Automedicação em crianças atendidas em centro de

Propaganda
Odontopediatria
Artigo original
Automedicação em crianças atendidas em
centro de especialidades odontológicas na
Amazônia
Recebido em: ago/2015
Aprovado em: set/2015
Children’s self-medication attended at an Amazon Dental
Specialist Center
Jorge Sá Elias Nogueira - Mestrando
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi avaliar e caracterizar alguns aspectos relacionados a automedicação em pacientes atendidos em urgência odontológica infantil em um centro de especialidades médicas e odontológicas. Os pais ou responsáveis por crianças com idade entre 2 e 9
anos que procuraram atendimento odontológico no período entre outubro e novembro de 2012,
responderam a um questionário aplicado de forma randomizada. Apesar dos pais/responsáveis
revelaram que a receita deve ser inalterada e intransferível (73,2%; p<0,05), a maioria dos entrevistados (67,2%) é favorável à automedicação e a reutilização de receitas antigas foi a forma
mais utilizada para praticá-la (27,9%). Houve associação coerente entre o tipo de medicamento
utilizado com os problemas de urgência odontológica, como emprego de analgésicos em casos
de dor (65,3%; p<0,05), antitérmico para febre (67,0%; p<0,05) e anti-inflamatório em caso de
edema (57,6%; p<0,05) e a maioria dos responsáveis que exerce a automedicação é do gênero
feminino. O estudo mostrou que a automedicação é exercida em larga escala pelos usuários do
serviço, podendo levar à utilização de doses inadequadas ou a resistência aos antibióticos pelos
pacientes.
- Professor do Centro Universitário do
Pará (Cesupa) e da ABO-PA
Gabriela A.V. Cunha Bonini - Doutora
em Odontopediatria - Professora das
disciplinas de Odontopediatria e COI
infantil de Odontologia na São Leopoldo
Mandic
Monique Saveriano de Benedetto
Mascaro - Doutora em Odontopediatria - Professora das disciplinas de
Odontopediatria e COI infantil na São
Leopoldo Mandic
José Carlos P. Imparato - Doutor em
Odontopediatria - Coordenador dos
cursos de pós-graduação em Odontopediatria na São Leopoldo Mandic
Gabriel Tilli Politano - Doutor em
Odontopediatria - Professor titular das
disciplinas de Odontopediatria e COI
Infantil na São Leopoldo Mandic
CEP/SLMandic nº 0323/2012
Autor de correspondência:
Jorge Sá Elias Nogueira - Cesupa
Travessa 9 de janeiro, s/n
Bairro Fátima - Belém – PA
66000-001
Brasil
Descritores: automedicação; odontopediatria; prevalência; distribuição aleatória
ABSTRACT
This paper aims to evaluate and characterize some aspects of patients self-medication. The
study was conducted at children’s dental emergency sector in a center of medical and dental
specialties. A randomized questionnaire was applied for parents or guardians of children aged 2
to 9 years who sought dental care in the period between October and November 2012. Although the parents/guardians claim that prescription should be unchanged and nontransferable
(73.2%; p <0.05), most of the surveyed people (67.2%) are in favor of self-medication. The reuse
of old prescription was the most used way to practice it (27.9%). There was consistent association between the type of drug used with emergency dental problems such as use of analgesics
in case of pain (65.3%; p <0.05), antipyretic for fever (67.0%; p <0, 05) and anti-inflammatory
in cases of edema (57.6%; p <0.05) and the women practice self-medication more often. The
study showed that self-medication is exercised largely by service users, which may lead to the
use of inadequate doses or resistance to antibiotics by patients.
Descriptors: self medication; pediatric dentistry; prevalence; random allocation
REV ASSOC PAUL CIR DENT 2015;69(4):369-75
Artigo 08 - Automedicação em crianças atendidas em centro de especialidades odontológicas – fluxo 1265.indd 369
369
23/11/15 16:32
NOGUEIRA JSE; BONINI GAVC; MASCARO MSB; IMPARATO JCP; POLITANO GT
RELEVÂNCIA CLÍNICA
Avaliar o grau de entendimento de responsáveis por crianças compreendidas nas faixas etárias entre 2 e 9 anos a respeito
da automedicação, como essa prática é realizada, qual critério
utilizado para escolha das drogas e para que sejam elaboradas
campanhas educativas para esclarecimento sobre os perigos
dessa prática.
INTRODUÇÃO
Para a Organização Mundial da Saúde1 (OMS), a automedicação consiste na seleção e utilização de medicamentos isentos
de prescrição para tratar doenças autolimitadas ou seus sintomas. Essa modalidade se destaca principalmente pela aquisição de medicamentos sem receita, sobras de medicamentos de
tratamentos anteriores e a utilização de antigas prescrições2,
o que pode acarretar sérios malefícios, como intoxicações3 e
reações alérgicas4.
Um exemplo negativo de impacto catastrófico de mau uso
de drogas pode ser visto a partir da segunda metade do século
passado com a introdução da penicilina, antibiótico que até hoje
tem desempenhado um papel importante e crucial no tratamento de doenças infecciosas.5,6 No entanto, o manuseio inadequado
contribuiu para o fenômeno da resistência antimicrobiana, que
está se tornando um problema de saúde pública mundial.6,7,8
Embora populações das classes sociais mais altas, inclusive
em países desenvolvidos com sistemas de saúde mais organizados, também pratiquem a automedicação9, este problema é
mais evidente em populações de baixa renda, pois um terço
da população mundial não tem acesso a medicamentos essenciais e sofre ainda influência de inúmeros outros fatores para
o uso irracional de medicamentos.1,10 Por esse motivo, autores6
suplicam a necessidade de políticas públicas para a definição
de intervenções e estratégias de promoção da saúde, visando
à prevenção da automedicação para evitar riscos aos usuários
e à comunidade.
O exercício da automedicação é de impacto global. Quadros alarmantes podem ser vistos na África. Em Gana, medicamentos são adquiridos sem prescrição.11 No continente asiático, a Jordânia destacou-se pelo abuso na aquisição de drogas
antibacterianas sem receita.10 Em países latinos, pessoas são
influenciadas por mensagens na mídia.12 Na Europa, em um
dos centros da indústria farmacêutica mundial, a Alemanha, a
automedicação é amplamente praticada entre crianças e adolescentes de famílias de alto nível socioeconômico.13 No Brasil,
estudos mostraram elevada utilização de medicamentos em indivíduos nos primeiros anos de vida.7,14,15,16
Pelo exposto e devido à escassez de literatura que representem a realidade na região, torna-se relevante pesquisar se a
automedicação é exercida pelos usuários do Centro de Especialidades Médicas e Odontológicas (CEMO), analisando aspectos
socioeconômicos (gêneros e condição trabalhista dos responsáveis); faixa etária das crianças expostas; opinião sobre a automedicação frente a problemas odontológicos e qual a atitude
dos responsáveis em relação à receita médica e odontológica.
370
MATERIAIS E MÉTODOS
Após determinação do tamanho amostral (n=476), com
base no atendimento mensal fornecido pela secretaria do
CEMO na Cidade de Belém (PA), foram aplicados questionários
de maneira aleatória, aos responsáveis por crianças na faixa
etária de 2 a 9 anos que concordaram em participar da pesquisa após leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE), sob aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da
Faculdade e Centro de Pesquisa São Leopoldo Mandic (protocolo 2012/0323 de 01/10/2012). Foram analisados quesitos delineados em dados pessoais, dados ocupacionais, perfil socioeconômico, percepção de problemas odontológicos e iniciativa
de instituição de automedicação.
Para caracterizar a prática da automedicação foram utilizados métodos inferenciais. As variáveis quantitativas foram apresentadas por medidas de tendência central e de dispersão, e as
qualitativas por distribuição de frequências. Para a prevalência da
automedicação foi calculado o intervalo de confiança de 95%. Na
análise estatística foi aplicado o teste de independência do qui-quadrado, adotando o nível de significância de 5%. Todo processo estatístico foi realizado utilizando o Software BioEstat versão
5.3 e Z.SCORE versão 1.0
RESULTADOS
A maioria (54.0%) dos entrevistados era de indivíduos responsáveis por crianças que estavam na fase pré-escolar (Figura 1),
78.4%; pertencem ao gênero feminino (Figura 2) e 28.3% estavam
desempregados (Figura 3).
Observou-se a frequência de 67.2% de indivíduos com opinião favorável à automedicação em possíveis casos de problemas
odontológicos em crianças (Figura 4), não havendo associação estatisticamente significante entre os indivíduos segundo o nível de
escolaridade das crianças sob sua responsabilidade (Tabela 1).
Não Informado
Pré-escolar (2 a 6 anos)
Escolar (7 a 9 anos)
FIGURA 1
Faixa etária das crianças acompanhadas por seus responsáveis adultos. Belém, 2012
REV ASSOC PAUL CIR DENT 2015;69(4):369-75
Artigo 08 - Automedicação em crianças atendidas em centro de especialidades odontológicas – fluxo 1265.indd 370
23/11/15 16:32
Odontopediatria
Masculino
Feminino
Não Informado
Desempregado
Estudante
Autônomo
Aposentado/Pensionista
Outros
Não Informou
FIGURA 2
Gênero dos responsáveis pelas crianças. Belém, 2012
Favorável
Empregado
FIGURA 3
Situação trabalhista dos responsáveis pelas crianças. Belém, 2012
Desfavorável
Pode ser reutilizada
Pode ser substituida
Pode ser a dosagem alterada
É inlterável e intransferível
Não informou
FIGURA 5
Opinião favorável sobre automedicação em casos de febre,
dor e edema em criança com problema dentário. Belém, 2012
FIGURA 4
Opinião dos responsáveis sobre automedicação
em criança com problema dentário. Belém, 2012
TABELA 1
Opinião de responsáveis sobre automedicação em crianças por problemas odontológicos segundo a condição escolar. Belém, 2012
Automedicação
Pré-escolar
Escolar
fa
fr
(IC 95%)
fa
fr
(IC 95%)
Favorável
176
68,5
62,8-74,2
119
63,3
56,4-70,2
Desfavorável
81
31,5
25,8-37,2
69
36,7
29,8-43,6
Total
257
100
------
188
100,00
------
Nota: 31 sujeitos da pesquisa não informaram a condição escolar da criança.
IC 95%: Intervalo de confiança de 95%. p=0.25 (Teste do Qui-quadrado).
REV ASSOC PAUL CIR DENT 2015;69(4):369-75
Artigo 08 - Automedicação em crianças atendidas em centro de especialidades odontológicas – fluxo 1265.indd 371
371
23/11/15 16:32
NOGUEIRA JSE; BONINI GAVC; MASCARO MSB; IMPARATO JCP; POLITANO GT
Não informou
Não
Reutilizando medicamentos
Uso adequado para casa caso
alterando a dosagem
Não automedica
Não informou
Sim
FIGURA 6
Maneira utilizada por responsáveis que realizarem a automedicação
em crianças por problema odontológico. Belém, 2012
FIGURA 6
Atitudes de responsáveis de crianças quanto à receita médica. Belém, 2012
TABELA 2
Indicação do tipo de medicamento de acordo com a condição de febre, dor e edema. Belém, 2012
Condição
Medicamento
Febre
Dor
Edema
fa
fr
fa
fr
fa
fr
Sim
107
22,5
311
65,3*
11
2,3
Não
369
77,5
165
34,7
465
97,7
Sim
319
67,0*
47
9,9
20
4,2
Não
157
33,0
429
90,1
456
95,8
Sim
46
9,7
91
19,1
274
57,6*
Não
430
90,3
385
80,9
202
42,4
Sim
44
9,2
59
12,4
242
50,8*
Não
432
90,8
417
87,6
234
49,2
Total
476
100,0
476
100,0
476
100,0
Analgésico
Antitérmico
Anti-inflamatório
Antibiótico
p<0,05 tanto para a associação de cada tipo de medicamento com os tipos de condições,
quanto de cada condição com os tipos de medicamentos (Teste do Qui-quadrado).
*Valores que mais contribuíram na avaliação probabilística (Análise de resíduos do Qui-quadrado).
372
REV ASSOC PAUL CIR DENT 2015;69(4):369-75
Artigo 08 - Automedicação em crianças atendidas em centro de especialidades odontológicas – fluxo 1265.indd 372
23/11/15 16:32
Odontopediatria
Em relação aos sinais clínicos de possíveis problemas
odontológicos (Figura 5), os indivíduos afirmaram que procederiam à automedicação em maior frequência em casos de
dor (52.1%) e em menor frequência em casos de febre (14.3%)
e edema (5.7%). A maioria indicou coerentemente as especialidades farmacêuticas segundo os sinais clínicos (Tabela 2),
como uso de analgésicos em casos de dor (65,3%; p<0,05),
antitérmico para febre (67,0%; p<0,05) e anti-inflamatório
em caso de edema (57,6%; p<0,05).
Quanto à receita de medicamento, 57.4% dos indivíduos
afirmaram que não pode ser alterada e utilizada por outra pessoa, 27.9% relatou a possível reutilização da mesma
(Figura 6) e a forma de automedicação mais indicada (Figura 7) foi a de adequação da especialidade farmacêutica
ao problema odontológico que possivelmente pudesse ser
observado nas crianças.
DISCUSSÃO
Perfil socioeconômico
Quanto ao fator socioeconômico investigado nesta pesquisa, a categoria da situação trabalhista mais frequente foi
a de desempregado, com a frequência de 28.3%, seguida
das categorias de empregados (26.1%) e autônomos (21%),
revelando um resultado favorável de 67.2% para automedicação entre os pesquisados. As desigualdades nos níveis de
saúde podem ser em grande parte explicadas por diferenças
nos indicadores socioeconômicos às quais uma pessoa ou
população está exposta 17, havendo necessidade de analisar
os fatores socioeconômicos relacionados com a cárie dentária, assim como a má distribuição de renda, além das dificuldades de acesso aos serviços odontológicos, onde pessoas
com diferenças pronunciadas de renda também estão em
desvantagem quanto à ocorrência de problemas de saúde
bucal. Pereira et al. (2007) concluíram em sua pesquisa que
a condição socioeconômica não mostrou associação significativa com a automedicação, no entanto, concordam que
os usuários de serviço público apresentam risco aumentado
para essa prática. Por esse motivo, Furlani (1993) sugere a
necessidade de analisar a renda familiar e a inserção social
como influência direta na prevalência da cárie dentária, pois
indivíduos com grau de escolaridade maior tendem a escovar seus dentes mais vezes e suas crianças começam a ter
hábitos de higiene mais precocemente, mostrando impacto significativo na saúde bucal. Por esse motivo, é coerente
a afirmação de que indivíduos mais pobres e sem inserção
social tendem a ter mais problemas dentários, com grande percepção tanto em níveis individuais como coletivos 20,
o que parece coerente com nosso resultado, onde a renda
pessoal e familiar revelou resultado de um a dois salários
mínimos.
Gênero dos responsáveis
Outro fator relevante do perfil socioeconômico está intimamente ligado ao gênero dos cuidadores que procuram
atendimento para seus dependentes. Em nossa pesquisa, a
maioria dos responsáveis (78.3%) era do gênero feminino.
Este resultado vai ao encontro de outros autores2,21 que encontraram respectivamente 82% e 51% do gênero feminino.
