H2O → ADP + Pi rotura das ligações fosfoanidrido do ATP (- 31 KJ mol-1 ou -46 KJ mol-1) c) enolfosfato como no fosfoenolpiruvato. ∆G´º= -62kJ ∆G’º = - 31 kJ/mol ∆G’º = - 46 kJ/mol ∆G´º= -31kJ ∆G´º= -46kJ Quando dizemos que a fosfocreatina ou o fosfoenolpiruvato “são substâncias energéticas” também estamos simplesmente a dizer que a sua fosfohidrólise tem um valor de ∆G’º muito negativo. 45 As substâncias que contém ligações “ricas em energia” participam no metabolismo em reacções de fosfotransferência catalisadas por cínases (e em reacções catalisadas por lígases). ∆G´º- 49kJ Fosfocreatina + H2O → Creatina + Pi Fosfoenolpiruvato + H2O → Piruvato + Pi ∆G’º = - 43 kJ/mol46 ∆G’º = - 62 kJ/mol As reacções enzímicas que in vivo geram PPi têm um ∆G (real) muito negativo porque o produto PPi é rapidamente hidrolisado pela acção catalítica de pirofosfátases que mantém a sua concentração muito baixa. No 1,3-bisfosfoglicerato há uma ligação fosfoanidrido... Como resultado da acção catalítica das pirofosfátases celulares ⇒ a concentração de PPi na célula é muito baixa; não existe um dos substratos para que a reacção inversa possa ocorrer A cínase do 3-fosfoglicerato catalisa uma reacção de fosfotransferência que é 47 de fisiológicamente reversível: síntese de ATP na glicólise (∆G’º=-18kJ) e consumo ATP na gliconeogénese (∆G’º= +18kJ) . As reacções em que um dos produtos é o PPi são reacções exergónicas em todas as condições metabólicas Ù reacções fisiologicamente irreversíveis. 48