77 78 79 Em relação aos casos de raiva em morcegos não-hematófagos no Estado de São Paulo, três trabalhos citam dados que demonstram o conhecimeto epidemiológico atual. Albas et al. (2005) descreveram o diagnóstico do RABV efetuado em 4950 amostras animais, entre 1996 e 2003, na região oeste do Estado de São Paulo e, do total, 74 foram positivas, 58 destas amostras (78.4%) são de morcegos não hematófagos e 16 (21.6%) de bovinos, animal costumeiramente infectado pelo D. rotundus. Scheffer et al. (2007), que identificaram morfologicamente as espécies de animais infectados pelo RABV, descreveram o resultado do diagnóstico de 4395 amostras de morcegos, no período de abril de 2002 a novembro de 2003, de diversas regiões do mesmo Estado, e a positividade alcançou 1,9% (84 casos). Deste valor, não houve a descrição de casos em D. rotundus, apesar de 10 Gêneros de morcegos serem descritos, predominantemente insetívoros. Cunha et al. (2006), entre 1997 e 2002, diagnosticaram para a raiva 7393 morcegos do norte e noroeste do Estado de São Paulo. Entre todos, 1,3% foram positivos para a raiva, que também foram identificados morfologicamente, constatando que os animais eram predominantemente insetívoros, mas alguns frugívoros também o foram. A análise da Figura 15 (Série histórica de casos de raiva em humanos por Estado no Brasil, 1986-2008) permite que se afirme que, ano após ano, a situação da raiva no Brasil tem melhorado. Quanto aos anos de 2004 e 2005, quando houve um aumento surpreendente nos casos de raiva humana, é necessário esclerecer que os casos ocorreram em áreas da Amazônia, nos Estados do Pará e Maranhão e foram transmitidos por D. rotundus. Este tipo de surto, que ocorre esporádicamente, é basicamente relacionado a deficiência dos serviços de saúde locais e fatores sócioculturais. A Figura 16, que mostra a Série histórica de animais transmissores de raiva humana no Brasil, 1986-2007, complementa a Tabela 15, comentada anteriormente. Contudo, é notável o decréscimo no número de casos relacionados a cães e gatos e aos casos onde o transmissor foi indeterminado (ignorado). O decréscimo no números de “ignorados” se deve basicamente a melhora da vigilância epidemiológica e a disponibilidade de métodos moleculares para a identificação do vírus. Para complementar a análise é apresentada a Tabela 8, que mostra o número de casos de raiva por espécie no Brasil no ano de 2009 (dados parciais até 23 de julho). 80 Para finalizar este tópico, sobre a epidemiologia da raiva no Brasil, é fundamental citar alguns dados da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde do Brasil (SVS/MS). Em 1998 foram diagnosticados 1746 casos em cães e em 2006, 67 casos. Esta redução é produto do Programa Nacional para o Controle da Raiva em Cães e gatos. Entre 1986 e 2006, um total de 758 casos de raiva humana foi diagnosticado. Os cães foram responsáveis por 524 destes casos (69.1%), gatos por 30 (4%), morcegos por 130 (17.1%), primatas nãohumanos por 14 (1.9%) e canídeos silvestres por 13 (1.7%). A efetiva vigilância epidemiológica relacionada a animais silvestres aumentou por volta do ano de 2000, e hoje, se encontra em ascensão (Kotait et al., 2007). Utilizando dados da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde do Brasil (SVS/MS) é possível comprovar a plenitude da vigilância epidemiológica dirigida aos animais silvestres. O número de ataques de animais silvestres a humanos notificados em 1999 e 2005 foram, respectivamente, 35 e 16334. Nos mesmos anos os morcegos foram responsáveis, respectivamente, por 29 e 11811 ataques, primatas nãohumanos por 05 e 3360 e canídeos silvestres e outras espécies de menor importância epidemiológica, como gambás e guaxinins, 01 e 1163 ataques, respectivamente. É importante salientar que associada à vigilância epidemiológica o esforço governamental direcionado a educação foi de grande importância. Tabela 8: Número de casos de raiva por espécie no Brasil no ano de 2009. Dados parciais até 23 de julho. Fonte: SVS/MS. Espécie Número de casos Cão Gato Bovino Eqüino Morcego hematófago Morcego não-hematófago Primata não humano Canídeos silvestres Outros animais Humano Total no Brasil 6 1 362 40 12 61 0 5 9 1 497 81 1.5.6.1.As variantes antigênicas e linhagens genéticas do RABV no Brasil A primeira tipificação antigênica do RABV no Brasil foi publicada em 2001 (Favoretto et al., 2001) e é a única tipificação antigênica e genética de isolados do RABV de primatas no mundo. Supõe-se que o reservatório desta linhagem do RABV é o sagüi de tufo branco (Callithrix jacchus). Apesar de poucos casos conhecidos e relatados, os isolados são todos da região Nordeste do país, a maioria deles do Estado do Ceará. Esta variante antigênica não possui relação com outros reservatórios e não havia sido prevista durante a produção do painel de MAbs distribuído pela OPAS e, por isto, não possui, ainda hoje, uma nomenclatura oficial estabelecida. Favoretto et al., (2002) tipificaram 330 isolados do vírus de várias espécies e foram estabelecidas as quatro variantes antigênicas circulantes no Brasil: AgV2 (cão), AgV3 (D. rotundus), AgV4 (Tadarida brasiliensis) e AgV6 (Lasiurus cinereus). Além destas quatro variantes, outra variante antigênica, AgV5 (morcego hematófago da Venezuela), também foi identificada, porém não é comumente encontrada no país. Além das quatro variantes acima mencionadas, outros seis perfis antigênicos não determinados foram descritos. Os herbívoros de interesse econômico (bovinos, eqüinos, ovinos, etc.), foram tipificados como AgV3. No oeste do Estado de São Paulo, foram tipificados antigenicamente isolados do RABV de morcegos não hematófagos e foram detectadas, circulando na população dos animais as variantes antigênicas AgV3 e AgV4, típicas de D. rotundus e T. brasilensis, respectivamente (Albas et al., 2009). Em Portel e Viseu, cidades do Estado do Pará, 21 pessoas morreram de raiva em 2004. As amostras isoladas em humanos, coletadas após o falecimento das vítimas, foram tipificadas antigenicamente e geneticamente como AgV3, típica de D. rotundus (da Rosa et al., 2006). Schaefer et al. (2005), utilizando um painel de MAbs produzidos no Estado do Rio Grande do Sul e, portanto, não aquele distribuído pela OPAS e regularmente utilizado nas Américas, tipificaram antigenicamente isolados do RABV de várias espécies animais de várias regiões do Brasil. Os autores descreveram dois agrupamentos principais, cães e D. rotundus, que foi concordante com a tipificação genética também descrita no trabalho. Ao analisar os morcegos insetívoros os autores descreveram “espécieespecificidade”, pois houve a formação de agrupamentos por espécie. A caracterização genética do RABV no Brasil e em todos os outros países, se faz, principalmente, pelo seqüenciamento do gene N, mas um 82 número expressivo de trabalhos analisaram o gene G e, secundariamente, a região intergênica G-L. Quanto ao tamanho das seqüências geradas é variável, alguns autores utilizam os genes inteiros, outros, pequenas regiões, tanto da região amino-terminal como, também, da carboxi-terminal. O primeiro trabalho publicado relacionado à tipificação genética do RABV no Brasil foi o de Ito et al. (2001), onde os autores seqüenciaram 203 nt do gene N e determinaram as duas principais linhagens do vírus no país, cães e D. rotundus. Os autores também descreveram que a identidade genética dos isolados de cães utilizados no trabalho foi maior que 99%, enquanto que em D. rotundus maior que 96,6%. A partir deste trabalho pioneiro, a caracterização genética do RABV mostrou a real diversidade do vírus no país e outros se seguiram, mas uma clara dicotomia foi estabelecida, o estudo genético do RABV isolado em canídeos e em morcegos, com exceção ao de Favoretto et al. (2001), discutido durante as citações relacionadas as tipificações antigênicas, no qual os autores descrevem o RABV isolado do primata sagüi de tufo branco (Callithrix jacchus). Quanto aos canídeos, os trabalhos de Carnieli et al. (2006, 2008, 2009), que estudaram toda a região codante dos genes N e G e parte da região intergênica G-L do RABV, estabeleceram um novo biotipo (reservatório) da raiva na região Nordeste do Brasil, o cachorro do mato Cerdocyon thous. Os autores identificaram linhagens regionais do vírus que circulam em C. thous e em cães e identificaram geneticamente o hospedeiro pela análise de DNA mitocondrial. Além do citado anteriormente, os autores sugeriram que as linhagens do RABV circulam entre C. thous e cães, podendo ser transmitidas entre os dois animais sem perder suas identidades genéticas, pois mantém as assinaturas genéticas (marcadores genéticos) das linhagens do vírus, que são específicas para as duas espécies de canídeos. No mesmo contexto, os trabalhos de Bernardi et al. (2005), Sato et al. (2006) e Kobayashi et al. (2007), que estudaram geneticamente o RABV de várias espécies de animais das regiões Norte e Nordeste do Brasil, também estudaram canídeos silvestres do Estado da Paraíba, porém os identificaram como Pseudalopex vetulus (raposinha do campo). Schaefer et al. (2005) e Favoretto et al. (2006), que também estudaram geneticamente o RABV isolado de várias espécies de animais, citam o canídeo silvestre C. thous como aquele encontrado na região Nordeste do Brasil. 83 Dos trabalhos citados nos dois parágrafos anteriores e relacionados a canídeos, suas análises de maneira global indicam que o RABV isolado de canídeos possui uma identidade média divergente das linhagens de D. rotundus, calculada em 10%. Porém, entre as linhagens do RABV isoladas de canídeos há uma evidente regionalização. No caso dos cães, esta divergência, provavelmente, é determinada pelo deslocamento humano e seus cães e gatos (Carnieli et al., 2008). A tipificação genética do RABV isolado de morcegos iniciada por Ito et al. (2001) se diversificou para outras espécies de quirópteros, além do D. rotundus. Kobayashi et al. (2005), analisando amostras do RABV isoladas de espécies frugívoras, insetívoras e de D. rotundus, relataram linhagens associadas a morcegos Artibeus spp (frugívoro), D. rotundus e morcegos insetívoros, sugerindo haver linhagens espécies-específicas. Kobayashi et al. (2007), continuando a pesquisa anterior, obteve uma linhagem associada aos morcegos insetívoros do Gênero Lasiurus. Oliveira (2009), em estudo com diferentes espécies de morcegos, relatou diferentes linhagens do RABV associadas a diferentes espécies de morcegos insetívoros, sugerindo haver, linhagens espécies-específicas e Gênero-específicas. O estudo das linhagens do RABV que infectam os animais de interesse econômico são, em sua maioria absoluta, transmitidas pelo D. rotundus. Apesar do grande número de animais de interesse econômico infectados pelo RABV ser diagnosticado é pequeno o número de D. rotundus encontrados infectados. Por este motivo o estudo das linhagens do RABV que circulam entre estes morcegos são estudadas indiretamente, isto é, pelo uso de isolados do vírus de bovinos e eqüinos. Romijn et al. (2003), analisando parcialmente o gene N do RABV isolados de bovinos no Estado do Rio de Janeiro, obteve agrupamentos regionais do vírus. Bordignon et al. (2005), no Estado de Santa Catarina e também analisando parcialmente o gene N do RABV, obteve um agrupamento de linhagens típicas do Estado de Santa Catarina. Sato et al. (2006), analisando 599 nt do gene G de isolados do RABV de várias espécies dos Estados do Maranhão, Pará e Tocantins, identificaram linhagens do vírus associadas a canídeos e D.rotundus. Kobayashi et al. (2006), analisando parcialmente o gene N do RABV isolados de bovinos, de vários Estados das regiões Sudeste e Centro-Oeste, sugerem a existência de linhagens regionais formadas pelo isolamento geográfico determinado por montanhas e rios. Kobayashi et al. (2008), continuando o trabalho anterior, agora com 593 isolados do RABV de um maior número de Estados e seqüenciando 202 nt do gene N, descreveram 24 linhagens regionais do vírus, originadas por isolamento geográfico. 84 1.5.7.O Desmodus rotundus e a raiva em bovinos A raiva bovina é um problema econômico e de saúde pública e veterinária. Germano et al. (1992), associa o aumento populacional de bovinos, ao longo da história, com o aumento da população do transmissor do RABV para esta espécie, o morcego hematófago Desmodus rotundus (Figura 17). Sendo assim, o estudo deste morcego é de fundamental importância para a compreensão da raiva em bovinos e, também, em outros herbívoros da América Latina. Carini (1911) foi o primeiro a associar a raiva em herbívoros aos morcegos, pesquisando a morte de, aproximadamente, 5000 animais no Estado de Santa Catarina. Além deste fato, é importante salientar que Carini foi o primeiro a associar a raiva a morcegos e, por isto foi severamente combatido em sua época. Carneiro e Freitas Lima (1927) descreveram a mesma situação no Estado do Paraná, mas a aceitação de que os morcegos são também transmissores da raiva somente ocorreu na década de 1930 com a publicação de estudos semelhantes aos de Carini, na Ilha de Trinidad (Pawan, 1936). 1.5.7.1.A biologia do Desmodus rotundus D. rotundus é um quiróptero excepcionalmente ágil e furtivo na natureza e é considerado um dos morcegos mais evoluídos em relação ao Sistema Nervoso (Bhatnagar, 2007). A Ordem Chiroptera é dividida em duas subordens, Megachiroptera e Microchiroptera. Entre os microquirópteros existem 17 famílias e, no Brasil, existem nove famílias desta subordem. Os morcegos hematófagos, como o D. rotundus, pertencem à família Phyllostomidae, subfamília Desmodontinae da subordem Microchiroptera (Reis et al., 2007). A subfamília Desmodontinae é composta por três espécies e possuem o hábito alimentar hematófago (Gardner, 1977) Entre as três espécies de hábito hematófago D. rotundus é a espécie de maior ocorrência e é muito estudada por ser associada à transmissão do RABV aos herbívoros na América Latina. Esta espécie alimenta-se preferencialmente de sangue de mamíferos (Taddei, 1983). Diphylla ecaudata é considerada a segunda espécie em importância, seguida por Diaemus youngi, e ambas possuem preferência por sangue de aves (Uieda, 1992). 85 Figura 17: Imagens de diferentes fenótipos de Desmodus rotundus. As duas imagens superiores mostram a pelagem castanha, comum e, abaixo, alaranjada e albina, raras. Fotos: W. Uieda. Como todas as espécies da subfamília Desmodontinae, D.rotundus não possui cauda, apresenta redução do apêndice nasal e da dentição, com incisivos e caninos extremamente afiados (Greenhall, 1988). Sua coloração, geralmente, é pardo-ferruginoso na parte dorsal do corpo e cinza claro na parte ventral. O comprimento total varia de 69 a 90 mm; antebraço de 52 a 63 mm. Seu peso varia entre 25 e 40 gramas, sendo que as fêmeas são maiores que os machos (Greenhall, Joermann, Schmidt, 1983). D. rotundus ocorrem desde Sonora, Nuevo León e Tamaulipas, no México, Ilha Margarita, na Venezuela, Trinidad, Bolívia, norte do Chile, Brasil, Paraguai, Uruguai até o norte da Argentina (Peracchi et al., 2006). Esta espécie não tolera climas frios, não ocorrendo em locais que possuam temperatura média inferior a 10ºC no mês mais frio do ano (Greenhall, Joermann, Schmidt, 1983). D. rotundus não hibernam, porém o consumo alimentar e a atividade muscular aumentam quando ficam expostos a baixas temperaturas (Wimsatt e Guerriere, 1962). Estes morcegos têm capacidade termo regulatória imprevisível, quando a temperatura ambiental diminui, a temperatura corporal é normalmente mantida entre 33 e 37ºC pelo aumento da atividade motora. Se a temperatura corporal chegar a 20ºC os D. rotundus não são capazes de se aquecerem novamente (Wimsatt e Guerriere, 1962). São 86 também muito sensíveis a altas temperaturas, pois quando expostos entre 37 e 38ºC podem morrer (Greenhall, Joermann, Schmidt, 1983). D. rotundus são noctívagos, normalmente se abrigam em refúgios escuros e úmidos (Taddei, 1983), vivem em colônias com aproximadamente 10 a 200 indivíduos, refugiando-se em locais de difícil acesso; utilizam muitos tipos de abrigos e podem dividir esse espaço com outras espécies de morcegos (Arellano-Sota, 1988; Greenhall, Joermann, Schmidt, 1983). Suas colônias geralmente são pequenas, porém já foram registradas aglomerações com até 2000 morcegos (Wilkinson, 1988). As colônias, geralmente, ocorrem em regiões de serra com muitas cavernas, onde o serviço de vigilância e controle da agricultura tem dificuldade de acesso aos seus abrigos (Uieda, 1996). Os abrigos são muito importantes para esses animais, pois são locais onde passam a maior parte do seu ciclo de vida. Nesses locais ocorre repouso, interações sociais e reprodutivas, de proteção contra predadores e más condições ambientais, como chuva e vento (Uieda, 1996). Há uma grande variedade de tipos de abrigos que são utilizados pelo D. rotundus. Originalmente são encontrados, principalmente, em cavernas, matacões (afloramento de grandes pedras), oco de árvores, entre outros de origem natural. Todavia, abrigos artificiais como túneis, bueiros, casas abandonadas, cisternas, minas abandonadas, entre outros, podem perfeitamente albergar colônias (Gonçalves et al., 1996) (Figuras 18 e 19). Como comumente encontrado em mamíferos gregários, os D. rotundus apresentam uma estrutura social caracterizada por hierarquia de dominância, baseada na formação de um harém, onde um macho dominante protege um grupo de fêmeas e seus filhotes. O macho dominante fica no alto do abrigo, rodeado pelas fêmeas, e os outros machos ficam em localizações periféricas na própria colônia ou são expulsos dos abrigos quando atingem a idade entre 12 e 18 meses. Os filhotes machos e solteiros podem permanecer próximos do harém à espera de uma oportunidade para ocuparem o posto de dominância ou sair à procura de outros locais para constituir o seu próprio harém ou, ainda, formar agrupamentos de machos, geralmente a uma distância mínima de 3 km daquela de onde nasceram (Wilkinson, 1988; Bredt et al., 1998). O tempo de gestação da espécie é de sete meses e os nascimentos, em geral, estão concentrados na estação chuvosa (Lord, 1992). As fêmeas possuem maior fidelidade aos abrigos e aos membros da colônia as quais pertencem (Gomes, Uieda, Latorre, 2005). Tal fidelidade pode ser exemplificada pelos comportamentos de limpeza mútua e regurgitação 87 recíproca de alimento entre as fêmeas e entre mães e filhotes (Wilkinson, 1988). O macho dominante, além de possuir maior acesso às fêmeas, também se alimenta em localidades mais próximas do abrigo, já os machos periféricos percorrem grandes distâncias para se alimentarem, podendo desta forma sobrepor a sua área de alimentação com as de outras colônias (Wilkinson, 1988). Os morcegos hematófagos, normalmente, se alimentam em uma área de 5 a 8 km ao redor dos abrigos diurnos (Crespo et. al., 1961). Em condições ambientais favoráveis, sua atividade alimentar pode se iniciar por volta de uma a duas horas após o pôr-do-sol e terminar por volta de uma hora antes do alvorecer (Uieda, 1992). No verão, contudo, foi verificado que os morcegos deixam os abrigos após as 21 horas e no inverno após as 22 horas (Villa, 1966). Isto confirma que estes morcegos só saem para se alimentar quando a escuridão é completa, podendo fazer um vôo preliminar para checar a luz da lua (Crespo et. al., 1961). Comportamentos agonísticos, inserção de novos indivíduos nas colônias, limpeza mútua, troca de regurgitado, deslocamentos dos indivíduos entre abrigos e reorganização de colônias podem ser considerados, entre outros eventos, como a base da transmissão e da dinâmica da raiva entre morcegos que, certamente, reflete na dinâmica da enfermidade em bovinos (Lord, 1992; Gomes, Uieda, Latorre, 2005). Geralmente, um conjunto de colônias é composto por uma colônia principal, na qual está o maior número de indivíduos, e ao seu redor há as denominadas colônias satélites e/ou agrupamentos de machos que ainda não formaram seu harém (Wilkinson, 1988). Os morcegos desse conjunto de abrigos/colônias transitam entre si segundo seus comportamentos de interação, possibilitando que o RABV seja transmitido de forma intraespecífica e, conseqüentemente, aos bovinos atacados por morcegos infectados (Wilkinson, 1988). Outros motivos podem incrementar o deslocamento de morcegos entre abrigos, como a divisão do clima em épocas chuvosas e secas, a inundação de abrigos e seca extrema (Taddei et al., 1991). Segundo Flores-Crespo e Arellano-Sota (1991), a espécie D. rotundus usualmente utiliza um território de ação de aproximadamente 10 a 20 km2. 88 Figura 18: Imagens de abrigos artificiais de Desmodus rotundus. Fotos: J.J. Ferrari. 89 Figura 19: Imagens de abrigo artificial (mina abandonada) de Desmodus rotundus e outros morcegos. Foto: J.J. Ferrari. Estudos da atividade de morcegos hematófagos em currais indicam que o período no qual os morcegos se alimentam, está relacionado à ausência de luar (Crespo et. al., 1972). Antes de se alimentar, D. rotundus faz um “vôo de reconhecimento” ao redor do animal em locais abertos (Greenhall, Schmidit, López-Forment, 1971). Acredita-se que esses vôos sejam um comportamento de ambientação, no qual os morcegos examinam e escolhem suas presas (Sazima, 1978). A aproximação do D. rotundus às suas presas pode ser feita de duas maneiras: pouso direto no corpo da presa ou pelo chão (Uieda, 1996). A reação dos animais à aproximação dos morcegos geralmente ocorre quando estes pousam em seu corpo, movimentando a cabeça, cauda e a musculatura da pele (Greenhall, Schmidit, López-Forment, 1971). Durante a aproximação da presa, os D. rotundus ficam cautelosos a qualquer reação da vítima. A qualquer sinal de perigo ele se afasta do local até que o perigo cesse ou abandona este animal e sai à procura de outra presa mais acessível (Uieda, 1996). Após a aproximação, os morcegos escolhem um local apropriado para morder sua presa (Figuras 20 e 21). D. rotundus pode gastar cerca de 40 minutos para escolher um local no corpo para morder (Greenhall, 1972). 90 Figura 20: Cavalo sendo atacado pelo Desmodus rotundus. Observar morcego e ferimento causado pela espoliação no pescoço do cavalo. Foto: J.J. Ferrari. 91 Figura 21: Detalhe da Figura 20 (cavalo sendo atacado pelo Desmodus rotundus). Observar morcego e ferimento causado pela espoliação no pescoço do cavalo. Foto: J.J. Ferrari. Ao alimentar-se, D. rotundus prefere extremidades do corpo, tais como orelhas, pescoço, região anal, vulva, mamilos, focinho e cauda, entre outros. A presa é perfurada com os dentes incisivos afiados deixando um ferimento característico. Sua saliva possui enzimas que evitam a coagulação do sangue e dois canais, um de cada lado da língua, lhes permitem sugar o sangue (Greenhall, Joermann, Schmidt, 1983). Um morcego pode ingerir entre 15 e 25 mL de sangue em uma presa e um animal pode ser visitado por vários morcegos na mesma noite (Constantine, 1979). O tempo necessário para a alimentação dos morcegos hematófagos depende das reações da vítima durante a refeição, geralmente D. rotundus gasta em torno de 30 minutos, podendo eventualmente chegar à uma hora (Uieda, 1996). Enquanto o morcego se alimenta foi observado eliminação de urina, que pode ser uma forma de esvaziar mais rapidamente o estômago, possibilitando maior consumo de alimento ou maior facilidade em alçar vôo durante a alimentação, se for necessário (Uieda, 1996). 92 Após a alimentação o morcego hematófago pode usar um abrigo noturno ou temporário que serve como local de descanso e ambientação. Esses abrigos estão situados próximos às fontes de alimento e podem ser casas de máquina, estábulo, paiol, porão ou mesmo vegetação próxima (Sazima, 1978). D. rotundus podem reabrir ferimentos feitos em noites anteriores, pois a reabertura é feita em poucos minutos, o que diminui seu tempo a eventuais riscos que podem ocorrer durante sua alimentação, como coices ou mordidas (Greenhall, Joermann, Schmidt, 1983). Pelo fato de ter o hábito alimentar exclusivamente hematófago, D. rotundus é um potencial transmissor do vírus da raiva e os prejuízos causados pela raiva em herbívoros transmitida por este morcego são notáveis (Mayen, 2003). Ainda, um aumento surpreendente no número de casos de raiva humana, transmitidos por D. rotundus ocorreu no Brasil nesta última década. Entre os anos de 2004 e 2005, dezenas de pessoas contraíram raiva transmitida por estes animais na Região Amazônica brasileira (da Rosa et al., 2006) e outros relatos similares de raiva humana na Região Amazônica já haviam sido documentados (Warner et al., 1999). Na América Latina, do ponto de vista epidemiológico, D. rotundus constituem o principal reservatório silvestre do RABV, mas outros quirópteros não hematófagos também têm papel na transmissão do vírus (Favi et al., 2002). 1.5.8.A dinâmica da raiva em bovinos No Estado de São Paulo, na década de 1980, houve uma epidemia, estudada por Taddei et al. (1991), que se propagou a uma velocidade média de 20 km/mês pelas principais bacias hidrográficas paulistas, como as dos rios Tietê, Ribeira, do Peixe, entre outras. Os mesmos pesquisadores também sugerem que áreas montanhosas, com presença de floresta, alto índice pluviométrico e com presença de criação bovina de subsistência, possuem maior probabilidade de ocorrência da doença, pois estas características ecológicas são apropriadas para o D. rotundus. Taddei et al. (1991), no Estado de São Paulo, sugerem que o inverno seco determina o deslocamento do D. rotundus para locais mais úmidos, como ao longo de bacias hidrográficas, desencadeando surtos de raiva. 93 Lord (1988) sugere que as características ecológicas, topográficas e geológicas de uma área determinam a distribuição dos abrigos de D. rotundus e, conseqüentemente a epidemia de raiva nas diferentes regiões. Gomes, Uieda e Latorre (2005) relacionam a existência de D. rotundus com a sua fonte de alimento, o gado, fazendo com que as epidemias em bovinos se propaguem difusamente e não ao longo de bacias hidrográficas, como sugerido por Taddei et al. (1991). Aspectos relacionados à raiva, ao D. rotundus, aos ecossistemas pecuários e, também, aspectos relacionados ao clima, relevo e tipo de manejo dos animais, devem ser considerados na análise da raiva bovina (Gomes, 2008). Delpietro, Marchevsky e Simonetti (1992), na Argentina, sugerem que D. rotundus tem preferência por ecossistemas pecuários aos naturais. Desta forma, o animal demonstra preferência ao alimento do que ao seu próprio ambiente natural. O Estado de São Paulo possui diferentes regiões em relação à criação de bovinos. A região do Vale do Paraíba possui gado de corte, mas é predominantemente leiteira; o Vale do Ribeira apresenta pecuária de subsistência; nas regiões noroeste e norte, apesar de apresentarem gado de corte e leite, o de corte é predominante; e o oeste paulista continua sendo a principal área de produção de carne do Estado (Gomes, 2008). Esta regionalização é importante de ser analisada, pois, em teoria, quanto maior for a relação comercial homem-animal, como no oeste paulista, maiores serão os cuidados profiláticos. Um dos motivos da presença da raiva em bovinos em certas áreas é a deficiências de cuidados de controle e profilaxia da raiva (Brass, 1994). Taddei et al. (1991) consideram que as diferenças entre o leste e o oeste da pecuária paulista favorecem o aumento da raiva na região leste, que possui criação de gado de subsistência e de caráter familiar, além de áreas montanhosas com trechos de floresta natural e índice pluviométrico mais elevados que a região oeste. Havendo aumento da população de morcegos há o aumento concomitante de raiva entre eles e, assim, há aumento da probabilidade de transmissão da doença aos bovinos. Devido ao constante deslocamento do D. rotundus, as epidemias de raiva se caracterizam pelo seu deslocamento e sazonalidade (Brass, 1994). 94 1.5.9.A epidemia de raiva 1997-2002 no Estado de São Paulo Estima-se que milhares de casos de raiva ocorram anualmente em bovinos e eqüinos no Brasil, apesar de não haver concordância quanto a estes números. Em 2007, SIRVERA (2008) cita 1255 casos diagnosticados laboratorialmente, enquanto que SVS/MS (2008) cita 905 casos. O RABV transmitido por D. rotundus faz dos grandes rebanhos de bovinos suas vítimas preferenciais. Os milhões de bovinos no Brasil, calculados, aproximadamante, em 200 milhões (IBGE, 2008), passivamente fazem parte do ciclo silvestre da raiva como hospedeiros terminais. Apesar dos bovinos serem hospedeiros terminais, um caso de raiva humana transmitida por bovino é documentado (Ferreira, 2007). Ainda, mesmo que até o momento não haja documentação da transmissão do RABV entre bovinos ou outros herbívoros de criação, esta possibilidade existe, principalmente pelo contacto oral (saliva contaminada) entre mucosas, como descrito em Kudus (Tragelaphus strepsiceros) na África (Mansfield et al., 2006). Recentemente foi descrito o mesmo tipo de transmissão entre cangambás (skunks) (www.rabiescontrol.net) (2009). Se, o gado é a fonte de alimento preferencial para D. rotundus (Del Pietro e Russo, 1996; Romijn et al., 2003) e permitem o aumento populacional destes morcegos (Uieda , 1996), pode-se afirmar que, de forma indireta, auxiliam a manutenção do RABV no ciclo silvestre. Os herbívoros de criação, principalmente bovinos, desencadeando o aumento da população de D. rotundus, permitem que o RABV circule no ciclo silvestre de forma facilitada, possibilitando o início de epidemias. É possível sugerir que os bovinos atuam como indicadores ecológicos da raiva no meio silvestre, isto porque o número de D. rotundus identificados com raiva é pequeno em relação ao número dos casos da doença identificados entre herbívoros de criação. Em 2007, o Ministério da Saúde do Brasil (SVS/MS) identificou 905 casos de raiva em bovinos, 104 em eqüinos e somente 27 em D. rotundus. No Brasil, Kotait et al. (2007) citam 36 espécies de morcegos nãohematófagos diagnosticados com raiva, principalmente insetívoros. No período 2005-2007 o Laboratório do Instituto Pasteur do Estado de São Paulo, Brasil, analisou 10472 morcegos e entre estes foram identificados 10123 não-hematófagos e 349 hematófagos. O RABV foi identificado em 173 morcegos não-hematófagos, enquanto que somente dois D. rotundus foram identificados positivamente . A importância da raiva entre os * Dados cedidos pela Seção de Diagnóstico do Instituto Pasteur, São Paulo, Brasil. 95 herbívoros de criação transmitida pelos morcegos não-hematófagos ainda hoje é desconhecida. O Estado de São Paulo (SP) localiza-se na Região Sudeste do Brasil, possui 248898 Km2, cerca de 2,91% do território brasileiro e possui mais de 40 milhões de habitantes. É o Estado do Brasil mais industrializado e é responsável por aproximadamente 30% do seu PIB. Sua capital é São Paulo e junto com as cidades periféricas formam uma metrópole, a Grande São Paulo, com cerca de 18 milhões de habitantes (IBGE, 2008). O Estado possui uma região endêmica de raiva bovina na sua região Leste, no Vale do Paraíba (Taddei et al., 1991). Esta região endêmica em SP se estende pelos Estados brasileiros de Minas Gerais (MG) e Rio de Janeiro (RJ), vizinhos de SP. Entre os anos de 1997 e 2002 houve uma epidemia de raiva no Estado de São Paulo envolvendo bovinos e eqüinos (Tabela 9). Naquela ocasião, o Estado era oficialmente dividido pela Secretaria de Saúde em 25 Diretorias Regionais (DIR). A epidemia foi inicialmente detectada na DIR-3 (Mogi das Cruzes), vizinha à região endêmica de São Paulo, posteriormente notificada na DIR-12 (Campinas) e em seguida na DIR-20 (São João da Boa Vista). Devido à nova reestruturação da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo (decreto DOE nº51433 de 28 de dezembro de 2006), as antigas Diretorias Regionais de Saúde (DIR) foram substituídas pelos Departamentos de Saúde. Assim sendo, as antigas DIR-3 (Mogi das Cruzes), DIR-12 (Campinas) e DIR-20 (São João da Boa Vista) tem, hoje, suas áreas de abrangência equivalentes aos Departamentos de Saúde I (Grande São Paulo), VII (Campinas) e XIV (São João da Boa Vista), respectivamente (Figura 22). Deste ponto em diante as DIR 3, 12 e 20, citadas anteriormente, serão designadas por RD1, RD2 e RD3, respectivamente, e a epidemia estudada por “epidemia 1997-2002” (Figura 23). 96 Figura 22: Departamentos de Saúde do Estado de São Paulo. Fonte: www.saude.sp.gov.br/content/geral_estrutura_regionais_de_saude.mmp. Tabela 9: Ocorrência de raiva em herbívoros, confirmação pela rede de laboratórios de diagnóstico do Estado de São Paulo. Fonte: Peres, 2009. Espécie/Ano 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Total Bovina 149 188 431 624 413 148 89 50 55 56 40 2.243 Bubalina 0 1 3 0 0 1 1 1 0 0 1 8 Eqüina 23 35 103 260 130 86 42 27 11 12 11 740 Muar 0 0 1 6 3 2 5 2 0 0 0 19 Asinina 1 0 1 1 0 3 1 0 0 0 0 7 Ovina 2 1 1 8 5 1 0 0 0 0 0 18 Caprina 1 0 2 0 1 0 1 1 0 0 0 6 Total 176 225 542 899 552 241 139 81 66 68 51 3041 97 N Região 1 Região 2 Região 3 Região endêmica MT MS TO MG RJ São Paulo - Capital 470 Km Figura 23: Mapa do Estado de São Paulo (SP), Sudeste, Brasil, e as áreas epidêmicas RD1, RD2 e RD3. A localização da capital do Estado, cidade de São Paulo, e a região endêmica estão indicadas no mapa. A localização do Estado de São Paulo é mostrada em cinza no mapa do Brasil no canto direito da Figura. Os Estados brasileiros Mato Grosso (MT) e Mato Grosso do Sul (MS), da região Centro-Oeste, Estado de Tocantins (TO), na região Norte, além de Minas Gerais (MG) e Rio de Janeiro (RJ), os quais como São Paulo, situam-se na região Sudeste, são também mostrados na Figura. Abaixo, o mapa do Brasil mostrando o relevo do país e ao lado, o mapa do Estado de São Paulo e seu relevo em maiores detalhes. Fonte: Miranda (2009). Em 2002, os órgãos oficiais ligados à pecuária instituíram vacinação obrigatória na área epidemica e endêmica, além de realizarem o controle populacional de D. rotundus à base de Warfarina, já iniciado anteriormente, fazendo cessar a epidemia (Tabelas 10 e 11). Detalhes deste controle, além de abrangentes dados epidemiológicos relativos à raiva em herbívoros no Estado de São Paulo no período de 1997-2007, são 98 encontrados em Peres (2009). É importante esclarecer que em todo o Estado de São Paulo, como em todo o Brasil, casos de raiva em bovinos e outros herbívoros de criação, foram diagnosticados antes e após os anos da epidemia 1997-2002. Também é apresentada a Figura 24, gerada a partir de dados da Comissão Estadual de Controle da Raiva, que mostram o número total de bovinos e eqüinos positivos para a raiva no Estado de São Paulo, no período de 1996 a 2003 e o número total de herbívoros positivos para a raiva no Estado de São Paulo, no período de 1996 a 2003, além dos números de animais positivos nas áreas RD1, RD2 e RD3. Tabela 10: Número de morcegos Desmodus rotundus capturados e tratados com Warfarina e refúgios trabalhados no Estado de São Paulo, 1997–2007. Fonte: Peres, 2009 Ano Hematófagos capturados e tratados com Warfarina Refúgios trabalhados 1997 sem informação sem informação 1998 sem informação sem informação 1999 3.951 1.421 2000 5.217 892 2001 6.367 1.803 2002 16.071 2.438 2003 11.687 sem informação 2004 9.371 sem informação 2005 6.417 sem informação 2006 12.919 sem informação 2007 10.117 6.554 TOTAL 82.117 A epidemia 1997-2002 ocorreu em uma área montanhosa, densamente povoada e com um índice econômico privilegiado dentro do Brasil. As três áreas estudadas, áreas RD1, RD2 e RD3, possuem altitudes médias entre 800 e 1600 metros, temperaturas médias anuais de 18°C, pluviosidade média anual superior a 1300 mm e, portanto, com condições ecológicas propícias para D. rotundus (Wilkinson, 1988). Atualmente, a vegetação original do Estado encontra-se alterada, pois foi o maior produtor de café durante os séculos XIX e XX. Poucas áreas da Mata Atlântica, situada nas regiões serranas de difícil acesso, a leste do Estado, encontram-se parcialmente conservadas, mas sujeitas a grande especulação imobiliária. Partes das áreas epidemicas estudadas situam-se nestas regiões serranas (Figuras 25, 26 e 27). 99 Tabela 11: Número de herbívoros existentes e herbívoros vacinados, na área de vacinação obrigatória da raiva, no Estado de São Paulo, 2001– 2006. Fonte: Peres, 2009. Ano Herbívoros existentes Herbívoros vacinados 2001 2.921.893 2.740.887 2002 3.214.133 3.090.793 2003 3.461.303 3.413.369 2004 3.625.938 3.568.119 2005 2.870.286 2.830.852 2006 2.944.762 2.915.819 1996 1997 1998 1999 2000 2002 2003 Bovino 78 149 189 434 623 148 90 Eqüino 12 24 35 106 238 92 48 Estado de São Paulo RD 1 RD 2 RD 3 1996 6 5 1 90 1997 82 5 6 173 1998 34 49 7 224 1999 31 349 56 540 2000 44 469 227 861 2001 19 259 277 625 2002 - - - 240 2003 - - - 138 Figura 24: Gráficos e tabelas com os números de bovinos e eqüinos positivos para a raiva no Estado de São Paulo (imagem superior), como também nas áreas RD1, RD2 e RD3 (imagem inferior) Fonte: (www.pasteur.saude.sp.gov.br/coordenacao/coordenacao). 100 Atualmente, grande número de pesquisadores da raiva sugere que, além da presença de montanhas, os rios e represas também são fatores que determinam a diversificação genética do RABV (Carnieli et al., 2009). A Figura 28 mostra a posição dos principais rios e represas das áreas RD1, RD2 e RD3. Outro trabalho recente, com metodologia inédita e dados abrangentes, que estudou a raiva em bovinos no Estado de São Paulo, no período entre 1992 e 2003, é o de Gomes (2008). O autor, utilizando uma abordagem ecológica, estudou os padrões espaciais da raiva bovina e seus determinantes, partindo da premissa que a paisagem físico-territorial e o ambiente pecuário do Estado, que se transformam ao longo do tempo, influenciam a expansão da raiva. O autor sugere que a análise dos tipos de uso e classes de cobertura da terra permite a identificação de fatores relacionados à epidemia e de sua progressão pelo território, no espaço e no tempo. A epidemia ou as epidemias de raiva em herbívoros, segundo o autor, progrediram principalmente pelos Vales do Paraíba e Ribeira, do sentido da divisa de Minas Gerais até o eixo entre os municípios de São Paulo e Campinas e depressão periférica (ver Figura 25). As Figuras 29 e 30, cedidas gentilmente por Gomes, permitem uma melhor caracterização e visualização da epidemia 1997-2002. Porém, para que possamos interpretar corretamente estas figuras, se faz necessário analisar os dados presentes na Tabela 12, que mostra os números de casos de raiva no Estado de São Paulo em relação aos mapas Kernel da Figuras 29 e 30, no período 1997-2003. A Figura 31 mostra a função Kernel da cobertura vegetal das áreas RD1, RD2 e RD3 no ano de 1997. 101 0m 2700 m Divisão Geomorfológica Planalto Atlântico e Província Costeira Depressão Periférica Cuestas Basálticas Planalto Ocidental Figura 25: Aspectos do relevo do Estado de São Paulo (imagem superior) e divisão geomorfológica paulista (imagem inferior). Imagens geradas a partir de dados provenientes do SRTM (“Shuttle Radar Topography Mission”). Fonte: Gomes, 2008. 102 1100 mm 11°C 3850 mm 25°C Figura 26: Pluviosidade média anual do Estado de São Paulo (imagem superior) e temperatura média anual do Estado de São Paulo (imagem inferior). Imagens geradas a partir de dados provenientes do SRTM (“Shuttle Radar Topography Mission”). Fonte: Gomes, 2008. 103