Tais resultados podem estar relacionados com a percepção do
problema pela mãe ou responsável feminino, quando comparado ao masculino. A alegação é plausível, quando observada
a função social da mulher no contexto familiar de prover, entre outras coisas, a saúde da prole, apoiada por estudos que
comprovam a iniciativa de automedicação por mães, especialmente quando os menores estão situados na faixa etária
inferior a sete anos de idade.2,22
Atitude de automedicação em
criança com problema odontológico
Em nossa pesquisa, a frequência de opinião favorável à automedicação foi de 67.2% pelos responsáveis das crianças que
apresentam problemas odontológicos, contra 32.8% que não
o fariam. Quando comparada à condição escolar, o resultado
para a automedicação na fase pré-escolar foi de 68.5% e 63%
na fase escolar, demonstrando não haver diferença significativa. Resultado conflitante com o encontrado em um estudo
na Holanda22, no qual pesquisaram medicamentos prescritos a
indivíduos menores de 17 anos e concluíram que a prevalência
de consumo é bem mais elevada em crianças com idade inferior
a 1 ano, seguida da faixa etária de 2 a 5. Achado semelhante foi
encontrado em um estudo sobre a utilização de medicamentos
em creches públicas de uma região da cidade de São Paulo e na
Cidade de Tubarão (SC), com resultado positivo para automedicação na fase pré-escolar.2
Torna-se oportuno relatar os resultados de uma pesquisa
realizada nos estados do Piauí e Pará, mostrando que 590
(30%) crianças menores de cinco anos nas cidades de Caracol (PI) e 1081 (25%) em Garrafão (PA) haviam sido automedicadas. 14 A justificativa para o exercício da automedicação residiu no fato de os responsáveis terem dificuldade
em conseguir atendimento para os filhos doentes nos dois
municípios. Os autores da pesquisa reforçam a necessidade
de aumentar a disponibilidade de serviços médicos nestes
municípios, de facilitar o acesso geográfico aos serviços de
saúde e de realizar campanha mostrando os riscos da automedicação. Preocupante também foi o resultado encontrado
por Oliveira et al. (2010) 15, que mostrou elevada prevalência
da utilização de medicamentos, pois de 3.985 (65.0%) de
crianças aos três meses de idade, 3.907 (64.4%) aos doze
meses e 3.868 (54.7%) aos vinte e quatro meses fizeram utilização de drogas.
Quando analisamos medicações voltadas às crianças, parece redundante e óbvia a afirmativa de que tal questão se
trata de um problema global. Em uma revisão sistemática realizada na cidade México por Wirtz et al. (2008)23, utilizando
os bancos de dados originais publicados nos anos de 1990 a
2004, sobre o acesso e uso de medicamentos, no que diz respeito à população do estudo, cerca de um quinto dos estudos
REV ASSOC PAUL CIR DENT 2015;69(4):369-75
Artigo 08 - Automedicação em crianças atendidas em centro de especialidades odontológicas – fluxo 1265.indd 373
373
23/11/15 16:32
NOGUEIRA JSE; BONINI GAVC; MASCARO MSB; IMPARATO JCP; POLITANO GT
de prescrição e de consumo eram voltados a crianças menores
de cinco anos.
Automedicação em casos de febre, dor e edema
O nosso resultado sobre automedicação em problemas
odontológicos evidenciou uma maior frequência em casos de
dor 52.1%, seguido de 14.3% em casos de febre, e em menor
frequência em casos de edema, com 5.7%. Resultado semelhante foi encontrado na cidade de Suba em Bogotá. 24 Após
pesquisa sobre a prevalência e os fatores associados com uso
de medicamentos, as principais patologias que levaram à automedicação pelos pesquisados foi a dor (31.1%), seguida da
febre (4.4%). Contrastando com resultado realizado em um
estudo transversal na cidade de Santa Catarina no Brasil, o
qual evidenciou maior percentual de automedicação entre
crianças de 0 a 14 anos de idade na febre, com 57.6% e 27.2%
para os casos de dor.2
Dor e edema - Quando analisamos a justificativa da intervenção na dor superar a febre, como a encontrada em nosso
estudo, pode estar no fato de que a primeira seja o mais temido
de todos os sintomas em que um paciente percorre no curso
de uma doença.25 Além disso, continuam os autores afirmando
que a OMS declarou a dor como emergência médica mundial
em pacientes com câncer e Nascimento et al. (2011)26 ainda a
incluem como quinto sinal vital, por considerarem a valorização da queixa da dor muito relevante no cuidado humanizado
em todas as instituições de saúde, com a finalidade de dirimir
um sofrimento, na maioria das vezes controlável, além de assegurar um direito do paciente.
Quando analisado o emprego da automedicação nos casos de edema, encontramos que apenas 5.7% dos pesquisados foram adeptos a essa prática. O fato de 45.4% dos
participantes da nossa pesquisa, nunca automedicarem na
presença de edema é no mínimo intrigante, pois os pacientes não hesitaram em automedicarem em casos de dor e febre. Se julgarmos que os sinais e sintomas cardeais da inflamação, como edema, eritema, calor, dor e perda de função
estão presentes quase que na totalidade dos pacientes com
lesões odontogênicas 27 dever-se-ia esperar a mesma prática
nestes casos.
Constatamos em nossa pesquisa coerência entre os responsáveis leigos em apontarem as drogas analgésicas, anti-inflamatórias e antibióticas para a automedicação em casos
específicos de febre/dor, inflamação e edema respectivamente.
Porém, é óbvia e necessária a afirmativa de que tal conclusão
não os credencia para essa prática, visto que os pesquisados
não contam com os efeitos adversos relatados no meio científico e também não tiveram sequer um diagnóstico antes de
proceder à medicação correta.
Uso da receita
Dos responsáveis questionados em nossa pesquisa, 57.4%
afirmaram que a receita é inalterável e intransferível, entretanto 42.6% dos pesquisados que admitem de alguma forma alterar a receita, (5,9%, pode alterar a dosagem, 4,6% a
374
receita pode ser substituída e 4,2% não informaram) 27.9%
relataram que a mesma pode ser reutilizada, verificando-se
associação significativa devido a maior frequência da categoria “é inalterável e intransferível”.
Em um estudo 16 envolvendo 413 pessoas do Município
de Santa Maria (RS), sobre o consumo de medicamentos,
os autores concluíram que 51.7% se automedicaram reutilizando receitas médicas e após estudo de análise transversal
com 125 pacientes em Casablanca, Marrocos 28 que faziam
uso prolongado de corticosteroide afirmam que dentre as
formas pelas quais a automedicação pode ser praticada estão aquisição de medicamentos mais baratos e sem receita,
expondo pacientes a riscos.
A reutilização ou substituição da receita, assim como
alteração da dose, merece preocupação pelo fato de que
o paciente não-prescritor desconhece o princípio ativo
dos medicamentos e, ao estudarem 124 entrevistados, entre 1999 e janeiro de 2000, em dois bairros da cidade de
Porto Alegre (RS), os autores 29 concluíram que a maioria,
cerca de 90% da amostra avaliada, simplesmente desconhecia qual a substância ativa presente em uma especialidade farmacêutica que usa frequentemente. Nesse sentido
Kato (2014) reforça a importância do farmacêutico como
profissional indispensável na orientação e aconselhamento
de forma objetiva sobre a administração de medicamentos
sem prescrição, reforçando inclusive a necessidade desse
profissional como parte integrante nos ensinos curriculares
de escolas secundárias.
Vários atores devem estar envolvidos na tentativa de dirimir a prática da automedicação e os órgãos públicos responsáveis pela gestão da saúde devem oferecer à população
médicos e dentistas em regime de 24 horas em todos os
municípios, permanência de farmacêuticos nos setores de
dispensação de drogas em tempo integral, medicamentos
acessíveis e com possibilidade de fracionamento o que inviabilizaria o acondicionamento de sobras em domicílio e
ainda, campanhas de esclarecimento sobre os riscos de automedicação. Por esse motivo, mais pesquisas, com maior
amostragem, que possam revelar o perfil dessa prática em
todo o Estado se faz necessário.
Após análise dos resultados e discussão podemos concluir que a automedicação é exercida pelos usuários do
serviço; a maioria dos responsáveis pertence ao gênero
feminino e desempregados; não houve diferença significativa entre crianças nas idades pré-escolares e escolares
submetidas à automedicação; houve utilização coerente de
analgésicos em casos de dor, anti-inflamatório na inflamação e antimicrobianos na infecção e a reutilização de antigas receitas é a forma mais frequente de automedicação.
APLICAÇÃO CLÍNICA
Formular ações educativas para minimizar a prática da automedicação e contribui com a vigilância em saúde na adequada
assistência farmacêutica.
REV ASSOC PAUL CIR DENT 2015;69(4):369-75
Artigo 08 - Automedicação em crianças atendidas em centro de especialidades odontológicas – fluxo 1265.indd 374
23/11/15 16:32
Odontopediatria
REFERÊNCIAS
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
WHO. World Health Organization. The role of the pharmacist in self-care and self-medication [texto na internet]. 1998 [citado 2012 Mai 29]. Disponível em: http://apps.who.
int/medicinedocs/en/d/Jwhozip32e/
Beckhauser GC, Souza JM, Valgas C, Piovezan AP, Galato D. Utilização de medicamentos na Pediatria:
a prática de automedicação em crianças por seus responsáveis. Rev Paul Pediatr. 2010;28(3):262-8.
Silveira FG, Osório RG, Piola SF. Os gastos das famílias com saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2002;7(4):719-31.
Cardona R, Ramírez RH, Reina Z, Escobar MF, Morales E. Alergia e intolerancia a antiinflamatorios no esteroides: desensibilización exitosa en tres casos y revisión de la
literatura. Biomédica. 2009 Apr-June;29(2):181-90.
Harbarth S, Samore MH. Antimicrobial resistance determinants and future control.
Emerg Infect Dis. 2005 June;11(6):794-801.
Malhotra-Kumar S, Lammens C, Coenen S, Herck VK, Goossens H. Impact of azithromycin and clarithromycin therapy on pharyngeal carriage of macrolide-resistant streptococci in healthy volunteers: a randomised, double-blind, placebo-controlled study.
Lancet. 2007 Feb 10;369(9560):482-90.
Berzanskyte A, Valinteliene R, Haaijer-Ruskamp FM, Gurevicius R, Grigoryan L. Self-medication with antibiotics in Lithuania. Int J Occup Med Environ Health. 2006;19(4):246-53.
van de Sande-Bruinsma N, Grundmann H, Verloo D, Tiemersma E, Monen J, Goossens H et al.
Antimicrobial Drug Use and Resistance in Europe. Emerg Infect Dis. 2008 Nov;14(11):1722-30.
Schmid B, Bernal R, Silva NN. Automedicação em adultos de baixa renda no município
de São Paulo. Rev Saúde Pública. 2010;44(6):1039-45.
Al-Bakri AG, Bustanji Y, Yousef AM. Community consumption of antibacterial drugs within the Jordanian population: sources, patterns and appropriateness. Int J Antimicrob
Agents. 2005 Nov;26(5):389-95.
Skliros E, Merkouris P, Papazafiropoulou A, Gikas A, Matzouranis G, Papafragos C et al.
Self-medication with antibiotics in rural population in Greece: a cross-sectional multicenter study. BMC Fam Pract. 2010 Aug 8;11:58
Mainous AG, Diaz VA, Carnemolla M. A community intervention to decrease antibiotics
used for self-medication among Latino adults. Ann Fam Med. 2009 Nov-Dec;7(6):520-6.
Du Y, Knopf H. Self-medication among children and adolescents in Germany: results of the National
Health Survey for Children and Adolescents (KiGGS). Br J Clin Pharmacol. 2009 Oct;68(4):599-608.
Goulart IC, Cesar JÁ, Gonzalez-Chica DA, Neumann NA. Automedicação em menores de
cinco anos em municípios do Pará e Piauí: prevalência e fatores associados. Rev Bras
Saude Mater Infant. 2012;12(2):165-72.
15. Oliveira EA, BertoldiI AD, Rodrigues D, Domingue ISS, BarrosII AJD. Uso de medicamentos do nascimento aos dois anos: Coorte de Nascimentos de Pelotas, RS, 2004. Rev
Saúde Pública. 2010;44(4):591-600.
16. Vilarino JF, Soares IC, Silveira CM, Rödel APP, Bortoli R, Lemos RR. Perfil da automedicaçäo em município do Sul do Brasil. Rev Saúde Pública. 1998;32(1):43-9
17. Antunes JL, Peres MA, de Campos Mello TR, Waldman EA. Multilevel assessment of determinants
of dental caries experience in Brazil. Community Dent Oral Epidemiol. 2006 Apr;34(2):146-52.
18. Pereira FSVT, Bucaretchi F, Stephan C, Cordeiro Ro. Automedicação em crianças e adolescentes. J Pediatr. 2007;83(5):453-8.
19. Furlani PA. Influências dos aspectos sócio-culturais na prevalência da cárie dentária em
escolares de Jaraguá do Sul. Jaraguá do Sul [monografia]. Paraná: Universidade Federal
do Paraná - Odontologia Preventiva e Social; 1993. 64p.
20. Wagstaff A. Poverty and health sector inequalities. Bull World Health Organ. 2002;80(2):97-105.
21. Baldini MH, Narvai PC, Antunes JLF. Cárie dentária e condições sócio-econômicas no
Estado do Paraná, Brasil, 1996. Cad Saúde Pública. 2002;18(3):755-63.
22. Schirm E, van den Berg P, Gebben H, Sauer P, De Jong-van den Berg L. Drug use of children in the
community assessed through pharmacy dispensing data. Br J Clin Pharmacol. 2000 Nov;50(5):473-8.
23. Wirtz VJ, Reich MR, Leyva Flores R, Dreser A. Medicines in Mexico, 1990-2004: systematic review of research on access and use: [review]. Salud Pública Méx. 2008;50(supl.4):s470-s479.
24. López Alvarenga R, Martins PCA, Seabra RC, Carneiro MA, Souza LN. Sialoadenite supurativa
aguda em glândula submandibular. Rev Cir Traumatol Buco-maxilo-fac. 2009;9(3):29-34.
25. Rangel O, Telles C. Tratamento da dor oncológica em cuidados paliativos. Rev Hospital
Univ Pedro Ernesto. 2012;11(2):3-5.
26. Nascimento LA, Kreling MCGD. Avaliação da dor como quinto sinal vital: opinião de
profissionais de enfermagem. Acta Paul Enferm. 2011;24(1):50-4.
27. Topazian RG, Goldberg MH, Hupp JR. Infecções orais e maxilofaciais. 4a ed. São Paulo: Santos; 2006.
28. Nassar K, Janani S, Rachidi W, Mkinsi O.Prevalence and risk factors of corticosteroids
self-medication. Ann Rheum Dis. 2014; 1;73 Suppl 1:A95.
29. TIERLING, V. L et al. Nível de conhecimento sobre a composição de analgésicos com
ácido acetilsalicílico. Revista de Saúde Pública. São Paulo, v. 38, n. 2, p. 223-227, 2004.
30. Kato T. The Role of Pharmacists and Student Pharmacists in Educating and Providing
Advice about Over the Counter (OTC) Medications. Yakugaku Zasshi 2014;134(2):223-35.
REV ASSOC PAUL CIR DENT 2015;69(4):369-75
Artigo 08 - Automedicação em crianças atendidas em centro de especialidades odontológicas – fluxo 1265.indd 375
375
23/11/15 16:32
Download