As reacções catalisadas pelas enzimas podem, frequentemente, ser conceptualmente consideradas como o acoplamento de dois processos: um exergónico (∆G<0) e outro endergónico (∆G>0) ... mas o somatório é exergónico Nas reacções catalisadas pelas hidrólases (EC 3.x.y.z) um dos reagentes é a água e o substrato rompe-se nas suas partes constituintes: AB + H2O → A + B Em geral, quando à frente do nome de um composto se coloca o sufixo “ase” a enzima em questão é uma hidrólase. As hidrólases catalisam a rotura de ligações sendo a água um dos substratos. Exemplos de ligações que podem sofrer rotura hidrolítica: 1- éster (produtos = álcool + ácido) ou tioéster (produtos = tiol + ácido) endergónico (∆G>0) 2- lactona (produtos = álcool + ácido; notar que neste caso, porque a lactona é “um éster interno”: A + H2O → B) exergónico 3- anidrido (produtos = ácido + ácido) (∆G<0) 4- amida (produtos = ácido + amina) 5- osídicas (produtos = semi-acetal + álcool ou semi-acetal + semi-acetal ou semi-acetal + ácido ou o semi-acetal + amina) 25 As fosfátases são hidrólases em que um dos produtos é o fosfato inorgânico (Pi). As reacções catalisadas pelas fosfátases chamam-se desfosforilações. Alguns exemplos de fosfátases: NOTA: Embora, teoricamente, as hidrólases catalisem as reacções directa e inversa, nas reacções de hidrólise a Keq é tão elevada no sentido da hidrólise que, em geral, não faz sentido falar da reacção inversa. 26 As lígases (ou sintétases) (EC 6.x.y.z) catalisam reacções que podem ser lidas como sendo o somatório de duas reacções: uma de hidrólise do ATP e outra de combinação de duas substâncias. ATP + A + B ↔ ADP + Pi + AB ou ATP + A + B ↔ AMP + PPi + AB Glicose-6-fosfátase Nas reacções catalisadas pelas lígases a energia libertada no processo de hidrólise do ATP permite a combinação de dois reagentes A e B. (glicose-6-P + H2O → glicose + Pi) ATPase (ATP + H2O → ADP + Pi) Ou, considerando o sentido inverso, que a energia libertada na cisão de AB permite a síntese de ATP. H2 O Sintétase do AB Quando a rotura do ATP ocorre entre os resíduos fosfato β e γ forma-se ADP e Pi pirofosfátase inorgânica (PPi + H2O → 2 Pi) 2 27 H2 O …mas quando ocorre entre os resíduos fosfato α e β 28 forma-se AMP e PPi. As reacções nunca evoluem no sentido em que são endergónicas mas os processos anabólicos são endergónicos... Nalgumas lígases o nucleosídeo trifosfato envolvido na reacção não é ATP mas o GTP. H2 O ∆G = + 35 kJ glutamato glutamina NH4+ ∆G = -50 kJ ADP + Pi ATP H2 O glutamina NH4 + glutamato sintétase da glutamina ATP ∆G soma = -15 kJ endergónico (∆G= +35 kJ) exergónico ADP + Pi (∆G=-50kJ) As enzimas são as máquinas que acoplando processos endergónicos com exergónicos possibilitam a ocorrência dos processos endergónicos. 29 A sintétase da glutamina é um exemplo. No ciclo de Krebs a reacção catalisada pela sintétase de succinil-CoA (uma das isoenzimas) evolui no sentido da rotura do succinil-CoA e síntese de GTP: GDP + Pi + succinil-CoA → succinato + CoA + GTP Podemos considerar, conceptualmente, que a sintétase de succinil-CoA faz a acoplagem de duas reacções: ∆G1<0 Succinil-CoA + H2O → Succinato + CoA (reacção exergónica) GDP + Pi → GTP + H2O (reacção endergónica) ∆G2>0 ⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯ 30 GDP + Pi + Succinil-CoA ↔ GTP + Succinato + CoA ∆G(1,2)=∆G1+∆G2 As cínases são fosfotransférases que catalisam reacções do tipo: ATP + Y → ADP + Y-P. As reacções catalisadas pelas cínases chamam-se fosforilações. Nas reacções catalisadas pelas transférases (EC 2.x.y.z) um substrato dador cede um grupo químico ou um resíduo a um outro substrato (o substrato aceitador) que o aceita: XT + Y → X + YT Nas reacções catalisadas por cínases o resíduo transferido é um fosfato e, em geral, o dador de fosfato é o ATP (ou o GTP) que cede o fosfato γ (o terceiro) a um aceitador. Numa reacção enzímica do tipo: ATP + Y ↔ ADP + Y-P a enzima denominar-se-ia cínase do Y sendo Y o substrato que aceita o fosfato γ do ATP. Exemplos de cínases: Uma transférase catalisa uma reacção em que um resíduo T é transferido de XT para Y (ou, tendo em conta a reacção inversa, de YT para X). São exemplos de transférases: 1- cínases (ATP + Aceitador → ADP + Aceitador-P) 2- fosforílases (Dador-T + Pi → Dador + T-P) 3- pirofosforílases (Dador-T + PPi → Dador + T-PP) 4- tiólases (Dador-T + CoASH → Dador + T-CoA) cínase da glicose cínase da frutose-6-P cínase do piruvato A denominação das cínases não tem em linha de conta o sentido em que a reacção ocorre nos seres vivos: (1) a cínase do piruvato catalisa in vivo a fosforilação do ADP pelo fosfoenolpiruvato. 31 (2) a cínase do adenilato catalisa a fosforilação do AMP pelo ATP (e a reacção 32 inversa): ATP + AMP ↔ 2 ADP Numa reacção enzímica do tipo: ATP + Y ↔ ADP + Y-P a enzima denominar-se-ia cínase do Y e a regra mantém-se mesmo quando o aceitador é outra enzima. Alguns fármacos e hormonas exercem os seus efeitos ligando-se a receptores celulares que têm actividade catalítica intrínseca e que são, portanto, enzimas. Alguns receptores celulares são enzimas. Exemplo: a cínase da desidrogénase do piruvato catalisa a fosforilação da desidrogénase do piruvato pelo ATP O receptor da insulina é uma cínase que, quando a insulina está ligada, catalisa a fosforilação de uma proteína citoplasmática chamada “substrato do receptor da insulina”. Algumas cínases (com a PKA; cínase de proteínas dependente do AMP cíclico) são relativamente inespecíficas catalisando a fosforilação de muitas enzimas e essa fosforilação pode activar ou inibir essas enzimas. Em geral, quando existe uma cínase que catalisa a fosforilação de um substrato A existe também uma fosfátase (hidrólase) que catalisa a desfosforilação do substrato A fosforilado … e ambas as reacções são (quase sempre) fisiologicamente irreversíveis 33 As fosforílases são transférases em que o substrato aceitador é o fosfato inorgânico (Pi): XT + Pi ↔ X + T-P. As reacções catalisadas pelas fosforílases denominam-se fosforólises. ATP + síntase do glicogénio (activa) PKA (ligada ao AMPc) ADP + síntase do glicogénio fosforilada 34 (inactiva) As pirofosforílases são enzimas em que o substrato aceitador do resíduo transferido é o pirofosfato inorgânico (PPi): XT + PPi ↔ X + T-P-P. As reacções catalisadas pelas fosforílases denominam-se pirofosforólises. Numa reacção do tipo XT + PPi ↔ X + T-P-P Numa reacção do tipo XT + Pi ↔ X + T-P a enzima denominar-se-ia pirofosforílase do XT a enzima denominar-se-ia fosforílase do XT (T é o resíduo transferido) ...e XT sofre uma fosforólise: XT rompe-se (lise) por acção do fosfato inorgânico (Pi). ...e XT sofre pirofosforólise: rompe-se (lise) por acção do pirofosfato inorgânico (PPi). Exemplo de fosforílase: A fosforílase do glicogénio catalisa a fosforólise do glicogénio Exemplo de pirofosforílase: Pirofosforílase do UDPGlicose Glicose-glicose-glicose...+ Pi → glicose-glicose...+ Glicose-1-P É interessante notar as semelhanças entre as denominações das enzimas e as reacções catalisadas pelas fosforílases, pirofosfosforílases e hidrólases. 35 No limite as hidrólases poderiam ser consideradas transférases em que o substrato aceitador 36 do resíduo transferido é a água; rompe-se uma ligação mas formam-se outras com a água. As reacções catalisadas pelas transférases também podem ser conceptualmente consideradas como o acoplamento de dois processos: um exergónico e outro endergónico. glicose + ATP glicose-6-P + ADP ∆G = -32 kJ glicose + Pi glicose-6-P + H2O ∆G = + 18 kJ ADP + Pi ∆G = -50 kJ ATP + H2O cínase da glicose ATP glicose-6-P glicose endergónico (∆G= +18 kJ) ADP exergónico (∆G=-50kJ) A cínase da glicose é uma “máquina química” que acopla um processo endergónico (a 37 formação de glicose-6-P) com outro exergónico (a hidrólise do ATP). As oxi-redútases (EC 1.x.y.z) catalisam reacções de oxiredução Nas reacções catalisadas pelas líases (EC 4.x.y.z) um dos reagentes que contém uma dupla ligação combina-se com um segundo reagente de tal maneira que o produto já não contém a dupla ligação: A=B + C ↔ ABC Ou, pensando na reacção inversa: são líases as enzimas que catalisam reacções em que um composto se rompe dando origem a dois produtos sendo que um destes produtos contém uma dupla ligação que não existia no composto que lhe deu origem: ABC ↔A=B + C Frequentemente o composto C é a água mas aqui, ao contrário do caso das hidrólases, a reacção de C com A=B não resulta na lise de A=B. 38 As oxiredútases também podem, frequentemente, ser facilmente entendidas como acoplando uma semi-reacção que é exergónica com uma outra semireacção que é endergónica (sendo o somatório exergónico) Reacção catalisada pela desidrogénase do piruvato: (1) Piruvato + NAD+ + H2O → CO2 + acetato + NADH ∆G <<0 (2) acetato + CoA → acetil-CoA + H2O ∆G >0 piruvato + CoA + NAD+ → acetil-CoA + CO2 + NADH ∆G <0 Exemplos de nomes associados a oxi-redútases: Desidrogénases Redútases Oxídases Oxigénases Peroxídases Catálase Dismútases dinucleotídeos são substratos Reacção catalisada pela desidrogénase do gliceraldeído-3-P (no sentido que ocorre na glicólise): O2 é o oxidante directo (1) gliceraldeído-3-P + NAD+ + H2O → 3-fosfoglicerato + NADH ∆G <<0 (2) 3-fosfoglicerato + Pi → 1,3-bisfosfoglicerato + H2O ∆G >0 gliceraldeído-3-P + NAD+ + Pi → 1,3-bisfosfoglicerato + NADH ∆G <0 o H2O2 é reduzido a água... catalisam reacções de dismutação 39 40