Ricardo Mendes

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OPINIÃO | EXTRA
Opinião
Ricardo Mendes
Música
e
EDUCAÇÃO
Parte IV
Se você leu esta coluna na edição anterior, pode pular a introdução e ir
direto ao texto. Caso não tenha lido, nos meses passados, falei sobre a
“crise” cultural e educacional em nosso estado. Como já disse, os
culpados são absolutamente todos os envolvidos com a produção
cultural. Eu incluído... Vamos continuar a dissecar a culpa de cada uma
das partes, sem rancores ou partidarismos...
V
ou pedir praticamente o impossível:
ao invés de se defender, ficar chateada ou ofendida, cada parte deveria analisar a sua parcela de culpa e ver se realmente está dando a sua contribuição para o
desenvolvimento da cultura ou apenas vê
a cultura como mais um mercado a ser explorado. O que tento fazer não é acusação
e sim uma proposição à reflexão.
Como foi dito nos artigos anteriores, os
culpados, sem ordem de importância e
em ordem alfabética, são: os comerciantes de música, os contratantes, o Estado, a imprensa escrita, os músicos, o
público, as rádios e a televisão. Se não
esqueci ninguém, absolutamente todo
mundo envolvido de alguma maneira
com a música, incluindo eu.
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O ESTADO (PARTE II):
No mês passado o enfoque foi sobre o
vício que as pessoas têm em culpar o
Estado sem olhar para a sua própria
falta de organização. Mas afinal, onde
o Estado “dá mole” na questão cultural? Bem, a lista é longa... Vou tentar
falar de forma organizada. Talvez a
maior deficiência do Estado na questão cultural seja a distância que ele
tem da realidade artística. Muitos dos
profissionais que trabalham para o governo não são profissionais da área da
qual estão gerindo. Têm contato com
a área, mas não trabalham nela no sentido de viver dela diretamente. Para
melhor esclarecer: uma pessoa responsável por uma área de dança dentro de
uma secretaria de cultura ganha o seu
salário do governo, e não dançando
em espetáculos. A pessoa responsável
pela área de literatura idem. Ela não
ganha seu dinheiro com a venda de livros. É bem possível até que ela nunca
tenha escrito um livro. É desse distanciamento que estou falando. Isso quer
dizer então que devemos colocar escritores para gerir o setor de literatura?
Músicos para gerir o setor de música?
Não necessariamente, mas a gestão só
será eficiente se houver uma assessoria
por parte de alguém que realmente esteja inserido no contexto profissional
de tal área.
É necessária uma união de know-how
de duas áreas: da área artística e da
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área de gestão de recursos públicos.
Um ator ou diretor normalmente não
saberia como gerir recursos públicos
por falta de conhecimento técnico de
gestão pública e por desconhecer trâmites e ritos legais a serem cumpridos. Já o gestor público não vai ter
uma noção exata de qual seria o melhor lugar para se apresentar uma
peça, pois o artista por experiência já
sabe muitas vezes o que vai dar certo
ou não em um evento. Desde local,
horário, tipo de público, qual a montagem mais adequada para um espetáculo, etc... O gestor não faz apresentações todos os dias. Como poderia
ele saber o que dá certo ou errado em
um evento?
Vejo vários eventos organizados pelo
Estado que não funcionam. O Estado
gasta uma grana para promover a cul-
tura local, por exemplo, montando
uma tenda com ótima estrutura na
praia, paga um cachê aos artistas, mas
chega na hora do evento e não tem
público. Os organizadores não entendem e acham que a culpa é das bandas
que não “trazem” público. No ano seguinte eles preferem gastar o dinheiro que pagaria a apresentação de 20
bandas locais trazendo uma só “megaatração” de renome e assim vão ter
a sensação de que o evento deu certo.
Deu certo sim. Para o artista de renome que cobrou não menos que R$ 50
mil reais. E o Estado dá um tiro no pé,
pois ele passa a patrocinar o entretenimento, e não a cultura.
A lógica do processo é: se este artista
é famoso, ele não precisa do incentivo do governo. O governo, que é
indissociável da política, pode inves-
tir em cultura ou em ibope. Para investir em ibope é fácil: contrata Ivete
Sangalo, Zezé Di Camargo e Luciano,
O Rappa, Roberto Carlos, Charlie
Brown Jr. E com certeza o evento vai
estar cheio, sucesso garantido. A pergunta que fica: se o governo oferece
megashows de graça para mostrar a
“grandiosidade” da sua administração, alguém vai pagar para assistir às
bandas locais que têm que cobrar ingresso para sobreviver? Imagine, sábado à noite, megashow de graça na
praia ou a bandinha local tocando no
barzinho com o couvert a R$ 5 reais?
Para aonde você vai?
Mas o que adianta ficar fazendo show
de bandas locais se vai pouca gente?
Isso não seria um desperdício de dinheiro público? Claro que é. Mas é
bem mais barato do que realmente
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querer resolver a situação. Não adianta montar shows se não há público.
O que o governo tem que assumir
para si é a responsabilidade de formar
público. E também assumir que ele
não sabe fazer isso. Quem sabe fazer
isso são artistas profissionais (que realmente vivem disso), radialistas, empresários, produtores e educadores.
Esses profissionais são mais inteligentes do que quem está dentro do governo? Claro que não. Eles apenas lidam
diariamente com o público e alunos e
já diminuíram consideravelmente a
margem de erro em seus projetos após
anos de experiências em coisas que deram certo e deram errado.
Para sintetizar o problema, a gestão
cultural se faz atrás de uma mesa de
escritório, e não atrás de uma mesa de
som. Faz-se atrás de uma porta de escritório e não atrás de uma coxia. Fazse atrás de um gabinete e não de um
camarim. Por isso considerei um
acerto o governo chamar dois produtores musicais e um crítico de música
para escolher os discos no edital do
qual falei no mês passado. Mas nem
sempre isso acontece.
Outro ponto importantíssimo, na
minha opinião, o mais importante de
todos: a falta de coordenação entre
secretarias de cultura e de educação.
Para mim deveria existir uma só secretaria: de educação e cultura. Trabalhando juntas e interligadas. A cultura tem que ser veiculada nas escolas
desde o nível básico. Cultura tem que
fazer parte da grade do ensino fundamental ao ensino médio. O nível do
consumo cultural tem decaído nas últimas décadas nesse país, e os grandes
nomes da nossa música, que realmente fizeram história, foram de pelo menos duas décadas atrás. Se uma cultu62 www.backstage.com.br
ra desce de Tom Jobim a “Beber, Cair e
Levantar”, se ela desce de Jorge Bem a
“Tigrão”, de Elis Regina a “Tô nem
Aí”, alguma coisa está errada.
E essa coisa é a educação cultural. O
governo não tem que se preocupar em
investir em entretenimento. Investir
em entretenimento é hipocrisia política dizendo que se está investindo
em cultura. Investir em entretenimento é fazer propaganda da administração. Praticamente um showmício sem o candidato. O governo
tem que deixar o entretenimento
para o setor privado. E o governo tem
que aprender com o setor privado na
questão cultural. Não adianta o estado veicular música clássica na rádio
estatal se ele retira a música clássica
das escolas. É uma incoerência que
beira a estupidez. Qualquer radialista
sabe que o público pede para ouvir o
que ele escuta, ou seja, o velho medo
do desconhecido, ou então a lógica do
“mais do mesmo”. Qual é a sensação
de alguém mais jovem que jamais escutou música clássica (ou Jobim, ou
Milton Nascimento) na sua formação, ao rodar o dial de uma rádio e
ouvir este tipo de música? “Isso é
música de velho...”. Não pára nem
dois compassos na estação. “Ah, mas
jovem é assim mesmo...” muitos dizem. Bem, o que os jovens escutavam
há 30 anos? Não era o que hoje é
considerado elitista? Será que o ensino de 40 anos atrás também era
mais “elitista” por ter matérias que
com os anos foram sendo excluídas
por questões político-econômicas?
Será que escrever português correto
é ser elitista? Cantar afinado é ser
elitista? Dançar sem esfregar os órgãos genitais no chão é elitista? Não
fazer músicas falando sobre sexo ex-
plícito ou fazendo apologia a armamento pesado é ser elitista?
O Estado se esquiva em estatísticas facilmente manipuláveis dizendo que
houve grandes avanços na educação,
afinal todos os índices indicam isso,
mas nunca na história desse país se
ouviu e viu tanto lixo e porcaria cultural. Barracos continuam sendo quebrados com fartos decibéis do mais
puro lixo musical. Fernanda Montenegro dá lugar a ninfetas da malhação
e peça de teatro só dá certo se tiver
ator de novela. Não importa o texto,
não importa o autor nem o ator. Desde
que ele seja da novela. E de preferência
um monólogo para o custo de produção ficar bem baratinho. Qual a culpa
do Estado? Ele não faz a dança da manivela, ele não compõe o funk do
AK-47, ele não faz “Monólogos com a
Vagina”, nem bota banana no seu chiclete, mas deixa de formar cidadãos
com uma noção cultural, formando
uma multidão de desorientados que
bebem, caem e levantam para beber e
cair de novo. O governo implanta a lei
seca, mas não forma o público e eles
cantam “beber cair e levantar...”
O foco da questão cultural tem que
ser a educação. Nas Europa, pessoas
pagam ingresso para entrar no museu.
Aqui todo museu é de graça e mesmo
assim quase ninguém entra. Fora do
eixo Rio-São Paulo então, nem se
fala. Museu é coisa de velho... Ou se
educa e forma público ou mantém-se
o status-quo. Se a saúde pública fosse
exemplar, os planos de saúde quebrariam. Se o público fosse educado, a
cultura local não seria deficitária.
Hoje o Estado ainda não foca na solução real. Apenas dá um soro para uma
cultura moribunda para não ser culpado pela sua morte.
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