ATRIBUTOS DE UM EDUCADOR: CONCEPÇÕES PRÉVIAS DE PROFESSORES INGRESSANTES NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA Adriana Moreira da Rocha Maciel, UFSM. Andréa Forgiarini Cechin, UFSM. Vanessa dos Santos Nogueira, UFSM. Este estudo exploratório buscou concepções prévias acerca dos atributos de um educador, em um grupo de professores ingressantes na Educação Profissional e Tecnológica, participantes de um programa de formação docente. Representa recorte de investigação sobre a gênese dos saberes docentes nos movimentos construtivos dos anos iniciais da docência nesse nível e modalidade. Permitiram-nos a experiência e aprofundamento a respeito das primeiras ideias no processo de formação e sua confluência com os saberes profissionais do campo específico. Partimos do verbete atributos docentes, com influência teórica de Bronfenbrenner e Morris (1998; 1999) considerando características importantes para a aprendizagem e interatividade em qualquer ambiente, tema trabalhado em atividades no ambiente áulico presencial e no Ambiente Virtual de Aprendizagem Moodle. Os registros do fórum de discussão permitiram a análise de conteúdo, a partir de quatro grupos de competências de aprendizagem, pessoal (ser); social (conviver); proativa (fazer); cognitiva (aprender) (DELORS, 1999). Evidenciamos nessa análise que neste movimento inicial na carreira docente as percepções podem encontrar-se ainda difusas e, consequentemente demonstrarem certo despreparo e insegurança típica nessa etapa da trajetória docente. Palavras-chave: educação profissional e tecnológica; formação de professores; atributos docentes; movimentos construtivos da docência. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS A preocupação com a formação dos professores ingressantes na educação profissional tecnológica como foco de estudo levou-nos ao desenvolvimento de uma pesquisa sobre questões significativas para a elucidação dos movimentos construtivos da docência (ISAIA e BOLZAN, 2007; 2008) na sua interface com os saberes específicos e sua articulação com os saberes da docência. A aprendizagem docente para a atuação na educação Profissional e Tecnológica, contexto híbrido que abrange na prática a Educação Básica e a Educação Superior encontra-se relacionada na problemática. Este trabalho de cunho exploratório-descritivo, recorte da referida pesquisa, permitiunos a experiência e aprofundamento a respeito das primeiras ideias pedagógicas no processo de formação. O acompanhamento de um grupo de docentes ingressantes em Instituições Públicas de Educação Profissionais e ao mesmo tempo participantes de um Programa Especial de Graduação destinado à formação de professores para esta modalidade de ensino permitiu que o nosso olhar abrangesse um campo perceptivo amplo das questões que envolviam o ingresso simultâneo dos participantes, na docência e no programa de formação. O estudo envolveu a nossa experiência docente, mas também a nossa busca como pesquisadoras na direção de nos aproximarmos do contexto da pesquisa maior e conhecermos o processo de inserção dos nossos professores/estudantes, ao mesmo tempo na carreira docente e no curso de formação. Com vistas a isso, o planejamento de nossa disciplina, Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, foi organizado com encontros presenciais e a distância por meio do ambiente virtual de ensino-aprendizagem livre (MOODLE). No desenho do ambiente virtual contamos com o apoio de uma pesquisadora/tutora com formação pedagógica e tecnológica. Desse modo, os temas desenvolvidos no ambiente áulico poderiam ser aprofundados no ambiente virtual e possibilitar os registros para o acompanhamento dos estudantes e para estudo. O foco investigativo encontra-se nas concepções iniciais dos professores ingressantes acerca da docência e do que consideram como atributos de um educador para o enfrentamento cotidiano das questões pedagógicas, para eles um universo desconhecido sob o ponto de vista do novo papel que a realidade profissional lhes outorgara: professores do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico. As primeiras ideias no processo de formação e sua confluência com os saberes profissionais do campo específico começariam a emergir em um movimento construtivo da docência. ABORDAGEM METODOLÓGICA O estudo exploratório-descritivo justificou-se na abordagem de um tema pouco pesquisado, sobre o qual ainda não se acumulou uma bibliografia significativa, mas cujas informações novas levantadas permitirão um levantamento descritivo. Contudo, tomamos como referência alguns conhecimentos prévios mínimos, para definir o interesse e pertinência dos fatos levantados. No estudo em pauta, as razões que justificam a opção por esse tipo de estudo estão na oportunidade de observarmos o ingresso dos sujeitos em um processo de formação docente e suas concepções iniciais. O objetivo consistiu em aprofundar a nossa experiência e conhecimento a respeito da gênese dos conceitos pedagógicos em professores ingressantes na docência e oriundos de outras profissões, servindo como referência para uma investigação mais ampla, acerca da gênese dos movimentos construtivos da docência na praxiologia autobiográfica de professores ingressantes na educação profissional tecnológica. Triviños (1987, p. 101) salienta a fundamentação teórica do estudo como orientadora da pesquisa. Portanto, "os instrumentos utilizados na pesquisa, o questionário, a entrevista, etc., para a coleta de informações, são iluminados pelos conceitos de uma teoria." Neste estudo, tanto os pesquisadores quanto os sujeitos tiveram como referência os conceitos-chave: atributos pessoais (BRONFENBRENNER E MORRIS, 1998; 1999) e competências do aprendente: pessoal (aprender a ser); social (aprender a conviver); proativa (aprender a fazer); cognitiva (aprender a aprender) (DELORS, 1999), base para que os estudantes construíssem em um fórum de discussão a idéia de atributos de um educador. Partimos do verbete atributos pessoais, com influência teórica de Bronfenbrenner e Morris (1998; 1999) considerando características importantes para a aprendizagem e interatividade em qualquer ambiente, tema trabalhado em atividades no ambiente áulico presencial e no Ambiente Virtual de Aprendizagem Moodle. Os registros do fórum de discussão “atributos de um educador” permitiram a análise de conteúdo, a partir de quatro grupos de competências de aprendizagem, pessoal (ser); social (conviver); proativa (fazer); cognitiva (aprender) (DELORS, 1999). A busca de informações ocorreu no ambiente virtual, nos arquivos de registros de participação no fórum, a partir da qual selecionamos os sujeitos da pesquisa que correspondiam aos critérios diferenciadores da amostra: etapa de atuação na docência (anos iniciais, até 04 anos); ingresso em uma das instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (vinculada ao Ministério da Educação e instituída pela Lei nº. 11.892, de 29 de dezembro de 2008) atuando em Institutos Federais de Educação Tecnológica (IFET) e Escolas Técnicas vinculadas às Universidades Federais; participação no Programa Especial de Graduação - Formação de Professores para a Educação Profissional, critério que incluía toda a população. Importante observarmos que as atividades que originaram o estudo incluíram o conhecimento do mapa conceitual. Portanto, os sujeitos estavam em condições de refletir a partir dos constructos teóricos, no entanto, com liberdade de expressar as suas ideias com base em sua experiência inicial como docentes, eliminando-se “situações de constrangimento ou direcionamento às respostas corretas” (QUIVY E CAMPENHOUDT, 1995, p.184). Os sujeitos Do total de 132 estudantes, 100 estudantes (75, 75%) participaram do Fórum. Destes, 25% foram selecionados para o estudo por corresponderem aos critérios: professores ingressantes na profissão docente e na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e estudantes do Programa Especial de Graduação. Dos 25 estudantes selecionados pelos critérios de amostragem, quanto a idade, como demonstra a figura 1, a percentagem de estudantes entre 20 e 30 anos é de 44%, demonstrando uma ligeira tendência à inclusão de profissionais já experientes que retornam à Universidade em busca de novas oportunidades, o que é confirmado nos depoimentos dos mesmos. 13 13 12,5 12 11,5 11 11 10,5 10 Entre 20 e 30 anos Entre 40 e 50 anos Figura 1 Idade dos participantes do estudo. Quanto ao gênero, o grupo é formado por dezessete estudantes (68%) são homens e oito (32%) são mulheres, seguindo uma tendência predominantemente feminina no corpo docente desse tipo de instituição. Quanto à formação, caracteriza-se por ter uma qualificação acadêmica elevada, como demonstramos na figura 2, deslocando a pós-graduação, geralmente um terceiro movimento construtivo da docência (ISAIA e BOLZAN, 2007; 2008) para o início, organizando-se dentro dos marcadores que configuram a preparação prévia para a docência superior. Caracterizam-se por serem alunos que participam simultaneamente de programas de pós-graduação e do programa especial de graduação, como também alunos pós-graduados que retornam à formação em nível de graduação. 12 12 10 8 6 6 4 2 1 0 Graduação Mestrado Doutorado Figura 2 Qualificação acadêmica dos sujeitos. O contexto da pesquisa O estudo envolve o cenário problemático da formação dos docentes que atuam/atuarão na Educação Profissional e tecnológica e originou-se em nosso envolvimento na gestão, seleção de alunos, organização e docência no Programa Especial de Graduação - Formação de Professores para a Educação Profissional de uma Instituição Federal de Educação superior (IFES) do Rio Grande do Sul (RS). O programa foi criado pela Proposta de Reconstrução das Universidades Brasileiras - REUNI, como uma iniciativa conjunta do Centro de Educação e do Centro de Ciências Rurais, bem como das escolas técnicas federais vinculadas a IFES: Colégio Técnico Industrial, Colégio Politécnico e Colégio Agrícola, com vagas abertas para outras Instituições e com início previsto para setembro/2009. Nas Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, os docentes são designados como Professores do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico e na sua ação poderá estar inclusa uma diversidade: de atuação, no ensino básico, superior e profissional; de clientela, jovens e adultos; de demanda formativa, integrando e promovendo a formação da Educação Básica à educação profissional e Educação Superior. Espera-se ainda das Instituições que se qualifiquem “como centro de referência no apoio à oferta do ensino de ciências nas instituições públicas de ensino, oferecendo capacitação técnica e atualização pedagógica aos docentes das redes públicas de ensino”, conforme consta no Inciso VI do artigo 6º, da Lei nº. 11.892/2008 supra referida. Reforça-se a necessidade de cursos de formação de professores que supram não só as deficiências resultantes do distanciamento entre o processo de formação docente e sua atuação profissional, mas também a necessidade de preparar professores com esta visão e práxis. VÍNCULOS TEÓRICOS Os atributos O contexto teórico foi desenvolvido no programa de formação com o propósito de sensibilizá-los como educadores em formação, para a importância de descobrir em si mesmos e nos estudantes pessoas em desenvolvimento, em um percurso de vida e de aprendizagem. Enquanto educadores, com que olhar e escuta nos propomos ir ao encontro do ser humano ao qual pretendemos ensinar algo? Como construirmos com os professores em formação uma perspectiva desenvolvente, como pessoa/profissional? Problematizando a relação pedagógica, lembramos ainda que o professor seja uma referência para os seus alunos: O professor deve assumir a sua posição de adulto, que tem um saber, competências, que faz parte dos seus valores. Em resumo, apresentar uma personalidade equilibrada na qual o aluno confie, uma referência humana com a qual este possa se identificar. Um guia, capaz de se concertar com outros docentes para conceber modos de acções coordenadas, e de realizar um projecto (POSTIC, 2007). Em uma visão biossistêmica compreendemos a pessoa humana e seu modo próprio de ser; a multiplicidade e as interconexões dos contextos envolvidos no percurso vital; também os processos implícitos, sobretudo os processos proximais (potencialidades), estabelecendo uma tendência em seu desenvolvimento. Os processos (auto) organizativos são, em sua substância, biopsicossociais, envolvendo uma lógica de desenvolvimento, do interpessoal para o intrapessoal, da sociedade para o interior das Instituições, como organizações humanas. O paradigma bioecológico (BRONFENBRENNER, 1992; BRONFENBRENNER E MORRIS, 1998), nessa direção, permite-nos entender as interrelações entre a pessoa, o processo, o contexto e o tempo e suas implicações para a pessoa em desenvolvimento, suas diversidades e possibilidades. Os modelos de estudo, baseados no paradigma, permitem identificar o ser humano em seus ambientes, onde o desenvolvimento e comportamentos devem ser examinados como um conjunto de funções das características da pessoa e do ambiente. Essa estrutura inclui: atributos biológicos e psicológicos, tais como a herança genética individual e a personalidade, denominados de propriedades da pessoa ou atributos pessoais; as propriedades circundantes nos ambientes imediatos, como os fatores físicos, sociais e culturais em que o ser humano vive. O desenvolvimento e comportamentos do ser humano em seus ambientes devem ser examinados a partir do conjunto de funções das características da pessoa e do ambiente (BRONFENBRENNER, 1987). Nesta direção, o processo é considerado central no paradigma bioecológico, envolvendo as formas particulares de interação entre organismo e contexto, denominados por Bronfenbrenner (1992) de processos proximais - vistos como mecanismos primários produtores do desenvolvimento humano e que variam em função das características da pessoa em desenvolvimento. Nas atividades significativas ocorrem formas particulares de interação entre o(s) organismo(s) e o ambiente que operam por um período de tempo suficiente para atuarem no desenvolvimento humano. Para o desenvolvimento humano fluir em sua naturalidade nos diferentes contextos adaptativos em que a pessoa irá transitar, alguns atributos pessoais são chaves: motivação e autodeterminação são fatores importantes como disposições na persistência em direção à construção daquilo que o sujeito pode vir a ser. A disponibilidade de recursos depende da auto-avaliação das habilidades, conhecimentos e experiências em relação às atividades de aprendizagem propostas, ou seja, a pessoa “sentir-se capaz de...”. A competência e experiência com as habilidades requeridas pelas atividades desempenhadas com sucesso ativarão o potencial motivacional e o grau de envolvimento com as mesmas. Os níveis de proficiência em várias habilidades comprovam as expectativas de sucesso e encorajam ao engajamento nas atividades subseqüentes, em graus gradativos de complexidade, inclusive diminuindo a probabilidade de ação dos fatores de estresse com a atividade proposta. As demandas, por sua vez, relacionam-se com características que convidam ou desencorajam reações a partir do ambiente, fomentando ou rompendo as operações dos processos proximais. Os atributos da pessoa evidenciam tendências no percurso vital, mediante características desenvolvimentalmente instigativas (BRONFENBRENNER E MORRIS, 1998; BRONFENBRENNER, 1999). Analisam, dentre estas, algumas características consideradas importantes para a aprendizagem: motivação, curiosidade, interesse pelas atividades. Também recursos pessoais, que incluem as habilidades, os conhecimentos e experiências e ainda, atrativos que facilitam a interatividade para a prática coletiva de atividades em qualquer ambiente. Segundo o Modelo Bioecológico para compreender ampla e sistematicamente essa interatividade é preciso pontuar os três conjuntos de características individuais que formam a estrutura da pessoa em desenvolvimento: disposições, recursos e demandas. Os atributos pessoais são válidos para analisarmos os educadores como pessoas em desenvolvimento e seus atributos docentes, uma vez que a implicação desejável para um professor gerativo, atuante como professor-cidadão exige níveis positivos de disposições, recursos e demandas, atuando também ele nessa perspectiva biossistêmica quando interagem com os seus alunos na direção do seu desenvolvimento e aprendizagem. São os benefícios da dialética educador-educando e educando-educador (FREIRE, 1997). Em outro trabalho, conceituamos atributos docentes (características da pessoa; idiossincrasias) como sendo as características individuais, adquiridas na trajetória pessoal e profissional e que evidenciam o nível real de desenvolvimento do docente, portanto precursores e produtores do seu desenvolvimento potencial na interatividade. A prática de um profissionalismo interativo (HARGREAVES, 1996; 2001) parece ser uma condição promotora de situações mediadoras para que essa potencialidade se torne realidade. Assim, podemos supor que a diversidade dos atributos docentes em um grupo configura um campo de processos proximais a serem intermediados na dialética individual/grupal. Façamos um breve ensaio nessa direção. Motivação e autodeterminação são fatores importantes para a persistência em direção à construção da docência como possibilidade de vir a ser: uma profissão que se aprende, porém requer o desejo de aprender. Os recursos para esse empreendimento dependem da autoavaliação das habilidades, conhecimentos e experiências com relação às atividades de aprendizagem propostas ou às exigências profissionais da docência. A competência e experiência requeridas pelas atividades profissionais ativam o potencial motivacional e o grau de envolvimento com as mesmas. Os níveis de proficiência em várias habilidades (por exemplo, comunicacionais, tecnológicas, cognitivas, etc..) comprovam as expectativas de sucesso e encorajam às atividades subsequentes, em graus gradativos de complexidade, inclusive diminuindo a probabilidade de ação dos fatores de estresse que podem levar ao mal- estar docente. Existe uma capacidade adaptativa típica do docente (resiliência) e que se organiza em função da ambiência docente - características que convidam ou desencorajam reações a partir do ambiente externo e interno, fomentando ou rompendo as operações dos processos proximais que impulsionam o sujeito à proação. Souza (2009) desenvolve o conceito de resiliência na Educação superior, que aqui utilizamos como a capacidade adaptativa frente às condições oferecidas pelo ambiente escolar ou acadêmico e ao modo de enfrentamento das dificuldades enfrentadas pelo professor ingressante, tornando ainda mais complexo o seu processo de socialização. Os docentes iniciantes na educação profissional e tecnológica enfrentarão muitos desafios adaptativos: os primeiros contatos com a vida acadêmica, as exigências de contextos diferentes no mesmo espaço profissional (Ensino Básico, Técnico e Tecnológico) e o compromisso com um papel profissional reservado aos docentes, cujas bases epistemológicas e práticas lhes são ainda desconhecidas. As competências do educador como aprendente Nos últimos anos do século XX, preocupados com o destino da humanidade e das gerações futuras, a UNESCO constituiu uma comissão para refletir sobre a educação frente às exigências do século XXI, coordenada pelo Professor Jacques Delors. Resultou em um relatório amplamente divulgado e publicado sob o título “Educação: um tesouro a descobrir”. Como ponto de partida, algumas questões foram determinadas: Que condições teriam os sistemas educativos de adaptar-se à evolução da sociedade? Esses sistemas poderiam atender à demanda por uma educação que contribuísse para a formação de profissionais criativos e qualificados, capazes de adaptarem-se à evolução da tecnologia e à revolução do conhecimento, fazendo frente às grandes economias mundiais? Como os sistemas públicos e privados de educação se relacionariam no sentido de garantir os resultados necessários? Por último, e talvez mais importante: como a educação poderia criar uma linguagem universal que possibilitasse superar as contradições e transmitir à população terrena, apesar destas contradições, os valores de abertura para o outro, de compreensão mútua e os ideais de paz? A referida comissão concluiu que uma das formas de viabilizar a educação seria planejar sistemas através dos quais as pessoas, sujeitos de sua aprendizagem e de seu próprio destino, deveriam aprender a ser. Reforça-se a idéia de uma educação permanente, que perpassa toda a vida do indivíduo. A educação precisa ser vista como “uma construção contínua da pessoa, dos seus saberes e aptidões, da sua capacidade de discernir e agir” (Delors, 1998, p.18). Para isto, necessitamos caminhar para uma sociedade educativa, em que cada um de nós seja alternadamente educador e aluno. Para dar conta de seus objetivos, a educação precisa organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo da vida, serão para o indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. Apesar de caracterizados distintamente, essas quatro vias não podem dissociar-se por estarem intimamente imbricadas, constantemente interagindo para o desenvolvimento integral do indivíduo. Para Delors (1998) cada um dos “quatro pilares do conhecimento deve ser objeto de igual atenção por parte do ensino formal” (p. 90). Aprender a conhecer refere-se à capacidade de dominar os próprios instrumentos do conhecimento: aprender a aprender. A melhor aprendizagem seria a de como buscar estes saberes, escolhendo as melhores metodologias e caminhos. Além disto, não podemos desprezar a formação cultural geral, “um espírito verdadeiramente formado, hoje em dia, tem necessidade de uma cultura geral vasta e da possibilidade de trabalhar em profundidade determinado número de assuntos” (SCHWARTZ, 1993, p. 65). O professor precisa se conscientizar que ele não é o único detentor de conhecimento e tem muito a aprender com seus alunos. Numa sociedade globalizada como a nossa, seria muito ingênuo imaginar que só o professor pode ensinar alguma coisa ao aluno. A aprendizagem não é uma via de mão única em que um ensina e outro aprende, ao contrário precisa ser vista como uma troca de experiências, como um enriquecimento de vivências. Aprender a fazer pressupõe a capacidade de aplicar os conhecimentos para agir e transformar o meio em que o indivíduo vive. Está intimamente ligada à questão da formação profissional. No entanto, aprender a fazer transcende a idéia de apenas preparar alguém para realizar uma tarefa determinada. O modelo industrial, radicado ao longo do século XX, substituiu o trabalho pelas máquinas acentuando a importância do caráter cognitivo para o desenvolvimento das tarefas. Assim, o futuro de nossa sociedade depende de um sujeito com perfil inovador, capaz de propor novas soluções para problemas antigos. No ponto de vista de Delors (1998), o mercado de trabalho substitui a exigência de qualificação ligada à competência material, por uma competência que combina, além da qualificação e da formação técnica e profissional, o comportamento social, a aptidão para o trabalho em equipe, a capacidade de iniciativa, o gosto pelo risco. Desta forma, “qualidades como a capacidade de comunicar, de trabalhar com os outros, de gerir e de resolver conflitos, tornam-se cada vez mais importantes” (p.89). Assim, as aprendizagens não podem ser reduzidas a simples transmissão de práticas rotineiras, mas é preciso preparar os sujeitos para adaptar os seus conhecimentos ao futuro imprevisível. Para dar conta da formação destes sujeitos, uma nova competência necessita ser desenvolvida: Aprender a viver juntos; para Delors (1998), um dos maiores desafios para o século XXI, pois a nossa sociedade individualista precisa ser revista. A escola pode ser vista como um contexto igualitário onde a convivência entre os segmentos que se oprimem pode ser facilitada à medida que existirem objetivos e projetos comuns. Ao perseguirem as mesmas metas, os preconceitos e as hostilidades latentes tendem a desaparecer, dando espaço a um espírito de cooperação. Aprender a viver juntos demanda discutir conhecimentos a respeito da diversidade da espécie humana, desenvolvendo nas pessoas a consciência de que diferente não é desigual. Conviver com a diferença implica colocar-se no lugar do outro para compreendê-lo. Explorar essa atitude de empatia, na escola, é muito útil para o desenvolvimento dos comportamentos sociais ao longo de toda a vida. A quarta aprendizagem fundamental: Aprender a ser, surge da conclusão de que “a educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa — espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade” (UNESCO, 1996, p. 99). Os seres humanos devem ser educados para elaborarem pensamentos autônomos e críticos e para formular seus próprios juízos de valor, podendo decidir, por si mesmos, como agir nas diferentes circunstâncias da vida. O papel da escola vai além da preparação dos sujeitos para uma determinada sociedade. Depende da educação formal, fornecer aos educandos referências intelectuais que lhes permitam compreender o mundo que as rodeia e atuar nele como cidadãos responsáveis e justos (DELORS, 1998). A Educação é um processo de construção contínua do ser humano, de seus saberes e aptidões, sem esquecer o desenvolvimento de sua capacidade de discernir e agir. O saber, o saber-fazer, o saber viver juntos e o saber-ser constituem quatro aspectos, intimamente ligados, de uma mesma realidade. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Os quatro pilares da Educação (DELORS, 1999) foram apresentados e discutidos nas aulas presenciais e virtuais, agrupados em quatro competências. Refletimos que tanto professores quanto estudantes para serem autônomos e solidários na vida e na profissão deveriam desenvolver: competência pessoal (aprender a ser); competência social (aprender a conviver); competência proativa (aprender a fazer); competência cognitiva (aprender a aprender). Também a possibilidade de ampliar a [auto] educação ao conjunto da experiência humana (ser, conviver, fazer e conhecer) e estendê-la ao longo de toda a vida, transcende os limites da escolarização e da profissionalização. O fórum de discussão foi realizado a partir da seguinte orientação: Com base nas leituras realizadas até aqui, elabore um texto de no máximo 2000 caracteres, sobre o tipo de perfil [inter] pessoal que você acredita ser favorável ao exercício da docência, considerando relações pedagógicas com estudantes jovens e adultos. Organizamos as informações em um quadro de análise, destacando para esse estudo as respostas pertinentes à compreensão das concepções prévias acerca dos atributos de um educador, às quais passamos a apresentar e discutir, correlacionando-as aos conceitos chave: atributos docentes; competência pessoal; competência social; competência proativa; competência cognitiva. Competência pessoal As competências pessoais apontadas pelos sujeitos como sendo importantes como atributos de um educador foram agrupados em indicadores de relevância para as relações humanas e pedagógicas, à compreensão humana e à personalidade do professor. Observemos as seguintes intervenções: Devemos então entender uma alta complexidade nas relações entre seres humanos, conseqüentemente entre estudantes, professores e desses com seus pares. ...Um educador precisa ser também comunicativo, precisa ter sua personalidade vulnerável aos pensamentos e a diversidade de personalidades dos estudantes também. Além disso, um bom professor deve ser amigo dos alunos também fora da sala de aula; uma pessoa que tenha uma boa conduta e que sirva de bom exemplo para a sociedade em geral, pois é papel fundamental, ou até mesmo essencial, na formação das crianças e adolescentes. E que o professor tenha consciência desse papel essencial de formador e que faça acontecer. Trata-se de entender: como é que o educando se vê? Como o educador vê o educando? Como as pessoas de suas relações o vêem e confirmam sua condição de capacidade ou incapacidade para “o aprender e o realizar-se”? O educador deve ter a sensibilidade de trabalhar com os educandos de acordo com suas especificidades e momentos, não é possível trabalhar com um grupo de pessoas sem considerar os sentimentos e as situações reais de vida destas. Destacamos a perspectiva da afetividade na relação intra e interpessoal, o saber lidar com as situações de conflito e também a questão nascente do “eu real” e do “eu idealizado”, tanto na figura do aluno quanto do professor (ABRAHAM, 2000). Nas seguintes intervenções surge a compreensão humana e outros traços pertinentes à formação da personalidade do professor, corroborando com Postic (2007). Se o educador souber como trabalhar os fracassos com naturalidade, como algo que pode acontecer na vida de qualquer um, possivelmente, o educando estará mais motivado para aprender e superar suas limitações; do contrário, o fracasso pode gerar novos fracassos. Acredito que um bom professor deve ser uma pessoa calma e equilibrada, que saiba ouvir os alunos, que estabeleça um diálogo, que não se ache o dono da verdade e esteja disposto a aprender com os estudantes. Um professor que saiba conquistar o respeito por parte dos alunos demonstrando o quanto sabe, o quanto é competente e seguro; e não, que os alunos o respeitem por terem medo e fama de carrasco. Observamos desde essa primeira categoria de análise que os professores em formação começavam a se deslocar do lugar de estudantes para o lugar de professores. Inclusive, sublinhemos, desconstruindo o modelo internalizado da pedagogia tradicional a que se habituaram ao longo da vida escolar e acadêmica. Competência social A ética da convivência humana adquire um destaque nos posicionamentos seguintes, ao lado da figura do professor como alguém motivado à construção comunitária e a um profissionalismo interativo (Hargreaves, 1996; 2001). Ser educador envolve ajudar ao homem a se desenvolver, a moldar sua ação, seu caráter, sua moral. O educador deixa ao aprendiz o papel de escolher, traçar e construir sua própria trajetória. Ensinar é uma arte que exige vocações, habilidades, qualidades, tais como: sabedoria, firmeza, vontade, força para dominar suas próprias paixões; que exige profundo conhecimento da psicologia do ser humano, bem como, dos conhecimentos dos meios apropriados para desenvolver as faculdades físicas, intelectuais e morais necessárias para crescimento do aluno. De todas estas interações o perfil do profissional professor talvez deva ter algumas dessas características como base para se desenvolver, como: - inteligência emocional e profissional, competência profissional, formação, - saber ouvir, se fazer ouvir, domínio, - confiança no seu trabalho, - auto-estima, - valores culturais e sociais, - ética profissional, - empatia. As questões éticas ficam evidentes nessas idéias, embora ainda não vistas de forma mais consistente, mas já evidenciam a preocupação com uma educação para o Século XXI. Não somos nós que estamos sempre reclamando da educação no Brasil? Nós nos conhecemos? A maioria dos docentes sabem trabalhar em equipe? E/ou viver junto em equipe? Etc... Além dessa relação com os alunos, um bom professor também deve saber relacionar-se com os demais colegas professores, tendo um espírito de equipe, estabelecendo uma rotina de diálogos, de troca de idéias, de crescimento mútuo, para juntos construírem uma escola de valores cidadãos. O educando não deve ser apenas capaz de realizar cálculos ou decorar conceitos, mas ainda de poder situá-los em outras situações fora do espaço escolar e levar para a sua vida em sociedade, o papel de estimular o aluno a assumir esta postura, é do educador, com isto, o educando têm mais razões para continuar estudando. Chamou-nos à atenção a perspectiva de educação para além dos muros escolares e acadêmicos, demonstrando um compromisso do educador com a sociedade, que começa a ser semeado. Competência proativa Esta é a categoria em que se revelam de modo mais direto os atributos da pessoa (BRONFENBRENNER E MORRIS, 1998; 1999). Destacamos a preocupação com as finalidades e objetivos da formação e da prática pedagógica e o papel do educador como dinamizador das motivações. ...mesmo havendo diversidades dentro de uma turma, elas podem ser superadas se houver a clareza nesses indivíduos do por que estão reunidos naquele ambiente. Creio que quando houver esta compreensão dos entes envolvidos, os processos/competências de aprendizagem: a ser, a conviver, a fazer e a aprender se tornarão mais palpáveis a todos. ...falta mais clareza nos objetivos de porque estamos aqui neste ambiente de ensino-aprendizagem. Acho que uma das primeiras perguntas que deveriam ser feitas aos atores em um ambiente de ensino-aprendizagem seria: o que lhes atraiu e quais são suas aspirações pessoais ao ingressarem neste ambiente? Estão sendo obrigados a permanecerem neste ambiente ou querem realmente aprimorar/transformar seu modo de ação, como pessoas/cidadãos/técnicos? ...aproveito para relatar que também conheço muitas pessoas que passaram muitas dificuldades para estudar e hoje são profissionais muito bem sucedidos, mas é claro, tinham um objetivo bem claro do que queriam... Um professor que seja dinâmico e criativo, que torne as aulas interessantes e atrativas, o que acredito estar sendo cada vez mais difícil frente ao mundo de comunicações, jogos, internet e atrativos em que vivemos. Concordando com o que nos afirma Freire (1996), o gosto pela docência e o querer bem ao educando são sentimentos dinamizadores da docência. Um educador precisa acima de tudo gostar do que faz e gostar de buscar novos conhecimentos juntamente com seus estudantes, precisa se despir de todo e qualquer preconceito, pois dentre suas experiências haverá as mais interessantes possíveis. Um ponto importante também é que o professor seja uma pessoa motivada e perseverante, que saiba superar seus próprios obstáculos. O principal atributo é o gostar de ensinar, partindo deste ponto o educador deve encontrar caminhos de acordo com o perfil de seus alunos para que ocorra uma melhor aprendizagem. Competência cognitiva Registramos uma tendência à problematização, evidenciando que as questões da docência já se fazem presentes a partir das práticas. Com relação à bagagem de conhecimentos que nossos alunos já trazem em suas vivências do dia a dia, que formam ou moldam seu modo de pensar e agir frente às disciplinas ministradas em um curso técnico, refiro-me aqui principalmente a área agropecuária (agricultura, zootecnia e afins). Como deve ser o comportamento de um professor no intuito de tornar a sua disciplina "prazerosa" para um aluno que não apresenta o mínimo interesse em "aprender a ser um protagonista ao invés de se contentar com um papel de figurante, a conviver e buscar o aprendizado e a realização de seus anseios como indivíduo"? Em se expressar frente aos colegas e professores, no intuito de fazer do espaço escolar um momento de crescimento nas competências Pessoal, Social, Proativa e Cognitiva? Um dos aspectos que se salienta nas intervenções dos sujeitos refere-se ao reconhecimento das necessidades de formação e de desenvolvimento no exercício da docência. O docente tem a necessidade de um constante processo atualização. O ensino-aprendizagem vem mudando, aquele ensino voltado apenas para a absorção de conhecimento vem dando lugar ao ensinar a pensar, saber comunicar-se e pesquisar, ter raciocínio lógico, ser independente e autônomo; enfim, ser socialmente competente. A educação é uma arte que precisa ser estudada; resultando um contínuo aprendiz: o professor. O permanente desenvolvimento docente permite o contato e a prática dos pilares da educação num contínuo processo de ensino e aprendizagem. Os desafios estão em desenvolver a sensibilidade para fazer deste processo exercícios constantes, sempre à procura do aprimoramento no dia a dia. Ser professor, eu acho que é um processo continuo de aprendizado e ensino.... Temos o papel de desenvolver e aplicar os quatro grupos da competência... Creio eu (com minha pouca experiência), vamos evoluindo no saber como e de que forma vamos atuar como professor, e vamos sabendo onde os quatro pilares vão ser inseridos na nossa vida. Pois no dia-a-dia vamos aprendendo a ser mais humano, ser melhores como educadores, mas principalmente educado. Os professores na sua grande maioria não são capacitados anteriormente, apenas recebem algumas dicas de como lidar com algumas situações, e também não existe um manual para explicar o comportamento sócio-psicológico dos educandos. Acredito que essas sejam as principais características que podem facilitar o exercício da docência: perseverança, gosto pela qualificação e estudo, ser comunicativo, não ter preconceitos, enfim. Também um professor que esteja em contínua formação e aprendizado, disposto a se atualizar, de aprender coisas e técnicas novas. Em uma das intervenções, encontramos a síntese de todos os posicionamentos: O desafio está em considerar o ser individual de cada um e ao mesmo tempo trabalhar com a responsabilidade necessária para o desempenho das profissões. CONSIDERAÇÕES FINAIS Evidenciamos nessa análise que no movimento inicial na docência as percepções podem encontrar-se ainda difusas e, consequentemente evidenciar certo despreparo e insegurança, típicos nessa etapa da trajetória docente. Observamos também que o eixo da reflexão tende a deslocar-se para uma figura hipotética de educador, ou seja, o discurso não inclui o sujeito que organiza a argumentação. Por outro lado, notamos o esforço geral dos 25 sujeitos em buscar a relação entre a teoria e a prática, trazendo para discussão as situações vivenciadas no âmbito de sua prática docente. O estudo abordou os primeiros momentos de vida profissional de docentes ingressantes que nos levam a pensar na importância de uma simultaneidade entre a formação inicial e o período de inserção, como uma etapa diferenciada de converter-se em professor e decisiva para um desenvolvimento profissional coerente e evolutivo. Isto significa que os professores passam por diversas etapas e o que nos interessa, especificamente, é esta em que se iniciam os primeiros contatos com a realidade acadêmica, assumindo o papel profissional reservado aos docentes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAHAM, A. El universo profesional del enseñante: um laberinto bien organizado. In: ABRAHAM, A. (Org.). El enseñante es también una persona. Conflictos y tensiones em el trabajo docente. Barcelona: Gedisa, 2000, pp.23-32. [Original editado em Paris, 1984]. BRONFENBRENNER, U. La Ecología del Desarrollo Humano. Cognición y Desarrollo Humano. Barcelona: Paidós, 1987. ___. Bronfenbrenner, U. Ecological System Theory. In: Ross, Vasta. Six Theories of Child. Development: revised formulations and current issues. London: Jessica Knigsley. Publishers; 1992, pp.187-249. BRONFENBRENNER, U. MORRIS, P.A. The ecology of developmental process. In: W. Damon (series Ed.) & R.M. Lerner (vol. Ed.). Handbook of child psychology. Vol. 1. 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