Valor Econômico – 03 de setembro de 2010 Desindustrialização e o Pato Donald Pedro C. Ferreira e Renato Fragelli 03/09/2010 Não será advogando políticas que só beneficiam a indústria que se conseguirá acelerar o crescimento do país A despeito da celeuma recente sobre uma suposta desindustrialização do país, não há evidência forte de que isso venha ocorrendo. Ao contrário, a indústria nacional tem crescido a taxas bastante altas. Isso não impediu aqueles que sempre preconizaram a desvalorização cambial como estratégia para combater os efeitos nefastos da desindustrialização de insistirem nos mesmos argumentos, agora como medida de combate aos supostos efeitos negativos da "re-primarização" da pauta de exportações. Os efeitos presumidamente negativos das exportações de commodities sobre a economia brasileira carecem de base empírica e teórica, bem como agridem o bom senso. Não há estudos relevantes estimando o efeito da composição da pauta de exportação sobre crescimento. Pode-se identificar a origem dessa ideia na tradição do pensamento dito "desenvolvimentista". A premissa - ou dogma - é que a indústria seria (sempre) o setor mais dinâmico da economia, aquele onde se daria a adoção e criação de novas tecnologias, o setor que puxa a reboque os outros. Uma vez aceita essa hipótese, segue-se como prescrição de política econômica que qualquer fator que pareça prejudicar a indústria - valorização cambial, abertura comercial, juros elevados etc. - deveria ser "corrigido" o mais rapidamente possível, independentemente dos custos implicados por tal decisão sobre o resto da economia. A ênfase excessiva na industrialização ignora dois fatos importantes. O primeiro é que inovação tecnológica não é prerrogativa do setor industrial. Numa semente de soja produzida no Cerrado há embutidos bilhões de dólares em pesquisa desenvolvida pela Embrapa e empresas privadas. A tecnologia gerada por essas pesquisas foi responsável por um espetacular aumento de produtividade de muitas outras culturas no país, bem como da agroindústria. As exportações agrícolas dispararam não só porque a demanda externa cresceu, mas porque o Brasil tornou-se tecnologicamente avançado e altamente competitivo. O segundo fato ignorado é que, ao longo de suas trajetórias de crescimento, os países sofrem uma transformação estrutural em que o trabalho é inicialmente realocado da agricultura para indústria - tal como na China atual, e no Brasil dos anos 1950 a 1970 - e, posteriormente, da indústria para os serviços. Na Espanha, por exemplo, entre 1960 e 2000, o emprego na agricultura caiu de 42% do total para 7%; na indústria, de 34% para 30%; enquanto no setor de serviços, saltou de 24% para 63%. Na Bélgica, no mesmo período, o emprego na agricultura caiu de 29% do total para 2%; na indústria de 28% para 23%; enquanto nos serviços cresceu de 43% para 75% do total. Números semelhantes se observam nos países mais avançados do planeta. Há cerca de 20 anos, as ações da U.S. Steel foram substituídas pelas da Walt Disney no índice Dow Jones. Isso não significa que, para a economia americana, uma chapa de aço seja menos importante que o Pato Donald ou o Buzz Lightyears. Mas constitui um sinal da influência do setor de entretenimento e, de forma mais geral, do setor de serviços no PIB americano. Uma inexorável consequência do crescimento do setor de serviços é o fato aritmético de que a produtividade média da economia, bem como sua taxa de crescimento, serão largamente influenciadas, senão determinadas, pelo que ocorre nesse setor. O desempenho da indústria continuará a impactar positivamente muitos subsetores do terciário, mas é pouco provável que um setor que tende a recuar para 20% da economia determine o desempenho agregado. Aqui se encontra um grave problema brasileiro: nos anos recentes, o setor terciário cresceu a uma taxa muito baixa, tanto em comparação com outros países quanto com outros setores domésticos. No início dos anos 1950, segundo dados do Groningen Growth and Development Centre, a produtividade do setor de serviços (excluindo setor público) no Brasil era de cerca de um quarto do observado nos EUA. Se isto já era ruim, em 2005 a situação tornou-se bem pior: a produtividade média caiu para cerca de um décimo da americana! Em termos relativos, andamos para trás, pois enquanto a produtividade no setor terciário americano aumentou 250%, no período, aqui cresceu menos de 20%. Em resumo, como em todos os países de renda média e alta, o Brasil tende a se tornar uma economia com predominância do setor de serviços, mas é justamente nesse setor que a produtividade está quase estagnada. Os economistas brasileiros não têm se dedicado ao estudo do setor terciário com a mesma intensidade que estudam a indústria e agricultura. Não será advogando políticas que somente beneficiam a indústria, ou criando falsos problemas como a "re-primarização" da pauta de exportações, que se conseguirá acelerar o crescimento futuro do país. É preciso identificar o que fazer para que, em alguns anos, o Cebolinha e a Turma da Mônica façam parte do Ibovespa, isto é, como aumentar o dinamismo e a produtividade dos setores de entretenimento, comércio, transporte, turismo, entre outros. Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso são professores da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas