1 UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA A AFETIVIDADE NO PROCESSO DA APRENDIZAGEM: UM OLHAR A PARTIR DA PSICOPEDAGOGIA ARACI-BA 2009 2 AURINEIDE DE OLIVEIRA A AFETIVADADE NO PROCESSO DA APRENDIZAGEM: UM OLHAR A PARTIR DA PSICOPEDAGOGIA Monografia apresentada à Universidade Cândido Mendes, como exigência parcial para obtenção do t Í t u l o de e s p e c i a l i s t a e m Psicopedagogia Institucional e Clínica sob a orientação de professora Narcisa Castilho Melo e Fabiane Muniz. ARACI 2009 3 Dedico esta monografia com todo carinho à todos que contribuÍram, com amizade, dedicação e generosidade para realização deste trabalho. 4 Agradecimentos A Deus pela vida e a oportunidade que me concedeu de concluir mais uma etapa em minha vida. Aos meus familiares, pela compreensão e por ter compartilhado das minhas alegrias e angústias durante essa caminhada, principalmente minha filha Joneide. Aos mestres, que com competência e carinho me conduziram com sabedoria à construir o saber. Aos colegas, por compartilharem todos os momentos de alegrias, tristezas e ansiedades nessa caminhada e aos amigos Arialdo e Jeane, pela força que me deram. As orientadoras Narcisa Castilho Melo e Fabiane Muniz,pelo incentivo, carinho e paciência. 5 Você não pode ensinar coisa alguma a um homem. Você pode somente ajudá-lo a descobrir isso dentro de si. Galileu Galilei 6 RESUMO A intesificação das relações entre os sujeitos envolvidos no processo ensinoaprendizagem, os aspectos afetivos, a dinâmica das manifestações em sala de aula e as formas de comunicação devem ser caracterizadas como pressupostos básicos para o processo da construção do conhecimento e da aprendizagem. A afetividade e o suporte da inteligência, da vontade, da atividade, enfim, da personalidade. Logo, a afetividade é a mola propulsora da cognição. E é sobre esta ótica que abordaremos a afetividade no processo da aprendizagem que envolve a interação professoraluno, influenciando decisivamente no processo de aprendizagem. Nesta pesquisa, enfocamos também os conceitos fundamentais da afetividade e a seguir abordamos a psicopedagogia no Brasil, por considerar uma das melhores oportunidades de atendimento ao aluno com problemas de aprendizagem. Outro ponto considerado relevante no estudo foram as ligações afetivas em sala de aula e a influência destas sobre a aprendizagem. Para analisar como a afetividade interfere nesse processo, buscamos respaldo teórico em Piaget, Vigotsky, Wallon, entre outros. O resultado do estudo comprova que os aspectos afetivos intervêm a toda hora de forma positiva para o conhecimento. Palavras chave: afetividade, cognição, aprendizagem. 7 ABSTRACT The intensification of the relations between the involved citizens in the affective process teach-learning, aspects, the dynamics of the manifestations in classroom and the forms of communication must be characterized as estimated basic for the process of the construction of the knowledge and the learning. The affectivity is the support of intelligence, the will, the activity, at last, of the personality. Soon, the affectivity is the propeller spring of the cognition. and is on this optics that we will approach the affectivity in the process of the learning that involves the interaction teacher-student, influencing decisively in the learning process. In this research, we also focus the basic concepts of the affectivity and to follow we approach it the psicopedagogia in Brazil, for considering one of the best chances of attendance to the student with learning problems. Another point considered excellent in the study had been the affective linkings in classroom and the influence of these on the learning. To analyze as the affectivity it intervenes with this process, we search theoretical endorsement in Piaget, Vigotsky, Wallon, among others. The result of the study proves that the affective aspects intervine to ali hour of positive form for the knowledge. Key-words: affectivity, cognition, learning. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO, 9 1 AFETIVIDADE: CONCEITOS FUNDAMENTAIS, 13 2 CONCEITOS E HISTORICIDADE DA PSICOPEDAGOGIA, 18 2.1 A psicopedagogia no Brasil, 20 2.2 Desafios atuais da psicopedagogia, 22 3 APRENDIZAGEM E TEORIAS PSICOPEDAGÓGICAS, 25 3.1 A psicopedagogia e a dificuldade de aprendizagem, 30 4 AFETIVIDADE NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM, 34 4.1 Afetividade numa perspectiva psicopedagógica, 37 4.2 Ligações afetivas na sala de aula, 39 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS, 43 6 REFERÊNCIAS, 47 9 INTRODUÇÃO A criança, desde o seu nascimento, sente uma necessidade muito grande de atenção, carinho e afeto para viver um processo contínuo e harmónico de socialização e integração, que contribui satisfatoriamente no seu desenvolvimento físico, psíquico, social, intelectual e cognitivo durante toda a sua vida. O processo de conhecer a si mesmo e ao outro está internalizado, e nessa relação está a importância da afetividade para o desenvolvimento integral do ser humano. A competência infantil evolui rapidamente. Torna-se capaz de iniciar e finalizar uma série de atividades e projetos. Nas crianças de sucesso, cujos esforços foram encorajados, respeitados e bem sucedidos, emerge um sentimento de competência e prazer no trabalho, um senso de produtividade. Já nas crianças, cujas iniciativas são desencorajadas e diminuídas, surgem sentimentos de que são menos competentes do que seus colegas em realizações, habilidades, capacidades e assim, desenvolvem um sentimento de inferioridade. Portanto, afeto, amor e experiências positivas na escola são fundamentais. O desenvolvimento da autonomia e da afetividade permite aprimorar as relações interpessoais. A sociedade necessita de pessoas capazes de respeitar as opiniões dos demais e, por sua vez, de defender os próprios direitos. Nessa medida, a inventividade da criança e do educador, o levantamento de hipóteses sobre os assuntos, o interesse e a curiosidade permeiam todo o processo educativo. Na maioria das vezes, os conhecimentos que dizem respeito à afetividade -relacionamentos pessoais, cidadanias, direitos e deveres - considerados pilares da solidariedade e da cooperação humana, em geral, são omitidos pela escola. Assim, para desenvolver-se plenamente em todas as áreas do conhecimento humano, as crianças necessitam conviver num ambiente de relações afetivas estáveis com os pais, professores e as demais pessoas que a cercam. Portanto, o objeto principal do trabalho monográfico consiste na análise dos problemas da afetividade nos educandos, frequentes no processo da aprendizagem. O problema de pesquisa que desenvolvemos baseia-se nas consequências do que a ausência da afetividade acarreta nos diferentes domínios do desenvolvimento da criança. 10 Para justificar nossas discussões acerca do assunto, nos fundamentamos nas teorias de Piaget, Vigotsky e Wallon - responsáveis pelos estudos a respeito das emoções e a relação destas com os aspectos cognitivos no processo ensino-aprendizagem. Esses teóricos, ao implementarem investigações acerca do desenvolvimento psicológico humano, acabam por identificar na afetividade o seu caráter social, amplamente dinâmico e construtor da personalidade humana, além de estabelecer o elo de ligação entre o indivíduo e a busca do saber (por meio das interações sociais), convergindo para o postulado de que, embora considerada sob diversas visões, cabe à afetividade a função de desencadeadora do agir e do pensar humano, isto é, para a efetivação do desenvolvimento sócio-cognitivo. Na psicogênese de Henry Wallon, a dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto de vista da construção da pessoa quanto do conhecimento (LA TAILLE, 1992, p. 85). Para este pensador, a emoção ocupa o papel de mediadora. O processo de desenvolvimento infantil se realiza nas interações, que objetivam não só a satisfação das necessidades básicas, como também a construção de novas relações sociais, com o predomínio da emoção sobre as demais atividades. As interações emocionais devem se pautar pela qualidade, a fim de ampliar o horizonte da criança e levá-la a transcender sua subjetividade e inserir-se no social. Na concepção walloniana, tanto a emoção quanto a inteligência são importantes no processo de desenvolvimento do sujeito, de forma que o professor deve aprender a lidar com o estado emotivo da criança para melhor poder estimulá-la no seu crescimento individual. Através das interações sociais, as manifestações posturais vão ganhando significado e, com a aquisição da linguagem, a afetividade adquire novas formas de manifestação, além de ocorrer também uma transformação nos próprios níveis de exigência afetiva. As formas de expressão que utilizavam exclusivamente o corpo, como o toque, os olhares e as modulações da voz, ganha maior complexidade. La Taille (1992, p 75) afirma que: Com o advento da função simbólica que garante formas de preservação dos objetos ausentes, a afetividade se enriquece com novos canais de expressão. Não mais restrita a trocas dos corpos, ela agora pode ser nutrida através de todas as possibilidades de expressão que servem também à atividade cognitiva. 11 Nesse sentido, é possível concluir que a afetividade não se limita apenas às manitestações de carinho físico, que muitas vezes são acompanhadas de elogios superficiais, enaltecendo qualidades ínfimas a exemplo da forma como muitos educadores se referem às crianças: "você é bonzinho, bonitinho, uma gracinha" que, usados no diminutivo, só vêm reforçar o caráter efémero da relação. A teoria piagetiana enfatiza que o afeto desempenha um papel essencial no funcionamento da inteligência. Sem afeto não haveria interesse, necessidade e motivação. A afetividade é atribuída como uma condição inevitável na construção da inteligência e o afeto é uma importante energia para o desenvolvimento cognitivo. Conforme La Taille (1992, p. 76), Vygotsky explica que o pensamento tem sua origem na esfera da motivação, a qual inclui inclinações, necessidades, interesses, impulsos, afeto e emoção. Nesta esfera estaria a razão última do pensamento e, assim, uma compreensão completa do pensamento humano só é possível quando se compreende sua base afetivo-volitiva. Apesar de a questão da afetividade não receber aprofundamento em sua teoria, o teórico evidencia a importância das conexões entre as dimensões cognitiva e afetiva do funcionamento psicológico humano, propondo uma abordagem unificadora das referidas dimensões. No tocante ao ensino-aprendizagem, inquieta-nos constatar que a relação afetiva ainda é tratada como segundo plano em algumas escolas, como se esta fosse dissociada do processo. Constatamos tal fato quando no período do estágio clínico, atendemos a uma criança que mesmo sendo repetente da 1a série do ensino fundamental, não conseguia ler. Após algumas sessões para diagnóstico do problema obtivemos como prognóstico: NÍVEL AFETIVO-SOCIAL: altamente comprometido. A criança resiste ao toque ou qualquer outra relação de afetividade. Internalizou que é burro, não sabe ler e já está consciente que vai repetir de série mais uma vez. Por ser sempre comparado pela mãe e professora com a irmã mais nova, que é sua colega de sala, possui rachaduras na auto-estima. PROGNÓSTICO: através das atividades desenvolvidas com a criança, percebemos que a dificuldade de leitura da criança está relacionada ao aspecto afetivo, em função do rótulo e da comparação e por não possuir a função materna bem estabelecida, descartando assim, o diagnóstico de dislexia atribuído pela Escola, (apud RELATÓRIO DE ESTÁGIO CLÍNICO agosto/2006). 12 Desse modo, a relação entre os indivíduos se dá a partir da afetividade e foi esta observação que nos motivou a realização deste estudo. COM o objetivo de refletir sobre a afetividade no processo da aprendizagem nos propomos a analisar como os aspectos afetivos influenciam nesse processo. Assim, tendo em vista a situação problema acerca da afetividade e a importância desta no processo ensino-aprendizagem, os objetivos a que nos propomos são: estudar a questão da afetividade no contexto escolar, levando-se em conta a relação professor-aluno e sua influência no sucesso ou fracasso escolar; refletir sobre as ligações afetivas em sala de aula e identificar as contribuições teóricas referentes a afetividades no contexto do educando. Assim, a abordagem utilizada para o desenvolvimento desse trabalho é a teórica. Esse trabalho foi planejado e organizado na tentativa de contribuir acerca da temática e está estruturado em quatro capítulos, os quais descrevemos. No l capítulo, abordamos os conceitos fundamentais da afetividade. No II capítulo, enfocamos a Psicopedagogia no Brasil, conceitos e historicidade, bem como os atuais desafios. No III capítulo, discorremos sobre a aprendizagem e teorias psicopedagógicas, assim como, a Psicopedagogia e a dificuldade de aprendizagem. No IV e último capítulo, enfatizamos a afetividade no processo ensino-aprendizagem, numa perspectiva psicopedagógica e as ligações afetivas em sala de aula e, finalmente, tecemos as nossas considerações finais. Este trabalho constitui-se um estudo inacabado e sugerimos que seja encarado numa perspectiva de abrir espaços a futuras discussões sobre o papel da afetividade no processo da aprendizagem. 13 1. AFETIVIDADE: CONCEITOS FUNDAMENTAIS Muitas vezes programamos uma forma de agir e quando nos deparamos com a situação, fazemos tudo completamente diferente. Isto acontece porque os aspectos afetivos interferem no nosso comportamento. Para compreendermos acerca desses aspectos, iremos analisar o conceito de afetividade na contemporaneidade, bem como, a opinião de alguns teóricos a respeito da temática. Porém, não se pode negar que, dentre os fenômenos psicológicos, os afetivos apresentam uma grande dificuldade de estudo, tanto no que se refere à conceituação, como também quanto à metodologia de pesquisa e de análise. Na literatura encontra-se, eventualmente, a utilização dos termos afeto, emoção e sentimento, aparentemente como sinônimos. Entretanto, na maioria das vezes, o termo emoção encontra-se relacionado ao componente biológico do comportamento humano, referindo-se a uma agitação, uma reação de ordem física. Já a afetividade é utilizada com uma significação mais ampla, referindo-se às vivências dos indivíduos e às formas de expressão mais complexas e essencialmente humanas. Diante da dificuldade de conceituação, iniciamos as definições do que vem a ser afetividade pelo dicionário. O dicionário da Língua Portuguesa de Ximenes (2000, p.27) define afetividade como: "qualidade de afetivo; conjunto dos fenômenos psíquicos vivenciados na forma de sentimentos e paixões". No dicionário Aurélio (1994, p.24), o verbete afetividade está definido da seguinte forma: Psicol. Conjunto de fenómenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos e paixões, acompanhados sempre da impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou tristeza. Portanto, a afetividade exerce um papel fundamental nas correlações psicossomáticas básicas, além de influenciar decisivamente a percepção, a memória, o pensamento, a vontade e as ações, e ser, assim, um componente essencial da harmonia e do equilíbrio da personalidade humana. Existe muita confusão terminológica em relação à afetividade e ao grande número de vocábulos associados ao seu conceito. Os estados afetivos fundamentais são as emoções, os sentimentos, as inclinações e as paixões. A palavra emoção 14 vem do latim, mover-se para fora, externalizar-se. É a intensidade máxima do afeto. A palavra afeto vem do latim affectur (afetar, tocar) e constitui o elemento básico da afetividade. (GODO, GASOTTI, 1999, p 49) N O dicionário Aurélio (1994, p.118) a emoção é assim definida: "Psicol. Reação intensa e breve do organismo a um lance inesperado, a qual se acompanha um, estado afetivo de conotação penosa ou agradável". Segundo a BARSA (2004, p 108), Em Psicologia, entende-se por afetividade o conjunto de fenômenos psíquicos que compreendem sobretudo o prazer, a dor e as emoções fenômenos ditos afetivos. É também a capacidade de experimentar estados afetivos e de produzir reações de caráter afetivo, confundindo-se, nesse sentido, com o conceito de sensibilidade. A afetividade é a base do psiquismo e o elemento mais fundamental na estruturação da conduta e das reações de cada indivíduo. Num sentido mais amplo, engloba as tendências afetivas (inclinações, paixões) e os estados passivos (prazer, dor, emoções). (...) parece ser a afetividade que obsta ou favorece o conhecimento intelectual, pois o desenvolvimento normal da inteligência só ocorre se há uma relação afetiva anterior normal. É a afetividade que constitui o alicerce sobre o qual se constrói o conhecimento racional. Desse modo, a afetividade compreende o estado de ânimo ou humor, os desejos, as motivações, as paixões e reflete sempre à capacidade de experimentar sentimentos e emoções. Determina também a atitude geral da pessoa diante de qualquer experiência vivência!, promove os impulsos : motivadores e inibidores, percebe os fatos de maneira agradável ou sofrível e confere uma disposição indiferente ou entusiasmada. Direta ou indiretamente exerce profunda influência sobre o pensamento e sobre toda a conduta do indivíduo. Falar de afetividade é de certa forma, falar da essência da vida, no sentido de que o homem, social por natureza, se relaciona e se vincula a outras pessoas, sendo feliz e sofrendo em decorrência dessas inter-relações. Teóricos como Henri Wallon, Piaget e Vigotsky estudaram a respeito da afetividade, das emoções e a relação destas com o aspecto cognitivo no processo ca aprendizagem. O primeiro traz a dimensão afetiva como ponto extremamente importante em sua teoria psicogenética. Para ele, a afetividade tem papel imprescindível no processo de desenvolvimento da personalidade e esta, por sua vez, se constitui sob a alternância dos domínios funcionais. Para Wallon (apud ALMEIDA 2005, p 42) 15 (...) a afetividade é um domínio funcional, uma das etapas que a criança percorre, a primeira de todas elas. Wallon (1993) assinala que o nascimento da afetividade é anterior à inteligência. O recém-nascido, antes de estabelecer atividades de relação, isto é, no sentido de conhecer, descobrir o mundo físico, permanece por um dado período voltado para si mesmo, como se estivesse desenvolvendo, exercitando determinadas habilidades para poder mais tarde interagir com o mundo físico. Nessa perspectiva, a afetividade não é apenas uma das dimensões da pessoa; ela é também uma fase do desenvolvimento, a mais antiga. O ser humano, logo que saiu da vida puramente orgânica, foi um ser afetivo. Da afetividade diferenciou-se, lentamente, a vida racional. Enquanto não aparece a palavra, é o movimento que traduz a vida psíquica, garantindo a relação da criança com o meio. A afetividade manifesta-se primitivamente no comportamento e nos gestos expressivos da criança. Afetividade e inteligência estão integradas na teoria de Wallon. A evolução da afetividade depende das construções realizadas no plano da inteligência, assim como, a evolução da inteligência depende das construções afetivas. No entanto, o autor admite que, ao longo do desenvolvimento humano, existem fases que predominam o afetivo e fases em que predominam a inteligência. Na teoria de Piaget (1980), o afeto desempenha um papel essencial no funcionamento da inteligência. Seria impossível haver interesse, necessidade, vontade e motivação se não existisse o aspecto afetivo. Piaget (1980, p.72) afirma que: (...) a afetividade constitui a energética das condutas, cujo aspecto cognitivo se refere apenas às estruturas. Não existe, portanto, nenhuma conduta, por mais intelectual que seja, que não comporte fatores afetivos; mas, reciprocamente, não poderia haver estados afetivos sem a intervenção de percepções ou compreensão, que constituem a estrutura cognitiva. A conduta é, portanto, uma, mesmo que, reciprocamente, esta não tome aquelas em consideração: os dois aspectos afetivo e cognitivo são, ao mesmo tempo, inseparáveis e irredutíveis. Comentando essa postura teórica, Wadswort (1993, p. 96), nos diz que: (...) à medida que os aspectos cognitivos se desenvolvem, há um desenvolvimento paralelo da afetividade. Os mecanismos de construção são os mesmos. As crianças assimilam as experiências aos esquemas afetivos do mesmo modo que assimilam as experiências às estruturas cognitivas. O resultado é o conhecimento. Para Piaget (1976), o desenvolvimento intelectual é considerando como tendo 16 dois componentes: o cognitivo e o afetivo. Paralelo ao desenvolvimento cognitivo está o desenvolvimento afetivo. Afeto inclui sentimentos, interesses, desejos, tendências, valores e emoções em geral. Nessa perspectiva, o papel da afetividade para Piaget é funcional na inteligência. Ela é a fonte de energia de que a cognição se utiliza para seu funcionamento. Ele explica esse processo por meio de uma metáfora, quando afirma que "a afetividade seria como a gasolina que ativa o motor de um carro, mas não modifica sua estrutura". Ou seja, existe uma relação intrínseca entre a gasolina e o motor (ou entre a afetividade e a cognição) porque o funcionamento do motor, comparado com as estruturas mentais, não é possível sem o combustível, que é a afetividade. Na relação do sujeito com os objetos, com as pessoas e consigo mesmo, existe uma energia que direciona seu interesse para uma situação ou outra, e a essa energética corresponde uma ação cognitiva que organiza o funcionamento mental. Nessa linha de raciocínio, diz Piaget, (1976, p 10): É o interesse e, assim, a afetividade que fazem com que uma criança decida seriar objetos e quais objetos seriar. Complementando, todos os objetos de conhecimento são simultaneamente cognitivos e afetivos, e as pessoas, ao mesmo tempo em que são objetos de conhecimento, são também de afeto. Enquanto para Piaget a afetividade atua no desenvolvimento intelectual na forma de motivação e interesse, para Vygotsky, a afetividade atua na construção das relações do ser humano dentro de uma perspectiva social e cultural. Segundo Vigotsky (1993), o desenvolvimento cognitivo é produzido pelo processo de internalização da interação social com materiais fornecidos pela cultura, sendo que o processo se constrói de fora para dentro. Para ele, o sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque forma conhecimentos e se constitui a partir das relações intra e interpessoais. É na troca com outros sujeitos e consigo próprio que vão se internalizando conhecimentos, favorecendo assim, a aprendizagem. Oliveira (1992, p. 76), afirma que: Vigotsky menciona, explicitamente, que um dos principais defeitos da psicologia tradicional é a separação entre os aspectos intelectuais, de um lado, e os volitivos e afetivos, de outro, propondo a consideração da unidade entre os processos. Coloca que o pensamento tem sua origem na esfera da 17 motivação, a qual inclui inclinações, necessidades, interesses, impulsos, afeto e emoção. Nesta esfera estaria a razão última do pensamento e, assim, uma compreensão completa do pensamento humano só é possível quando se compreende sua base afetivo-volitiva. Apesar do teórico não ter aprofundado seus estudos na questão da afetividade, evidencia a importância das conexões entre as dimensões cognitiva e afetiva do funcionamento psicológico humano, propondo uma abordagem unificadora das referidas dimensões. Rego (1995, p 122), comenta que para Vigotsky, "cognição e afeto não se encontram dissociadas no ser humano, pelo contrário, se inter-relacionam e exercem influências recíprocas ao longo de toda a história do desenvolvimento do indivíduo". Quanto à afetividade, o psicanalista Sigmund Freud (apud GOLSE, 1998) afirmava que os dados fornecidos pela psicanálise têm consequências importantes para a compreensão das relações inter-humanas, principalmente ao mostrar que o objeto de relação é um objeto individual construído pelo mundo interno fantástico (de fantasia) variando com nossos investimentos e em função de nossa história e de nossos estados afetivos. Diante do exposto, percebemos que a afetividade é o suporte da motivação, da vontade, da inteligência, da atividade, enfim, da personalidade. Nenhuma aprendizagem se realiza sem que ela esteja presente. Existem muitos alunos cuja inteligência foi bloqueada por motivos afetivos; outros, em função da falta deste, apresentam problemas no comportamento e, consequentemente, na aprendizagem. Na tentativa de analisar questões relacionadas às dificuldades de aprendizagem, seja de ordens afetivas, cognitivas ou psicomotoras, buscamos ajuda junto aos psicopedagogos, que são os profissionais que atuam diretamente junto aos educandos que apresentam dificuldades de aprendizagem. Por isso, no capítulo seguinte, trataremos da psicopedagogia no Brasil, bem como, seus atuais desafios. 18 2. CONCEITOS E HISTORICIDADE DA PSICOPEDAGOGIA Historicamente, segundo Bossa (2000 p.36), os primórdios da psicopedagogia ocorreram na Europa, mais precisamente na França, em meados do século XIX, onde a Medicina, Psicologia e a Psicanálise, começaram a se preocupar com uma alternativa de intervenção nos problemas de aprendizagem e suas possíveis correções. A corrente europeia influenciou a iniciação psicopedagógica na Argentina e a mesma influenciou a identidade da psicopedagogia brasileira. Acreditava-se na época, que os comprometimentos na área escolar eram provenientes de causas orgânicas, pois procurava identificar no físico as determinantes das dificuldades do aprendente. Com isto, constituiu-se um caráter orgânico da psicopedagogia. Ainda de acordo com a autora, a crença de que os problemas de aprendizagem eram causados por fatores orgânicos perdurou por muitos anos e determinou a forma de tratamento dada à questão do fracasso escolar até bem recentemente. Desse modo, a falta de clareza a respeito dos problemas de aprendizagem, fazia com que os alunos com dificuldades fossem encaminhados para profissionais de diversas áreas de atuação, sem uma resolução eficiente dos problemas. No primeiro momento, período de medicalização dos problemas de aprendizagem, estas crianças eram encaminhadas ao pediatra e depois ao neurologista. Em segundo momento, denominado psicologização dos problemas de aprendizagem, eram encaminhadas ao psicólogo, submetendo a criança a uma bateria de testes. Frente a essas situações, não se chegando a uma explicação clara sobre as dificuldades da criança, foi-se criando a consciência da necessidade de formação de um único profissional apto a integrar conhecimentos e atuar de maneira objetiva e eficaz, não só na resolução aos problemas escolares, mas também na prevenção dos mesmos, facilitando o vínculo do aluno com o processo de aprendizagem e o resgate do prazer de aprender, melhorando assim, o desempenho escolar do educando. Dessa forma, a Psicopedagogia nasceu da necessidade de uma melhor compreensão do processo da aprendizagem humana, buscando assim, resolver as 19 dificuldades de aprendizagem. Segundo Bossa(2000 p 21) A Psicopedagogia se ocupa da aprendizagem humana, que adveio de uma demanda - o problema da aprendizagem humana, colocado num território pouco explorado, situado além dos limites da Psicologia e da própria Pedagogia - e evoluiu devido à existência de recursos, ainda que embrionários, para atender essa demanda, constituindo-se, assim, numa prática. Desse modo, a Psicopedagogia não é meramente a junção da Psicologia e da Pedagogia, mas, a interseção, visto que, a primeira trata das questões psicológicas e a segunda, das questões metodológicas. Logo, a Psicopedagogia busca dar respostas que as duas ciências citadas anteriormente não conseguiram. Fagali (1993, p 9), enfatiza que: A Psicopedagogia surgiu como uma necessidade de compreender os problemas de aprendizagem, refletindo sobre as questões relacionadas ao desenvolvimento cognitivo, psicomotor e afetivo, implícitas nas situações de aprendizagem. Assim, esse campo de atuação avalia a aprendizagem e a percebe não apenas como um ato intelectual e passivo, mas considera também os aspectos cognitivos, afetivos e sociais. Devido à complexidade dos problemas de aprendizagem, a Psicopedagogia se apresenta com um caráter multidisciplinar, que busca conhecimento em diversas outras áreas de conhecimento, além das mencionadas anteriormente. É necessário ter noções de linguística, para explicar como se dá o desenvolvimento da linguagem humana e sobre os processos de aquisição da linguagem oral e escrita. Também de conhecimentos sobre o desenvolvimento neurológico, sobre suas disfunções que acabam dificultando a aprendizagem; e de conhecimentos filosóficos e sociológicos, que nos oferece o entendimento sobre a visão do homem, seus relacionamentos a cada momento histórico e sua correspondente concepção de aprendizagem. Desta forma, a Psicopedagogia se torna um campo com conhecimentos amplos, onde tem como objeto central de estudo o processo de aprendizagem humana seus padrões evolutivos normais e patológicos, bem como, a influência do meio, família, escola e sociedade). 20 No nosso País, a Psicopedagogia é um campo de conhecimento e atuação e atívamente novo, por isso, faz-se necessário conhecermos um pouco sobre esse assunto. 2.1 A Psicopedagogia no Brasil Os altos índices de evasão e repetência, tendo como causas o fracasso escolar, a carência afetiva, a falta de estímulos, incentivos e motivação por parte da família e dos educadores, têm impulsionado os profissionais ligados à educação a buscarem novas alternativas de atuação, visando reverter este quadro. Nessa perspectiva, os problemas educacionais no Brasil têm sido objeto de pesquisa de muitos estudiosos. Dentre os estudiosos brasileiros que se preocuparam com as causas e consequências desses problemas, temos Patto (1990), que, nos seus estudos, constatou que a educação brasileira nas últimas décadas tem se caracterizado pelas tendências de atribuir os sucessos e fracassos dos alunos exclusivamente a fatores individuais. Na conclusão dessa mesma obra, a autora enfoca a existência de uma tendência, na medida em que, visando superar estas ideias de se atribuir o fracasso escolar dos alunos a fatores individuais, vários educadores têm se interessado por esses estudos e, consequentemente, por formas diferenciadas de atuação. Estes educadores têm enfatizado a importância e a necessidade de se refletir sobre a própria prática e sobre as questões relacionadas ao desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicomotor, implícitas no processo de ensino-aprendizagem, buscando meios alternativos para o sucesso dos alunos. Nesse clima de interesse por alternativas do sucesso escolar associado às influências de experiências educacionais, bem sucedidas, desenvolvidas em outros países, a partir dos anos 60, as primeiras iniciativas de atuação psicopedagógica passaram a ser mais conhecidas e divulgadas no nosso País. Scoz (1994, p 23) confirma que: A partir da década de 60, a categoria profissional dos psicopedagogos começa a expandir-se e a organizar-se buscando, inicialmente, as causas do fracasso escolar, através da sondagem de aspectos do desenvolvimento físico e psicológico do aprendiz. 21 Nessa época, os psicopedagogos, prendiam-se a uma concepção organicista e linear, com enfoque patologizante, que encarava os indivíduos com dificuldades na escola como portadores de disfunções psicológicas, neurológicas ou mentais. A partir deste contexto, as contribuições da Psicopedagogia passam a ser mais conhecidas e socializadas no Brasil. Acredita-se, que a primeira experiência psicopedagógica no país ocorreu em 1958, com a criação do Serviço de Orientação Psicopedagógica (SOPP) da Escola Guatemala, na então Guanabara. O SOPP tinha como meta desenvolver a melhoria da relação professor - aluno, aluno - família e criar um clima mais receptivo para a aprendizagem, aproveitando para isso as experiências anteriores dos alunos. Ao mesmo tempo em que as experiências do SOPP eram desenvolvidas, várias clínicas psicopedagógicas se proliferaram em diversos estados brasileiros. Estas clínicas voltavam-se, geralmente, para o atendimento de crianças que eram encaminhadas pelas escolas, por apresentarem baixo rendimento escolar. Como se pode notar, a Psicopedagogia no Brasil é uma área de estudo relativamente nova e que conseguiu se articular melhor após a criação, em 1980, da "Associação de Psicopedagogo de São Paulo" que, em, 1988, transforma-se na "Associação Brasileira de Psicopedagogia". Ao longo de sua existência a entidade tem promovido vários encontros e congressos, visando dentre outras finalidades: refletir sobre a formação, atuação e a identidade profissional do psicopedagogo, bem como, o enfoque psicopedagógico multidisciplinar, objetivando melhorias da qualidade de ensino nas escolas. A formação do psicopedagogo em nosso país ocorre através de cursos de especialização em nível de pós-graduação, mestrado ou doutorado, visto não integrar ainda o rol das profissões regulamentadas. A ação psicopedagógica é realizada em dois âmbitos: o institucional (ação preventiva) e o clínico (intervenção curativa). Segundo a Associação Brasileira de Psicopedagogia, há alguns anos atrás o curso de Psicopedagogia era procurado por especialistas, que exerciam atividades em clínicas e buscavam subsídios para atuar com as patologias e com os distúrbios de aprendizagem. Atualmente objetivando melhorias da qualidade de ensino nas escolas, estes cursos são procurados por profissionais que atuam nas escolas e que, frente às novas pesquisas e à realidade educacional, veem em busca de subsídios para uma ação preventiva, visando evitar ou superar possíveis dificuldades de aprendizagem na própria unidade escolar. 22 O psicopedagogo atua diretamente junto ao educando que apresenta dificuldade de aprendizagem, na tentativa de identificar os fatores que interferem no seu processo de aprendizagem e de ajudá-lo a superá-las, através de um acompanhamento terapêutico. Desse modo, lida com perplexidades de natureza diversa: - a perplexidade da escola, que não consegue entender porque certas crianças não aprendem a ler e a escrever. Não encontrando outra saída senão a de rotulá-las (apressadamente) de portadoras de algum "distúrbio de aprendizagem", não reluta em encaminhá-las para especialistas vários, eximindo-se, assim, de qualquer responsabilidade; - a perplexidade das famílias que, até enviarem os filhos para a escola, não haviam identificado, no comportamento habitual dessas crianças, nenhum sintoma preocupante, mas que assumem os "distúrbios" atribuídos às crianças, a partir do diagnóstico patologizante da escola (instituição que a sociedade representa como competente para opinar sobre as questões ensino/aprendizagem); - a perplexidade das próprias crianças, que muitas vezes, não entendem a escola, o seu discurso e as atividades que ali são chamadas a desempenhar. Perplexas com o tratamento que passam a receber na escola e, consequentemente, em casa, acabam por incorporar o rótulo a elas atribuído e, por comportar-se segundo expectativas geradas pelo próprio rótulo. Logo, a Psicopedagogia, encara a aprendizagem humana, como uma feição própria do indivíduo se relacionar com o conhecimento gerado e armazenado pela cultura e os problemas de aprendizagem como oriundos de fraturas ocorridas nessa relação ou vínculos mal estabelecidos entre aprendentes e ensinantes, seja por fatores de natureza orgânica, cognitiva ou emocional. Mas, a psicopedagogia enfrenta e continua enfrentando vários desafios. E é sobre os desafios atuais desse campo de conhecimento que abordamos a seguir. 