Implementação do controle da notificação durante a implantação do Polo de Doenças Sexualmente Transmissíveis - dificuldades e perspectivas C. C. Feliciano F. M. L. Niobey1 Resumo No ano de 2000 foi implantado em algumas unidades do Município do Rio de Janeiro o Polo de Doenças Sexualmente Transmissíveis que controlaria tanto a liberação dos medicamentos ligados ao Programa de DST como a notificação, além de seguir as propostas do Ministério da Saúde (Abordagem Sindrômica, convocação de parceiros e pesquisa de associações das DST com AIDS e Sífilis.). Após discussões com os profissionais envolvidos no atendimento das DST, com as chefias de Epidemiologia, Programa da Mulher, Farmácia e com a Coordenadora de Programas foi criado um fluxo que vinculava a liberação do medicamento ao recebimento da Ficha de Notificação pelo Serviço de Epidemiologia. A liberação ocorreria mediante a autorização de um profissional da Epidemiologia. Assim, foi possível melhorar a notificação das DST, manter a regularidade no recebimento das medicações (vinculadas ao recebimento da notificação correspondente pelo Nível Central), e detectar onde restavam entraves para uma melhor notificação dos casos. Como se trata de uma unidade com um número relativamente pequeno de profissionais, foi possível detectar que no Serviço de Ginecologia /Obstetrícia apenas 25% dos médicos notificavam as DST. Esse trabalho pretende mostrar como esse problema foi analisado, quais as possíveis causas, as estratégias traçadas para o enfrentamento. Além disso, uma análise crítica mais detalhada do fluxo proposto pretende abrir espaço para a reflexão, futuras modificações e permitir que outras unidades possam fazer uso do mesmo, adaptando-o à sua realidade local. A experiência do serviço de Epidemiologia, que pela primeira vez pode ter acesso aos dados da área a respeito das DST, gerou uma coleta diferenciada de dados (que serão analisados em outro trabalho) e nos colocou diante das reais dificuldades que envolvem a abordagem do paciente portador de uma (ou mais) DST. As propostas aqui colocadas também vêm dessa experiência e do amadurecimento surgido durante o contato mais próximo com uma realidade que vinha tão distante dos serviços de Epidemiologia. Introdução Ao ser implantado o atendimento aos pacientes de DST no Centro Municipal de Saúde Maria Augusta Estrella, situado na Zona Norte da Cidade do Rio de Janeiro, ficamos diante de um desafio devido a alguns pontos críticos. Embora sendo de notificação compulsória, as DST há muito tempo não vinham sendo tratadas pelos profissionais dessa forma. Além disso, a única experiência com convocação de parceiros (as) na unidade estava ligada ao tratamento de Sífilis em gestantes e não mostrava –se eficiente no controle da recontaminação. Ao mesmo tempo, a abordagem desse tipo de paciente exige um certo preparo, pois o diálogo preconceituoso em relação a determinadas práticas sexuais leva a orientações pouco claras e incapazes de produzir mudanças comportamentais de forma a alterar o curso de transmissão da Doença Sexualmente Transmissível. Seguindo orientações do Ministério da Saúde, deveríamos garantir, sempre que possível, que o tratamento estivesse sendo concluído através de doses supervisionadas. Mas, quem iria supervisionar esse tratamento? Trabalhando esses pontos críticos conseguimos 1 [email protected] construir um fluxo e nesse trabalho iremos analisar os avanços e os entraves que persistiram apesar dos esforços empreendidos. Características da Unidade de Saúde O CMS Maria Augusta Estrella situa-se no Bairro de Vila Isabel, na zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Na IX Região Administrativa, que abrange os bairros de Vila Isabel, Grajaú, Andaraí, Maracanã, somos a única Unidade Básica de Saúde. O atendimento médico é feito nas seguintes especialidades: Clínica Médica, Pediatria, Ginecologia/ Obstetrícia, Pneumologia, Infectologia, Psiquiatria, Dermatologia. Existem os serviços de Nutrição, Fonoaudiologia, Psicologia, Imunização, Farmácia, Serviço Social e o serviço de Epidemiologia. Com um número reduzido de profissionais, foi possível repassar as orientações sobre a Abordagem Sindrômica das DST, tratamento atualizado e padronizado pelo Ministério da Saúde, além de repassar o fluxo proposto para o funcionamento dentro da unidade de saúde. Os clínicos gerais, dermatologistas, pediatras e ginecologistas receberam esse treinamento. Fluxo de atendimento das DST inicialmente proposto pelo programa DST/AIDS O fluxo inicialmente proposto pelo Programa DST/AIDS não incluía nenhuma passagem do paciente pelo serviço de Epidemiologia. As notificações seriam preenchidas pelos médicos e/ou enfermeiros e recebidas pelos funcionários da Farmácia que forneceriam a medicação. A continuidade do recebimento da medicação do Programa estaria vinculada às notificações enviadas. Alguns pontos logo chamaram a atenção como possíveis nós críticos ao bom funcionamento do Polo de DST. Quem estava recebendo as notificações era um serviço já sobrecarregado pelo excesso de demanda e sem preparo para o correto manuseio das fichas de notificação. Além disso, em nenhum momento o paciente era levado a refletir sobre suas práticas sexuais, sobre as formas de prevenção e o risco de contrair outras doenças mais graves como a AIDS e Sífilis, por exemplo. E por qual motivo o serviço de Epidemiologia ficaria excluído desse atendimento, uma vez que poderia estar efetivamente contribuindo para uma coleta mais aprimorada de dados, prestar informações iniciais aos pacientes e posteriormente traçar um perfil da demanda desses pacientes para poder adequar melhor o serviço à clientela? Não havia garantia de que, ao atender à convocação para comparecer à unidade, o (a) parceiro (a) seria atendido. Nesse momento haviam dois grupos (um para adolescente e outro para adultos) que funcionavam para fazer a inscrição e fornecer preservativos, assim como orientações sobre quais são as DST, sua forma de transmissão e prevenção. Entretanto, eles não faziam parte desse fluxo. Novo fluxo proposto Criado a partir de discussões entre os serviços envolvidos, o novo fluxo se inicia a partir do atendimento médico. A abordagem sindrômica era uma das estratégias para uma intervenção precoce na cadeia de transmissão da doença e isso foi passado ao grupo de médicos da unidade. Além de tentar fazer um diagnóstico precoce, o profissional deveria prescrever, convocar o (a) parceiro (a), solicitar sorologia para Sífilis (VDRL) e Anti-HIV e notificar. Com a receita médica e a notificação, o paciente passaria pela Epidemiologia para autorização da liberação de sua medicação no verso da receita e para responder a uma Ficha Aprimorada de DST que, entre outros dados, procurava avaliar a questão comportamental das práticas sexuais. Nos casos de prescrição de Ciprofloxacina e/ou Azitromicina em dose única, o paciente receberia a medicação neste momento e faria uso dela na frente do profissional da Epidemiologia. Todos eram convidados a participar do grupo que fornecia preservativo, após uma atividade educativa, que era realizada toda segunda feira no Centro de Estudos da unidade. O (a) parceiro (a) teria atendimento prioritário ao comparecer ao CMS. Para isso foi criado um impresso próprio e colorido para sua identificação pela equipe da Documentação Médica. Junto com sua ficha seria anexado o prontuário do companheiro. A farmácia só liberava a medicação se a receita estivesse autorizada. Esse fluxo permitiu que as notificações aumentassem de forma significativa, uma vez que os pacientes eram forçados a passar pela Epidemiologia para obter a medicação prescrita. Problemas detectados · · · · Os profissionais da Ginecologia resistiram a aderir ao funcionamento do Polo de DST. Somente a chefe do Programa da Mulher e da Criança (que era uma ginecologista), notificava os casos de DST. Ou seja, de quatro ginecologistas, apenas uma notificava (25%). Resistência, por parte dos ginecologistas, ao uso da abordagem sindrômica alegando que o paciente precisa de um diagnóstico e que a rede deveria disponibilizar suporte mais adequado para tal fim. Percebe-se uma falta de sensibilidade para lidar com a questão do controle. Falta de sensibilização a respeito da importância do novo fluxo criado para conseguir a interrupção da cadeia de transmissão das DST através do reconhecimento precoce da doença, do tratamento supervisionado e da convocação de parceiros. Alguns médicos preferiam utilizar uma medicação não padronizada pelo programa do que notificar o caso. Isso acontecia principalmente nas doenças nas quais os médicos não reconheciam como sexualmente transmissível casos de candidíase e Gardnerella, entre outros. A criação de um fluxo com a obrigatoriedade da notificação foi vista apenas como mais um papel a ser preenchido. Falta de preparo para abordar a sexualidade de forma mais direta e menos preconceituosa por parte de alguns profissionais, principalmente os ginecologistas. Operações programadas para o enfrentamento dos problemas 1. Promover discussões com a psicóloga da unidade para ajudar o profissional na abordagem da sexualidade dos pacientes, levando a um melhor aconselhamento desse grupo e à percepção da importância da interrupção da cadeia de transmissão das DST. 2. Apresentação de dados atualizados sobre a situação epidemiológica das DST, suas consequências e sua associação com AIDS e outras DST, na tentativa de melhorar a sensibilização do profissional. 3. Digitação e análise de dados coletados na Epidemiologia para mostrar o perfil da nossa demanda. Com isso pretendemos mostrar a importância da notificação, dando um retorno das informações colhidas e abrindo espaço para discussões com os profissionais sobre o assunto. 4. Criar Boletim Informativo para distribuição interna. 5. Organizar sessões clínicas dos casos atendidos na tentativa de melhorar as informações a respeito da clínica das DST, além de criar um outro espaço para discussões. 6. Selecionar os profissionais que necessitam de um curso mais aprofundado de DST. Conclusão Essa experiência nos mostrou que é possível melhorar a qualidade dos serviços com pequenas medidas gerenciais e com a integração de serviços. Porém, modificar hábitos arraigados, tanto do paciente quanto dos profissionais, exige um trabalho contínuo e espaços de discussões permanentes, o que nem sempre é possível diante do quadro de aumento das demandas locais e do nível central. Porém, esse esforço deve ser feito, pois é o único caminho para melhorar a qualidade de nossa informação e das ações preventivas. Nesse sentido, a participação da Epidemiologia do nível local foi e sempre será fundamental.