2.2 Desafios atuais da Psicopedagogia A Psicopedagogia, por ser um campo de estudo relativamente novo no país, vem enfrentando sérios desafios.Um deles reside na própria formação do psicopedagogo, especialmente com a ampliação do campo de atuação para as 23 instituições, a procura pelo curso aumentou muito e, para acompanhar a demanda está ocorrendo uma abertura indiscriminada de cursos, em diversas regiões do Brasil - vários deles com qualidade duvidosa, isto, além de comprometer a qualidade da formação, ainda, terá como decorrência o comprometimento da atuação psicopedagógica. Outro desafio a ser enfrentado está na construção da identidade do psicopedagogo e na delimitação do seu campo de atuação. Isto deve contribuir para que a Psicopedagogia não se constitua em um modismo passageiro, mas, que tenha o seu espaço de atuação e proposta de trabalho delimitado e, ao mesmo tempo, articulados a outros profissionais. Desta forma, a ação psicopedagógica deverá comprometer-se com os reais problemas vivenciados no cotidiano do processo de ensino-aprendizagem, propondo especialmente alternativas didátíco-metodológicas que visem contribuir para a redução dos altos índices de fracasso escolar e exclusão social. A psicopedagogia nasceu rompendo com a visão reducionista, diante dos problemas de aprendizagem. Neste sentido, já nas suas origens, a Psicopedagogia procurou compreender mais profundamente como ocorre este processo de aprender, numa abordagem mais integrada em que não se exclui nenhum dos fatores, sejam psicológicos, pedagógicos, socioculturais e biológicos. Estas reflexões foram tomando forma e se estruturando gradativamente, abrindo espaço para uma área específica de estudo e uma prática educacional terapêutica, diante dos problemas da aprendizagem escolar. Este espaço psicopedagógico foi progressivamente se definindo como uma práxis comprometida com uma visão mais articulada do todo, no que se referem aos aspectos afetivos, cognitivos e culturais, presentes no processo da aprendizagem. A busca de um trabalho interdisciplinar comprometido com o fenômeno educativo e que projete uma intervenção transformadora em benefício do aluno, é outro desafio da Psicopedagogia. Com isto, a ação psicopedagógica passa a ser ampliada e incorporada aos projetos pedagógicos das unidades escolares, enriquecendo a metodologia utilizada em sala de aula. Isto irá contribuir também para se repensar o processo avaliativo, especialmente no que diz respeito a coerência entre o planejamento, os procedimentos metodológicos desenvolvidos e o próprio processo de avaliação. De todos os desafios aqui apontados e de outros existentes, talvez o maior desafio no nosso país seja a popularização da Psicopedagogia. Seria fundamental que 24 ela deixasse de ser restrita "a clínicas e instituições de ensino particulares, ou seja a uma determinada classe social e se tornasse uma prática comum, disponível também em escolas públicas, portanto, à disposição dos diversos segmentos da sociedade. Apesar de tantos desafios, a Psicopedagogia tem conquistado seu espaço na educação brasileira, como uma prática que propicia alternativas de reflexão e ação, visando melhorias no processo de ensino-aprendizagem, contribuindo assim para reverter a atual situação educacional do nosso país. Atualmente, a Psicopedagogia vem assumindo sua identidade, ampliando seu referencíal teórico e âmbito de atuação, procurando coordenar esforços, oferecendo e buscando contribuições das áreas afins, mostrando que a cooperação é possível e necessária para a atuação profissional em qualquer área, especialmente na educação. O atendimento psicopedagógico escolar tem se mostrado eficiente, tanto na ostentação de professores que desejam melhorar sua atuação, procurando adaptá-la às características específicas de seus alunos, que apresentem ou não dificuldades, como na organização, planejamento, desenvolvimento e avaliação de programas de trabalho pedagógico. Como não poderia deixar de ser, as diversas formas de compreender o processo de aprendizagem, baseadas em diferentes abordagens epistemológicas, psicológicas, sociológicas, pedagógicas, entre outras, se fazem refietir no atendimento psicopedagógico, provocando o aparecimento de formas de atuar bastante diferenciada. Acatando como concepção de educação aquela que transforma, que dá autonomia ao sujeito, que enfatiza a construção do conhecimento a partir das relações com a realidade, não poderíamos deixar de abordar as concepções de aprendizagem à luz da Psicopedagogia. Por isso, no capítulo seguinte, iremos tratar da aprendizagem e teorias psicopedagógicas. 25 3. APRENDIZAGEM E TEORIAS PSICOPEDAGÓGICAS Cotidianamente, usamos o termo aprender sem dificuldades, por entendermos que se somos capazes de realizar algo que antes não sabíamos, é porque aprendemos. Aprendizagem é o resultado da estimulação do ambiente sobre o indivíduo já maduro, que se expressa, diante de uma situação - problema, sob a forma de uma mudança de comportamento em função da experiência. É comum as pessoas restringirem o conceito de aprendizagem somente aos fenômenos que ocorrem na escola, como resultado do ensino. Entretanto, o termo tem um sentido muito mais amplo: abrange os hábitos que formamos, os aspectos de nossa vida afetiva e a assimilação de valores culturais. Portanto, refere-se a aspectos funcionais e resulta de toda estimulação ambiental recebida pelo indivíduo. De um modo geral, qualquer atividade praticada num ambiente em que vivemos pode levar a aprendizagem. E para enveredarmos sobre o problema de aprendizagem, necessitamos primeiramente compreender o que é aprendizagem e como esta se processa no olhar psicopedagógico. Ao questionarmos sobre o caminho percorrido para chegarmos aonde chegamos, de imediato intuímos que foi longo o processo, mas, não nos damos conta dos detalhes da teia de relações nele envolvidos. O modo como pensamos, agimos, sentimos, conhecemos e exercemos nossa inteligência tem sido explicado basicamente, através das três concepções de aprendizagem: inatista, empirista e construtivista. A concepção inatista defende a ideia de que é através da hereditariedade que chegamos a ser o que somos, ou seja, o que somos se explica a partir das características inatas, que já nasceram conosco. Somos assim porque nossos pais e antepassados eram assim. O grande problema dessa maneira de entender o desenvolvimento humano é que há um determinismo do qual não se pode escapar, isto é, se somos assim, nada podemos fazer, nunca podemos mudar. Dentro dessas ideias de hereditariedade, como ficaria então a aprendizagem? Como ela aconteceria? Na visão inatista, a aprendizagem seria só uma questão de tempo, de 26 maturidade do organismo. Assim sendo, não adiantaria ensinar nada às crianças agora, pois ainda não estariam "maduras". Só mais tarde, elas poderiam ter acesso ao conhecimento. Se as crianças demonstrassem curiosidade por alguma coisa ou assunto, os adultos diriam: este não é o momento certo para aprenderem. Haveria um adiamento constante em nome de uma maturidade futura. Muitas das práticas educativas são orientadas, ainda que inconscientes, por esta filosofia ou entendimento sobre o aprendizado. Os ditos do senso comum: "pau que nasce torto, morre torto", "filho de peixe, peixinho é", expressam bem a concepção inatista que ainda hoje aparece na escola, camuflada sob o disfarce das aptidões, da prontidão e do coeficiente de inteligência, gerando preconceitos prejudiciais ao trabalho em sala de aula, consequentemente, no desenvolvimento da aprendizagem. Ao contrário do que pensam os inatistas, os empiristas explicam ser a experiência a única fonte do conhecimento humano e entendem ser o ambiente que determina o nosso jeito de ser. É como se a pessoa fosse uma "folha em branco", uma "tábua rasa", onde o meio ambiente fosse escrevendo tudo o que quisesse. O conhecimento e a aprendizagem são vistos como se dependessem exclusivamente da estimulação externa (do ambiente) para que pudesse acontecer. Nesta visão, as crianças só aprenderiam algo se os adultos as ensinassem; o que significa dizer que elas seriam completamente dependentes do adulto para aprenderem. Seriam passivas, como se não agissem sobre as coisas e sobre o mundo à sua volta. Assim como a visão inatista, o empirismo influenciou e ainda influencia as práticas pedagógicas. Durante o período do estágio institucional, constatamos a passividade do aluno em relação àquilo que o professor falava, cópias mecânicas, repetição sem sentido, inúmeros conteúdos para "encher" o aluno, como se este fosse um recipiente vazio. A concepção construtivista surgiu a partir dos trabalhos de Jean Piaget, que considera o ato de conhecer inerente à natureza humana, já que o homem nasce com a capacidade de desenvolvê-lo. Apóia-se, portanto, na ideia de interação entre organismo e meio e vê a aquisição do conhecimento como um processo construído pelo indivíduo durante toda sua vida, não estando pronto ao nascer, como afirmam os inatistas, nem tampouco é preestabelecido pelo meio, conforme a concepção empirista. Para Piaget, o conhecimento não está nem no sujeito nem no objeto, mas, na interação entre os dois. 27 Concordamos com Santos (2000, p. 49), quando enfatiza que: Não nascemos prontos e também não ficaremos prontos de fora para dentro, como se o ambiente fosse uma força tão poderosa que nos moldasse completamente. O que somos, o que pensamos, como pensamos, o que sentimos e a forma como exercitamos nossa inteligência é construída através das trocas entre nós e o meio. Isto quer dizer que o conhecimento, a inteligência e a aprendizagem se dão através dessa interação. Desse modo, aprender é agir e por isso, cabe ao professor colocar os alunos diante de situações variadas para que eles próprios busquem soluções e construam seu conhecimento. Muitos autores se preocupam em conceituar a aprendizagem na visão psicopedagógica. Alicia Fernández (2001) relata que todo sujeito tem sua modalidade de aprendizagem e os seus meios para construir o próprio conhecimento, e isso significa uma maneira muito pessoal para se dirigir e construir o saber. Já Piaget (1976) busca subsídios na linha cognitivista para desenvolver uma caracterização do processo de aprendizagem. Afirma que a aprendizagem é um processo necessariamente equilibrante, pois faz com que o sistema cognitivo busque novas formas de interpretar e compreender a realidade enquanto o aluno aprende. Coloca a necessidade de estudar a gênese dos processos mentais, isto é, como esses processos são construídos ao longo da vida do indivíduo. Para ele, essa construção ocorre a partir do mecanismo de equilibração e seus dois componentes: a assimilação, que é o processo cognitivo pelo qual uma pessoa integra um novo dado perceptual, motor ou conceitual nos esquemas ou padrões de comportamento já existentes; e a acomodação, no qual o sujeito é modificado para se ajustar às diferenças impostas pelo meio, ou seja, é a criação de novos esquemas ou a modificação dos velhos. (PIAGET, 1976). A observação contínua das crianças e dos seus "erros" levou Jean Piaget à teoria dos estágios percorridos por elas em seu desenvolvimento. Entretanto, o início e o término de cada um desses estágios, dependem das características biológicas do indivíduo e de fatores educacionais e sociais. Segundo o autor, os estágios de desenvolvimento são: sensório-motor, pré-operatório, operacional-concreto e operacional-formal, sendo que em cada estágio há características próprias pelas quais a criança constrói o seu conhecimento. No primeiro estágio denominado sensório-motor ou prático - 0 a 2 anos - do 28 trabalho mental: estabelece relações entre as ações e as modificações que a criança provoca no ambiente físico; exercício dos reflexos; manipulação do mundo por meio da ação. Dos 2 aos 6 anos a criança encontra-se no estágio pré-operatório: desenvolvimento da capacidade simbólica (símbolos mentais: imagens e palavras que representam objetos ausentes); explosão linguística e características do pensamento (egocentrismo, intuição). A capacidade de ação interna, de trabalhar com as operações (reversibilidade/invariância), de conservar (quantidade, constância, peso, volume) e de descentração (capacidade de seriação, capacidade de classificação) ocorrem no estágio operatório-concreto, por volta dos 7 a 11 anos. No operacional-formal, a partir dos 11 anos, a operação se realiza através da linguagem (conceitos) e o raciocínio é hipotético-dedutivo. Esses estágios de desenvolvimento são importantes na avaliação do psicopedagogo, pois os conhecendo bem, pode identificar em que fase se encontra o paciente e assim fornecer subsídios para novas aquisições. A aprendizagem é um fruto da história de cada sujeito e das relações que ele consegue estabelecer com o conhecimento ao longo da vida. (BOSSA, 2000). Porém, quando falamos em aprendizagem, não podemos relacionar o problema simplesmente com o aluno, pois, a aprendizagem não é um processo individual, ou seja, não depende só do esforço de quem aprende, mas sim de um processo coletivo. É o que nos mostra Fernández (2001), quando atribui a importância da família, que por sua vez, também é responsável pela aprendizagem da criança, já que os pais são os primeiros ensinantes e os mesmos determinam algumas modalidades de aprendizagem dos filhos. Esta consideração também nos remete a relação professor-aluno, para essa mesma autora, "quando aprendemos, aprendemos com alguém, aprendemos daquele a quem outorgamos confiança e direito de ensinar". (FERNÁNDEZ, 2001, p 39). É a família quem primeiro proporciona experiências educacionais à criança, no sentido de orientá-la, dirigi-la. Tais experiências resumem-se num treino que, algumas vezes, é realizado no nível consciente, mas que, na maioria das vezes, acontece sem que os pais tenham consciência de que estão tentando influir sobre o comportamento dos filhos. 29 Como afirma Lindgren (1997, p. 86): (...) este tipo de aprendizagem e ensino em diferentes níveis de consciência dá-se durante todo o tempo, dentro ou fora da escola. Os pais e os professores estão sempre ensinando simultaneamente em diferentes níveis de consciência, e as crianças estão sempre aprendendo em diferentes níveis, As coisas ensinadas ou aprendidas, conscientemente podem ou não ser importantes e podem ou não fixar-se. Almeida (1993), também considera que a aprendizagem ocorre no vínculo com outra pessoa: a que ensina. "Aprender, pois, é aprender com alguém". É no campo das relações que se estabelecem entre professor e aluno que se criam às condições para o aprendizado, sejam quais forem os objetos de conhecimentos trabalhados. Vigotsky, parte do princípio que o desenvolvimento cognitivo não ocorre independente do contexto social, histórico e cultural. Sendo sócio-interacionista, concebe que a inteligência é construída através da relação recíproca do indivíduo com o meio, considerando o sujeito como um ser ativo que constrói e reconstrói seu próprio conhecimento. Um conceito muito importante de sua teoria é a Zona de Desenvolvimento Proximal. Vigotsky afirma que, em qualquer pessoa, existem dois níveis de desenvolvimento: o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. O nível de desenvolvimento real é indicado pelo que o sujeito pode realizar sozinho; e o nível de desenvolvimento potencial, indicado pelo que o indivíduo pode realizar com ajuda de outra pessoa mais velha ou mais experiente. A distância entre aquilo que ele é capaz de fazer sozinho (nível de desenvolvimento real) e aquilo que ele realiza com a colaboração com os outros sujeitos do seu grupo social (nível de desenvolvimento potencial) caracteriza o que Vigotsky chamou de Zona de Desenvolvimento Proximal. Desse modo, a Zona de Desenvolvimento Proximal refere-se ao caminho que o indivíduo percorre ou está percorrendo, para desenvolver funções que estão em processo de amadurecimento e que se tornarão funções consolidadas, estabelecidas no seu nível de desenvolvimento real. Logo, o que é Zona de Desenvolvimento Proximal hoje, será o nível de desenvolvimento real amanhã. Se conhecermos melhor esse processo e identificarmos o que a criança já consegue realizar sozinha e o que ainda não consegue, teremos condições de intervir no seu desenvolvimento, ajudando-a ou desafiando-a. Ensinar o que a 30 criança já sabe é pouco desafiador, ir além do que ela pode aprender é ineficaz. O ideal é partir do que ela já domina para, a partir daí, ampliar seus conhecimentos. A importância desses conceitos é fundamental por duas razões: primeiro, porque não é qualquer indivíduo que pode, a partir da ajuda do outro, realizar qualquer tarefa sozinha, isto é, a capacidade de se beneficiar da colaboração de outra pessoa ocorrerá num certo nível de desenvolvimento, mas não antes. E a segunda razão, é a importância que Vigotsky atribui ao papel da interação social. Essa interação é uma das maiores responsáveis pelo desenvolvimento da criança. Comungamos com Vigotsky (apud José Aires de Castro Filho, Revista Construir Notícias maio/junho 2002, p 7) quando afirma que "O processo de ensino-aprendizagem inclui sempre aquele que aprende, aquele que ensina e a relação entre as pessoas. Tudo isso é fruto de uma grande influência das experiências de cada pessoa". Após verificarmos as considerações de alguns autores sobre o processo de aprendizagem, na visão psicopedagógica, vamos enfocar o problema de aprendizagem, analisando as contribuições da Psicopedagogia no desvio do processo de aprendizagem, ou seja, na dificuldade de aprendizagem. 3.1 A Psicopedagogia e a dificuldade de aprendizagem As causas do não aprender podem ser diversas. Em vista dessa complexidade, é necessário reconhecer que não é tarefa fácil para os educadores compreenderem essa pluricausalidade. Portanto, torna-se comum constatar que as escolas rotulam e condenam esse grupo de alunos à repetência ou multirrepetência, como também os colocam na berlinda, com adjetivos de alunos "sem solução" e vítimas de uma desigualdade social. Neste contexto, analisamos as possíveis intervenções psicopedagógicas na dificuldade de aprendizagem. Para WEISS (2000), a prática Psicopedagógica deve considerar o sujeito como um ser global, composto pelos aspectos orgânico, cognitivo, afetivo, social e pedagógico. Vamos entender a participação de cada aspecto na compreensão da dificuldade de aprendizagem. 31 O aspecto orgânico diz respeito à construção biológica do sujeito, portanto, a dificuldade de aprender de causa orgânica estaria relacionada ao corpo. Já o aspecto cognitivo está relacionado ao funcionamento das estruturas cognitivas. Nesse caso, o problema de aprendizagem residiria nas estruturas do pensamento do sujeito. Por exemplo, uma criança estar no estágio pré-operatório e as atividades escolares exigirem que ela esteja no estágio operatório-concreto. O aspecto afetivo diz respeito à afetividade do sujeito e de sua relação com o aprender, isto é, com o desejo de aprender, neste caso, o indivíduo pode não conseguir estabelecer um vínculo positivo com a aprendizagem. A relação do sujeito com a família, com a sociedade, ou seja, seu contexto social e cultural refere-se ao aspecto social. Portanto, um aluno pode não aprender porque apresenta privação cultural em relação ao contexto escolar. Por último, o aspecto pedagógico, que está relacionado à forma como a escola organiza o seu trabalho, ou seja, o método, a avaliação, os conteúdos, a forma de ministrar a aula, entre outros. Para a autora a aprendizagem é a constante interação do sujeito com o meio. Podemos dizer também que é constante a interação de todos os aspectos apresentados. Em contrapartida, a dificuldade de aprendizagem é o não-funcionamento ou o funcionamento insatisfatório de um dos aspectos apresentados, ou ainda, de uma relação inadequada entre eles. Scoz (1994) vê os problemas de aprendizagem não se restringindo em causas físicas ou psicológicas. É preciso compreendê-los a partir de um enfoque multidimensional, enfocando fatores orgânicos, cognitivos, afetivos, sociais e pedagógicos. Ou seja, para aprender é necessário que exista uma relação de condições entre fatores externos e internos. Há necessidade de estabelecer uma mediação entre o educador e o educando. Já Pain (1992, p. 32) destaca que, na concepção de Freud, os problemas de aprendizagem não são erros: "... são perturbações produzidas durante a aquisição e não nos mecanismos de conservação e disponibilidade..."; é necessário procurar compreender os problemas de aprendizagem não sobre o que se está fazendo, mas, sobre como se está fazendo. Ao avaliarmos os alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem, vamos encontrar diversas categorias. Haverá aqueles que necessitam da intervenção psicológica ou psicopedagógica, ou até mesmo, aqueles que o problema pode ser resolvido dentro do contexto escolar, por meio de programas 32 individualizados de ensino e práticas pedagógicas diferenciadas. Dessa forma a avaliação torna-se um elemento muito importante para traçarmos o caminho a seguir. Avaliar não para classificar ou rotular, mas para promover alternativas. É comum prestarmos mais atenção às dificuldades, pois elas saltam aos olhos com muito mais evidências que as potencialidades. Podemos começar a pensar sobre a dificuldade de aprendizagem pelos acertos dos alunos. Assim, experimentando alguns sucessos, podemos abrir uma porta para a construção de um vínculo positivo com as demais áreas da aprendizagem que o aluno necessita aprimorar. Faz-se necessário descobrir os talentos dos educandos e se concentrar neles. Os profissionais da área de Psicopedagogia colocam algumas sugestões para o trabalho com alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem. Organizar as turmas para o trabalho em grupo, juntando alunos que aprendem com facilidade e alunos que apresentam dificuldades também pode ser uma boa alternativa, pois as crianças e os adolescentes "falam a mesma língua" e podem funcionar como professores uns dos outros. A psicopedagogia utiliza os termos "ensinantes e aprendentes" para denominar o par educativo que comumente conhecemos por professor e aluno. Mas quem é o ensinante e quem é o aprendente? A nossa primeira tendência é imaginar que o ensinante é o professor e o aprendente é o aluno. Porém, para a Psicopedagogia esses papéis se alternam o tempo inteiro, pois, aprendemos muito com o "outro"; é uma relação de troca. Todos os professores querem que seus alunos acertem sempre, mas é bom adquirir um novo olhar sobre o erro na aprendizagem. O erro é um indicador de como o aluno está pensando e como ele compreendeu o que foi ensinado. Analisando com mais cuidado os erros dos alunos, podemos elaborar a reformulação e práticas docentes de modo que elas fiquem perto da necessidade dos alunos e assim atender a dificuldade que o mesmo apresenta. É importante que o professor reflita sobre as causas do fracasso escolar não para se culpar, mas para se responsabilizar. Responsabilizar-se significa abraçar a causa e procurar alternativas para solucionar o problema. Não podemos nos satisfazer com aprendizagens parciais. Procurar compreender como ocorre o conhecimento, os fatores que interferem na aprendizagem, seus diferentes estágios, e as diferentes teorias que podem transformar o trabalho do professor em processo científico e assim ele percorrerá o caminho prática-teoria-prática. 33 Recomenda-se, também, que o professor, em conjunto com a equipe da escola, reflita sobre a estrutura curricular que está sendo oferecida e a compatibilidade deste com a estrutura cognitiva, afetiva e social do aluno. Afinal, para a Psicopedagogia a aprendizagem se baseia no equilíbrio dessas estruturas. O professor deve, ainda, adaptar a sua linguagem utilizada em sala de aula, pois pode haver diferença de cultura entre professor e alunos, e isso pode causar conflito e dificuldade de comunicação e, consequentemente, problema na aprendizagem. Para Vygotsky (1993), todos os seres humanos são capazes de aprender, mas é necessário que adaptemos a nossa forma de ensinar. O enfoque psicopedagógico da dificuldade de aprendizagem compreende então, os processos de desenvolvimento e os caminhos da aprendizagem. Compreende o aluno de maneira interdisciplinar, buscando apoio em várias áreas do conhecimento e analisando aprendizagem no contexto escolar, familiar; e no aspecto afetivo, cognitivo e biológico. Nesse contexto, cabe então ao professor, com uma visão psicopedagógica, ser um investigador dos processos de aprendizagem de seus alunos, evitando que o problema de aprendizagem leve a um fracasso escolar. Acreditar, porém que o problema de aprendizagem é responsabilidade exclusiva do aluno, ou da família, ou somente da escola é, no mínimo uma atitude muito ingênua perante a grandiosidade que é a complexidade do aprender. Procurar achar um único culpado para o problema é mais ingênuo ainda. A atitude que devemos tomar enquanto educadores desejosos de uma educação de qualidade, com um menor número de crianças com dificuldade de aprendizagem, é intervir psicopedagogicamente sobre este problema. Esses problemas de aprendizagem constituem uma situação real presente nas instituições escolares. Portanto, é necessário que todos os envolvidos com questões educacionais, realizem pesquisas que possibilitem conhecer cada vez melhor a relação entre os problemas de aprendizagem. Muitas vezes, as causas da dificuldade de aprendizagem estão relacionadas ao aspecto afetivo, por isso faz-se necessário abordar a afetividade no processo ensino-aprendizagem. 34 4. A AFETIVIDADE NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM A relação afetiva entre os sujeitos envolvidos no processo ensinar-aprender, o exercício do diálogo, o fazer compartilhado, o respeito pelo outro, o saber ouvir e falar, o estar aberto, configuram-se elementos de fundamental importância para a aprendizagem. Assim, é imprescindível, que no contexto escolar afetividade e aprendizagem estejam associadas na prática pedagógica, pois ensino e aprendizagem são faces de uma mesma moeda, e, nessa unidade, a relação professor-aluno é fator determinante. Werneck (2004, p 10-11) enfatiza que: Somos chamados, homens e mulheres, através do trabalho educacional para colaborarmos com este universo em transformação, melhorando-o a cada dia. Somos levados a colaborar com a melhoria da qualidade humana, sobretudo naqueles momentos em que percebemos que nossos alunos estendem suas mãos esperando as nossas para completar um gesto solidário e comprometido. Das mãos chegaremos aos corações e, do entendimento profundo entre pessoas que sentem, brotará um afeto e uma auto-estima maior. Na condição de educadores, precisamos estar atentos ao fato de que, enquanto não dermos atenção ao fator afetivo na relação educador-educando, corremos o risco de estarmos só trabalhando com a construção do real, do conhecimento, deixando de lado o trabalho da constituição do próprio sujeito - que envolve valores e o próprio caráter necessário para o seu desenvolvimento integral. A afetividade é necessária na formação de pessoas felizes, éticas, seguras e capazes de conviver com o mundo que a cerca. No ambiente escolar, o olhar do professor para seu aluno é indispensável para a construção e o sucesso da sua aprendizagem. Isto inclui dar credibilidade às suas opiniões, valorizar sugestões, observar, acompanhar seu desenvolvimento e demonstrar acessibilidade, disponibilizando tempo para mútuas conversas. No que se refere ao âmbito pedagógico, a maioria das tarefas, nas escolas, exige que a criança fique sentada, parada, com atenção numa única direção. A postura para cumprimento de tais tarefas exige muito controle, que advém de um "tardio e custoso processo de consolidação das disciplinas mentais. (...) A intensidade com que a escola exige essa conduta é superior às possibilidades da idade o que propicia a emergência da dispersão e impulsividade". (WALLON, apud GALVÃO, 2002, p 109). É equivocado pensar-se em um padrão de postura que garanta toda atenção em qualquer atividade, pois, muitas vezes, são as variações na posição do corpo 35 que propiciam melhor e mais atenção na atividade que a criança está realizando. Percebe-se que, ao longo do desenvolvimento da criança, uma série de fatores contribui para sua formação enquanto ser social. Refletir sobre tudo isso faz parte do processo pedagógico social do indivíduo que estamos preparando para inserir numa sociedade da qual fazemos parte e, portanto, sermos ou beneficiado por eles, ou sofrermos consequências indesejáveis. "Não se pode explicar uma conduta isolando-a do meio em que ela se desenvolve com diferentes meios de que faz parte, pois a conduta do indivíduo pode mudar" (WALLON, 1986, p 369). Nas relações vividas em sala de aula, costuma surgir hostilidade da criança em relação ao professor, pela falta de êxito da criança, pela severidade do professor, por motivos pessoais oriundos da família ou por problemas afetivos. Wallon (1986, p 382) diz que "determinada conduta, em relação ao professor pode ocorrer ainda em função dos seus colegas para chamar a atenção, por vaidade, por sentimento de inferioridade ou simplesmente pelo desejo de cortejá-los". Não podemos esquecer que a disciplina é necessária para se evitar as futuras perturbações de caráter, mas que tem, na sala de aula, um espaço adequado para ser trabalhada. Não estamos falando daquela disciplina na concepção tradicional, ainda usada nas escolas, que exige silêncio, docilidade e passividade da criança, pois entendemos que este procedimento é impróprio ao ensino, podendo reprimir a criança ao invés de desenvolvê-la melhor. Na sala de aula é importante que o professor esteja atento para as manifestações emocionais do educando, não tomando como afronto pessoal. Se assim o fizer terá maiores possibilidades de controlar a manifestação de suas reações emocionais e encontrar caminhos para solucioná-los. Portanto, refletir e avaliar as situações de dificuldades, buscando compreender seus motivos e reações já é um meio de reduzir a atmosfera emocional. Assim, o aspecto afetivo tem uma profunda influência sobre o desenvolvimento intelectual. Ele pode acelerar ou diminuir o ritmo de desenvolvimento. Também pode determinar sobre que conteúdos a atividade intelectual se concentrará. Na teoria de Piaget, o desenvolvimento intelectual é considerado como tendo dois componentes: um cognitivo e outro afetivo. Fialho (2001, p 216) enfoca em seus estudos que: Piaget diz que não há emoções sem cognição, nem cognição sem emoção, são duas faces de uma mesma moeda. Não há uma linha determinada que divida pensar de sentir, nem o pensar inevitavelmente precede o sentimento e vice-versa. 36 Em vários livros Piaget descreveu cuidadosamente o desenvolvimento afetivo e cognitivo do nascimento até a vida adulta, centrando-se na infância. Com suas capacidades afetivas e cognitivas expandidas através da contínua construção, as crianças tornam-se capazes de sentirem afeto e ter sentimentos validados nelas mesmos. O afeto apresenta várias dimensões, incluindo os sentimentos subjetivos (amor, raiva, depressão) e aspectos expressivos (sorrisos, gritos, lágrimas). Para Piaget, o afeto se desenvolve no mesmo sentido que a cognição ou inteligência, e é responsável pela ativação da atividade intelectual. A criança que se sente amada, aceita, valorizada e respeitada, adquire autonomia, confiança e desenvolve um sentimento de auto-valorização e importância, elevando assim a auto-estima. Logo, se uma criança tem uma opinião positiva sobre si mesma e sobre os outros, terá maiores condições de aprender. O sentimento de "ninguém valoriza o que faço ou falo", levará a criança a não se esforçar muito, a não ter desejo de aprender, a ficar indiferente diante do êxito ou do fracasso. Para Freire (1986, p 141) o querer bem não significa a obrigação de querer bem a todos os alunos de maneira igual. Significa, na verdade, que a afetividade não é assustadora, que não é preciso ter medo de expressá-la. (...) a afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade. Assim, o relacionamento entre educador e educando deve ser de troca, solidariedade, respeito mútuo, sendo inconcebível, desenvolver qualquer tipo de aprendizagem em um ambiente hostil. Desse modo, não se pode negar que a afetividade intervém a toda hora nos conteúdos, propiciando de forma positiva a aquisição de novos conhecimentos. Outro ponto importante que não podemos esquecer quando se fala de aprendizagem é o desejo. Somos fruto do desejo. Logo, não podemos excluir o desejo da aprendizagem. A vontade de aprender passa também pela motivação e pelo desejo de conhecer o desconhecido. O desejo de saber e a necessidade de compreender estão dentro da criança e vão se prolongar através de inúmeras perguntas que ela vai fazendo, pois a curiosidade, o prazer da descoberta e o conhecimento fazem parte da própria 37 dinâmica da vida. Cordié (1996 p 23), afirma que "para que uma criança aprenda, é necessário que ela tenha o desejo de aprender (...) nada nem ninguém pode obrigar alguém a desejar". Desse modo, para aprender é necessário desejar e, se esse desejo vier acompanhado de afeto, a aprendizagem torna-se mais significativa. Por isso, discorremos sobre a afetividade num enfoque psicopedagógico. 4.1 Afetividade numa perspectiva psicopedagógica O desenvolvimento da afetividade implica na capacidade que as pessoas têm de expressar e receber afeto e que muitas vezes vai sendo progressivamente limitada e moldada. A afetividade é parte de nossa vida psíquica e para convivermos em qualquer ambiente, seja no trabalho, na escola, na empresa, temos que considerar a importância dos afetos. Na Psicopedagogia, assim como em qualquer outra profissão, não é diferente. É extremamente importante que o profissional estabeleça uma relação afetiva com o paciente. A afetividade é o ponto central através do qual gira a vida do homem, não só enquanto criança, mas, durante toda a sua vida, pois através do afeto, estabelece-se uma relação de confiança e auto-estima. A função primordial do psicopedagogo é investigar, conhecer e intervir junto aos alunos nas defasagens de aprendizagem existentes que ocorreram ao longo de sua formação. Através do lúdico, a livre expressão é o fio da afetividade que garante sua permanência, porque no momento de liberdade, a criança manipula os objetos jogando com elementos da invenção, reinterpretação, apropriação, estabelecendo assim, um diálogo com ela mesmo. A s s im , a afetividade qu e se e s t a b e le c e nessa re la ç ã o paciente/psicopedagogo é o elemento marcante, pois afetividade e inteligência se misturam, dependendo uma da outra para evoluir, promovendo mais integração e um melhor desenvolvimento da aprendizagem. Durante o período de estágio clínico, percebemos o quanto aquela criança era 38 carente de afeto, de alguém que dissesse: você pode; você é capaz. Diante daquele quadro, entendemos o quanto uma palavra de carinho, um gesto, um abraço pode modificar o desempenho escolar de uma criança. A esse respeito Dolle (1993, p 123), adverte que: A afetividade, nas relações interindividuais, se alimenta unicamente do sentido e que é esta quem a estrutura, desequilibra, equilibra e reequilibra. Um gesto, até mesmo discreto, o brilho no olhar, etc, são tão expressivos quanto as palavras. Dito de outro modo, a afetividade em ato fala aquele que a recebe porque ela tem um sentido e informa sobre o estado daquele que a leva a falar, sobre suas intenções, seus julgamentos, sua disposição de espírito com relação ao destinatário. Para o autor, a afetividade como estado, não age por si só, mas pelas manifestações reveladas em múltiplas e diversas condutas: sorrisos, choros, carícias, gestos, olhares ternos, sombrios, tristes, etc. Um dos trabalhos mais importantes a serem desenvolvidos pelos psicopedagogos junto aos seus pacientes, é motivá-los. Motivar não apenas incentivando-os com elogios ao desempenho, mas procurando fazer com que o aprender seja um motivador em si mesmo. As crianças devem ser levadas a colocar toda a sua energia para enfrentar o desafio intelectual que a escola lhes coloca. O prazer vem, assim, da própria aprendizagem, do sentimento de competência pessoal e da segurança de ser hábil para resolver problemas. Quando a criança recebe afeto, sente-se mais confiante, segura, com auto-estima elevada e, consequentemente motivada. Fernández (1990) situa os afetos na estrutura simbólica, na instância do desejo. Os afetos aludem àquilo que está escrito na subjetividade do sujeito. É uma subjetividade que configura o encadeamento de representações que une o sujeito à sua própria história, que toma cada ser humano único em reação ao outro. É o nível simbólico que organiza a vida afetiva e a vida das significações. Assim, para o autor, a linguagem, o gesto e os afetos agem como significados ou como significante, através dos quais o sujeito pode dizer como sente o mundo. Para que se esclareça a concepção de simbólico, busca-se a conceituação de Pain (1986). De acordo com a autora, é o registro que, na estrutura psíquica, opera como determinante da posição que o sujeito assume; é a dimensão que rege as relações humanas, pois, nas relações entre os homens e a cultura, são estabelecidos contratos simbólicos que regulam nosso cornportamento, através dos símbolos inscritos por cada cultura, que nos revelam a ética e o estético. A autora assinala que "o 39 inconsciente afeta, isto é, marca com o signo do afeto para atribuir qualidade às representações e previamente, aos esquemas". Esclarece também que os afetos não se constituem a partir de uma estrutura específica, ou seja, o valor significante dos afetos não depende de um código propriamente afetivo, admissível apenas no plano biológico das regulações automáticas, mas provém da estruturação simbólica inconsciente, conforme descrito acima. Assim, aponta que os afetos comportam-se como sinais perceptíveis, gerados pelas representações produzidas no inconsciente. A existência do afeto depende das sensações, da mesma forma que a pulsão depende das ações. Sensações e ações colocadas à disposição da constatação da consciência, que respectivamente conseguem marcar um acontecimento ou um objeto através dessa materialidade. Diante das ideias destacadas, entende-se que os afetos, assim como os gestos e as palavras são carregados de sentido, ou melhor, são produtores de sentido, num conjunto de significações circunscritas por representações simbólicas. Assim, abordamos os laços que se estabelecem em uma sala de aula quando a afetividade faz-se presente. 4.2 Ligações afetivas em sala de aula A afetividade deve estar presente em todos os momentos ou etapas do fazer pedagógico, constituindo-se como fator essencial das relações que se estabelecem entre os alunos e os conteúdos escolares. A natureza da mediação, portanto, é um dos principais fatores determinantes da qualidade dos vínculos que se estabelecerão entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Pode-se afirmar que a qualidade da mediação, em muitos casos, determina toda a história futura da relação entre o aluno e um determinado conteúdo ou prática desenvolvida na escola. Pesquisas recentes têm apontado que, em histórias de sucesso entre sujeitos e objetos de conhecimento, geralmente identificam-se mediadores que desenvolveram uma relação afetiva, com resultados também profundamente afetivos, determinando processos de constituições individuais 40 duradouros e importantes para os indivíduos. As relações de mediação feitas pelo professor, durante as atividades pedagógicas, devem ser sempre permeadas por sentimentos de acolhimento, simpatia, respeito e apreciação, além de compreensão, aceitação e valorização do outro; esses sentimentos não só marca a relação do aluno com o objeto de conhecimento, como também afetam a sua auto-imagem, favorecendo a autonomia e fortalecendo a confiança em suas capacidades e decisões. Na escola, a relação com o educador é o eixo de todas as relações e produções. Por um lado, a criança busca nele a referência adulta e confiança que ficou de fora, quando ela entrou para a escola. Por outro, o professor é quem representa a instituição, com seu saber e suas leis. No carinho e cuidado corporais é que o vínculo educando/educador se fortalece. Mas, principalmente, é a professora quem nomeia a criança em sua singularidade. Chamando-a pelo nome, dirigindo-lhe a palavra, o olhar e os gestos. Aponta assim, no espaço coletivo da instituição escolar, a existência de um espaço próprio em que a criança poderá afirmar sua diferença. A interação humana envolve também a afetividade e a emoção como elemento básico, então, é interagindo com indivíduos mais experientes do seu meio social que a criança constrói as suas funções mentais superiores, formando, assim sua personalidade. A escola, por ser o primeiro agente socializador fora do círculo familiar da criança, torna-se a base da aprendizagem se oferecer todas as condições necessárias para que ela se sinta segura e protegida. Portanto, torna-se imprescindível a presença de um educador que tenha consciência de sua importância não apenas como um mero reprodutor da realidade vigente, mas sim como um agente transformador através da afetividade. É, sobretudo com o corpo, mediado pela palavra, que a criança constrói seus vínculos afetivos e suas formas de convivência social. A criança ao entrar na escola pela primeira vez, precisa ser muito bem recebida, porque nessa ocasião dá-se um rompimento de sua vida familiar para iniciar-se uma nova experiência, e esta deverá ser agradável, para que haja um reforço da situação. Assim, quando a criança nota que a professora gosta dela, e que apresenta certas qualidades como paciência, dedicação, vontade de ajudar e atitude democrática, a aprendizagem torna-se mais facilitada. Ao perceber os gostos da 41 criança, o professor deve aproveitar ao máximo suas aptidões e estimulá-la para o ensino. Ao contrário, o autoritarismo, a inimizade e o desinteresse podem levar o aluno a perder a motivação e o interesse por aprender, já que estes sentimentos são consequentes da antipatia por parte dos alunos, que por fim associarão o professor à disciplina, e reagirão negativamente a ambos. A esse respeito, Chardelli (2002, p. 31) comenta que: A todo o momento, a escola recebe crianças com auto-estima baixa, tristeza, dificuldades em aprender ou em se entrosar com os coleguinhas e as rotulamos de complicadas, sem limites ou sem educação e não nos colocamos diante delas a seu favor, não compactuamos e nem nos aliamos a elas, não as tocamos e muito menos conseguimos entender o verdadeiro motivo que as deixou assim. É preciso que se esteja atento, também, que na idade pré-escolar, assim como na primeira infância, os sentimentos imperam em todos os aspectos da vida da criança, dando cor e expressividade a essa vida. A criança não sabe dominar suas paixões, portanto a exteriorização dos sentimentos é muito mais impetuosa, sincera e involuntária do que no adulto. Como afirma Mukhina (1998, p.209), "os sentimentos da criança brotam com força e brilho, para se apagarem em seguida; a alegria impetuosa é muitas vezes sucedida pelo choro". Ainda conforme este autor, a criança extrai suas vivências principalmente do contato com outras pessoas, adultos ou crianças. Se os que a rodeiam a tratam com carinho, reconhecem seus direitos e se mostram atenciosos, a criança experimenta um bem-estar emocional, um sentimento de segurança, de estar protegida. E, conforme Mukhina (1995, p. 210), "o bem estar emocional ajuda o desenvolvimento normal da personalidade da criança e a formação de qualidades que a tornam positiva, fazendo-a mostrar-se benevolente com outras pessoas". Saltini (1997, p.91) também se refere à questão da manutenção da serenidade por parte da professora e da criança quando afirma que: A serenidade e a paciência do educador, mesmo em situações difíceis fazem parte da paz que a criança necessita. Observar a ansiedade, a perda de controle e a instabilidade de humor, vai assegurar à criança ser o continente de seus próprios conflitos e raivas, sem explodir, elaborando-os sozinha ou em conjunto com o educador. A serenidade faz parte do conjunto de sensações e percepções que garantem a elaboração de nossas raivas e conflitos. Ela conduz ao conhecimento de si mesmo, tanto do educador quando da criança. Ainda na opinião da autora: 42 (...) Manter-se atento à série de descobertas que as crianças vão fazendo, dando-lhes o máximo de possibilidades para isso. Dar atenção a cada uma delas, encorajando-as a construir e a se conhecer. Dar maior incentivo à pergunta que à resposta. Sempre buscando no grupo a resposta, o professor procurará sistematizar e coordenar as ideias emergentes. (...) A relação que se estabelece com o grupo como um todo e a pessoal com cada criança são diferenciados em todos os seus aspectos quantitativos e cognitivos respeitando-se a maturidade de seu pensamento e a individualidade. (SALTINI 1997, p.90) Quando ocorrem explosões de raiva, o professor precisa ter muita habilidade. Para tanto, faz-se necessário manter um diálogo com a criança, em que se possa perceber o que está acontecendo, usando tanto o silêncio quanto o corpo, abraçando-a quando ela assim o permitir, compartilhar com os demais da classe os sentimentos que estão sendo evidenciados nesse instante é um trabalho quase terapêutico. Também o tratamento equânime para com todos os alunos precisa ser sempre mantido e explicitado, e nenhuma criança deve ter a percepção de ser perseguida ou amada em demasia. É preciso observar, neste sentido, que a opinião de cada criança tem o mesmo respeito e valor, sem ressaltar o feito de alguma criança ou compará-la com outra, nem salientar diferenças entre meninos e meninas em brincadeiras e jogos, pois isto seria prejudicial ao desenvolvimento afetivo sadio. O cientista político Armando Moreira, diz que a afetividade deve prevalecer nas relações humanas de modo geral e na escola em particular. Isso porque é um lugar onde a criança deposita confiança quanto à pertinência e o conteúdo de seu aprendizado. Se não houver afetividade na transmissão de conhecimentos, a criança não se sentirá valorizada e respeitada, e a tendência é que desdenhe das lições que lhe serão passadas. (apud MOREIRA, 2002). Obviamente isso não significa fazer "vistas grossas" com relação aos erros da criança, pois a advertência segura e equilibrada é justamente uma manifestação das mais importantes de afetividade. Está, portanto, mais do que evidenciada por estudiosos, pesquisadores e especialistas, a necessidade de se cuidar do aspecto afetivo no processo ensino-aprendizagem, levando em conta que a criança é diferente, cognitiva e afetivamente falando, em cada fase do seu desenvolvimento. 43 CONSIDERAÇÕES FINAIS Acreditamos que a afetividade ocupa um papel importante no funcionamento psicológico e na construção de conhecimentos cognitivos e afetivos, por isso a pertinência desse estudo. O poder da afetividade em qualquer área do conhecimento humano é inquestionável. Aprende-se a construir um dado conhecimento através do desejo, da emoção, da afetividade, impulsionando assim qualquer aprendizagem. A intensificação das relações entre professor-aluno, os aspectos afetivos emocionais, a dinâmica das manifestações da sala de aula e formas de comunicação devem ser pressupostos básicos para o processo de construção do conhecimento e da aprendizagem. Torna-se necessário entender que um ensino bem sucedido não se reduz a assimilação dos conteúdos transmitidos. Preservar interesses, entender necessidades e tratar cada aluno de forma individualizada e com afeto devem ser aspectos centrais no processo ensino-aprendizagem. Sabendo que a afetividade intervém a toda hora nos conteúdos propiciando de forma positiva à aquisição de novos conhecimentos, enquanto profissionais ligados à educação, temos o dever e o compromisso de nos preocuparmos com os aspectos afetivos. Conhecendo bem seus alunos, o professor se colocará em posição de organizar situações afetivas de aprendizagem, e, sobretudo, de interagir com eles, ajudando-os a elaborar hipóteses pertinentes a respeito dos conteúdos, por meio de constante questionamento das mesmas. O professor precisa ser um mediador competente entre o aluno e o conhecimento, alguém que crie situações para a aprendizagem, que provoque desafio intelectual, utilizando-se principalmente das relações afetivas que vão se desenvolvendo através da convivência diária e da construção de novas habilidades e significações. Se o desenvolvimento afetivo se dá paralelamente ao desenvolvimento cognitivo, as características mentais de cada uma das fases do desenvolvimento serão determinantes para a construção da afetividade. Quando examinamos o raciocínio das crianças sobre questões morais, um dos aspectos da vida afetiva, percebe que estes são construídos da mesma forma que os conceitos cognitivos. Os mecanismos de construção são os mesmos. As crianças assimilam as experiências 44 aos esquemas afetivos do mesmo modo que assimilam as experiências às estruturas cognitivas. Para Piaget (1976), na assimilação, existe um aspecto afetivo, em assimilar o objeto (interesse), enquanto na acomodação, a afetividade está presente no interesse pelo objeto novo. Esse processo foi constatado durante o período de estágio institucional. Por realizar atividades com fantoches, histórias, músicas, dramatizações, as crianças, que tinham em média 08 a 10 anos, se sentiam mais estimuladas com as atividades lúdicas. Os processos de assimilação e acomodação eram realizados durante todo o tempo, motivados pelos jogos e brincadeiras. Segundo Wallon as emoções são as molas propulsoras da aprendizagem em qualquer instância. Para ele, escola e educadores devem resgatar a identidade do aluno no dia-a-dia através da afetividade. Nesse sentido, a relação professor/aluno precisa ser constantemente revista. O aluno, como personagem principal do processo ensino-aprendizagem deve ser visto como alguém que é capaz de aprender. Quando o aluno se sente motivado por conhecer e fazer descobertas, quando o trabalho escolar tem sentido para ele, o educando passa a experimentar o prazer do conhecimento. Portanto, é fundamental cuidarmos do aspecto afetivo no processo ensino-aprendizagem. Precisamos compreender que a criança é diferente cognitiva e afetivamente falando a cada fase de seu desenvolvimento. Querer ensinar regras de comportamento sem proporcionar à criança situações de interação que levem a uma real tomada de consciência é perda de tempo, e o que é pior, pode acabar dificultando a aquisição do pleno desenvolvimento cognitivo e afetivo. Lima (2001) diz que a aprendizagem não ocorre através da transmissão educador/educando, ela é sempre produto da criação. Esse encontro para a criação conceitual só pode acontecer na formação de uma linguagem afetiva, quando professor e aluno encaram a aula e a aprendizagem com prazer e não como obrigação. Segundo Galvão, o entusiasmo do professor por aquilo que ensina pode ser expresso em sua postura, na totalidade e melodia de voz, sendo mais facilmente transmitido, contagiando os alunos. E acrescenta: "não creio, contudo, que esse entusiasmo possa ser simplesmente forjado por alguma técnica, prefiro crer que ele tem de ser genuíno e verdadeiro" (GALVÃO, 2003 p 85). Nessa perspectiva, encaixa-se também ao educador a questão dos significados dos conteúdos, assim como, a importância do professor acreditar 45 naquilo que se propõe a desenvolver com a turma. O mediador precisa estar atento para perceber as contradições do grupo, as dificuldades, as frustrações, as identificações com a aprendizagem, enfim, perceber as características mais evidentes em seu grupo de alunos e estar sempre buscando novas saídas para as dificuldades que surgem todos os dias, procurando assim favorecer e reforçar a decisão de aprender. Somos profissionais do ensino e nossa tarefa é ajudar os alunos em seu aprendizado, propiciando seu êxito e não seu fracasso. A qualidade da nossa relação com os alunos pode ser determinante para conseguirmos nosso objetivo profissional. Se nos deixarmos levar pelo senso comum, desacreditaremos no potencial que cada ser humano possui e na evolução da aprendizagem. À medida que deixamos de acreditar, deixamos de criar expectativas e consequentemente, a busca de novos caminhos e alternativas para os alunos. Sabemos que cada um aprende, com graduações, tempos e formas diferentes. Rubem Alves também defende que a aula deve ser uma imposição do gosto, do amor, uma obrigação determinada pela necessidade do afeto. Dessa forma, teremos o ponto de encontro em que se inicia toda a aprendizagem. "É só do prazer que surge a disciplina e a vontade de aprender". (ALVES, 2005, p 106). A educação tem de ser um setor movido pela paixão, pelo entusiasmo e pela competência - qualidades essenciais à difusão do conhecimento. É papel do educador descobrir mecanismos capazes de tornar sua atividade mais atraente, mais dinâmica, mais apaixonante e mais sedutora. No dia-a-dia da sala de aula deve haver espaço para a criação para a descoberta, para a renovação e para a reciclagem de ideias, posturas, conceitos e informações diversas. Desse modo é imprescindível que no contexto escolar trabalhemos a articulação afetividade-aprendizagem nas mais variadas situações, considerando-a como essencial na prática pedagógica e não julgando como simples alternativa da qual podemos lançar mão quando queremos fazer uma "atividade diferente" na sala de aula. Essa articulação deve ser uma constante busca de todos que concebem o espaço escolar como um local privilegiado na formação humana. Está, portanto, mais do que evidenciada por estudiosos, pesquisadores e especialistas, a necessidade de se cuidar do aspecto afetivo no processo ensino-aprendizagem, levando em conta que a criança é diferente, cognitiva e 46 afetivamente falando, em cada fase do seu desenvolvimento. 47 REFERÊNCIAS: ALMEIDA, Ana Rita Silva. A emoção na sala de aula. São Paulo: Papirus, 2005. ALMEIDA, S. F. C. O lugar da afetividade e o desejo na relação ensinar-aprender; In: Revista Temas em Psicologia. Ribeira Preto - SP: Sociedade Brasileira de psicologia, 1993, n.1. ALVES. Rubem. Estórias de quem gosta de,ensinar. Campinas-SP: papirus, 2005 BOSSA, Nádia A. A psicopedagogia no Brasil. 2a ed. Prto Alegre: artes médicas sui, 2000. CHARDELLI, Rita de Cássia Rocha. Brincar e ser feliz. Endereço eletrônico: <http://7mares.terravista.pt/forumeducacao/Textos/textobrincareserfeliz.htm>. GODO, Wanderley. GASOTTI, Andréa Alessandra. Trabalho e afetividade. In: Educação: Carinho e trabalho. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1999 CORDÍÉ, Anny. Os atrasados rtlo existem: Psicanálise de crianças com fracasso escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. DICIONÁRIO AURÉLIO. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Editora Nova Fronteira. 1 cd-rom. 1994. DOLLE, J. M. Para além de Freud e Piaget. Petrópolis: vozes, 1993. FAGALl. Eloísa Quadros & VALE. Zélia dei Rio do. Psicopedagogia Institucional Aplicada - a aprendizagem escolar dinâmica e construção na sala de aula. 8a ed. Petrópoíis- RJ: vozes, 1993. FERNANDEZ, Alicia, A inteligencia aprisionada: Abordagem psícopedagógica clínica da criança e sua família. Porto Alegre: artes médica, 1990. ____________________ O saber em jogo: a psicopedagogia possibilitando autorias de pensamento. Porto Alegre: Editora ARTMED, 2001. FREIRE. Paulo. Pedagogia da autonomia.- saberes necessários à prática educativa. São paulo: paz e terra, 2006 48 GALVÃO, Izabel. Henrí Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis, Rj: Vozes, 2002. ______________ Expressividade e Emoções Segundo a Perspectiva de Wallon. in: Arantes, V. A. (org) Afetividade na Escola, 1a. ed. São Paulo: Summus, 2003. GOLSE, B. O desenvolvimento afetivo e intelectual da criança. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. GRANDE ENCICLOPÉDIA BARSA. 3 ed., V.1. São Paulo: Planeta Internacional, 2004. INTERNET - www.google.com.br LINDGREIN, H. C. Psicologia na Sala de Aula: o aluno e o processo de aprendizagem. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1977. 2 vols. ... LIMA, Maria Socorro Lucena. A formação contínua do professor nos caminhos e descaminhos do desenvolvimento profissiaonal. (Tese de doutorado) São Paulo: Faculdade de Educação, USP, 2001. MÓDULO TEORIAS DO CONHECIMENTO E DA APRENDIZAGEM. Curso de pós-graduação em psicopedagogia. ÊNFASE, 2005 MOREIRA, Maria Teresa Marques. <http://www.bolsademulher.com.br>. Afetividade. Disponível em MUKHINA, Valéria. Psicologia da idade pré-escolar. São Paulo: Martins Fontes, 1995. OLIVEIRA. M. K. de. O Problema da afetividade em Vygotsky, In: La Taille, Yves de; Oliveira, Marta Kohl de: Dantas, Heloísa - Teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992. PAIN, S. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. 4 ed. Porto Alegre: Artmed, 1992 PATTO. Maria Helena Souza. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: T.A. Querioz, 1990 PIAGET, Jean. A equilibração das estruturas cognitivas: problema central ao desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar.1976. 49 ______________ A psicologia da criança. Trad. Octavio M. Cajado. São Paulo: Difel, 1980. inteligência e Afetividade. (tradução de Paulo Quintela). Buenos Aires: Aique, 2001. REGO, Tereza Cristina. Vigotsky: uma histórico-cultural da educação. Petrópolis-RJ: Vozes, 1995. perspectiva REVISTA CONSTRUIR NOTICIAS MAIO/JUNHO 2002. SALTINI, CLÁUDIO J P. afetividade e inteligência. Rio de Janeiro: DPA, 1997. SCOZ, Beatriz. Psicopedagogia e realidade escolar - o problema escolar e da aprendizagem. 12° ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1994. TAILLE, Yves de La. Piaget, Vigotsky, Wallon: psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992. Teorias VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1993. _____________ Teoria e método em psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 1996. WADSWORTH, B. J. Inteligência e afetividade da criança na teoria de Piaget. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1993. WALLON, Henri. Psicologia e Educação da Criança. São Paulo: Ática, 1986. WERNECK, Hamilton. Educar é sentir as pessoas. Aparecida /São Paulo: ideias e leiras, 2004. WEISS, M. L. Reflexões sobre o diagnóstico psicopedagógico. In: BOSSA, N.A. Psicopedagogia no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2000. XIMENES, Sérgio. Ediouro, 2000. Minidicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: