Marca global e cultura local: uma arqueologia em

Propaganda
Faculdade Boa Viagem
Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração – CPPA
Mestrado Profissional em Gestão Empresarial -MPGE
Flávia Zimmerle da Nóbrega Costa
Marca global e cultura local: uma arqueologia em busca
de compreensão da sociedade ocidental contemporânea
Recife, 2009
Faculdade Boa Viagem
Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração – CPPA
Mestrado Profissional em Gestão Empresarial -MPGE
Flávia Zimmerle da Nóbrega Costa
Marca global e cultura local: uma arqueologia em busca
de compreensão da sociedade ocidental contemporânea
Orientador: Prof. André Luiz M. de Souza Leão, Doutor
Recife, 2009
Faculdade Boa Viagem
Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração – CPPA
Mestrado Profissional em Gestão Empresarial – MPGE
CLASSIFICAÇÃO DE ACESSO A DISSERTAÇÕES
Considerando a natureza das informações e compromissos assumidos com suas fontes, o
acesso a dissertações do Mestrado Profissional em Gestão Empresarial do Centro de Pesquisa
e Pós-Graduação em Administração da Faculdade Boa Viagem é definido em três graus:
- “Grau 1”: livre (sem prejuízo das referencias ordinárias em citações diretas ou indiretas);
- “Grau 2”: com vedação a cópias, no todo ou em parte, sendo, em conseqüência, restrita a
consulta em ambiente de biblioteca com saída controlada;
- “Grau 3”: apenas com autorização expressa do autor por escrito, devendo, por isso, o texto,
se confiado a bibliotecas que assegurem a restrição, ser mantido em local sob chave ou
custódia;
A classificação desta dissertação se encontra, abaixo, definida por seu autor.
Solicita-se aos depositários e usuários sua fiel observância, a fim de que se preservem as
condições éticas e operacionais da pesquisa científica na área de administração.
Título da Dissertação: Marca Global e Cultura Local: uma Arqueologia em Busca de
Compreensão da Sociedade Ocidental Contemporânea
Autora: Flávia Zimmerle da Nóbrega Costa
Data da aprovação: 07 de julho/2009
Classificação, conforme especificado acima:
Grau 1
Grau 2
X
Grau 3
Recife, 11/08/09
________________________
Assinatura do autor
Flávia Zimmerle da Nóbrega Costa
Marca global e cultura local: uma arqueologia em busca
de compreensão da sociedade ocidental contemporânea
Orientador: André Luiz M. de Souza Leão, Doutor
Dissertação
apresentada
como
requisito
complementar à obtenção do grau de Mestre em
Administração do Centro de Pesquisa e PósGraduação em Administração – CPPA da
Faculdade Boa Viagem
Recife, 2009
Costa, Flávia Zimmerle da Nóbrega
Marca Global e Cultura Local: Uma Arqueologia em Busca de
Compreensão da Sociedade Ocidental Contemporânea / Flávia Zimmerle
da Nóbrega Costa. – Recife: O Autor, 2009.
170 folhas : figuras; tabelas
Dissertação (mestrado)
Administração, 2009.
–
Faculdade
Boa
Viagem.
Inclui Bibliografia.
1. Cultura – Globalização. 2. Marca Global. 3. Sociedade Ocidental.
4. Discurso. 5. Arqueologia. 6. Fotoetnografia I. Título.
CDU 316.6
C837m
FBV
Ao meu marido,
por muito mais que compreender,
por de fato, incentivar, se envolver, dividir
e acrescentar razão a
todas as tarefas que empreendo em minha vida.
Agradecimentos
Agradeço inicialmente a meus familiares: meu marido, meu filho, meus pais, minha
nora e meus irmãos, pela compreensão da minha ausência em vários momentos de nossas
vidas nesses últimos dois anos, esperando pacientemente pela minha companhia, apoiando e
até comemorando cada etapa cumprida neste período Contudo não poderia deixar de fazer um
agradecimento especial ao meu marido por me acompanhar na verdadeira aventura, que
constitui-se às saídas para captura das imagens que formaram o corpus de pesquisa, e por ter
disponibilizado seus equipamentos, condições que foram imprescindíveis para concluir com
êxito as tarefas de campo. Ainda, aos meus pais pelo exemplo de dignidade e perseverança,
minha eterna gratidão.
Agradeço muitíssimo ao meu orientador André Leão, pelo apóio e cumplicidade,
sempre! Sou grata por todas as lições que me repassou e que contribuíram com minhas
reflexões para o desenvolvimento deste trabalho, mas especialmente, por sua sabedoria em
esperar o momento de assentamento das novas idéias, atitude peculiar aos grandes mestres.
Agradeço em especial à diretoria da Faculdade Boa Viagem por proporcionar e apoiar
a concretude de realização desta etapa profissional da minha carreira, como também não
poderia deixar de citar todos os professores e funcionários do programa que contribuíram
decisivamente para a minha formação acadêmica, profissional e pessoal.
Minha admiração e gratidão à professora Sônia Calado, coordenadora do Centro de
Pesquisa e Pós-Graduação em Administração – CPPA e do Mestrado Profissional em Gestão
Empresarial – MPGE, pelo conhecimento, experiência, sabedoria, respeito e carinho
partilhados em todos os momentos.
Agradeço ainda aos professores membros da banca examinadora, Fernando Paiva e
Sérgio Benício, por aceitarem o convite, honrando-nos com suas contribuições e com suas
presenças.
Às minhas grandes amigas, meu muito obrigado pela companhia, incentivo, força e
carinho, além das generosas trocas de experiências e saberes, estresses e também, claro, os
melhores momentos, os extremamente divertidos que foram partilhados e que se tornaram tão
importantes para o estímulo nessa caminhada.
Agradeço a Josivan Rodrigues e Gustavo Penteado por me terem cedido imagens de
seus arquivos pessoais, tão importantes para completude do meu corpus de pesquisa.
Enfim, meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que de alguma forma doaram
um pouco de si para que a conclusão deste trabalho se tornasse possível.
“Existem momentos na vida onde a questão de
saber se se pode pensar diferentemente do que se
pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é
indispensável para continuar a olhar ou a
refletir(...)”.
Michel Foucault, 2006 (A História da Sexualidade: O Uso dos Prazeres, Vol.2).
Resumo
Nos últimos anos as sociedades em rede foram expostas aos processos de globalização e
mundialização, sendo esta uma condição compulsória do sistema capitalista de consumo e
suas entremeadas relações com as culturas ocidentais. O conflituoso campo de cruzamentos
culturais possibilitou o estabelecimento de valores universais em meios locais, e a cultura de
massas promoveu as marcas, signos máximos de consumo, a símbolos culturais complexos e
globais. Através de um estudo fotoetnográfico inspirado no método arqueológico de Michel
Foucault este trabalho buscou analisar a sociedade ocidental contemporânea por meio dos
discursos mundanos construídos no intercâmbio entre as culturas global e local. Para tanto,
buscamos descrever a teia discursiva formada no limiar relacional entre essas culturas,
utilizando uma marca transnacional como veículo de expressão da sociedade ocidental,
registrando sua presença nas práticas cotidianas mundanas. Desse modo, a pesquisa está
embasada em métodos estruturalistas de investigação. A escolha do projeto arqueológico
foucaultiano nos possibilitou realizar a análise por meio de um trabalho de ordenação,
definição e descrição, elaborado no interior do campo discursivo. Os resultados do campo
afloraram as argumentações: retórica e dialética. Apesar dos falantes situarem-se em mundos
distintos (da vida e do sistema), organizam-se por meio de um intercâmbio sistêmico,
redimensionando-se de forma dinâmica. Os mesmos não nos propiciaram resultados
definitivos, condição que não refletiria a nossa intenção nem opção paradigmática, mas geram
reflexões a respeito do tema investigado sob uma abordagem ainda minoritária na academia.
Palavras-chave: Marcas Globais, Sociedade Ocidental, Discurso, Arqueologia, Fotoetnografia
Abstract
In the last couple of years the societies were exposed to the processes of globalization and
internationalization, which is a compulsory condition of the capitalist system of consumption
and their intertwined relationship with the Western cultures. The conflict field of cultural
crosses enabled the establishment of universal values into local environments, and the popular
culture promoted the brands, maximum signs of consumption, to cultural symbols complexes
and global. Through a photo-ethnographic study based on the archaeological method of
Michel Foucault this study aimed to analyze the contemporary Western society through the
mundane speeches constructed in the exchanges between local and global cultures. For this,
we describe the discursive web formed in the relational threshold between these cultures,
using a transnational brand as a vehicle for expression of the Western society, registering its
presence in the mundane daily practices. Thus, the study is based on structuralist methods of
research. The choice of the archaeological Foucaultian project allowed us to conduct an
analysis through a work of ordination, definition and description, developed within the
discursive field. The field results raised the argumentation: rhetoric and dialectic. Although
the speakers are located in different worlds (of life and the system), they organize themselves
through a systemic exchange, resizing dynamically. They did not provide to us definitive
results, condition that does not reflect our intention or paradigmatic option, but generate
thoughts about the investigated subject under a minority approach in academic.
Key-words: Global brands, Occidental society, Discourse, Archeology, Photoethnography.
Listas de figuras
Figura 1(3) - Mapa indicativo da direção das rotas percorridas ............................................... 75
Figura 2 (3) - Rotas percorridas região sul ............................................................................... 81
Figura 3 (3) - Rotas percorridas região norte ........................................................................... 82
Figura 4 (3) - Rotas percorridas região centro e região oeste ................................................... 83
Figura 5 (4) - Regra uniformidade ............................................................................................ 98
Figura 6 (4) - Zona sul subúrbio foto 41: uniformidade por meio dos elementos da logomarca,
peças publicitárias e visual merchandising – Out 2008............................................................ 99
Figura 7 (4) - Regra reprodução ............................................................................................. 100
Figura 8 (4) - Zona sul subúrbio foto 14: reprodução por meio dos elementos da logomarca e
peças publicitárias – Out 2008 ............................................................................................... 101
Figura 9 (4) - Zona norte litoral foto 08: reprodução por meio de material merchandising –
Nov 2008 ................................................................................................................................ 102
Figura 10 (4) - Zona oeste foto 68: reprodução por meio de material merchandising – Dez
2008 ........................................................................................................................................ 102
Figura 11 (4) - Regra prática de poder ................................................................................... 104
Figura 12 (4) - Zona norte subúrbio foto 88: persuadir e ser representada por meio de
adaptações populares e de elementos da logomarca – Nov 2008 ........................................... 105
Figura 13 (4) - Zona sul litoral foto 01: persuadir, propiciar entretenimento, experienciar e
estipular regras por meio de ações promocionais, peças publicitárias e elementos da
logomarca – Jun 2008 ............................................................................................................. 106
Figura 14 (4) - Zona Centro foto 11: persuadir e comunicar por meio de pontos de
atendimento – Ago2008. ........................................................................................................ 106
Figura 15 (4) - Zona Centro foto 10: promover hegemonia por meio de peças publicitárias e
visual merchandising. – Ago 2008 ......................................................................................... 107
Figura 16 (4) - Zona sul litoral foto 02: Persuadir, desculpabilizar excesso e experienciar por
meio de operações com distribuidor – Ago 2008 ................................................................... 108
Figura 17 (4) - Zona sul subúrbio foto 22: propiciar entretenimento por meio de operações
com distribuidor – Out 2008................................................................................................... 109
Figura 18 (4) - Regra relação de poder ................................................................................... 110
Figura 19 (4) - Zona sul subúrbio foto 78: ser representada por meio de elementos da
logomarca e adaptações populares – Nov 2008...................................................................... 111
Figura 20 (4) – Foto anterior à figura 18, parte da série discursiva 18, Rota 1- Nov 2008 .... 112
Figura 21 (4) – Foto posterior à figura 18, parte da série discursiva 18, Rota 1- Nov 2008 .. 112
Figura 22 (4) - Zona Sul litoral foto 62: Tolerar partilhamento de espaço e tolerar diferenças
estéticas por co-habitação de marcas concorrentes e operações com o distribuidor– Nov 2008
................................................................................................................................................ 113
Figura 23 (4) - Regra articulação cultural .............................................................................. 114
Figura 24 (4) - Zona noroeste foto 02: Antropomorfizar e incorporar aspectos culturais por
meio de adaptações populares – Nov 2008 ............................................................................ 115
Figura 25 (4) - Zona centro foto 07: apropriar-se de aspectos culturais por meio de peças
publicitárias – Ago 2008 ........................................................................................................ 116
Figura 26 (4) - Zona sul subúrbio foto 107: apoiar convenção social por meio de adaptações
populares – Out 2008.............................................................................................................. 117
Figura 27 (4) – Ampliação de detalhe da figura 28 – Out 2008 ............................................. 118
Figura 28 (4) - Regra Incitamento .......................................................................................... 119
Figura 29 (4) - Zona Centro foto 118: comunicar por meio do ponto de atendimento – Nov
2008 ........................................................................................................................................ 120
Figura 30 (4) - Zona Centro foto 01: comunicar por meio do ponto de atendimento – Ago
2008 ........................................................................................................................................ 120
Figura 31 (4) - Zona norte litoral foto 02: propiciar entretenimento por meio de peças
publicitárias – Ago 2008 ........................................................................................................ 121
Figura 32 (4) - Zona norte litoral foto 12: persuadir por meio de operações com o distribuidor
– Ago 2008 ............................................................................................................................. 122
Figura 33 (4) - Regra rebeldia ................................................................................................ 123
Figura 34 (4) - Zona norte subúrbio foto 03: ser representada por adaptações populares – Ago
2008 ........................................................................................................................................ 124
Figura 35 (4) - Regra polifonia ............................................................................................... 125
Figura 36 (4) - Zona Noroeste foto 46: identificar parceiros por meio de operações com
distribuidor – Nov 2008.......................................................................................................... 125
Figura 37 (4) - Regra redundância.......................................................................................... 126
Figura 38 (4) - Zona sul subúrbio foto 104: identificar parceiros por meio de adaptações
populares – Nov 2008 ............................................................................................................. 127
Figura 39 (4) - Regra credibilidade ........................................................................................ 128
Figura 40 (4) - Zona centro foto 02: comunicar por meio de operações do distribuidor – Jan
2009 ........................................................................................................................................ 128
Figura 41 (4) - Zona sul subúrbio foto 03: comunicar por meio de material merchandising –
Dez 2008 ................................................................................................................................. 129
Figura 42 (4) - Jogo de memória ............................................................................................ 132
Figura 43 (4) - Funções do marketing .................................................................................... 133
Figura 44 (4) - Manipulação e confronto ............................................................................... 135
Figura 45 (4) - Divergência cultural ....................................................................................... 137
Figura 46 (4) - Um meio de expressão ................................................................................... 139
Figura 47 (4) - Simbiose ......................................................................................................... 141
Figura 48 (4) - Sujeito do projeto/projeto do sujeito .............................................................. 142
Listas de tabelas
Tabela 1 (3) - Rotas percorridas, série e datas .......................................................................... 76
Tabela 2 (3) - Rotas percorridas, série e datas (Cont.) ............................................................. 77
Tabela 3 (3) - Rotas percorridas, série e datas (Cont.) ............................................................. 78
Tabela 4 (3) - Coleta dos elementos no campo ........................................................................ 90
Tabela 5 (3) - Coleta dos elementos no campo (Cont.) ............................................................ 91
Tabela 6 (4) - Síntese das descrições enunciativas ................................................................... 94
Tabela7 (4) - Síntese das descrições enunciativas (Cont.) ....................................................... 95
Tabela 8 (4) - Função e ação propiciada................................................................................... 96
Tabela 9 (4) - Regra e descrição ............................................................................................... 97
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 15
1.1 Problemática ...................................................................................................................... 17
1.2 Pergunta de Pesquisa ......................................................................................................... 22
1.3 Justificativas ...................................................................................................................... 24
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................................... 26
2.1 A sociedade de consumo ocidental.................................................................................... 27
2.1.1 A imaterialidade do objeto na civilização [pós-] moderna ........................................... 27
2.1.2 A condição [pós-]moderna ........................................................................................... 31
2.1.3 A cultura material (reconsiderada?).............................................................................. 33
2.2 A cultura como meio possível ........................................................................................... 38
2.2.1 Definindo cultura .......................................................................................................... 39
2.2.2 A cultura popular e o sistema ....................................................................................... 40
2.2.3 Cultura brasileira: um discurso que nasceu moderno ................................................... 43
2.2.4 A cultura global desenraiza, para apoderar................................................................... 45
2.2.5 Nova experiência territorial? ........................................................................................ 48
2.3 Marcas: relação incorpórea, representação material ......................................................... 52
2.3.1 Breve introdução: signifique, a marca significa ........................................................... 53
2.3.2 De identificadoras a difundidoras a capitalizadoras: marcas sob outros valores? ........ 54
2.3.3 A arqueologia como oportunidade................................................................................ 62
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................................... 66
3.1 Possibilidade Epistemológica ............................................................................................ 66
3.1.1 A análise arqueológica .................................................................................................. 68
3.2 Escavação e coleta de vestígios ......................................................................................... 70
3.2.1 Um estudo de caso instrumental ................................................................................... 70
3.2.2 Processos e registros de uma etnografia arqueológica ................................................. 72
3.2.3 Formação do arquivo: o terreno das coisas ditas .......................................................... 74
3.3 Procedimento analítico ...................................................................................................... 86
3.3.1 O procedimento arqueológico....................................................................................... 86
3.3.2 Componentes do procedimento analítico...................................................................... 89
4 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS ................................................................................ 93
4.1 A identificação no limiar discursivo ................................................................................. 93
4.1.1 As descrições enunciativas ........................................................................................... 94
4.1.2 As funções .................................................................................................................... 95
4.1.3 As regras ....................................................................................................................... 96
4.2 A prática estabelecida no limiar discursivo ....................................................................... 97
4.2.1 Sob a regra uniformidade.............................................................................................. 98
4.2.2 Sob a regra reprodução ............................................................................................... 100
4.2.3 Sob a regra Prática de poder ....................................................................................... 103
4.2.4 Sob a regra Relação de poder ..................................................................................... 110
4.2.5 Sob a regra Articulação cultural ................................................................................. 114
4.2.6 Sob a regra Incitamento .............................................................................................. 119
4.2.7 Sob a regra Rebeldia ................................................................................................... 123
4.2.8 Sob a regra Polifonia .................................................................................................. 124
4.2.9 Sob a regra Redundância ............................................................................................ 126
4.2.10 Sob a regra Credibilidade ........................................................................................... 128
4.3 As formações discursivas ................................................................................................ 130
4.3.1 Jogo de memória ......................................................................................................... 131
4.3.2 Funções do marketing ................................................................................................. 132
4.3.3 Manipulação e confronto ............................................................................................ 134
4.3.4 Divergência cultural.................................................................................................... 136
4.3.5 Um meio de expressão ................................................................................................ 138
4.3.6 Ideologia ..................................................................................................................... 140
4.3.7 Simbiose ..................................................................................................................... 140
4.3.8 Sujeito do projeto/ projeto do sujeito.......................................................................... 141
4.4 As regras entre formações discursivas ............................................................................ 143
4.4.1 Argumentação retórica: viva o lado Coca-Cola da vida ............................................. 144
4.4.2 Argumentação dialética: bi-dimensionalidade mundana ............................................ 146
5 CONCLUSÕES ................................................................................................................ 151
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 161
1 Introdução
Arqueólogos acabam de anunciar que a região Ocidental do planeta comportou um
conjunto de sociedades altamente complexas há cerca de mil anos. Eles confirmam a
descoberta da existência de vestígios seguros de ocupação humana na região, que
corresponderia ao território atual do Grande Parque Reflorestado pertencente à Organização
Internacional das Nações. Segundo os antropólogos, o auge do que denominam de Nação
Ocidental se deu entre os séculos XX e XI.
A civilização descoberta apresenta-se similar às sociedades que precederam às
civilizações do Oriente, mantendo o convívio durante o Período Pós-moderno. Ao que tudo
indica, há mais de 3000 anos já mantinha contatos intensos e intercâmbios constantes entre as
populações das Américas e Europa, fato que coincidiu com a aparição de estruturas políticas
organizadas e sociedades com uma distribuição desigual da riqueza. Os fragmentos históricos,
vestígios manifestos dos vários micro-sítios da Nação Ocidental, encontram-se assentados sob
substratos arenosos de origens e idades diferenciadas, o que sugere uma ocupação extensa e
constante dos espaços geográficos, significando que perdurou por várias gerações.
Nas escavações realizadas naquele sítio histórico, os rastros mais evidentes que foram
coletados sobre o modo de vida deste povo foram sedimentos residuais de diversos artefatos,
curiosamente, a maior parte marcários. O fato chamou a atenção dos antropólogos, uma vez
que parece indicar que o consumo de marcas constituiu-se como um fenômeno de amplitude
15
social, garantindo propriedades simbólicas e funcionais à cultura material que lhes está
associada.
Curiosamente, apesar de o fenômeno marcário só fazer sentido enquanto representação
compartilhada socialmente, algumas marcas foram recuperadas em sítios geograficamente
distintos em meio às outras marcas nativas, levando a crer que as mesmas desenvolveram uma
lógica cultural diferenciada: portadoras uma alteração nas práticas espaciais convencionais,
apresentam-se interagindo globalmente. De alguma forma, essas marcas globais superaram a
lógica territorial de espaço e as fronteiras que delimitam o exercício de soberania e coesão
social, e conviveram com marcas nativas, compondo assim, um corpo de resíduos
arqueológicos de uma singular experiência histórica de coexistência.
Através destes fatos os pesquisadores vêm reconstituindo o que foi a vida destas
sociedades e já é possível descrever uma complexa e intensa relação do consumo com as
culturas interligadas por meio de marcas universais.
Os estudiosos anunciaram um plano minucioso de investigações para desvelar os
processos humanos nessas formas de vida. Os mesmos terão início nos sítios localizados na
região circunvizinha da metrópole conhecida por Recife.
16
1.1 Problemática
A história simulada poderia ser algum dia um resgate histórico sobre a importância
que as marcas ocupam na civilização1 ocidental contemporânea. Numa situação deste tipo,
para reconstituir o seu modo de vida seria preciso elucidar a rede de articulações formada
entre os fragmentos enunciativos que lhes promove sentido. Contextualizado na complexidade
que lhe é própria, o discurso representa uma construção social e surge filiado a uma rede de
outros discursos que lhes legitimam ou confrontam, mas que sempre dialogam entre si
(FOUCAULT, 2007; FAIRCLOUGH, 2001). De imediato, no entanto, tornar-se-ia evidente que se
trata de um modelo em que a cultura de consumo foi uma condição construída que
transformou os artefatos marcários em cultura material capaz de representá-la.
No contemporâneo a sociedade ocidental vive um cenário de consumo abundante
(BAUDRILLARD, 2007) e está inserida em uma nova ordem social em que os indivíduos se
reconstroem na importação de valores culturais continuamente endossados por apelos
midiáticos (TAVARES, 2001) e regida pelo consumo (BARBOSA, 2004; BAUDRILLARD, 2007;
BELK, 2007; BORGERSON, 2005; MCCRACKEN, 2003; 2005; MILLER, 2006, 2005, 2002;
SLATER, 2002).
A sociedade ocidental está exposta e se re-constrói de forma sistêmica em um universo
simbólico gerado pela integração dos processos de mundialização2 e de globalização, que
induziu a superação dos espaços hegemônicos de coesão social (ORTIZ, 2007). Esse fato teve
1
O termo civilização está sendo utilizado aqui como uma metáfora para a sociedade de consumo, em alusão ao
apóio onto-epistemológico desta pesquisa no projeto arqueológico foucaultiano.
2
Enquanto a globalização constitui os processos de natureza econômica e tecnológica, a mundialização
representa a esfera dos processos culturais (ORTIZ, 2007).
17
como suporte as condições de formação da modernidade e do nascimento das nações
(BARBOSA, 2004; MCCRACKEN, 2003; ORTIZ, 2007; SLATER, 2002), tornando inevitável a
tendência de globalização e suas conflituosas relações entre culturas (ADORNO, 2002;
BRITTOS, 1999; CASTELLS, 2008; DEL. MASSO, 2008; 1999; JAMESON, 2004; ORTIZ, 2006)
A possibilidade foi articulada na medida em que instigou a construção do pensamento
moderno no entrelaçamento da cultura com o consumo (BARBOSA, 2004; MCCRACKEN, 2003;
SLATER, 2002), favorecendo no século XX a projeção da imagem do modo de vida
consumista dos Estados Unidos como um ideal de sucesso e liberdade, que traçou linhas
divisórias entre os então chamados: Primeiro e Terceiro Mundos, entre o socialismo e o
capitalismo, articulando um sonho de cultura globalizada possível de se dar no sistema
capitalista de consumo (KLEIN, 2008; SLATER, 2002).
As características das entremeadas relações do consumo com as culturas ocidentais
são o resultado das condições de constituição de seus campos social, cultural e econômico. O
consumo no ocidente foi assumindo uma nova escala e mudando de caráter na medida em que
refletiu os novos padrões de produção, troca e demanda que geraram um crescimento
explosivo de mercados. A partir do século XIX essa ordem instalou-se como um fato social
permanente (BARBOSA, 2004; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002).
Assim, a condição de compreensão do modelo de sociedade ocidental tem no
fenômeno de consumo um elemento fundamental, ou ainda, um elemento-chave para análise
de relações sociais e sistemas simbólicos. Sendo considerado um processo cultural, sua
história e desdobramento na multiplicação e na abundância de objetos e seu ascendente papel
na vida social, faz deste o meio significativo fundamental de expressão e constituição desta
forma social (BARBOSA, 2004; BAUDRILLARD, 2007; DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006;
MCCRACKEN, 2003; MILLER, 2006; SLATER, 2002).
18
Para Slater (2002), a cultura de consumo ocidental designa um amplo acordo social
mediado pelo mercado. Neste sentido, o consumo é tido como um processo que permite ao ser
humano materializar significados culturais e práticas sociais, estabelecendo limites,
resolvendo conflitos e paradoxos. Neste processo, as categorias sociais estão sendo
continuamente definidas, afirmadas ou redefinidas (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006;
MCCRACKEN, 2003; MILLER, 2006; SLATER, 2002). Dessa forma, a relação entre consumo e
cultura se estabeleceu de forma intensa, mútua, complicada e sem precedentes (BARBOSA,
2004; BAUDRILLARD, 2007; MCCRACKEN, 2003; MILLER, 2006; SLATER, 2002; TILLEY, et al.,
2006).
Apesar de inicialmente ter sido identificado que a posse de riqueza e o consumo
abundante era o valor máximo para essa cultura, e de ter sido proposto vários motivos para
esta busca inclusive que estaria na própria riqueza a representação do verdadeiro valor das
pessoas (HIRSCHMAN, 1990), o que ocorre é que, nos processos de consumo e nas
propriedades materiais e simbólicas dos objetos que constituem a cultura material das
civilizações, está a materialização de valores, de significados e de práticas sociais próprias.
(BELK, 2007; BORGERSON, 2005; FEATHERSTONE, 1995; MCCRACKEN, 2005; MILLER, 2002;
SLATER, 2002).
Os bens, em última instância, herdam a qualidade de comunicar categorias culturais e
valores sociais, por sua capacidade de tornar visíveis tais categorias. A necessidade de
consumo se origina na cultura, esta a reproduz e renova quando é encenada por meio da
prática e, finalmente, a torna visível por meio dos artefatos escolhidos para comunicar em seu
meio. Pelos significados dos bens vivenciamos o sistema cultural e reafirmamos o modo de
organização da vida social em seus princípios de ordem, justiça e moral, presentes nas
interações na vida cotidiana (MILLER, 2002; SLATER, 2002). Dessa forma, consideramos que
relações de consumo são, antes de tudo, relações culturais (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006;
19
FEATHERSTONE, 1995; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002), e que os bens de consumo são
comunicadores de categorias culturais e valores sociais, tornando tangíveis categorias de
cultura (BELK, 2007; BORGERSON, 2005; MCCRACKEN, 2005; MILLER, 2002; SLATER, 2002).
O cenário fértil promoveu as marcas a uma posição emblemática nesta estrutura social
(KLEIN, 2008; LEÃO; MELLO, 2004; LEÃO; MELLO, 2007; PEREZ, 2004; SEMPRINI, 2006).
Apoiadas em discursos publicitários que buscam antes de vender produtos, vender sentidos, as
marcas se transformam em uma entidade em si mesmas, virando o próprio objeto de troca
desejado por este sujeito (KLEIN, 2008; LEÃO; MELLO, 2004; LEÃO; MELLO, 2007; PEREZ,
2004; SEMPRINI, 2006). Desse modo, as marcas passam a representar um papel fundamental
nessa forma social mediante sua capacidade de expressar, criar e modificar os sujeitos,
transformando-se em complexos signos de identidade social e constituindo-se, desse modo,
nos signos máximos do consumo (LEÃO; MELLO, 2007; PEREZ, 2004; SEMPRINI, 2006).
Assim, de simples diferenciadoras de produtos, característica adquirida com os
resultados da Revolução Industrial, as marcas se transformaram em símbolos culturais
complexos, gerando o interesse de estudiosos de várias áreas do conhecimento. As marcas
tornam-se, então, signos circulantes da vida cotidiana, reconhecidas e significadas por
consumidores envolvidos em situações sociais nas comunidades a que pertencem (KLEIN,
2008; LEÃO, 2007; PEREZ, 2004; SEMPRINI, 2006).
Como os processos sígnico marcários transcenderam não apenas os grupos e as classes
sociais, mas também as próprias nações, a recente condição de uma sociedade mundializada
coloca em pauta de discussão as questões de cultura, consumo e representações de marcas
globalizadas e suas particulares características de “vida própria”. O fato é que a realidade da
marca global não foi fruto de uma demanda do mercado e sim uma necessidade de
racionalização administrativa (CHEVALIER; MAZZALOVO, 2007; KAPFERER, 2003).
20
Apesar de o marketing enxergar a globalização como uma oportunidade para criar
estratégias lucrativas, confronta-se com as dificuldades em mobilizar para a marca um sistema
único de valores direcionados para uma clientela móvel, que possibilite unificar a emissão da
comunicação (KAPFERER, 2003). Para o autor, marcas globais demandam para seu
fortalecimento no mercado de um posicionamento uniforme e estratégias universais. Para
tanto, o processo de mundialização traz em si um lógica própria, “inventada”, que se realiza e
reifica na cultura de massas e que, de forma inversa à cultura popular, ao invés de ser oriunda
da “massa” foi desenvolvida para essa (ORTIZ, 2007). Nesse cenário a empresa global se
apóia no branding patrocinador de cultura e sedento insaciável de cultura, que acredita que é
cultura, e desse modo busca sobrepujar a cultura nativa e promover a marca ao posto máximo
da mundialização (KLEIN, 2008).
A marca transnacional3 torna-se, então, capaz de compartilhar mundialmente os
discursos de produtos idênticos amparados numa cultura de massas cosmopolita generalista.
Apoiada em uma postura ideológica global de caráter capitalista, a marca global impõe a
participação no sistema como condição de existência e estabelece uma relação passível de
conflito com as culturas nativas, pois envolve formas de poder onde não existe partilha
(ADORNO, 2002; BRITTOS, 1999; ORTIZ, 2007), mas que faz parte do feitio que assumiu a
política mundial do novo milênio (EAGLETON, 2005).
A grande maioria dos autores que tratam da proposta de globalização considera
conflituosa a relação estabelecida entre as culturas global e local. As vulneráveis relações dos
nativos com a sedução dos agentes político-econômicos levam às reflexões para as noções de
global/local como objetos interdependentes e totalizadores da realidade do sistema capitalista,
estimulando a consideração de já haver sido incorporado às subjetividades contemporâneas a
3
Para Ortiz (2007) o desenvolvimento e a consolidação desse mercado tende a tornar obsoleta a concepção de
empresa multinacional abrindo espaço para a corporação transnacional, em que existe o comprometimento
apenas com uma missão global, única e unificada: os clientes que os interessam são pessoas que apreciam seus
produtos em todos os lugares do mundo.
21
consciência de um lugar universal. A globalização não é apenas uma prática econômica, mas
política, tecnológica e cultural (GIDDENS, 2000).
Considerando que: a participação no novo sistema é compulsória, pois “a globalização
é uma tendência inevitável (...) (KAPFERER, 2003, p 353) que incorre na impotência
econômica e espiritual do isolado (ADORNO, 2002); a marca é o símbolo máximo da sociedade
de consumo contemporânea; o jogo de mediações entre a mundialização e a cultura popular se
dá nas práticas sociais, ou seja, no espaço de enfrentamento onde de um lado estão presentes
os mecanismos de dominação (que impõem uma postura ideológica global), e de outro estão
presentes lógicas próprias de uso e modos de apropriação do que é imposto (dialética
construída com a cultura local) (CHARTIER, 1995); podemos entender que a sociedade
ocidental contemporânea pode ser conhecida por meio de suas relações com artefatos4
marcários globais.
1.2 Pergunta de Pesquisa
Assumindo que a sociedade ocidental contemporânea é regida por meio do consumo e
pode ser conhecida por meio de signos marcários, e que esses signos se configuram numa
arena privilegiada para luta de sentidos entre a cultura global e a nativa, é fundamental que
compreendamos como isto seja possível. Para tanto, nos guiaremos por uma questão geral e
três específicas.
4
Como proposta de realização de um estudo de inspiração arqueológica que utiliza como pano de fundo
o campo de estudos de cultura material, a intencionalidade da utilização do termo artefato é indicador de
qualquer objeto que foi feito ou modificado pelo homem; desse modo, ao ser resgatado nas escavações, a sua
condição de fragmento histórico deve ser capaz de promover evidencias de formas de vida. Esta pesquisa
entende por artefatos marcários os produtos e referentes imagéticos da marca que formam o ambiente concreto
da sociedade investigada. A produção imagética da Coca-Cola torna palpáveis as idealizações e mensagens da
marca, permitindo a realização do estudo fotoetnográfico que precisa descrever, discutir cultura material e
considerar as relações sociais em um cenário material.
22
Baseamo-nos na seguinte questão geral de pesquisa:
Como a sociedade ocidental contemporânea pode ser conhecida
por meio de artefatos marcários globais?5
Assim, a pesquisa que propusemos se propiciou a compreender a maneira pela qual as
marcas, por meio de sua materialidade, é componente fundamental da formação cultural do
Ocidente na contemporaneidade. A generalização da questão-guia da pesquisa denota o
caráter próprio da condição paradigmática de pesquisa qualitativa que assumimos, em que a
busca do conhecimento amplo se dá por meio de investigação das especificidades.
Nesse sentido, delimitaremos nosso estudo orientado pelas seguintes questões
específicas:
Como os artefatos marcários reproduzem a cultura global ocidental?
Como marcas globais se estabelecem nas práticas cotidianas locais?
Como é possível a relação entre a cultura global e a cultura local?
A integração dos processos de globalização e mundialização e suas conseqüências
pertencem a uma realidade que se estabeleceu e que não apenas influência, mas constrói as
relações de consumo contemporâneas das sociedades em rede. Nesse sentido, compreender
como essa forma cultural se apóia em marcas globais e se estabelece nas práticas locais, e
5
Em desenhos qualitativos de pesquisa com orientação paradigmática não-positivista – como é o caso do
interpretativismo – se tende a optar pela elaboração de uma ou mais perguntas de pesquisa ao invés de objetivos
ou hipóteses (CRESWELL, 1998; 2003). Estas podem se apresentar em duas formas: uma questão “grand tour” ou
uma hipótese-guia seguida de questões específicas (CRESWELL, 2003; MILES e HUBERMAN, 1994). A questão
“grand tour” – adotada em nossas pesquisas – deve ser elaborada na forma mais geral possível, para não limitar
as possibilidades do estudo, mas, concomitantemente, ser focada o bastante para delimitá-lo (CRESWELL, 2003;
MARSHAL e ROSSMAN, 1999).
23
ainda como se dá essa relação entre culturas global e local, representam uma etapa
fundamental para o desvelar da sociedade ocidental na atualidade.
1.3 Justificativas
Num cenário de consumo abundante, em que os bens constituem a estrutura de uma
vida significativa no plano de desejo e subjetividade (BAUDRILLARD, 2007; SLATER, 2002), os
indivíduos buscam construir-se num mundo cultural através de práticas de consumo. Essa
forma de relação desenvolvida com os bens de consumo e seu potencial revelador de relações
sociais é um campo de estudos que nasce com as formas modernas de consumo (BARBOSA,
2004; FEATHERSTONE, 1995; MCCRACKEN, 2003; MILLER, 2002; SLATER, 2002), mas que
muito tem ainda para se desenvolver.
Entendendo que a cultura do consumo seja uma estrutura de relacionamentos e que
estes têm se revelado um importante objeto de investigação para o marketing (ARNOLD;
FISHER, 1996; FULLERTON, 1988; HOWARD et al., 1991; MELLO; LEÃO, 2003), acreditamos que
a contribuição teórica deste estudo seja a de buscar compreender o papel das marcas na
cultura ocidental contemporânea. Ao adotar a lente filosófica foucaultiana como método
instituímos que o discurso é uma prática social e que os enunciados se definem em seus
contextos a partir de um conjunto de condições de co-existência, filiados a uma rede de outros
discursos que os legitimam ou confrontam. Este entendimento pode vir a contribuir com
novos horizontes na forma da pesquisa de marketing investigar o fenômeno marcário nas
sociedades globais. Neste sentido, o estudo também contribui pela adoção da antropologia
visual para a investigação do fenômeno marcário, uma vez que este ainda é um método
incomum nas investigações deste objeto na área de Administração.
24
Em termos de aplicabilidade, nossa investigação pretende, ao aprofundar o
conhecimento sobre a relação entre as marcas e a cultura do consumo, desvelar o impacto do
discurso daquelas sobre a forma como esta é moldada, contribuindo para uma prática de olhar
mais humano (LEÃO; MELLO, 2007) da gestão de marketing na abordagem de seus mercadosalvo.
25
2 Fundamentação Teórica
Na presente pesquisa adotamos a perspectiva da antropologia visual de consumo
embasados na condição [pós-]moderna que assumiu a sociedade ocidental. Desse modo,
entendemos que o consumo de signos característico desta forma social, só é possível pelo fato
do mesmo se constituir uma prática cultural, ou seja, uma ação relacional que ganha sentido
na interação de sujeitos sociais.
O que nos permite a possibilidade de conhecer a sociedade ocidental contemporânea
por meio de signos marcários é, então, o fato de reconhecermos que esta é uma forma social
determinada pelo consumo e que esta característica constituiu-se um cenário fértil para que as
marcas assumissem uma posição de destaque. Isto porque as marcas se mostraram como
excelentes suportes para a prática imaterial de manipulação de signos nas formas de consumo
e experiências imateriais da condição [pós-]moderna das sociedades.
A fundamentação teórica desta pesquisa, por tanto, será composta de três seções, que
buscam perfazer um caminho teórico de compreensão da tessitura da sociedade de consumo e
nela situar o posicionamento ocupado pela marca. A primeira seção inicia-se buscando no
desenrolar da constituição desta sociedade, como se estabeleceu essa relação sem precedentes
entre a cultura e o consumo, alimentando a possibilidade sígnica. Tem sua continuidade
considerando a condição contemporânea das sociedades ligadas em rede pelos processos de
globalização e mundialização. Na última seção apresentaremos como o fenômeno marcário
26
adquiriu valor para a civilização ocidental e, paralelamente, como esse fenômeno foi
investigado teoricamente pelo marketing.
2.1 A sociedade de consumo ocidental
Partiremos, então, da retrospectiva histórica da constituição da sociedade de consumo e
sua ligação com a cultura, buscando compreender como o objeto de consumo foi depositário
de signos apagando gradativamente a relevância de sua condição material. Seguiremos
apresentando o desenrolar do pensamento sobre a condição [pós-]moderna de consumo e, na
seqüência, discutiremos a importância que assumiu a cultura material para a sociedade de
consumo, posicionando a abordagem investigativa possível para esta avaliação.
2.1.1 A imaterialidade do objeto na civilização [pós-]
moderna
Podemos considerar como extremamente complexa a relação que foi construída entre a
cultura e o consumo e entre os sujeitos e seus artefatos, da forma que se apresentam no
contemporâneo. O consumo como um processo cultural tornou-se o elemento central na trama
de construção da modernidade pautada na condição de “livre” decisão das escolhas de um
novo consumidor, que foi desenvolvida no decorrer da civilização ocidental (BARBOSA, 2004;
FEATHERSTONE, 1995; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002). Esta cultura foi ao longo do tempo
sendo re-criada, afirmada e possibilitada através da oferta múltipla de objetos, que sendo uma
fonte de poder, tiveram nesta sociedade opulência, valor e importância crescente
(BAUDRILLARD, 2007; BELK, 2001; MILLER, 2002; TILLEY, 2006).
27
Antes da Idade Moderna considerava-se que os objetos eram consumidos por sua
funcionalidade e marcação na estratificação social, a sociedade era conservadora, valorizava o
legado ancestral e assumia os modelos herdados do passado (BARBOSA, 2004; LIPOVETSKY,
2002; SLATER, 2002). A produção era, então, dirigida pelo valor de uso dos produtos frutos do
trabalho, que tinham por finalidade suprir algumas necessidades humanas (CALLINICOS, 2004).
Com o movimento renascentista no século XVI e o fortalecimento da burguesia,
ampliou-se o desejo de promoção social e a imitação das maneiras de ser e de parecer com a
classe aristocrática (LIPOVETSKY, 2002; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002). Neste período,
sobretudo na Inglaterra, com o aumento considerável do consumo estimulado pela corte
Elisabetana e uma maior oferta de mercadorias, os nobres se tornaram escravos do consumo
competitivo e o comércio transformou-se em uma metáfora para a vida em sociedade. Através
da livre troca de bens, serviços e idéias na esfera pública, o consumo assumiu também um
sentido de intercâmbio social e de comunicação (MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002).
Nesse contexto, a posição social foi determinante do estilo de vida, mas independe da
condição de renda, uma vez que os nobres sobreviveram dos favores reais. Tais relações entre
status, estilo de vida e renda foram rompidas no decorrer da modernidade, diminuindo
gradativamente a força de grupos aristocratas de referência (BARBOSA, 2004; LIPOVETSKY,
2002). Esse período foi alvo de muitas outras mudanças paralelas e inter-relacionadas com a
nova postura do indivíduo consumidor, tais como a crescente ideologia individualista, a
valorização do amor romântico e os novos processos de consumo (BARBOSA, 2004;
LIPOVETSKY, 2002; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002).
A revolução explosiva de consumo no século XVIII, ainda conduzida pela natureza
viciosa hierárquica e competitiva inglesa, foi acentuada pela expansão ainda maior do mundo
dos bens e inclusão de novas oportunidades de compras advindas da ampliação dos mercados
(MCCRACKEN, 2003). Os bens de consumo deixaram de ser privilégio de alguns para se tornar
28
o anseio de todos, e o consumo ampliou-se como sistema de significação suprindo
necessidades principalmente simbólicas, tornando-se a forma pela qual a sociedade passou a
assimilar a cultura (D’ANGELO, 2003; 2004; DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006; MCCRACKEN,
2003; SLATER, 2002).
Dessa forma, novos padrões de consumo foram conduzidos por pessoas e essas pessoas
por eles, transformando o mundo dos bens num mundo social e os referenciais de princípios da
sociedade civil em cultura de consumo (MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002). Essas
modificações desembocaram no movimento da Revolução Industrial e compuseram a tessitura
do capitalismo, construindo o indivíduo contemporâneo “livre” e igual (BARBOSA, 2004).
Assim, a revolução ocorrida no consumo e nos mercados e a Revolução Industrial
atingiram o século XX e proclamaram uma ideologia de riqueza e de multiplicidade, que foi
ampliada pelo relacionamento com os meios de comunicação, pelo aprimoramento
tecnológico, pelas indústrias de informação e as maneiras de ser e ter do indivíduo [pós]moderno (BARBOSA, 2004; D’ANGELO, 2003; FEATHERSTONE, 1995; SLATER, 2002).
Porém, esse fenômeno de revolução que encontrou morada no consumo estava apenas
iniciando um processo de extrema complexidade. As mudanças em curso desde os anos 1950
e 1960, buscaram na lógica democrática da multiplicação, um consumidor que não só tem a
oportunidade de exercer a escolha, como também se dá ao prazer mais freqüentemente: esta
possibilidade de preferir é cada vez mais um instrumento de distinção individual, estética,
instrumento de sedução, de juventude, e de modernidade (LIPOVETSKY, 2002). Através da
conquista do poder de decidir livre e democrático do consumidor, os bens de consumo
assumiram uma das formas fundamentais de construção das identidades e dos processos de
significação na sociedade capitalista (BAUDRILLARD, 2007; DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006;
MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002). A nova estrutura social tornou-se importante mediante a
impregnação de signos e de mensagens tornando tudo cultural (FEATHERSTONE, 1995).
29
Tudo que se considerava modernidade como o rompimento com a tradição, o culto à
novidade e a reinvenção do sujeito em si mesmo, se transformou em experiências, emoções e
espetáculo da mercadoria (DEBORD, 1997; BAUDRILLARD, 2007; SLATER, 2002). O consumo
passou a ser considerado uma prática imaterial de manipulação de signos (BAUDRILLARD,
2007). Os sujeitos usaram os bens para o serviço de marcação, para ser, ter e permitir acesso a
informações (BARBOSA, 2004; DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006; HOSKINS, 2006; KEANE, 2006;
MILLER, 2005). Os artefatos expressaram, criaram e transformaram o ego dos sujeitos,
contribuindo para seus projetos de identidade (BORGESON, 2005; MILLER, 2006) na
possibilidade de meio poderoso de materialização do self (BELK, 2001; TILLEY, et al., 2006).
Neste sentido, os bens formaram uma categoria abstrata e abrangente intermediando a própria
compreensão humana (KEANE, 2006) através da ampla capacidade de agir sócio-culturalmente
mediada, de modo que a vida social das pessoas encontrou seu paralelo na vida social das
coisas (HOSKINS, 2006).
Diante de tais condições e possibilidades, na re-descoberta do consumismo da
sociedade [pós]moderna da década de 1980 os consumidores viraram “heróis”, sendo este um
papel compulsório por ser a única forma para interagir socialmente (SLATER, 2002). Libertos
das falsas certezas oferecidas pela modernidade como o descrédito das grandes narrativas6,
cada indivíduo comemorou o direito de criar o seu próprio sonho nas experiências cada vez
mais imateriais (SEMPRINI, 2006). Slater (2002) os define como sujeitos irracionais e
descentralizados que buscam estratégias de sobrevivência num mundo construído pelo
6
Para Lyotar (2006) o fim das narrativas históricas caracterizaria a pós-modernidade como ponto culminante de
um processo de crise da racionalidade. No projeto (assim denominado por ser expectativa de organização do
futuro) de modernidade a história, como progresso e a evolução, tenderiam a congelar categorias e universalizar
conceitos produzindo legitimação em torno de verdades absolutas. O autor afirma que a partir do sistema
capitalista se desconstrói as narrativas universalizantes e assegura-se a multiplicidade de discursos: há
racionalidades (já que a idéia de razão como unidade é negada), linguagens e, portanto, discursos. Deve
prevalecer, portanto, a pluralidade.
30
consumo, onde os artefatos carregados de significados culturais constituem o meio possível de
construção, manutenção e materialização da cultura, e de sua própria existência que se dá na
presença do outro (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006; HOSKINS, 2006; KEANE, 2006; LAYTON,
2006; MCCRACKEN, 2003; MILLER, 2005; OLSEN, 2006; SLATER, 2002; TILLEY et al., 2006).
2.1.2 A condição [pós-]moderna
Apesar de em todas as sociedades humanas os indivíduos consumirem para se
reproduzir física e socialmente utilizando a cultura material para fins simbólicos, o consumo
adquiriu “uma dimensão e um espaço que nos permite discutir através dele questões acerca da
natureza da realidade” (BARBOSA, 2004, p.14). Contudo, apenas a intensa atividade
acadêmica multi e interdisciplinar ocorrida nos últimos anos, permitiu reconhecer que a
cultura de consumo não é uma atividade recente, e que o consumo e suas práticas
essencialmente culturais são os elementos fundamentais para as reflexões sobre a condição
[pós-]moderna (BARBOSA, 2004; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002).
A discussão teórica sobre as questões que tratam a partir de quando o consumo
assumiu esta condição, discorreram na década de 1980, pautadas pelas novas leituras de
historiadores a respeito do argumento de que a revolução de consumo e de mercado foi
anterior à Revolução Industrial. Para esta vertente teórica, por tanto, as condições tecnológicas
não foram às responsáveis pelo consumismo que se estabeleceu nessa civilização (BARBOSA,
2004; FEATHERSTONE, 1995; SLATER, 2002).
Porém, as primeiras pesquisas sobre o assunto foram incitadas ainda no século XIX
(BARBOSA, 2004). Karl Marx teorizou que, sob a condição do sistema capitalista, os produtos
do trabalho tomam a forma de mercadoria. Como as mesmas não eram feitas para consumo
direto e sim produzidas para serem intercambiadas, adquiriam no mercado um valor de troca.
31
Esse fenômeno abordado por Marx parte da concepção que a base da sociedade humana está
no produto do trabalho. Considerando que toda mercadoria tem um valor, e ainda que a
formação socioeconômica capitalista emergiu das relações de produção, Marx afirma a
preponderância do valor de troca sob o valor de uso. (CALLINICOS, 2004).
Seguindo esse princípio, as teorias da mercadoria e da racionalização instrumental do
mundo deslocaram seu foco de atenção da produção para o consumo, a partir da conquista de
maturidade das características modeladoras da cultura de consumo e da produção
racionalmente organizada. Nessa vertente, o consumo considerado como conseqüência da
Revolução Industrial trouxe para as investigações uma visão economicista, que, utilizando a
lógica do capital, tornou possível argumentar que a acumulação resultou no triunfo da troca,
possibilitando desenvolver o cálculo instrumental racional de todos os aspectos da vida social
(BROWN, 1993; FEATHERSTONE, 1995; MELLO, 2006).
A partir do século XX a postura investigativa científica baseada no estruturalismo
buscou o entendimento da estrutura reinante através da linguagem, pesquisando algo que se
encontraria para além do que era possível observar (NETO, 2005; THIRY-CHERQUES, 2008). Foi
o contexto analítico da linguagem quem atribuiu para a cultura uma condição que privilegiou
sua função simbólica colaborando para o abandono do valor segundo a utilidade ou a tradição
dos objetos (DEL. MASSO, 2008). Dessa forma, a investigação da materialidade dos bens foi
ofuscada sob a importância conquistada pelo signo.
Durante as últimas décadas do século XX, questões teóricas sobre o relacionamento da
cultura com a sociedade surgem como condição periférica de vários campos acadêmicos
(FEATHERSTONE, 1995), bem como se firma o reconhecimento do uso da análise lingüística
como método para a avaliação da mudança social, conferindo a linguagem um papel central
nos fenômenos sociais (FAIRCLOUGH, 2001). Através das novas possibilidades de investigação
32
lingüística, impulsionou-se a busca de alternativas para problematizar teoricamente a relação
pessoa/objeto, buscando respostas para as questões sobre de que forma se dá essa relação.
Essa construção de idéias colocou em cheque a busca de esgotar os sentidos materiais
na formação da cultura e da sociedade (TILLEY, et al., 2006): baseados no consenso sobre
signos culturalmente construídos e passíveis de modificações no tempo, essa visão rompe
radicalmente com a idéia estruturalista de que a cultura impõe a visão sobre seus membros
individuais (LAYTON, 2006), fundamentada na idéia de que a forma que a mente impõe aos
conteúdos é a mesma para todos os seres humanos (THIRY-CHERQUES, 2008).
2.1.3 A cultura material (reconsiderada?)
A crescente valorização do signo é um fenômeno da condição [pós-]moderna das
sociedades de consumo (BAUDRILLARD, 2007; FEATHERSTONE, 1995; MCCRACKEN, 2003;
SEMPRINI, 2006; SLATER, 2002). Para construção de seus projetos de vida, essas sociedades
reservam um amplo espaço para os significados em experiências cotidianas, num contexto
complexo e fragmentado (SEMPRINI, 2006), cuja negligência das reflexões sobre as práticas
culturais e as dimensões materiais do produto no decorrer deste período, nos parece
representar um problema.
Na busca de entender como os artefatos tornaram-se imateriais, descrevemos que a
estrutura social e o consumo estiveram tão intrinsecamente ligados na modernidade que
formaram um único processo de mudança (FEATHERSTONE, 1995; MCCRACKEN, 2003;
SLATER, 2002). Nela os artefatos foram utilizados como instrumentos, hiper-valorizados em
sua função simbólica em detrimento da condição física numa transcendência alcançada pela
intencionalidade e artífice humanas (BORGESON, 2005).
33
Contudo, as formas materiais constituem a realização das idéias. Os diferentes tipos de
artefatos distribuídos através do espaço e do tempo refletem diferentes grupos de pessoas,
difundem e concretizam idéias. É através do fazer, usar, trocar, consumir, interagindo e
vivendo com as coisas que as pessoas se constroem socialmente e, sem elas nem podíamos ser
nós mesmos nem saberíamos quem somos (TILLEY, 2006). Dessa forma, entendemos que os
signos sempre se materializam de alguma forma para asseverar o sujeito socialmente na
relação de alteridade. A cultura material reproduz, altera e legitima valores, idéias e distinções
sociais, através de uma relação dialética em que sujeitos e objetos fazem parte um do outro
(MILLER, 2006; TILLEY, 2006).
Os estudos da cultura material buscam o aprofundamento do conhecimento das relações
humanas com os artefatos. Preocupam-se, por tanto, em saber como as pessoas se relacionam
com os mesmos e como estes transformam as pessoas (BORGESON, 2005; HOSKINS, 2006;
KEANE, 2006; LAYTON, 2006; MILLER, 2005; OLSEN, 2006; TILLEY et al., 2006). Esses estudos
sofreram muitas transformações formando no contemporâneo um difuso e relativamente
confuso campo interdisciplinar7. É um campo de investigação transcendente e dinâmico que
por redefinir a si mesmo e aos seus objetos de estudo, encontra-se inserido num campo
metodológico pós-estruturalista (TILLEY, et al., 2006), que situa nossa abordagem
foucaultiana8 para área do marketing.
Considerando que o processo de significação é sempre material, entendemos que a
materialidade está associada aos fatos, são provas reais dos valores e das idéias (OLSEN, 2006;
7
Segundo Neto, (2005) o estruturalismo não representa uma única escola e seu escopo encontra-se relacionado à
diversos campos de conhecimento, procedimentos e objetos de investigação, não existindo uma concordância de
pensamento frente ao movimento, entre os autores que se classificam como estruturalistas. Contudo, apesar de
identificar várias perspectivas para o estruturalismo, Neto afirma que as mesmas não são necessariamente
excludentes.
8
Existem na academia brasileira alguns estudos na área do marketing que se embasam em métodos
estruturalistas, a exemplo dos trabalhos produzidos por Neto (2005) e Thiry-Cherques (2008). Da mesma forma,
o uso da perspectiva foucaultiana na analise das organizações não é incomum: Silveira (2005) realizou um
inventário nos principais periódicos internacionais entre 1980 e 2001, e nele problematizou tal utilização e
indicou possíveis caminhos para área.
34
TILLEY, et al., 2006). Os artefatos são os meios propícios através dos quais se atingem
objetivos, uma vez que os mesmos constituem o próprio sistema e não apenas as mensagens.
A sensação, ou o desfrute do consumo físico, é uma parte importante do serviço prestado
pelas mercadorias (LEÃO; MELLO, 2004). A prática do consumo promove o significado do
signo em seu meio através da interação. Permite oferecer ao consumidor a prova de que a
experiência é viável, ou seja, sua presença é necessária durante os rituais de consumo para por
em circulação seus próprios juízos de escolha sobre a adequação das coisas consumidas e
utilizadas (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006).
Desde que a revolução de consumo e seus novos consumidores se instalaram como
característica de estrutura social permanente no século XIX, a história foi refúgio da
simplicidade para a complexidade e do familiar para o estranho (OLSEN, 2006). Porém, com
as novas possibilidades de investigação na lingüística em que a linguagem é uma construção
da prática e os discursos significam na interação e na experiência, entendemos que o
conhecimento em si é também um artefato da língua arbitrário de um idioma (FAIRCLOUGH,
2001; FOUCAULT, 2007; LAYTON, 2006). Assim, na prática social os significados estão sempre
abertos para negociação (BORGERSON, 2005; HOSKINS, 2006; MILLER, 2005; OLSEN, 2006;
TILLEY et al., 2006).
Contudo, as provas de habilidades cognitivas estruturalistas apropriaram seu significado
sem considerar a influência modeladora e sistemática do contexto cultural nativo
(FAIRCLOUGH, 2001;
LAYTON,
2006). Os recursos investigativos de linguagem e a
possibilidade do significado totalitário que vinha funcionado bem para avaliar esse recurso
material tornam-se problemáticos na medida do reconhecimento de [re-]significação dos
artefatos, da sua condição ambígua e controvertida, capaz de transcender os indivíduos e suas
aspirações, adquirindo sentido de forma pragmática (BORGERSON, 2005; HOSKINS, 2006;
MILLER, 2005; OLSEN, 2006; TILLEY, et al., 2006).
35
A abordagem dos estudos da cultura material está centrada na idéia de que a
materialidade integra a dimensão cultural e que existem momentos da existência social que
não podem ser inteiramente compreendidas sem o auxílio desta perspectiva (TILLEY, et al.,
2006). Apesar dos estudos da cultura material ter tido início no século XIX com fins de
recolha e classificação de artefatos nas investigações antropológicas, no século XX saiu da
condição de ferramenta utilitarista de identificação de status social e diferença étnica (DENIS,
1998; TILLEY, et al., 2006) para posição estruturalista, requisitada como centro das
investigações antropológicas a partir da década de 1960 (NETO, 2005; THIRY-CHERQUES,
2008). Contudo, a linguagem estruturalista semântica esteve ainda tangenciada pelo
paradigma funcionalista, o que contribuiu para uma crescente divergência entre os estudos
etnográficos, o principal princípio metodológico antropológico, e as abordagens arqueológicas
da cultura material. No entanto, esse trajeto conduziu a aparição da nova concepção na década
de 1980 que reintegrou as disciplinas a partir do desenvolvimento do estudo de símbolos
estruturalistas, estrutural-marxistas e arqueológicos, dando origem ao vasto campo dessa
disciplina no contemporâneo (LAYTON, 2006; TILLEY, et al., 2006).
As perspectivas teóricas foram desenvolvidas na busca de respostas às carências
percebidas nas teorias vigentes para explicar o campo das Ciências Sociais. Apesar de se
constituir uma combinação das tradições de pensamento – marxista, estruturalista/semiótica e
interpretativo/fenomenológico, buscam evitar as armadilhas do reducionismo econômico de
algumas versões marxistas, os invariantes da mente humana estruturalistas, e as considerações
de poder e dominação do pensamento fenomenológico (TILLEY, et al., 2006).
O pós-estruturalismo, por tanto, está situado no interior de um conjunto específico de
conhecimentos. Possui uma estreita relação com o estruturalismo partilhando das suas
concepções básicas, embora se oponha quando considera que o significado é produto da
diferença entre entidades em vez de qualidades dessas. Considera a língua e os textos como
36
modelo para qualquer sistema de significação, não considerando que há materialidade fora da
lingüística, e mantendo distância da ontologia cartesiana (OLSEN, 2006; THIRY-CHERQUES,
2008).
A cultura material na perspectiva pós-estruturalista, sendo uma dimensão da
lingüística, é entendida como uma forma de texto que pode ser lido e decodificado. Aliás, a
mais importante influência pós-estruturalista pode ser rotulada de “textualização” e
caracteriza os novos modos de ler e analisar os textos. O conceito de “textualização” inclui
um pensamento sobre como as coisas se transformam em discurso escrito, está associado a
uma epistemologia de leitura que desafiou as instalações interpretativas existentes, sendo
marcada pelo sacrifício do autor e da estrutura (FOUCAULT, 2007; OLSEN, 2006).
Considerando que o leitor é o produtor de sentidos, a epistemologia de leitura envolve
uma ruptura ontológica uma vez que o texto não pode ser separado do contexto, ou seja, não
existe possibilidade de vida fora do inter-texto (FAIRCLOUGH, 2001; FOUCAULT, 2007; THIRYCHERQUES, 2008), assim como não existe significado fora do jogo da diferença, da alteridade.
Dessa forma, os bens na condição de objetos culturais precisam ser considerados em seu
contexto, na “teia de significados da qual faz parte” (CAVEDON, et al., 2007, p..350;
FAIRCLOUGH, 2001; FOUCAULT, 2007; OLSEN, 2006). Considerar os significados através da
diferença é a grande condição pós-estruturalista, em que nega a possibilidade de um único
sinal está presente em si mesmo e se referindo apenas a si mesmo. Essa abordagem enfatiza
como as coisas significam buscando uma leitura de tradução e negociação não de recuperação
dos sentidos, uma vez que a interpretação é uma tarefa interminável (FAIRCLOUGH, 2001;
FOUCAULT, 2007; OLSEN, 2006; MILLER, 2005).
Na medida em que entendemos a materialidade e seus benefícios como dimensão
material da cultura humana, consideramos que é fundamental considerá-la nas investigações.
A materialidade dos artefatos constitui um recurso importante para o entendimento da co-
37
criação dos sujeitos e seus artefatos (BORGESON, 2005; MILLER, 2005; OLSEN, 2006). Dessa
forma, o contexto de linguagem que inicialmente propiciou o privilégio da função simbólica,
nos impulsiona na análise pós-estruturalista a reconsiderar a importância da materialidade
para os sujeitos na prática de consumo. Reconhecemos que as práticas de alteridade e
ambigüidade ao mesmo tempo em que desordena e causa anseio num mundo obcecado por
sinais materiais (OLSEN, 2006), podem fazer a diferença para a compreensão da civilização
ocidental [pós]moderna.
Essa abordagem nos permitiu considerar a importância da cultura material como fator
de objetificação das práticas sociais [pós-]modernas, bem como identificar uma possibilidade
investigativa. É possível contextualizar a marca sígnica neste cenário quando consideramos a
sua condição de artefato da cultura material, condição sob a qual se constitui representante
expressiva dos fenômenos da cultura de consumo contemporânea, tendo se transformado no
próprio objeto de troca, fato que discutiremos na terceira seção desse trabalho. Entretanto,
quando tratamos da marca global é preciso entender que a mesma se alimenta da comunicação
tornando-se propositora de um projeto de sentidos pautado numa comunicação universalista,
que é produto da cultura de massas. Esse fato representa um papel de suma importância para
os sujeitos e também para economia da condição pós-moderna da cultura de consumo (KLEIN,
2008; PEREZ, 2004; PETTIT, 2003; SEMPRINI, 2006).
2.2 A cultura como meio possível
Propomo-nos a compreender a sociedade de consumo ocidental contemporânea
através dos discursos da marca global. Para tanto, abordamos que no sistema capitalista
contemporâneo através da impregnação de signos e mensagens, a cultura adquiriu novos
38
significados que englobam a vida social, re-criam e comemoram formas imateriais de
consumo ao mesmo tempo em que produzem uma cultura material. Porém, a lógica de
consumo de um produto transnacional, como também a exploração econômica e a
dependência cultural advindas das relações que se estabelecem entre colônia e metrópole,
requerem para sua compreensão que primeiro tratemos de cultura de uma forma mais ampla,
para então estabelecer diferenças entre a cultura popular e a cultura de massas. Esse confronto
proporciona a exploração de questões que envolvem formas de poder através do
estabelecimento de uma relação de dominação e mediação, que suscitam de entendimento
para compreensão da condição ocidental de sociedade. Esses temas serão tratados ao longo
desta seção.
2.2.1 Definindo cultura
Buscamos, então, uma definição para cultura: diz-se que todo acervo de conhecimentos
que adquirimos de forma espontânea, na prática da vivencia do homem são agentes da cultura.
A cultura manifesta-se e é transmitida pelos depoimentos dos que a apreenderam no
cotidiano, ou seja, “(...) a cultura é originada e transmitida como forma de conhecimento”
(DEL. MASSO, 2008, p.3). Afirma-se ainda que a cultura desconheça noções de progresso ou
poder e possui seus próprios caminhos para exercitar a liberdade de interpretação da vida e do
mundo. (ANDRADE; SOARES; HUCK, 1999). Para os autores, a cultura nativa se apropria das
determinações de formas de uso do legado hegemônico, o que faz com que este nunca seja
recebido com passividade, sem mediação, nas culturas dominadas.
A possibilidade de intercâmbio é viabilizada na medida em que os valores da cultura
hegemônica, como os valores de qualquer cultura, são primeiramente os valores da própria
39
vida humana, e não os valores de uma forma de vida em particular. Precisam, além de um
local para prosperar, também de um cenário histórico para sua realização, mas toda cultura
“(...) só é cultura porque ultrapassa em direção ao universal” (EAGLETON, 2005, p.82). A
cultura institui sempre um vínculo entre a humanidade e uma civilização específica, e, por ser
um produto daquela têm o espírito universal.
Por essa razão, os discursos de produtos globais são difundidos por uma cultura de
universalização, que carrega em si fragmentos regionais, nacionais ou étnicos, mas sempre
possui um tronco comum de caráter antropológico que apela para um homem imaginário
universal (MORIN, 2007).
Porém a relação entre os valores globais e locais é passível de conflito, pois local e
global estão ligados através de limites dicotômicos. Para Eagleton (2005) os choques entre
Cultura e cultura representam um conflito global, mas que faz parte do feitio que assumiu a
política mundial contemporânea. A grande mudança desse milênio é que se observa a
consolidação da sociedade global, cujos processos transcendem os grupos, as classes sociais e
as nações (ORTIZ, 2007).
2.2.2 A cultura popular e o sistema
Para fazer um exame das culturas populares contemporâneas é preciso primeiro se
livrar da pretensão de autonomia absoluta no sentido de atribuir às mesmas um sentimento de
pureza ou de auto-suficiência em relação às indústrias culturais (CANCLINI, 1998). Por outro
lado, Canclini não acredita que a autonomia dos campos culturais se dissolva nas práticas
capitalistas, mas afirma que atualmente se subordina a elas com laços inéditos.
Apesar da cultura popular geralmente ser tratada por duas perspectivas
metodologicamente contraditórias: uma enfatiza a autonomia desta e a outra que insiste em
40
sua dependência da cultura dominante (CHARTIER, 1995), quando se trata da forma que
adquiriu a cultura global, percebemos que é necessário admitir que novos formas de
dominação precisam ser compreendidas (ORTIZ, 2008). Apesar dos costumes serem
transmitidos de uma geração para outra, e a cultura hegemônica só penetrar e se estabelecer
através do jogo de mediações (BRITTOS, 1999), a única saída para quem resiste deverá ser
pactuar para sobreviver (ADORNO, 2002).
Assim, para investigar a cultura popular torna-se necessário situar sempre no espaço
de enfrentamento dois conjuntos de dispositivos: enquanto de um lado está presente o
mecanismo da dominação simbólica (representações e modos de consumo globais) que tentam
se impor sobre uma cultura que inferioriza, por outro lado estão também presentes as lógicas
de uso e modos de apropriação do que é imposto. Pois, é preciso considerar que as formas
populares da cultura se estabelecem nas práticas do cotidiano, o que não se manifesta através
dos produtos em si, mas sim nos modos de usar os produtos (ADORNO, 2002; CHARTIER,
1995).
A cultura de massas provém dos temas que tomaram forma nos Estados Unidos e
foram divulgados pelos meios de comunicação (ADORNO, 2002; MORIN, 2007). Esses modelos
impuseram-se mundialmente apesar dos conservadorismos e das diferenças econômicas das
diversas culturas com a extraordinária força que lhe é peculiar. Desse modo, a cultura de
massas “é cosmopolita por vocação e planetária por extensão” (MORIN, 2007, P. 16).
Porém, a hegemonia depende de abrigar em seu cerne as manifestações culturais
populares, tradicionais e locais, uma vez que para se realizar, a comunicação precisa que haja
mediadores entre o pólo comunicador e o receptor (MORIN, 2007). Jameson (2004) avalia que
um conteúdo social e histórico genuíno deve ser primeiro introduzido e, ganhando alguma
expressão inicial, pode então ser objeto de bem-sucedida manipulação e contenção. É que
toda obra produzida hoje “(...) contém como impulso subjacente (...) nosso imaginário mais
41
profundo sobre a natureza da vida social, tanto no modo como a vivemos agora, como
naquele que - sentimos em nosso íntimo - deveria ser” (JAMESON, 2004, p.25). A cultura de
massas é assim difundida pela universalização e dela se alimenta de forma sistêmica. Ela
recebe e devolve provocando o sistema de mundialização, o desenvolvimento técnico e
econômico (ADORNO, 2002).
A cultura cosmopolita de massas busca a universalização de um homem moderno,
cujas práticas e valores estão ligados à mercadologia da indústria cultural (ADORNO, 2002).
Para o autor a prática da indústria cultural realiza um trabalho ideológico capaz de
desenvolver um estado de falsa consciência na medida em que a indústria cultural está técnica
e economicamente fundida à propaganda. Por essa razão, o desenvolvimento da cultura de
massas está diretamente relacionado ao surgimento e aperfeiçoamento dos aparatos
tecnológicos de comunicação que, por sua vez, desenvolvem uma falsa identidade do
universal e do particular demonstrando que são apenas os negócios que constituem a ideologia
dominante (DEL. MASSO, 2008).
Assim, além das questões de mediação e de hegemonia, outro deslocamento conceitual
é necessário à compreensão do espaço da recepção da cultura de massas: situa-se na
concepção de poder (ADORNO, 2002; BRITTOS, 1999; CASTELLS, 2008; DEL. MASSO, 2008;
1999; JAMESON, 2004; ORTIZ, 2008). O poder desloca-se para uma ação de mediação nas
zonas de tensão da dominação, uma vez que um poder impassível não se mantém. Para ganhar
expressividade, o poder assume uma linguagem persuasiva e busca a compreensão e
assimilação de suas mensagens utilizando mediadores pertencentes à cultura local, ou ainda
apoiando-se na diversão, gerando um sentimento de identificação e conquistando a
coordenação da interação (ADORNO, 2002; DEBORD, 1997; HALL, 2006; ORTIZ, 2007).
Nesse sentido, é preciso considerar que ao mesmo tempo em que a cultura de massas é
produzida para massa no sentido de controlá-la, a cultura popular se fortifica em sua
42
resistência num movimento sistêmico (CASTELLS, 2008). Para Castells o universalismo da
globalização promove o ressurgimento dos nacionalismos que se constroem a partir das ações
e reações sociais. O nacionalismo contemporâneo para o autor tende a ser mais cultural que
político, pois é baseado em memórias, história e destinos comuns. O nacionalismo cultural
busca regenerar a comunidade nacional por meio de criação, preservação ou fortalecimento da
identidade cultural de um povo que se sente ameaçado.
Contudo, a referência estrangeira torna-se parte da vida cotidiana, no momento que
pertence ao que Ortiz denomina de tradição da modernidade-mundo. Nesse sentido, é preciso
entender que além do universo simbólico específico das formas de civilização que co-existem
na atualidade ser fruto da integração dos processos de mundialização e de globalização, a
cultura global é um movimento que segue dois caminhos: desterritorializa tornando abstrato o
espaço (categoria social por excelência), e preenche o vazio de existência deixado por ele com
objetos globais, fabricando-o reconhecido e familiar, ou seja, parte da tradição (ORTIZ, 2008).
Foi o uso dessa estratégia e o apóio da distribuição de objetos idênticos, que permitiu à
cultura se mundializar, impregnando os espaços desterritorializados e enchendo-os de
familiaridade. Isso é possível porque “A mundialização não se sustenta apenas no avanço
tecnológico. Há um universo habitado por objetos compartilhados em grande escala. São eles
quem constituem nossa paisagem, mobiliando nosso meio ambiente” (ORTIZ, 2008, p.107),
formando a cultura material que nos representa.
2.2.3 Cultura brasileira: um discurso que nasceu moderno
Quando tratamos do contexto brasileiro, o moderno, como prática e como valor,
articula-se com uma vontade de construção da própria nação. Esse fato implica pensar os
projetos de construção simbólica da identidade nacional e de modernização como um único
43
projeto (ORTIZ, 1995). Vivemos a ilusão que o moderno é novo e tradição faz parte do
passado longínquo, tornando difícil entender que as mudanças que ocorreram são irreversíveis
e as novas gerações são educadas no interior da modernidade. Nesse sentido, até o que se
considera como tradição pode ser um produto recente. A tradição enquanto norma, diferente
do hábito da fala que referencia ao que já passou, é também temperada pela imagem do
movimento e da rapidez, tornando também tradicional um conjunto de instituições e valores
que, mesmo produto de história recente, impõe-se a nós como um modo de ser, ou seja, uma
tradição inventada (HALL, 2006; ORTIZ, 1995).
Quando o foco é o papel da coletividade recifense como integrante de um sistema
comunicacional global, é preciso considerar que o lócus Recife é o território onde se
desecandeiam as oposições e onde, cada vez mais, o espaço-tempo tecnológico substitui os
rituais das procissões e a própria arquitetura urbana (PRYSTHON, 2002), deixando suas marcas
Contudo, o embate também torna-se uma excelente oportunidade para a retomada dos valores
locais, que segundo a autora se revelam através da música popular, teatro, cinema, artes
plásticas, ou seja, em todas as esferas do cenário cultural, principalmente fortemente
permeadas por uma relação com a juventude.
As questões da modernidade-mundo traduzem-se numa autoridade que legitima as
maneiras de viver existentes no espírito moderno de consumo, em que é preciso pertencer à
cultura global para ser moderno (ORTIZ, 1995). Nesse sentido, a consolidação em andamento
de uma sociedade moderna no Brasil, reorienta toda a cultura brasileira na medida em que ela
passa a fazer parte do mercado e ajusta-se aos padrões internacionais. Não é possível ignorar
que em toda América Latina, por tanto para além da formação da nação brasileira, existe uma
longa história de construção de uma cultura hibrida, em que a modernidade significa
pluralidade, numa mescla de relações entre hegemônicos e dominados, tradicional e moderno,
culto, popular e massivo (CANCLINI, 1998).
44
É dessa forma que, não só a coletividade recifense, nem só a nação brasileira, mas
todas as nações e as nacionalidades persistem coexistindo com as tradições locais e os
discursos globalizantes, onde “Uma cultura mundializada não implica no aniquilamento de
outras manifestações culturais, ela coabita e se alimenta delas “(ORTIZ, 2007, P.27), gerando
novos produtos.
A sensação de familiaridade que nos invade no relacionamento com uma marca
transnacional, alude-se à absorção das referências culturais mundializadas exercida pela
publicidade e indústria cultural que “implica em continuidade com um passado histórico
adequado”, transformando os não-lugares em lugares de memória presentes desde nossa
infância (HALL, 2006, p. 54; ORTIZ, 2007). Esse sistema de valores tem a função de integração
grupal e de controle social, utilizando para isso de uma referência forjada de outras
referências culturais que faz o global superar o nacional, tornando o todo determinante das
partes, utilizando uma familiaridade criada pela repetição que “volatiza o objeto original”
(JAMESON, 2004, p.11).
2.2.4 A cultura global desenraiza, para apoderar
O acontecimento de uma mega-sociedade modificou as bases das relações políticas,
econômicas e culturais entre as partes que a constituem, tornando os cidadãos e os produtos
de consumo mundializados. Nessa mudança, a própria formação da nação e da modernidade
foram apenas etapas do grande processo de desenraizamento e desterritorialização, em que
uma nova realidade baseada nas noções de sociedade global e de mundialização cultural
começou a superar os espaços hegemônicos de coesão social (ORTIZ, 2007).
O processo de mundialização conquista a redefinição das noções anteriores de espaço
e o processo de globalização bem longe de ser sinônimo de homogeneização, se acomoda com
45
bases nas diferenças (ORTIZ, 2007). Contudo, a lógica de produto desterritorializado
pressupõe traçar uma estratégia comercial específica para o mercado globalizado em que o
“não-lugar” é articulado acima de toda ordem de fronteiras e particularidades.
Porém, enquanto a ideologia da mundialização opera no mercado global dos bens e
serviços no sentido de promover a descentralização de decisões e a pretensa liberdade de
escolha do indivíduo-consumidor, na dimensão econômica observa-se uma concentração
ainda maior da riqueza, política que beneficia o poder dos oligopólios transnacionais
(ADORNO, 2002). Assim, o processo de globalização implica na perda de todo sentido de
centralidade, do externo e do interno, mas permanece apoiada em um discurso constituído de
poder, que aparecem sob novas formas de dominação (ADORNO, 2002; BRITTOS, 1999;
CASTELLS, 2008; DEL. MASSO, 2008; 1999; JAMESON, 2004; ORTIZ, 2008). Visto desse modo,
a relação estabelecida entre colônia e metrópole gera uma exploração econômica e uma
dependência cultural.
No momento em que a consciência desenraiza as formas culturais em relação ao solo e
desvincula da tradição, permite ao megaconjunto possuir o domínio de todas as formas,
oferecendo possibilidades estéticas de relações quase infinitas para formar o composto
desterritorializado. Isso implica que os processos de globalização e mundialização rompem o
vínculo entre a memória nacional e os objetos e cria uma memória internacional-popular, que
forja no interior da sociedade de consumo as referências culturais globalizadas (ADORNO,
2002; ORTIZ, 2008). São os traços da modernidade-mundo que fazem com que o individuo ao
ser cruzado com objetos da modernidade se sinta em casa mesmo deslocado do espaço nativo,
pois “as lembranças transformam os não-lugares em lugares” (ORTIZ, 2008, p.127).
É desse modo que a memória traz o prazer do reconhecimento, pois é formada através
da educação imagética de situações projetadas através do sistema de comunicação facilitado
pela tecnologia. É desse modo também que a indústria cultural pôs fim às originalidades e
46
moldou da mesma forma o todo e as partes “o universal pode constituir o particular e viceversa” (ADORNO, 2002. p.21). Para Adorno esse sistema elimina a tensão entre os pólos na
medida em que reifica a necessidade antes do conflito e das hierarquias permitindo às novas
necessidades só acrescentarem autoridade ao que já foi transmitido. Ainda, basta sua
diferença ser registrada pela indústria cultural para fazer parte desta, onde são organizadas
para que o consumidor a elas se prenda.
Porém, a memória forjada para criação de uma falsa tradição pelo poder dominante
facilita sua estratégia utilizando a mediação pela diversão. Segundo Adorno (2002) é preciso
refletir sobre essa cultura em que é Pato Donald quem ensina como os infelizes devem ser e
sempre foram espancados. Para o autor a diversão sendo oferecida como um prolongamento
da lógica do trabalho faz a mecanização e sua produção de divertimento adquirir poder sobre
o homem, seu tempo de lazer e até a sua felicidade. O prazer finda por congelar-se no enfado,
pois segue o mesmo caminho rotineiro trilhado pelo processo de trabalho, e a indústria
cultural priva os consumidores do que lhes promete e o espetáculo se reduz a ela própria.
Na cultura de massas a liberdade de escolha do consumidor está sempre sob controle.
Baseia-se em modelos ofertados pela indústria cultural que determina o consumo e afasta
como um risco inútil o que não foi experimentado. Isso é uma condição na medida em que: “o
falso senso de liberdade que as pessoas possuem auxilia a manipulação” (DEL. MASSO, 2008.
p.17) e promovem o sistema. Nele, a diferença entre as séries de produtos é quase sempre
ilusória: qualidades e desvantagens servem para manifestar uma concorrência aparente e
possibilidades de escolha.
Assim, além de refletir a pressão econômica, os triunfos da propaganda promovem “a
mimese compulsória dos consumidores às mercadorias culturais cujo sentido ao mesmo
tempo decifram” (ADORNO, 2002, p.74). Com a liberdade de escolha restrita ao que foi
determinado a priori, a liberdade é poder escolher morrer de fome: “Quem não se adapta é
47
massacrado pela impotência econômica que se prolonga na impotência espiritual do isolado”
(ADORNO, 2002, p. 26). Como a mesmice também é quem regula a relação com o passado,
máquina gira em função do próprio eixo. A racionalidade técnica é a racionalidade da própria
dominação e torna-se repressiva na sociedade que se auto-aliena.
O sistema mantém-se assim, através do círculo de manipulações e das necessidades
derivadas, utiliza clichês de necessidades de consumidores para conquistar a aceitação sem
oposição (ADORNO, 2002). Para o autor, onde a técnica adquire tamanho poder sobre a
sociedade, encarna sempre o poder dos economicamente mais fortes, revelando a violência da
sociedade industrial sobre os homens.
Através de uma [des]ordem espacial global promovida pelo sistema capitalista, as
relações entre o poder e a resistência se instalaram, impondo um modelo econômico
dominante, trazendo conseqüências para compreensão das questões culturais, do
conhecimento, da natureza e da economia. Nesse contexto, entendemos que a globalização
desterritorializa para dominar, mas que também contribuiu para a produção de uma alteração
substancial nas práticas espaciais promovendo uma reconfiguração epistemológica na própria
forma de entender as Ciências Sociais (BRINGEL, 2007).
2.2.5 Nova experiência territorial?
O aparecimento da sociedade global mundializada provocou o desenraizamento das
culturas e a desterritorialização das nações, reduzindo a importância da construção cultural
nativa, gerando locações para novos tipos de atividades políticas que reafirmam as prioridades
da vida cotidiana (BRINGEL, 2007). Segundo Bringel, a dimensão espacial é imprescindível
para a ação dos movimentos sociais, pois são modalidades para configurar o mundo em que
48
vivemos. Essa dimensão sempre possibilitou primordialmente identificar e categorizar as
diversas culturas investigadas por estudiosos.
Para compreender essa nova condição contemporânea precisamos primeiro diferenciar
espaço de território. O espaço, apesar de ser uma noção do que é real como realidade é
inalcançável. Diferentemente, a noção de território torna-se mais acessível por ser em si
mesmo uma representação, ou seja, refere-se a uma apropriação política do espaço, que
engloba uma administração (delimitação, classificação, habitação, uso, distribuição, defesa),
mas também uma identificação. Nesse sentido podemos tratar o território como a dimensão
material da cultura, que na condição de um espaço apropriado, pressupõe um controle
indissociável das categorias de domínio e poder, mas também a existência de um sujeito de
apropriação. Assim como não existe território sem sujeito, indissociavelmente não existe
território sem continuidade, contigüidade, descontinuidade e alteridade, ou seja, sem o outro,
ou melhor, sem o nós (SEGATO, 2005).
Entendemos por sujeito do território quando falamos de categoria-mundo, a nação.
Para Hall (2006) a nação é uma comunidade simbólica, ou comunidade imaginada, que tem o
poder de gerar o sentimento de identidade e de lealdade, e é composta de instituições
culturais, de símbolos e de representações, ou seja, constitui-se um discurso. Assim, o
território é uma representação que nos representa, ou seja, é um instrumento significante
militante de identidade possível através da cultura. Por tanto: “O território sempre existe
marcado pelos emblemas identificadores de sua ocupação por um grupo particular, inscrito
pela identidade desse grupo que o considera próprio e o transita livremente” (SEGATO, 2005,
P.4).
O território é assim um espaço recoberto com marcas da cultura, administrado através
de normas que estabelecem os lugares de rituais e cerimônias. O território dá suporte à
circulação dos referentes discursivos de uma nação e à suas relações de poder, o que não se dá
49
necessariamente, através da língua comum, nem uma religião comum, e nem sequer de uma
lei comum. O que dá realidade e unidade a uma nação é um território de referências
compartilhadas (BRINGEL, 2007; HALL, 2006; SEGATO, 2005). Assim, no momento que o
território materializa uma construção de idéias e delimita a construção simbólica da cultura
estabelecida na relação dialética entre sujeitos e objetos, o território é cultura material de
representação do que seja nação.
A territorialidade é, então, uma experiência particular, histórica e culturalmente
definida de território. O território geograficamente delimitado perdeu o sentido de existência
enquanto fenômeno da mundialização, mas a realidade político–espacial se re-configurou no
interior do processo de desenraizamento e desterritorialização contemporâneo (ORTIZ, 2006).
Hall (2006, p. 48) chama atenção para o fato das culturas nacionais tomarem formas
modernas de existência, uma vez que na mundialização as identidades nacionais “são
formadas e transformadas no interior das representações”. Dessa forma, o autor questiona de
que forma as identidades nacionais estão sendo impactadas e deslocadas no processo de
globalização. Segato (2005) supõe que as pessoas carregam seu território nas próprias costas,
e os grupos comportam-se como pátrias na nova política espacial, tornando desnecessário um
território âncora. Nessa realidade existe uma produção de território e maneiras de apropriação
territorial: “A identidade não é gerada porque se compartilha um território comum, mas é a
identidade que gera, instaura o território” (SEGATO, 2005, p.14).
Entendendo que as pessoas partilham suas vivencias de forma comunitária, e através
delas constroem seus processos identitários, supomos que podemos entender que “as próprias
costas” não se define unitariamente. Por outro lado, considerando que no processo de
consumo das sociedades contemporâneas as marcas se estabeleceram como condição
estratégica de comunicação para sujeitos no mundo social culturalmente constituído e
globalizado, elas ocupam um papel fundamental para definir suas identidades, pois abrem o
50
espaço adequado para justificarem um papel social (SEMPRINI, 2006). As marcas
transnacionais se estabelecerem desse modo como um valor em culturas locais. Apesar de se
constituir um legado estrangeiro, o mesmo é aceito, reificado e desejado no interior das
práticas cotidianas nativas.
Estabelecendo uma relação com os comentários de Ortiz (2007) a respeito do histórico
de aculturação da língua inglesa, percebemos que marcas contemporâneas globais também
diluem as barreiras das nacionalidades, fato que aparentemente não se estabelece
conflituosamente, como algo que se impõe de fora para dentro da cultura e, de forma
supostamente “tranqüila”, torna-se um artefato familiar. Mas, da mesma forma da língua, este
artefato é sempre legitimamente "deformado" pelos usuários.
Como a escolha de uma marca é uma representação de signos compartilhados
socialmente, propomos transferir a noção do que seja território-nação para território-marca:
ambos constituindo um espaço recoberto com sinais da cultura, baseados na afirmativa de
Ortiz (2007) de que a delimitação do objeto para o fenômeno da globalização é uma questão
de escala e, ainda, de que toda nação constitui um discurso que precisa se materializar para de
alguma forma asseverar o sujeito socialmente, assumindo a forma de cultura material
(TILLEY, 2006). Propomos, assim, uma relação comparativa entre os discursos de marca com
os princípios do que seja o discurso cultural nacional. Nesse sentido, precisamos reiterar
primeiramente que em ambos existe uma liga política que unifica as divergências de um
mundo dividido em outros mundos (EAGLETON, 2005; ORTIZ, 2007) e que a cultura nacional e
de marca representam um discurso prioritariamente de educação (HALL, 2006).
Partimos, pois, da visão de Hall (2006) do que seja cultura nacional, apenas inserindo
a palavra marca: a marca é representante de uma comunidade simbólica ou comunidade
imaginada que tem o poder de gerar o sentimento de identidade através de seus discursos de
educação; é composta de instituições culturais, de símbolos e de representações. Ou seja, é um
51
discurso que busca contar histórias e gerar memórias através das narrativas midiáticas que
proporciona e permite experiências partilhadas numa relação sistêmica, para construir as
imagens que dão vida a comunidade imaginada. Nesse sentido, a marca-território traz também
em sua narrativa a noção de tradição (inventada) e de intemporalidade, comporta o mito
fundacional, e busca identificação com sua comunidade mundializada.
Com o advento do processo de mundialização e considerando que o território é
cultura material da nação, a marca transnacional está nos propondo ser o território, o chão
cultural da desterritorialização? A marca busca sediar o assentamento dos laços culturais que
cultiva e de que se alimenta orientada para um consumidor mundializado que não pode mais
ser segmentado por raça, idade, sexo, nem nação, apenas pela vontade de pertencer?
2.3 Marcas: relação incorpórea, representação material
Propomo-nos nessa etapa a apresentar como a marca conquistou seu posto de
mercadoria na sociedade capitalista tanto para os sujeitos como para o campo de pesquisas em
marketing. As marcas trilharam um percurso sígnico de valor que nos permite demonstrá-la
como entidade relacional nos permitindo, então, arquitetar o pensamento onto-epistemológico
da abordagem foucaultiana que nos propomos adotar para análise deste fenômeno na
sociedade. Contudo, inicialmente buscaremos o que os autores dizem sobre as significações
de marca.
52
2.3.1 Breve introdução: signifique, a marca significa
É impossível pensarmos no mundo hoje sem considerar a presença das marcas. Elas
estão em todos os lugares e representam a construção de nossos mundos. Possibilitam a
existência de um “mundo acima do mundo”, lugares mágicos, cheios de encanto, ilusão e
realização de sonhos. A junção da marca com o branding foi responsável por sua expansão
para lugares, instituições e pessoas (BROWN, 2006).
Podemos dizer que “Todas as organizações e seus produtos podem ser considerados
marcas. Vivemos em um mundo de marcas” (SHIMP, 2003, p.33), uma marca “É
essencialmente uma promessa da empresa de fornecer uma série específica de atributos,
benefícios e serviços uniformes aos compradores” (KOTLER, p.426). Contudo, “Marcas não
são a globalização; não representam todo o comércio e muito menos todo o capitalismo; não
são a internet nem os demais meios tecnológicos e informacionais” (CHEVALIER e
MAZZALOVO, 2007, p.23).
“Pense na marca como o sentido essencial da corporação moderna” (KLEIN, 2008, p
29), cujo trabalho de propaganda faz com que o marketing seja naturalmente mágico. “As
grandes marcas são extra-ordinárias. Elas encantam. Enfeitiçam”. (BROWN, 2006, p.15). No
mundo econômico o conceito da marca cresce de valor no momento em que esse símbolo
“(...) adquire um significado exclusivo, positivo, que se sobressai na mente do maior número
de clientes” (KAPFERER, 2003, p.21)
Brown (2006, p.15) nos alerta que contar histórias é o método de gerenciamento da vez.
Segundo o autor, a raça humana depende de histórias e vive a vida de narrativas: gostamos de
contá-las para nos definirmos enquanto seres humanos, mesmo no mundo dos negócios.
Assim, para conquistar o homo narratans, “conte a lenda e faça a venda”, ou ainda, “sem
53
lenda, sem venda”. Contudo, não basta contar uma história de maneira coerente, é preciso que
seja uma história mágica e majestosa de marca.
É que no século XXI, o século das ambigüidades, as marcas geram valores de essência
paradoxal, são globais ao mesmo tempo em que são familiares, são além de maravilhosas e
cativantes, misteriosas e envolventes (BROWN, 2006). Precisamos entendê-la como uma
entidade geradora de valor de troca e de uso que existe apoiada em um conjunto de discursos
(BACHA, 2005; BROWN, 2006; LEÃO, 2008; PEREZ, 2004; SEMPRINI, 2006), indo bem além do
produto em si. Para Brown (2006, p.164), as grandes marcas contemporâneas podem ser
comparadas a um arco-íris:
Como os arco-íris, as grandes marcas não dependem dos consumidores. Elas aparecem
quando querem. Não mandam. São o que são. Elas nos convidam a participar, a dividir,
a experimentar, a nos divertir. Mas não serão submissas. Fique com elas ou as
abandone. É sabido que os consumidores não sabem o que querem e as grandes marcas
sabem o que os consumidores não sabem.
A marca tornou-se uma entidade geradora de valor. Nesse sentido, seguiremos
buscando entender como adquiriu valor para o marketing e para o consumidor.
2.3.2 De identificadoras a difundidoras a capitalizadoras:
marcas sob outros valores?
Consideramos essencial nesta etapa abordar como as marcas, inseridas numa cultura
que valoriza o imaterial, substituíram as promessas oferecidas aos consumidores pelos
produtos, ocuparam uma posição de destaque e adquiriram para as sociedades uma condição
fundamental de representatividade por sua capacidade de permitir o “ser sujeito” através de
seus projetos de sentidos estabelecidos em um contrato de cumplicidade socialmente
partilhado. A partir de tais condições, a marca passou a representar também uma importância
54
econômica relevante para o ativo das organizações (BACHA, 2005; BARROS FILHO, et al., 2006;
KAPFERER, 2003; KLEIN, 2008; KOTLER, 2000; MONTE; TOLEDO, 1998; PEREZ, 2004; PETIT,
2003; SEMPRINI, 2006).
A marca surgiu inicialmente com as primeiras trocas comerciais para designar
produtos, ou seja, identificava-os, diferenciando-os (PEREZ, 2004). Apesar de sua existência
ser anterior à Revolução Industrial, foi no advento da uniformidade dos produtos
industrializados que, junto com a fabricação desses, foi necessária a produção de uma
imagem, cuja responsabilidade foi delegada ao plano de gestão da marca (KLEIN, 2008;
SEMPRINI, 2006).
Contudo, apenas em meados do século XX surge a consciência de que a marca
representava uma identidade corporativa e que precisava desenvolver uma essência, uma vez
que as empresas fabricavam produtos e os consumidores compravam marcas (KLEIN, 2008). A
marca assumiu um novo papel ao nomear, identificar e diferenciar produtos, sustentada por
um discurso social e tornou-se responsável por comunicar bem mais que o desempenho e a
qualidade desses produtos que se encontravam sob sua chancela (SEMPRINI, 2006). Desse
modo, o impulso para ampliação da condição de marca identificadora para marca difundidora
deveu-se a sua inserção num mercado complexo e amplo de ofertas, em que a marca ganha
importância para os consumidores como portadoras de promessas. Esse valor adquirido para o
consumidor impulsionou o valor das marcas para as organizações, incorporando-as ao ativo
dessas empresas (BACHA, 2005; BARROS FILHO, et al., 2006; KAPFERER, 2003; KLEIN, 2008;
MONTE; TOLEDO, 1998; PEREZ, 2004; PETIT, 2003; SEMPRINI, 2006).
Como as marcas expressavam algo bem maior que os produtos que lhe deram origem,
a preocupação da comunicação publicitária voltou-se para significar marcas e não apenas
anunciar produtos (BACHA, 2005; BARROS FILHO, et al., 2006; KLEIN, 2008; PEREZ, 2004). A
marca foi incentivada a tornar-se uma entidade autônoma de comunicação, condição que a
55
impulsionou para a posição de evidência e importância que ocupa no contemporâneo. Para
Semprini (2006, p.59) essa lógica deve-se “ao cruzamento de três grandes dimensões
profundamente imbricadas nos espaços sociais contemporâneos: o consumo, a economia e a
comunicação”, que têm um considerável impacto no modo pelo qual o individuo concebe seu
projeto de vida individual e sua relação com a vida social, como já abordamos.
Desse modo, a conquista e a manutenção de um lugar no mercado desde então,
dependeram diretamente da construção e gestão de marcas fortes. Sendo estes os principais
problemas da estratégia de um produto, o desafio maior estava no desenvolvimento de
profundas associações positivas para com as marcas, obtidas pela ação do marketing
(KOTLER, 2000). No momento em que efetivamente agregam valor aos produtos, comunicam
e os distribuem estrategicamente, as marcas tornam seus mercados mais eficazes pela
capacidade de impor preços ao varejo (CHEVALIER; MAZZALOVO, 2007), ao mesmo tempo em
que se tornam mais valiosas do que o que dispõem ou produzem (KLEIN, 2008). Por essa
razão, o objetivo central do marketing tornou-se criar o poder para marca, uma vez que as
marcas de valor formaram um patrimônio capaz de gerar ativo para as empresas (KAPFERER,
2003; KOTLER, 2000). Assim, bem além de uma questão de sobrevivência das marcas em um
mercado competitivo, esse contexto conduziu as marcas para condição de capitalizadoras.
Contudo, as marcas constituindo um recurso estratégico poderoso na geração de
vantagens competitivas para as organizações, se revelaram como um excelente mecanismo de
atuação para o marketing gerencial (MONTE; TOLEDO, 1998). Com esse novo contexto de
consumo imaterial e a acelerada disseminação da informação que provocou mudanças radicais
na economia, iniciaram-se os estudos sobre o processo de geração de valor no consumo, ao
mesmo tempo em que se desenvolveram pesquisas sobre instrumentos capazes de mensurar os
resultados dos esforços de marketing nessas conquistas. Essa onda de possibilidades de
mecanismos para avaliar e mensurar o valor das marcas possibilitou a ampliação do escopo de
56
importância da administração de marketing para as organizações, canalizando seus esforços
administrativos (LEÃO, 2007).
Apesar da importância do marketing para o estudo das marcas ter se efetivado durante
a década de 1980, só nos anos 1990 academia de marketing começou a concentrar sua atenção
neste fenômeno (KAPFERER, 2003; KLEIN, 2008; SEMPRINI, 2006). Para Kotler (2002)
promover a marca com base em atributos (o que a marca sugere à mente) ou em um benefício
(a tradução do atributo em benefícios funcionais e emocionais) seria bastante arriscado.
Considera que, o que define a essência da marca, são seus significados mais permanentes:
seus valores, representatividade cultural e personalidade projetada, ou seja, a alma da marca
desenvolvida pelos profissionais de marketing. O conceito ‘alma’ ou ‘essência’ da marca
surgiu na década de 1940, através da consciência corporativa da importância de busca do
verdadeiro significado da marcas, criado para atender a um consumidor que deseja marcas
(KLEIN, 2008). Apenas quarenta décadas mais tarde dissemina-se o termo identidade de marca
(CHEVALIER; MAZZALOVO, 2007).
O marketing investiu no conceito de gerência de identidades de marcas como resposta
para concorrência agravada pelo mercado de cópias facilitadas pelo desenvolvimento
tecnológico, supondo que antes de saber como a marca é apreendida, é necessário saber
defini-la (KAPFERER, 2003; BACHA, 2005). Para Shimp (2003) o desafio inicial de qualquer
marca consiste em se estabelecer de forma consciente na mente do consumidor. A consciência
de marca está na facilidade com que o nome da marca é lembrado quando se pensa em
determinada categoria de produtos. A consciência constitui-se na dimensão básica do valor da
marca. Shimp (2003, p 33) define o valor de marca através da perspectiva do consumidor:
“(...) uma marca possui valor à medida que os consumidores se familiarizaram com ela e têm
armazenadas em sua memória associações favoráveis, fortes e únicas”. A segunda dimensão
que deverá ser analisada é a imagem; esta consiste nas associações que são feitas com a marca
57
pelo consumidor. Para aumentar o valor da marca é necessário desenvolver uma identidade
positiva utilizando o marketing e os programas de comunicação, para assim gerar associações
desejáveis na mente do consumidor (KAPFERER, 2003; SHIMP, 2003).
Com a abordagem construída desta forma, a preocupação do marketing girou em torno
de criar estratégias para buscar o que a organização tem ou pode fazer para desenvolver este
valor. Neste processo de criação de valor o significado torna-se a lógica central da marca, uma
ferramenta capaz de formatar os sentidos (PEREZ, 2004), em que “As imagens correspondem
às percepções induzidas nos diferentes consumidores” e a marca transforma-se em uma “(...)
emissora por natureza” (CHEVALIER; MAZZALOVO, 2007, p.129).
Porém, para criar valor para as marcas e definir sua identidade é necessário avaliar o
que o segmento-alvo desta aponta como preferências para então provê-lo. Chevalier e
Mazzalovo (2007, p.170) julgam ser indispensável relembrar aos diretores de marcas que
precisam refletir não só sobre a identidade da marca, mas sobre a liberdade deixada pelo
semiólogo no momento de questionar: “Como posso fazer as pessoas sonharem com o mundo
que apresento?” Segundo os autores, como as percepções são muitas e a sociedade se renova
constantemente, a marca precisa mudar sua identidade sem perder a essência. Assim, a tarefa
dos analistas de consumo se constituiu em utilizar os dados demográficos, psicográficos e o
estilo de vida para fazer prescrições de comportamento futuro e traçar estratégias de negócios
(BLACKWELL, MINIARD; ENGEL, 2005). A busca das preferências do consumidor se dá, dessa
forma, através de bases segmentarias de classes, o que pressupõe um comportamento idêntico
dentre os consumidores membros de um segmento (COVA, 1997), e se baseia no fato de que
esse valor pode ser imputado ao produto, sendo reconhecido e legitimado nas relações
mercado.
No entanto, na construção das identidades de um sujeito fragmentado, ao invés do
caminho ser indicativo de compreensão comportamental, proporciona apenas o ecletismo e a
58
confusão de valores. Para compreender o posicionamento da marca na condição [pós]moderna de consumo é preciso que se reconheça que, apesar de continuar uma representante
de oferta no mercado, tal como o é considerado no trato mercadológico da literatura de
marketing, essa a oferta, por tratar-se de uma construção social, precisa ser compreendida e
analisada segundo princípios que considerem contextualizações amplas a respeito do
comportamento do consumidor (BACHA, 2005; BARBOSA; CAMPBELL, 2006; BARROS FILHO, et
al., 2006; BROWN, 1993; CARVALHO, 2002; COVA, 1997; KLEIN, 2008; LEÃO, 2007; MELLO,
2006; PEREZ, 2004; ROCHA et al. 1999; SEMPRINI, 2006; VIEIRA, 1999). É a extrema
relatividade na liga valor de um produto ou serviço identificado no contemporâneo que nos
faz refletir e posicionar sobre a questão do valor de outra forma, diferente do valor
universalizante considerado na teoria clássica amplamente difundida na modernidade (COVA,
1997).
Tomando por base os estudos brasileiros, a disciplina de comportamento do
consumidor é a principal temática estudada pelos acadêmicos da área de Marketing (ROCHA et
al. 1999; VIEIRA, 1999), tendo a abordagem predominantemente adotada a behaviorista, ou
modelos dela derivados, construídos para a sócio-economia americana, e busca a legitimação
de uma cultura universal de consumo e da sociedade do mercado global. O modelo de
abordagem behaviorista9 pressupõe um consumidor centrado, objetivo e previsível
(CARVALHO, 2002).
Até o ano 2000 no Brasil nenhum pesquisador se dedicou ao estudo do consumo em si,
da sociedade de consumo e de suas especificidades, o que indica que o tema consumo ainda é
pouco explorado (BARBOSA; CAMPBELL, 2006). Nas ciências sociais brasileiras as discussões
sobre o consumo sempre assumiram os temas de consumismo, materialismo, fetichismo,
hedonismo, manipulação, entre outros, em paralelo as abordagens marxistas, da escola de
9
A modelagem dos modelos behavioristas centra-se no estudo objetivo do homem, baseado no
aprendizado como resultado de respostas para eventos externos (SOLOMON, 2002).
59
Frankfurt, pós-moderna e semiótica (BARBOSA e CAMPBELL, 2006). Para essa perspectiva, o
valor atribuído a qualquer artefato é derivado de uma condição econômica baseada na relação
custo-benefício que transforma o bem ou serviço em mercadoria, tem por base as escolhas
cognitivas de um homem racional, e alimenta suas estratégias a partir de num nível individual
de análise (COVA, 1997). Desse modo podemos supor que uma grande dificuldade nas
investigações sobre o valor na perspectiva de consumo deva-se ao fato da abordagem adotada
enxergar o valor da marca para um consumidor moderno, centrado, consciente, objetivo e
capaz de escolher racionalmente (CARVALHO, 2002; LEÃO, 2007), tendo por base um sujeito
unificado e autônomo, quando este é comprovadamente intersubjetivo e fragmentado
(BORGESON, 2005; TAVARES, 2001).
Como afirmamos, a marca é uma entidade geradora de valor que se apóia em um
conjunto de discursos (BACHA, 2005; KLEIN, 2008; LEÃO, 2007; PEREZ, 2004; SEMPRINI,
2006). Segundo Semprini, para ser um objeto-discurso, a marca precisou passar por práticas
de enunciação que modelaram e organizaram esse discurso no âmbito de outras práticas,
constituindo uma proposta que precisa ser legitimada. Dessa forma, o projeto de marca é um
pólo produtor de sentidos que busca ser assimilado por um pólo destinatário que recepciona,
interpreta e avalia em que medida este discurso pode contribuir com seus projetos. Esse
processo de troca se dá em um contexto em que a promessa que alimenta a marca é trocada
por um valor monetário. Para a autora, o contexto é o verdadeiro protagonista e a marca tornase uma forma essencialmente mutável.
Assim, marca é também uma entidade relacional. A marca “é um lugar onde a cultura
muitas vezes técnica, financeira e organizacional da empresa, entra em contato com uma
cultura mais simbólica, emocional e cultural dos destinatários” (SEMPRINI, 2006, p.117). Por
tanto, para existir e ser reconhecida como discurso social, além de ser signo identificador de
60
valores e diferenciador de produtos e serviços em um mercado competitivo, a marca precisa
ter esse valor reconhecido pelos consumidores em situações sociais (LEÃO; MELLO, 2008).
A marca atende a necessidades físicas e ideológicas e seu valor de uso provém da forma
como este é utilizado na interação social. Afinal, a significação dos seres e seus
comportamentos são um produto da sua posição numa rede relacional (OLSEN, 2006).
Considerando que os discursos adquirem significado na interação e na experiência (OLSEN,
2006), podemos supor que valor de troca das marcas, deva ser calibrado pelo sujeitoconsumidor de forma comparativa em relação ao potencial que o valor de uso possibilita no
contexto relacional, que por sua vez só existe porque foi legitimado socialmente numa
condição espaço-temporal (LEÃO; MELLO, 2008).
Desse modo, ao invés do valor-custo ter como contrapartida um valor-benefício
funcional, ou seja, ter por lastro a lógica mercantilista-econômica que baseia a teoria
majoritária brasileira, a contrapartida para o consumidor nos parece advir do valor de uso,
gerador do valor de troca nas práticas relacionais sociais (LEÃO, 2007).
O fato de entender o sujeito como constituído, transformado e reproduzido em práticas
sociais trouxeram interesse para as questões de subjetividade, identidade social nas teorias de
discurso e linguagem, antes tidas como questões secundárias (FAIRCLOUGH, 2001). Com os
novos recursos investigativos, podemos admitir que a identidade do sujeito não permite ser
pré-formulada, e que no momento de interação social a identidade é afetada pela prática da
mesma forma que a prática é afetada por ela. Nessa relação, o sujeito também se transforma
em um efeito da formação discursiva (FAIRCLOUGH, 2001; FOUCAULT, 2007) e, desse modo, é
o uso quem significa as marcas. O significado torna-se assim um produto da diferença entre
entidades em vez de qualidades dessas (OLSEN, 2006), ou seja, o valor é adquirido na relação
de troca e não é inerente a marca ou produto em si mesmo. Isso explica a autonomia do
significado em relação ao significante indicando que os signos estão livres de vinculação a
61
artefatos e sempre abertos para negociação (BORGERSON, 2005; HOSKINS, 2006; MILLER,
2005; OLSEN, 2006; TILLEY et al., 2006). Essa condição liberta os bens para serem [re]significados indefinidamente.
A possibilidade pós-estruturalista nos permite explorar e investigar espaços intertextuais
no contexto relacional utilizando a linguagem como modelo de mundo, reconhece e considera
também a importância dos domínios não-discursivos. Como afirmamos, possibilita através de
sua adoção evitar o reducionismo econômico de algumas versões marxistas que
desconsideram a importância do valor de uso, os invariantes da mente humana estruturalistas
que adotam a prática behaviorista, e as considerações de poder e dominação do pensamento
fenomenológico (TILLEY, et al., 2006).
No entanto, a dificuldade que Olsen (2006) levanta é a de que, apesar da possibilidade
disposta com a visão pós-estruturalista aparentar ser uma vitória na busca de compreensão do
sujeito pós-moderno, esse tipo de projeto exige a utilização de uma abordagem bricoleur de
investigação, que apresenta ainda dificuldades. Neste sentido, a presente pesquisa buscará uma
saída para investigar a marca sígnica como cultura material na adoção do método investigativo
arqueológico de Michel Foucault.
2.3.3 A arqueologia como oportunidade
Michel Foucault é reconhecido como um pensador contemporâneo arrojado, um
intelectual que, preocupado com o presente em que se encontrava inserido, se transformou em
um dos filósofos que refletiram mais profundamente sobre a história, buscando compreender
sob a luz de um novo olhar os temas e as teorias. O autor iniciou o livro Arqueologia do Saber
propondo uma “nova” história dos saberes a partir da cisão com o pensamento moderno
fundamentado na cronologia histórica. Nesta busca, elaborou uma teoria e propôs uma prática
62
investigativa que permite compreender os saberes e descrever o campo cultural no qual um
novo conhecimento toma forma (EIZIRIK, 2006; PIMENTEL; VASCONCELOS, 2007; SCHEURICH;
MCKENZIE, 2005; THIRY-CHERQUES, 2008).
Inicialmente, no entanto, é importante esclarecermos que as interpretações e
possibilidades da vertente epistemológica dos escritos deixados por Foucault constituíram
dois ciclos interligados: o primeiro foi o da Arqueologia, em que foi um crítico das condições
de possibilidades de um saber, e o segundo foi o ciclo Genealógico, que tratou “da
impossibilidade de nos libertarmos da nossa própria condição e de nossa história”
(FAIRCLOUGH, 2001; THIRY-CHERQUES, 2008, p.216), ou seja, enquanto a arqueologia se
propõe à metodologia, a genealogia representa as táticas (SCHEURICH; MCKENZIE, 2005).
A arqueologia é um complexo conjunto de conceitos que incluem o saber e o
conhecimento. Para a prática arqueológica é fundamental desenvolver a compreensão dessas
duas arenas da informação: o saber inclui conhecimentos formais, como as idéias filosóficas,
mas também inclui também as instituições e as práticas de atividades do conhecimento não
formal. Para além do conhecimento formal e sua trajetória própria racional, Foucault busca no
mais vasto campo irracional os saberes da política, práticas institucionais, opiniões populares,
e assim por diante (SCHEURICH; MCKENZIE, 2005). São priorizados, dessa forma, percepções,
práticas, saberes que estariam num nível aquém ao conhecimento científico, alimentando o
interesse pelos conhecimentos não científicos e pelas formas de pensar das pessoas
(FERREIRA, 2006; FISCHER, 2001; THIRY-CHERQUES, 2008).
Essa condição arqueológica reflete o anúncio do descrédito das grandes narrativas
históricas em que se buscam as explicações para os fenômenos de forma universal, bem como
recusa qualquer objeto tradicional de análise; esse processo ocasiona a compreensão dos
acontecimentos fora de toda finalidade uniforme, gerando compromissos apenas com as
regras a que os sujeitos estão submetidos, ou seja, fora de qualquer verdade absoluta
63
(FERREIRA, 2006; FISCHER, 2001; FOUCAULT, 2007; SCHEURICH; MCKENZIE, 2005; THIRYCHERQUES, 2008).
Na arqueologia o sujeito é constituído simbolicamente por práticas historicamente
analisáveis (FAIRCLOUGH, 2001; FISCHER, 2001; FOUCAULT, 2007; THIRY-CHERQUES, 2008).
As estruturas do conhecimento e os modos de compreensão se alteram segundo sua
localização no tempo, espaço e instituição, e possuem um sistema de regras que se articulam
em combinações específicas de elementos discursivos e não discursivos. Essa articulação é
quem faz do discurso uma prática social (FAIRCLOUGH, 2001; THIRY-CHERQUES, 2008).
Dessa forma, toda sociedade, como construção histórica, tem seu suporte em práticas
discursivas que a atravessam, criando assim as possibilidades de uma formação discursiva
própria, totalmente inter-relacionada com o macro-contexto. Assim, um discurso constitui a
sociedade em várias dimensões: os objetos do conhecimento, os sujeitos e as formas sociais
do eu, as relações sociais e as estruturas conceituais. Todos esses textos estão sempre
formando a interdependência de práticas discursivas exclusivas (FAE, 2004; FAIRCLOUGH,
2001; FOUCAULT, 2007).
Nessa condição, a ordem interna constitutiva do saber apresenta uma episteme, ou
seja, representa uma condição de possibilidade histórica singular, onde verdade e erro se
definem, através da qual se estruturam os múltiplos saberes do período, e que por isso,
compartilham formas e características gerais (FERREIRA, 2006; THIRY-CHERQUES, 2008). Por
essa razão, uma narrativa jamais pretenderia ser a única da verdade, nem muito menos
precisaria da demarcação de origem, e sim apenas ter a ciência dos seus limites e jurisdições
interpretativas (FOUCAULT, 2007; PIMENTEL; VASCONCELOS, 2007). Também por esta razão é
que uma época só pode ser entendida a partir dela mesma (FOUCAULT, 2007).
Foi através da negação de qualquer possibilidade de uma ordem, progresso ou
continuidade na história das idéias, que o ciclo arqueológico promoveu rupturas epistêmicas
64
que abalaram os pilares sobre os quais a vida moderna foi construída, colocando em questão a
objetividade das investigações empíricas e o foco da modernidade no sujeito (EIZIRIK, 2006;
FAE, 2004; FAIRCLOUGH, 2001; FERREIRA, 2006; FISCHER, 2001; PIMENTEL; VASCONCELOS,
2007; SCHEURICH; MCKENZIE, 2005; THIRY-CHERQUES, 2008); trouxe, assim, uma dimensão
importante para a epistemologia da interpretação, enfatizando os processos pelos quais os
significados são produzidos em vez de passivamente recuperados (OLSEN, 2006). Essas
descobertas lançaram uma luz sobre possibilidades onto-epistemológicas que influenciaram os
estudos das Ciências Humanas e Sociais.
65
3
Procedimentos metodológicos
O presente capítulo apresenta a construção metodológica de pesquisa que pautou este
estudo. Iniciaremos retomando as considerações onto-epistemológicas da arqueologia, em que
nos apoiamos, para então descrevermos o método de investigação e análise. A arqueologia faz
parte de uma filosofia que é própria e pauta todo o legado de Michel Foucault, com o qual
buscamos dialogar para articular por meio desse modelo a busca de compreensão de como os
artefatos marcários são capazes de revelar a civilização ocidental. Essa possibilidade baseia-se
na consideração desse filósofo de que a análise de discurso é uma forma de análise social
(FAIRCLOUGH, 2001). Essa etapa do trabalho será composta de duas seções: a primeira tratará
da possibilidade filosófica que cerca o método arqueológico e a segunda de como se deu a
construção do arquivo neste procedimento arqueológico.
3.1 Possibilidade Epistemológica
Nossa pesquisa apóia-se nas considerações ontológicas e na possibilidade
epistemológica desenvolvidas por Michel Foucault, cuja teoria baseou-se na busca pelas
verdades através de um esforço analítico exaustivo, sem filiações ideológicas e acima de
compromisso com métodos, que é apresentado como um modelo arqueológico de investigar
(FAIRCLOUGH, 2001; THIRY-CHERQUES, 2008).
66
Uma vez que nossa investigação busca a compreensão e interpretação de um dado
fenômeno, nosso estudo encontra-se inserido no paradigma interpretativista (DENZIN;
LINCOLN, 1994), e apóia-se na condição do sujeito construir e, ao mesmo tempo, ser
construído pelo mundo social e cultural em que vive. Consideramos que a linguagem é o meio
de construção e geração de conhecimento e, desse modo, a compreensão de um saber
encontra-se na possibilidade de estabelecer nos discursos um sistema de relações, um jogo de
correlações e dominações, ou seja, na possibilidade de decifrar as regras a que estão sujeitos
(FOUCAULT, 2007; THIRY-CHERQUES, 2008).
A Arqueologia, recusando todas as formas como nos naturalizamos, encontrou a
alternativa do retorno do ser na linguagem. O conceito arqueológico é, por tanto, tributário de
uma teoria da linguagem, em que essa deixou sua vigência de representação, e a verdade
passou a ser revelada de forma pragmática, pelo conjunto dos fenômenos culturais (FERREIRA,
2006; FISCHER, 2001; THIRY-CHERQUES, 2008). O ciclo arqueológico buscou tornar crítico o
que escapava à crítica na história, problematizou o saber localmente, e forneceu instrumentos
que possibilitaram reflexões e re-construções típicas das questões investigativas pósmodernas.
Desse modo, a adoção da arqueologia foucaultiana se deu por consideramos que o
legado deste filósofo trouxe as possibilidades para nosso modelo investigativo. É um método
de análise histórica que liberta o homem de seu centro e invalida a metanarrativa, indo bem
além de um desenvolvimento das pesquisas qualitativas para o campo social, questionando a
própria objetividade das investigações empíricas (EIZIRIK, 2006; FAE, 2004; FAIRCLOUGH,
2001; FERREIRA, 2006; FISCHER, 2001; PIMENTEL; VASCONCELOS, 2007; SCHEURICH;
MCKENZIE, 2005; THIRY-CHERQUES, 2008). Por essas razões, deixa uma contribuição única
para o desenvolvimento das pesquisas nas Ciências Sociais que envolvem a condição de “ser”
e “ter” do sujeito [pós]-moderno.
67
3.1.1 A análise arqueológica
A analítica arqueológica de Foucault busca descrever a constituição do campo
discursivo, entendendo-o como uma rede que é formada na inter-relação dos diversos saberes
ali presentes. Através desta rede, e das características que lhe são próprias, é possível
encontrar o espaço de possibilidade para a emergência do discurso (EIZIRIK, 2006; FAE, 2004;
FAIRCLOUGH, 2001; FERREIRA, 2006; FISCHER, 2001; PIMENTEL; VASCONCELOS, 2007; THIRYCHERQUES, 2008).
O discurso para o trabalho arqueológico constitui o social, seus objetos e sujeitos em
práticas discursivas relacionadas interdiscursivamente e inter-textualmente. As relações que
ocorrem no campo de enunciados podem ser intertextuais numa condição de seqüencia e
dependência, ou interdiscursivas diferenciadas por pertencer a campos de presença,
concomitância ou memória (FAIRCLOUGH, 2001). Através da arqueologia temos uma base
para investigação sistemática das relações nos textos e nos tipos de discurso e entre eles.
A investigação, dessa forma, se dá sobre a estrutura ou articulação das formações
discursivas que geram a ordem do discurso, em que a busca é por localizar os efeitos da
prática discursiva sobre a construção do saber (FAIRCLOUGH, 2001; FOUCAULT, 2007). O foco
da pesquisa arqueológica está localizado sobre as condições de possibilidade do discurso
(SCHEURICH; MCKENZIE, 2005).
O modelo arqueológico tornou possível buscar por meio de um estudo qualitativo as
regras de formação que definem os discursos mundanos de marca, suas modalidades
enunciativas, sujeitos, conceitos e estratégias discursivas. Entendemos por modalidades
enunciativas os tipos de atividades discursivas em que o sujeito social existe como uma
função do próprio enunciado; já os conceitos são os aparatos utilizados para tratar um campo
de interesse que, por serem mutáveis, precisam ser analisados no interior do campo de
68
enunciados a ele associados. A estratégia possibilita uma rica explicação dos diferentes tipos
de relação que podem existir nos textos e entre eles (FAIRCLOUGH, 2001; FOUCAULT, 2007).
Em consonância com o modelo, a análise arqueológica não foi realizada no sentido de
buscar o que o enunciado quer significar, e sim constituiu um descobrimento, uma elucidação
trazida à tona através da rede de interligações formada pelo dispositivo. O discurso deve
sempre ser revelado enquanto prática que obedece a regras (FOUCAULT, 2007; THIRYCHERQUES, 2008).
Fomos buscar no campo de enunciados as relações intertextuais de seqüência e
dependência de acordo com as quais os grupos de enunciados estão combinados, como
também relações interdiscursivas que podem apresentar-se como enunciados não pertencentes
à marca, mas reconhecidos como verdadeiro, envolvendo descrição exata, raciocínio bem
fundamentado ou pressuposição necessária; ou por outro lado, rejeitados criticados, discutidos
e julgados de forma implícita ou explicita (Campos de presença); ou ainda os enunciados que
relacionam-se entre formações discursivas, apesar de originados em diferentes formações
(Campo de concomitância), e finalmente os enunciados que, apesar de não serem mais aceitos
e discutidos, permitiram por meio deles estabelecer relações de filiação, gênese,
transformação, continuidade e descontinuidade histórica (FAIRCLOUGH, 2001).
Enfim, dentro da proposta arqueológica, ao invés de procurar fazer interpretações
desses enunciados, se buscou a decifração, ou seja, fazer aparecer através da analítica
interpretativa “(...) as idéias, os ideais, os conceitos, mas também os sentimentos, os instintos,
a filosofia” (THIRY-CHERQUES, 2008, p. 232) sociais que, no presente trabalho, se entrelaçam
nos discursos contemporâneos entre a civilização ocidental e a marca global.
69
3.2 Escavação e coleta de vestígios
Nesta etapa do trabalho apresentamos a utilização dos recursos arqueológicos para
formação do arquivo. Primeiro abordaremos nosso posicionamento de estudo de caso para
então descrever os processos de coleta e registro.
3.2.1 Um estudo de caso instrumental
Nossa pesquisa está pautada em um estudo de caso qualitativo. Orientada pelas
recomendações de Robert E. Stack, Arilda S. Godoy e John W. Creswell, a opção pelo estudo
de caso deve-se à necessidade dessa pesquisa de buscar a compreensão para um fenômeno
contemporâneo e pertinente a determinado contexto. A escolha proporciona a compreensão
ampla e profunda, permite engajamento da pesquisadora com o cotidiano, e gera
possibilidades da descoberta de novos significados para o fenômeno sob investigação.
Apesar de ser uma modalidade amplamente adotada nos estudos de organizações,
muitos cientistas sociais escolhem fazer o estudo de caso visando à possibilidade de obter
generalizações relativas a uma população de casos. Para eles essa opção representa uma etapa
que precede a edificação da teoria, e o caso constitui uma categorização dos demais casos,
cuja exploração permite a generalização dos estudos (CRESWELL, 1998; GODOY, 2006; STACK,
1994). Sob outra perspectiva, o estudo de caso na presente pesquisa não se referiu a uma
opção metodológica e sim a escolha do estudo de determinado objeto (a marca representante
da cultura global) e seu contexto (a cultura local). Esta por ser uma cultura que compartilha da
condição de sociedade ocidental, e aquela por se constituir um produto emblemático da
sociedade de consumo mundializada, cabe em nossa proposta como caso ilustrativo.
70
Stake (1994) identifica três tipos de estudos de caso: o estudo de casos coletivo (busca
estudar certo número de casos em conjunto a fim de inquirir sobre o fenômeno), o estudo de
caso intrínseco (é realizado porque visa uma melhor compreensão do caso particular em si
mesmo), e o estudo de caso instrumental, no qual está localizado nosso estudo. Nessa
possibilidade, o caso em si é de interesse secundário, apenas desempenha um papel de
suporte, facilitando o nosso entendimento de determinado fenômeno.
No estudo de caso instrumental o caso é freqüentemente analisado em profundidade,
seus contextos são examinados, e as suas atividades normais detalhadas. O caso pode ser
considerado como típico de outros casos ou não, e sua escolha é feita na medida em que
possibilita fazer avançar a compreensão do que sejam os outros interesses (STACK, 1994).
Assim, o objetivo principal da escolha de um caso para Stake (1994) não deve ser pelo
fato de sua possibilidade de representação de casos típicos, mas sim por sua condição de gerar
novos aprendizados, constituindo-se numa fonte de generalização naturalística; ou seja, poder
gerar a possibilidade para o pesquisador, através de seu conhecimento em profundidade,
entender outros casos e ainda, permitir ao leitor fazer associações e transferir as descobertas
para outro contexto baseado em sua experiência.
Definimos como caso instrumental de pesquisa os discursos mundanos marca CocaCola nas principais cidades da Região Metropolitana do Recife (contemplando, desse modo,
Recife, Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe, Olinda e Paulista), que a partir daqui,
passaremos a nos referir também como Sítio Arqueológico. A marca foi escolhida como
representativa do sistema da civilização ocidental, por constituir-se um exemplo de uma
grande marca consolidada; uma verdadeira voz social num mundo globalizado por base
capitalista, onde a mais de um século é capaz de dialogar com pessoas de todos os sexos,
religiões, classes sociais, faixas etárias, grupos étnicos, sem distinções. Os valores
transmitidos por esta marca se relacionam com os valores mais caros à sociedade, pois estão
71
vinculados aos ideais de otimismo, alegria, prazer e felicidade, tão comuns aos discursos do
sujeito consumidor capitalista (RAMOS, 2006). A marca Coca-Cola incorpora os valores
associados à luta pela liberdade individual traçadas nos Estados Unidos, e incorpora também
os valores ocidentais mais amplos de liberdade, democracia e capitalismo de livre-mercado,
tornando-se o produto mais representativo da globalização (STANDAGE, 2005).
3.2.2 Processos e registros de uma etnografia arqueológica
Através do estudo de caso qualitativo de caráter etnográfico buscamos mapear diferentes
princípios, lógicas e significados por meio dos quais as pessoas estabelecem o sentido e
organizam a “realidade” em que vivem (BARBOSA, 2003; GODOY, 2006). A etnografia nos
possibilitou a compreensão de diferentes e mutáveis papéis, funções e significados a que são
submetidos às marcas no momento em que penetram no mundo cotidiano.
Porém, neste estudo a observação não foi participante e nem combinada, tal com o é
freqüentemente, pelo uso da técnica de entrevista; os registros visuais ao invés de estarem na
condição de suporte secundário assumiram aqui o principal registro de campo (ACHUTTI,
2008; BARBOSA, 2003; BONI; MORESCHI, 2007).
Desse modo, esta pesquisa consistiu basicamente de uma análise documental do estudo
de caso da marca Coca-Cola nas cidades do Sitio Arqueológico, tal como acontece
comumente em casos que adotam o método arqueológico (THIRY-CHERQUES, 2008). O roteiro
de observação do processo investigativo seguiu os princípios qualitativos gerais de
observação indicados para um estudo de caso através de uma estratégia etnográfica (GODOY,
2006; THIRY-CHERQUES, 2008):

A observação dos enunciados foi feita de forma cíclica, ou seja, concomitante
com a seleção e coleta de imagens;
72

A análise reflexiva executada pela pesquisadora em campo auxiliou na guia do
processo em si, e ajudou a transferir os dados para o nível conceitual;

A partir da análise os dados foram segmentados em unidades relevantes,
caracterizados de acordo com o sistema de organização derivado dos próprios
dados, permitindo estabelecer a seqüência das fotos e do arquivamento;

A identificação do sistema de regras das formações discursivas buscou
reconhecer as combinações específicas dos elementos discursivos e não
discursivos e sua articulação, ou seja, identificou as relações intertextuais de
seqüência e dependência e as relações interdiscursivas dos campos de presença,
concomitância e memória;

A comparação foi a principal ferramenta para obter categorias;

A determinação das descontinuidades explorou as distinções entre os conceitos,
objetos, estilos, teorias e formas de racionalidade, fazendo emergir os estratos
acumulados justapostos pelo tempo;

A análise dos elementos aconteceu de forma simultânea a cada identificação e
determinação, e foram dispostas sinteticamente num quadro explicativo de
articulação entre a seriação dos discursos e as práticas não discursivas.

O estranhamento foi uma prática constante da pesquisadora: por meio do
trabalho negativo do método arqueológico, buscamos o distanciamento dos
conceitos, policiando-nos para libertação de todo jogo de noções sobre o tema,
para então explorar as distinções entre conceitos, objetos, estilos, teorias,
assimetrias, etc., que se dá apenas com o imbricamento;

Para selecionar os discursos do campo de conhecimento que formaram o arquivo
desta pesquisa e evitar coletas irrelevantes, foi necessário definir o recorte
73
necessário para investigação ainda nas primeiras experiências em campo (a linha
metodológica foi sendo elaborada à medida que a pesquisa avançou);

Depois do recorte definido, consideramos todos os saberes presentes no campo,
também os conhecimentos menores, não científicos, particulares dos saberes
(FOUCAULT, 2007).
3.2.3 Formação do arquivo: o terreno das coisas ditas
Para uma pesquisa qualitativa, o corpus representa uma coleção finita de materiais,
determinada pelo analista de forma arbitrária, onde esses significantes da vida social são
tratados como textos (BAUER; AARTS, 2002). Contudo, para a estratégia da arqueologia não se
trata de definir um corpus pois esse seria infinito, mas sim de selecionar os discursos
pertinentes em um arquivo; através da descoberta de qual a ordem esses discursos se vinculam
em determinada época, parte-se da descrição das transformações dos tipos de discursos e
interroga-se sobre as condições de emergência dos elementos discursivos (FAIRCLOUGH, 2001;
THIRY-CHERQUES, 2008).
O Corpus desta pesquisa foi formado por discursos de cenas do cotidiano encontradas
no Sítio Arqueológico, que comunicavam a marca Coca-Cola e estiveram presentes em
espaços públicos durante o período de investigação, selecionados por sua pertinência às
condições de representatividade. Neste contexto foi considerada a comunicação da marca e
todas as suas formas de expressividade materiais tais como os produtos de extensão da marca
(como as roupas e material de escritório e papelaria), a exposição do produto, o logotipo, o
slogan, a forma da embalagem, entre outras.
Ao longo de sete meses de observação foram resgatadas 773 imagens no Sítio
Arqueológico. Inicialmente, de junho até agosto de 2008, as imagens folham colhidas por
74
oportunidade. Sem a condição de uma rota pré-estabelecida, saímos na busca de encontrar
signos da marca em alguns pontos da cidade, ou ainda, registramos imagens em nossos
percursos cotidianos de trabalho e lazer. Após realizar as primeiras vivencias em campo, a
pesquisa foi sistematizada, a região foi subdividida em áreas geográficas nas quais foram
traçados um cronograma de atuação e as seqüências de rotas a serem percorridas. Na figura a
seguir é possível visualizar o mapa do Sítio Arqueológico e a indicação da direção das seis
rotas de percurso.
Figura 1(3) - Mapa indicativo da direção das rotas percorridas
As seis rotas incorporaram as fotos resgatadas anteriormente e formaram um total de 69
séries discursivas, cujas fotos são passíveis de repetição podendo pertencer a mais de uma
série.
75
Na tabela a seguir é possível visualizar as datas e rotas planejadas e percorridas, bem
como as séries discursivas que foram encontradas e a numeração das fotos pertinentes a cada
uma.
Rota 1 – Zona Sul subúrbio
Séries
Série 1
Série 2
Série 3
Série 4
Série 5
Série 6
Série 7
Série 8
Série 9
Série 10
Série 11
Série 12
Série 13
Serie 14
Série 15
Série 16
Série 17
Série 18
Série 19
Série 20
Série 21
Série 22
Série 23
Localização
Av. Eng. Abdias de Carvalho
Av. Recife, Bairro do Ipsep
Av. Recife, Bairro do Ipsep
Rua Jean Emile Favre, Bairro do Ipsep
Av. Recife, Bairro do Ipsep
Rua Jean Emile Favre, Bairro do Ipsep
Rua Engenheiro José Apolinário, Bairro da
Imbiribeira
Bairro da Imbiribeira
Nossa senhora do Pilar, Bairro da
Imbiribeira
Rua Arquiteto Luiz Nunes, Bairro da
Imbiribeira
Bairro do Ibura
Av. Dois Rios, Bairro do Ibura
Ladeira da COHAB – UR 1
Rua Nova Canaã
Estrada da Batalha e Av. da Batalha
Av. Barreto Menezes
Av. Quatro de outubro; Av. Bernardo
Vieira de Melo
Av. Agamenon Magalhães, Av. dos
Sonhos, Av. Mascarenhas de Moraes
Av. Agamenon Magalhães, Av. dos
Sonhos, Av. Mascarenhas de Moraes
Avenida Barreto de Menezes, centro
comercial de Prazeres
Av. Barreto de Menezes, Av. da Batalha
Av. Barreto de Menezes, Av. da Batalha
Av. Barreto de Menezes, Av. da Batalha
Data
08/09/21
08/09/21
08/09/21
08/10/12
08/10/12
08/11/11
08/11/15
Nº das fotos
1; 2
3
4 a 13
2a5
6 a 77
1a3
1e2
08/11/15
08/11/15
3e4
5a7
08/11/15;
08/10/11
08/11/15
08/11/15
08/11/15
08/11/15
08/11/15
08/11/15
08/11/15
8 e 9; 01
10 a 12
13 a 19
20 a 23
24 a 30
31 a 47
49 a 62
63 a 74
08/11/15
75 e 79
08/11/15
85 a 87; 93 e 94
08/11/15
80 a 102
08/11/15
08/11/15
08/11/15
103 a 117
104 e 105
107 a 109
Tabela 1 (3) - Rotas percorridas, série e datas
76
Rota 2 -Zona sul litoral
Rota 3 - Zona norte subúrbio e litoral
Série 1
Shopping Center Recife, Boa Viagem
Série 2
Shopping Center Recife, Boa Viagem
Série 3
Shopping Center Recife, Boa Viagem
Série 4
Shopping Center Recife, Boa Viagem
Série 5
Conselheiro Aguiar até o Bairro do Pina
Série 6
Av. Boa Viagem
08/06/11
08/06/20
08/06/21
08/08/16
08/08/23
08/08/16
08/08/16
08/08/23
08/08/25
08/08/16
08/08/23
08/11/16
08/10/12
08/10/12
08/10/12
Série 7
Série 8
Série 9
Marca estendida
Jardim Beira Rio
Arredores da Av. Domingos Ferreira
08/11/16
08/10/26
08/11/16
08/11/16
Série 10
08/11/16
Série 11
Série 12
Av. Visconde de Jequitinhonha; Av.
Senador Paulo P. Guerra
Bairro de Barra de Jangada
Volta pelo litoral
Série 13
Série 14
Série 15
Av. Domingos ferreira
Bairro de Brasília Teimosa
Shopping Center Recife, Boa Viagem
08/11/22
08/12/06
09/02/06
Série 1
Série 2
Série 3
Série 4
Série 5
Série 6
Série 7
Série 8
Cidade de Paulista
Av. Cruz Cabugá
Discurso espontâneo
Av. Cruz Cabugá
Bairro do Carmo
Rua Joaquim Nabuco
Cidade alta de Olinda
Litoral norte até Bairro de Casa Caiada
08/08/09
08/08/11
08/09/18
08/11/22
08/11/22
08/11/22
08/11/22
08/11/22
Série 9
Série 10
Série 11
Série 12
Litoral norte após Bairro de Rio Doce
Cidade de Paulista
Tabajara, Bairro de Ouro Preto
Bairro de Sítio Novo
08/11/22
08/11/22
08/11/22
08/11/22
Série 13
Bairro de Salgadinho
08/11/22
08/11/16
08/11/16
1 e5
1a8
1a7
7
2a5
2a4
5, 8 a 10
1,6 a 12
1a5
6
13 e 14
83 a 89, 92
82
78 a 81
83 e 84
90 e 91
8 a 27
1 a 10, 12 a15
16 a 22, 24, 25,
27,
34 a 40
41 a 51
52 a 57, 59 a 77,
79 a 80, 82
1a5
11 a 20, 22 a 31
1 a 11
1a3
1e2
1a7
6a8
9 a 11
12 a 19
21 a 28
29 a 30, 33 a 49,
51,52
53 a 76
78 a 94
95 a 99, 101 a110
111 a 117; 120
a130
131 a 139
Tabela 2 (3) - Rotas percorridas, série e datas (Cont.)
77
Rota 4 – Zona
Noroeste
Rota 5 - Zona
Oeste
Rota 6 - Zona Centro
Série 1
Série 2
Série 3
Série 4
Série 5
Série 6
Série 7
Bairro da Torre
Bairro da Torre
Bairro das Graças
Bairro de Casa Forte
Bairro de Dois Irmãos
Bairros da Jaqueira e Espinheiro
Mercado da Encruzilhada
08/08/16
08/10/26
08/11/01
08/11/30
08/11/30
08/11/30
09/01/03
1
4a7
1e2
1 a 29, 31 a 37
38 a 45
46 a 59
1a7
Série 1
Av. Caxangá e arredores
08/12/07
Série 2
Série 3
Série 4
Série 5
Série 6
Início de Camaragibe - direita
Início de Camaragibe - esquerda
Cidade de Camaragibe
Bairro da Várzea
Cidade Universitária
08/12/07
08/12/07
08/12/07
08/12/07
08/12/07
6 a 10, 12 a 15, 17
a 20, 22,23; 94 a
107
27 a 30
46 a 53
31 a 43
57 a 79
80 a 92
Série 1
Cais de Santa Rita
Série 2
Bairro do Parque Amorim
Série 3
Paço Alfândega, Bairro do Recife Antigo
Série 4
Bairros: Boa Vista, Derby e Recife Antigo
Série 5
Bairro do Recife Antigo
08/08/09
08/08/17
08/11/15
08/11/16
08/10/09
08/10/25
08/10/29
08/10/25
08/10/26
08/11/22
08/12/06
08/12/07
09\01\02
4 a17
1e2
118
93
1
3
1a3
2
1 a 3; 28
140 e 141
1a9
1 a 5; 54 a 56; 108
1 a 9, 11 a 25
Tabela 3 (3) - Rotas percorridas, série e datas (Cont.)
Ao todo foram planejadas seis rotas e todas tiveram por ponto de partida e de chegada
o centro da cidade do Recife. Essa divisão inspirou-se quantitativamente na divisão políticoadministrativo da cidade, também dividida em seis conjuntos de bairros, e estendeu seus
limites para os demais municípios, tomando por base a necessidade de percorrer sempre as
principais vias de acesso e seu entorno. Desse modo, investigamos as cidades que fazem
limite com Recife em sentido norte, sul e oeste, estabelecendo para o norte e para o sul uma
via litorânea e outra denominada de subúrbio.
As imagens registradas anteriormente foram anexadas a essas rotas respeitando sua
condição geográfica e, apesar de terem sido coletadas em datas diferentes, se incorporaram ao
critério espacial, eleito para esta pesquisa. Para cumprir essas rotas utilizamos o GPS - Global
78
Positioning System10, interligado ao equipamento fotográfico, que localizou os registros de
imagem e permitiu gerar os mapas das trilhas marcados, utilizando para tanto o serviço do
Google maps.
A Rota 1 foi estabelecida tomando por início a ponte que cruza da Av. Agamenon
Magalhães seguindo para a Rua Paissandu, percorrendo as vias principais, com sentido sul
subúrbio, atravessando os seguintes bairros: Paissandu, Ilha do Retiro, Afogados, Imbiribeira,
Ipsep, Ibura, COHAB, Jordão, Areias, Barro, Piedade e Cavaleiro (cidade de Jaboatão dos
Guararapes).
A Rota 2 inicia-se na ponte Governador Paulo Guerra atravessando os seguintes
bairros: Pina, Boa Viagem, Piedade, Candeias e Barra de jangada (Cidade de Jaboatão dos
Guararapes). Pertencendo ainda a essa rota foi programado em outro dia o percurso do bairro
de Brasília Teimosa.
A Rota 3 seguiu em sentido norte litoral e subúrbio. Essa rota iniciou-se na Ponte de
Limoeiro e seguiu pelo litoral para Cidade Alta de Olinda, depois percorreu os bairros:
Carmo, Bairro Novo, Casa Caiada, Rio Doce, Janga, Conceição e Maria Farinha. A rota
retornou pela cidade de Paulista, seguindo para os bairros de: Ouro Preto, Jardim Brasil,
Peixinhos, Sítio Novo e Salgadinho.
A Rota 4 segue em sentido Noroeste, iniciando na ponte que cruza da Av. Agamenon
Magalhães no Bairro do Parque Amorim, em direção à Avenida Rosa e Silva. Percorre os
seguintes bairros: Espinheiro, Graças, Encruzilhada, Casa Forte, Apipucos e Dois Irmãos.
A Rota 5 segue em direção Oeste, iniciando na ponte que cruza da Av. Agamenon
Magalhães em direção à Rua Joaquim Nabuco. A trilha desce pela Avenida Caxangá
percorrendo os seguintes bairros: Madalena, San Martin, Cordeiro, Iputinga, Engenho do
Meio, Cidade universitária, Várzea, e o município de Camaragibe.
10
O GPS é um sistema de localização de posicionamento de um receptor na superfície da terra a partir de sinais
emitidos por satélite. O receptor decodifica as transmissões de sinais de múltiplos satélites e calcula a posição
exata (latitude, longitude e altitude) com base nas distâncias desses.
79
A Rota 6 inicia-se no viaduto que liga o Bairro dos Coelhos ao Bairro de São José,
percorrendo os bairros de Santo Antônio e Recife Antigo.
Nas três figuras que se seguem é possível perceber as rotas no mapa. A figura 2
evidencia as Rotas 1 e 2 da região sul, percorridas dia 15 e dia 16/11/08, perfazendo um total
de 131, 3 quilômetros (Km) de extensão; nas cores: azul e vermelha (representando a ida e
volta) encontra-se traçado o percurso Zona Sul subúrbio; na cor vermelha, rosa e na verde
Zona Sul Litoral, incluindo o bairro de Brasília Teimosa, apesar do mesmo ter sido visitado
posteriormente no dia 06/12/08. O percurso deste bairro acrescenta mais 19,8 km de extensão
às rotas dos dias 15 e 16 acima citadas.
Salientamos que, apesar das fotos registradas anteriormente terem sido incorporadas às
rotas, os percursos executados não foram registrados uma vez que os mesmos não possuem
medição das distâncias efetivamente percorridas.
80
Figura 2 (3) - Rotas percorridas região sul
81
A Figura abaixo representa a Rota 3 - Norte litoral e subúrbio, realizada dia 22/11/08,
percorrendo um total de 104, 7 Km de extensão.
Figura 3 (3) - Rotas percorridas região norte
82
Na figura seguinte podemos visualizar as Rotas 4, 5 e 6, que formaram o percurso
Noroeste, Oeste e Centro do mapa arqueológico.
Figura 4 (3) - Rotas percorridas região centro e região oeste
83
O traçado em vermelho e verde representa a Rota 4 - Noroeste, percorrida dia
30/11/08, com 40 km de extensão; a linha azul mostra a Zona Oeste, percorrida dia 07/12/08,
com um percurso de 54, 11 Km; ainda a linha azul representa (na parte de baixo do mapa) a
Zona Centro, realizada dia 02/01/09 com 9,25 Km percorridos.
3.2.3.1 A instalação do fotograma
Valendo-nos de imagens como referência para o desenvolvimento de teoria, estamos
conscientes que utilizamos de uma prática comum apenas nos estudos culturais (HARPER,
2005), mas que em nosso caso representou a condição apropriada.
Nossa investigação buscou fazer uso do recurso imagético como uma forma de
narrativa que, agregada ao método etnográfico, proporcionou uma série rica de elementos
muitas vezes inviáveis de serem captados pelas palavras (CAVEDON, 2001; LOIZAS, 2002).
Consideramos, por tanto, que o estudo dos usos das tecnologias audiovisuais constitui um
processo de produção de narrativas etnográficas (HARPER, 2005; ROCHA, 2003).
Considerando que existem situações que dependem do processo fotográfico e que as
investigações sociológicas vêm se apoiando fortemente neste recurso (HARPER, 2005), nossa
pesquisa encontrou nele a liberdade narrativa necessária para sua execução. A estrutura e o
caráter polissêmico desse processo permitiram analisar como os significados são construídos,
incutidos e veiculados pelos meios sociais, obtendo modos singulares de observar e descrever
a cultura e as modificações provocadas em seu meio (ACHUTTI; HASSEN, 2004; CAVEDON,
2001; BONI; MORESCHI, 2007; HARPER, 2005).
Salientamos que Harper (2005) acredita que o método fotográfico se tornará em breve
muito comum na antropologia visual por sua qualidade de pesquisa interativa e capacidade de
documentar o cotidiano das pessoas. O autor argumenta que as imagens fotográficas são
dados similares às outras formas de dados, podendo incitar um pensamento sociológico
84
inteiramente a partir de suas imagens. As imagens são muito úteis nos estudos de mudança
social por sua capacidade de revelá-las com extraordinário detalhamento, desenvolvendo
argumentos visuais. As novas possibilidades tecnológicas que, em si permitiram as novas
formas de pensar e fazer pesquisa de campo visual apresentam também inúmeras vantagens
de leitura, interpretação e interação com os conteúdos captados.
Recorrer ao recurso fotoetnográfico, entretanto, significou combinar de modo
adequado os dois saberes: o da técnica fotográfica e o da visão antropológica do fenômeno,
cuja condição define a aplicação do método etnográfico tais como: um olhar supostamente
desprovido de preconceitos e capaz de relativizar, da necessidade de construção de uma sólida
bagagem teórica, da imersão da pesquisadora no campo, e da utilização da técnica de
observação acompanhada do diário de campo (ACHUTTI; HASSEN, 2004; ANDION; SERVA,
2006; CAVEDON, 2001; BONI; MORESCHI, 2007 GODOY, 2006; GODOI; BALSANI, 2006).
O uso da fotografia implicou em outros cuidados uma vez que, diferentemente da
produção escrita, a construção etnográfica através dos meios audiovisuais revelam um
ilimitado campo de criação de sentido (GODOY, 2006; GODOI; BALSANI, 2006; RODRIGUES,
2006). No entanto a subjetividade é inerente também aos demais recursos investigativos, e foi
preservada através da adoção da visão antropológica, pelo uso da analítica interpretativa
arqueológica e pela adoção de um planejamento da ida ao campo, referente inclusive à
elaboração da organização do fotograma, que implicou na execução da seqüência das fotos e
sua forma de arquivamento, propiciando que seu resultado gerasse uma narrativa
fotoetnográfica (ACHUTTI; HASSEN, 2004; BONI; MORESCHI, 2007).
A seqüência de categorização e organização do fotograma foi realizada tomando por
base a localização das cenas no interior do sítio arqueológico. A proximidade geográfica de
cenas foi uma questão significativa para formação das séries discursivas. Para possibilitar a
85
guarda organizada e recuperação temática imediata por séries discursivas, utilizamos o
programa de tratamento e gerenciamento de imagens Adobe Photoshop Lightroom II11
3.3 Procedimento analítico
Esta seção descreve o procedimento analítico que foi utilizado para a busca de
compreensão do complexo jogo discursivo que envolveu a marca Coca-Cola nos cenários
cotidianos locais, registrados fotograficamente durante os sete meses de pesquisa em campo.
Contudo, é preciso reforçar nosso entendimento de que a utilização da prática de
pesquisa qualitativa gera um o esforço analítico próprio, e que este representa apenas uma
dentre outras diversas possíveis abordagens para o campo. Além deste fato, a investigação é
um resultado evidenciado em determinadas condições de tempo/espaço, condições que se
apresentaram interdependentes de seu contexto e inseridas num processo sistêmico de
mudanças; esses fatos nos deixa conscientes de que os sentidos não se esgotam em nosso
gesto interpretativo.
3.3.1 O procedimento arqueológico
Para a análise dos discursos utilizamos como guia o projeto arqueológico. Porém, a
adoção da arqueologia nos levou a desenvolver um caminho metodológico que possibilitou o
fornecimento da instrumentalização própria para as observações e análise dos dados obtidos
em campo. O próprio Foucault afirmou que para existir de fato uma análise de discurso
arqueológica seria necessário que se considerasse não apenas as questões referentes ao
11
O Lightroom, software da Adobe Photoshop, é um aplicativo destinado a processar e organizar logicamente
imagens digitais (BARROSO, 2007)
86
procedimento, mas os problemas teóricos que surgissem no emprego dos conceitos chaves
como o de descontinuidade, de ruptura, de limite, de série. Em seu estudo o autor priorizou
tratar as questões teóricas, em detrimento dos procedimentos. A oportunidade de desenvolvêlos certamente não chegou a ser sua intenção ou ainda, simplesmente jamais aconteceu.
Desse modo, utilizar o projeto intelectual de Foucault foi, sem dúvida, um grande
desafio pautado, principalmente, na dificuldade inerente de adentrar num espaço considerado
incerto e passível de ser percorrido das mais diversas formas. De fato, seu projeto quebra a
linearidade das formas de raciocínio de temas consolidados.
Visando estabelecer o procedimento de construção do caminho metodológico, na fase
de identificação e registro de presença da marca no cotidiano nos apoiamos no corpo de
conhecimentos do composto de marketing e seu conjunto de ferramentas, uma vez que eles
representam as ações da marca.
Localizamos a presença da Coca-Cola em ações de marketing específicas referentes:
sinalização de praças, presença de frota de distribuição, merchandising interno, exposição da
estocagem de produtos, em produtos de extensão da marca, na utilização da forma da
embalagem, em outras diversas formas do processo de comunicação, e finalmente, nas ofertas
de preço promocional que se encontravam disponíveis nos cenários. Contudo, em meio à
comunicação dita “oficial” e promovida pela marca Coca-Cola, identificamos também
práticas mundanas que se estabeleceram de forma espontânea por meio de seus signos. A
organização desses dados pode ser visualizada no próximo capítulo, na tabela: Síntese das
Descrições Enunciativas.
Considerando a diversidade de saberes no universo pesquisado selecionamos as cenas
para formação do arquivo através de um roteiro que obedecia às seguintes condições: 1) que
os elementos da marca estivessem representados; 2) que a cena identificada fosse promovida
pela marca ou por meio dela; 3) nas ocasiões em que não se apresentaram os sinais evidentes
87
da marca (nome e logo) seria preciso que a cena pertencesse a um contexto enunciativo de
voz ativa da marca; 4) Em praças não “oficiais” seriam considerados no cenário apenas os
elementos do contexto que pertenciam à mesma classificação do enunciado da marca que foi
identificado, de modo a promover a prática comparativa.
A primeira etapa do trabalho foi identificar a formação das séries enunciativas, na
medida em que as imagens foram sendo resgatadas. A ordem das séries implicou em
identificar uma seqüência narrativa que incluísse ordens de inferência, raciocínios
demonstrativos, ordem de descrições, esquemas de generalizações, de especificação
progressiva, implicações sucessivas, entre outras. Para identificação das seqüências foi
essencial e determinante, por tanto, a condição de proximidade geográfica entre cenas,
possibilitando a construção de narrativas.
Para identificar as unidades discursivas, buscamos segmentar os dados em unidades
relevantes: iniciamos por descrever minuciosamente de que forma as sinalizações da marca
encontraram-se dispostas nas séries (superfícies de emergência dos objetos), até chegar a um
modelo de tabela que esgotasse todas as variações. Todas as imagens foram inicialmente
analisadas por meio dessa tabela, onde foram registrados os tipos de composição existentes
em cada enunciado (Tabela Coleta dos Elementos no Campo, presente na próxima seção).
Os dados foram levados para uma planilha, onde buscamos decifrar quais as funções
de cada elemento no interior dos enunciados a partir da análise de suas relações com o
contexto e domínio a ele associado, ou seja, as possíveis ações que são propiciadas por este
enunciado enquanto formação discursiva. A procura do desempenho dos enunciados nos
levou a buscar apóio, mais uma vez, na literatura de marketing. Essas funções levaram
também em consideração o campo de práticas não discursivas.
Na medida em que o quadro de funções foi se constituindo tornou-se possível
identificar que as práticas discursivas são regidas por regras que estabelecem transformações
88
e encadeiam descontinuidades. A função enquanto signo, por tanto, só faz sentido por meio
das regras de formação que regulam e governam os atos discursivos.
3.3.2 Componentes do procedimento analítico
Para compreensão da sociedade ocidental por meio das formações discursivas que
permeiam o confronto entre as culturas global e local utilizando o projeto arqueológico, foi
necessário recorrer a um processo específico de análise discursiva: ao invés de interpretar o
documento em si, buscamos trabalhar em seu interior, ordená-lo, definir suas unidades e
descrever suas relações.
Este procedimento foi composto inicialmente de três componentes analíticos cuja
forma foi determinada pelo próprio campo: primeiramente foram identificadas por meio dos
enunciados, as descrições enunciativas. As mesmas compõem-se de signos da marca, e
apresentam uma finalidade ou ação participativa no contexto da cena, ou seja, possuem uma
função que por sua vez obedece a regras de funcionamento partilhadas.
Nosso campo discursivo foi representado por séries de imagens registradas no
cotidiano, que se apresentam como séries curtas, de um, dois ou três registros, ou longas o
bastante para conter até oitenta e três imagens, como foi o caso da representação da marca na
Avenida Recife. Assim, para capturar as variações e condições de [co]existência dos
elementos e identificar as descrições enunciativas de cada série, utilizamos uma tabela
contendo todas as possíveis descrições (formando as linhas) e a numeração de cada foto
(representando as colunas) onde registramos o que continha cada uma. Essa forma de registro
nos possibilitou capturar em cada série as condições de presença das descrições, conforme
segue o exemplo da Rota 1 - Série 14 na tabela a seguir.
89
Série 14 - Data: 08/11/15
Faixa
Placas
Toldos
Fachada
Descrição dos elementos
Nome da marca
Grafia
Cores
Onda
Imagem da campanha
Campanha com distribuidor
Título da peça
Título da peça adaptado por outrem
Slogan da marca
Signos da multimarca
Signos de outra marca
Nome próprio ou apelido
Nome alusivo à crença
Nome alusivo ao negócio
Nome alusivo à localização
Nome (guaraná, fruta, caldo de cana)
Candidato político
Lista de iguarias
Estipular regras
Revelar regras
Fazer votos
Apelo contra violência
Outras imagens ou cores
Selo central de serviço ao cliente
Pichado (grafitado)
Nome da marca, grafia
Cores
Nome próprio ou apelido
Nome alusivo ao negócio
Nome da marca, grafia, cores
Signos da multimarca
Signos de outra marca
Signos do distribuidor
Signos de outro produto/ serviço
Nome próprio ou apelido
Nome alusivo à crença
Nome alusivo ao negócio
Nome alusivo à localização
Nome (guaraná, fruta, caldo de cana)
Nome pontos de atendimento da marca
Candidato político
Lista de iguarias
Nome da marca, grafia, cores
Signos da multimarca
Signos de outra marca
Signos de outro produto/ serviço
Nome próprio ou apelido
Nome alusivo à crença
Nome alusivo ao negócio
Nome alusivo à localização
Nome (guaraná, fruta, caldo de cana)
Candidato político
Lista de iguarias
N úmero das fotos
24
25
26
27
28
29
30
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
Tabela 4 (3) - Coleta dos elementos no campo
90
Bandeirolas
Out door
Da marca
Da multimarca
De outra marca
De outro produto
Da marca
Com outra marca
Com distribuidor
De promoção
De shows
Da marca
De outra marca
De outro produto
Da marca
Guarda sol
De outra marca
Da marca
Cadeiras/ mesas
Da multimarca
De outra marca
Da marca
Porta canudos /
Da multimarca
cerveja
De outra marca
Sem marca
Da marca
Display /
Da multimarca
Quiosque
De outra marca
De outro produto
Da marca
Cartaz preço
Da multimarca
De outra marca
De outro produto
Da marca
Cartaz promoção Da multimarca
De outra marca
De outro produto
Cartaz candidato político
Lista de iguarias
Cartão de crédito
Tíquete refeição
Pufs, Computadores, animadores, performance, display em
forma de garrafa
Churrasco
Jogo eletrônico, som e TV
Ambiente - coberta choupana ou palha
Ambulante
Presença de Carro de mão
Carro de mão com produto da marca
Presença da bicicleta
Bicicleta com produto da marca
Caminhão
Moto
Da marca
Da multimarca
De outra marca
De outro produto
Outros: descrever
PDV
Geladeira
Cartaz / adesivos/ bunner
x
x
x
x
x
Estoque
Frota de
distribuição
Serviços
PV
x
x
x
x
Tabela 5 (3) - Coleta dos elementos no campo (Cont.)
91
Esse modelo de tabela foi sendo elaborado durante a coleta e posteriormente foi
sintetizado em oito elementos visando possibilitar as triangulações. A síntese encontra-se
demonstrada no capítulo quatro (Tabela Síntese das Descrições Enunciativas)
Com base na elucidação e posterior triangulação desses três aspectos (descrições
enunciativas, funções e regras), buscamos as formações discursivas. As formações, por sua
vez, também são regidas por regras que foram reveladas.
A elucidação, a articulação e ordenação dessa estrutura foi o que permitiu analisar o
terreno das coisas ditas.
92
4 Descrição dos resultados
Este capítulo apresenta as observações que compõem os resultados da pesquisa. Para
melhor compreensão das etapas iniciaremos apresentando a síntese das descrições
enunciativas e as identificações das funções e regras com suas respectivas descrições. Na
etapa posterior apresentamos as relações entre regras e descrições enunciativas encontradas na
prática discursiva, comentadas e exemplificadas.
Salientamos que na segunda etapa do trabalho é possível já identificar algumas
prováveis respostas para as questões específicas norteadoras desta pesquisa, embora essas
apareçam em forma de pistas que orientam nossa compreensão, e nunca em forma de
respostas diretas e objetivas, pelo próprio caráter de investigação.
Por fim apresentamos as formações discursivas e as regras gerais que as conduzem no
contexto.
4.1 A identificação no limiar discursivo
Nosso olhar sobre a prática discursiva estabelecida no limiar relacional das culturas
global e local nos levou a desvelar as relações existentes entre as descrições enunciativas,
funções e regras em cada contexto. Encontramos oito descrições enunciativas, dezesseis
funções e dez regras, descriminadas no decorrer desta seção.
93
4.1.1 As descrições enunciativas
Para Foucault (2007) um enunciado é um conjunto de signos considerados no nível de
sua existência, ou seja, o enunciado é o que dá o saber.
A descrição dos enunciados do campo discursivo representou a unidade enunciativa
desta pesquisa. Em nossos sítios identificamos como enunciado as ações específicas de
marketing realizadas nos pontos de venda e verificamos que cada enunciado era composto de
um conjunto de elementos (considerados pela literatura de marketing como constituintes do
valor patrimonial da marca), sendo por meio de suas funções que este gera sentido àquele.
A descrição enunciativa constituiu-se da individualização desses elementos, que foram
a seguir organizados sinteticamente para possibilitar a realização das próximas etapas do
trabalho: a identificação das funções e regras e a descoberta das formações discursivas.
A seguir, mostramos a tabela síntese a que chegamos, contendo as oito possibilidades
que compõem a descrição de enunciados.
Denominações
Elementos da logomarca
Descrições enunciativas
Peças publicitárias da marca
Material de merchandising da marca
Pontos de atendimento da marca
Composição da descrição do enunciado
São considerados: os signos da marca como o nome, a
representação da onda, a grafia e as cores
São considerados: toda mídia externa, como out door, faixa
e painel. Por exemplo: a peça O melhor sabor de
Pernambuco e suas variações, tanto na fachada de pontos
de venda como em forma de painel na frota de distribuição
ou ainda no centro da cidade, guarnecendo a parada de
ônibus e a placa de pedestres nas margens do Centro de
Excelência.
São considerados: as sinalizações de preço e promoções de
ponto de vendas, Selo (CAC ou comemorativo), display e
quiosque, geladeira, guarda-sol, cadeiras e mesas, portacanudo e porta-cerveja
São considerados: o Centro de Excelência e a Estação de
Reciclagem Coca-Cola, e ação de prestação de serviço de
utilidade pública efetuada por meio da marca
Tabela 6 (4) - Síntese das descrições enunciativas
94
Ações promocionais da marca
Co- habitação com marcas concorrentes
Operações do distribuidor
Adaptações populares
São considerados a imagem dos produtos de promoção, o
título das campanhas e as ações como: estipular regras para
a participação das mesmas e as condições programadas de
ambiente para viabilizá-la tais como pufs, computadores,
animadores e performance
São considerados: a presença da concorrência, dada por:
signos da multimarca, signos de outra marca ou produto,
sinalização de preço de outra marca ou produto, ou ainda
promoção de outra marca ou produto
São considerados: signos do distribuidor, jogo eletrônico,
churrasco, som e televisão, ambiente (coberta choupana ou
palha), estoque da marca, estoque de outras marcas ou
produtos, lista de iguarias, promoção conjunta marca/
distribuidor, tíquete refeição e/ou cartão de crédito, frota de
distribuição como caminhão e moto, ou ainda a presença da
bicicleta ou do carro de mão para entrega
São considerados: adoção de outras cores, título da peça da
marca adaptado por outrem, nome próprio, nome alusivo ao
negócio, nome alusivo à localização ou à crença, nome
(guaraná, fruta, caldo de cana), candidato político,
pichação, ambulante, bicicletas e carro de mão com o
produto, revelar regras, fazer votos ou apelo contra
violência por meio da marca
Tabela7 (4) - Síntese das descrições enunciativas (Cont.)
4.1.2 As funções
A função é uma ação que se revelou na prática enunciativa por meio da existência de
um domínio de saberes que lhes está associado, neste caso específico, as relações da cultura
de consumo e o campo teórico do marketing. Nesta pesquisa, localizar a função representou
uma operação de decifração que buscou revelar o desempenho de cada elemento da marca no
enunciado, ou seja, a ação que o mesmo propicia no contexto. A tabela a seguir apresenta as
funções encontradas e suas respectivas descrições.
95
Funções Enunciativas
Nome
Antropomorfizar
Apoiar convenção social
Apropriar-se de aspectos culturais
Comunicar
Desculpabilizar excesso
Estipular regras
Experienciar
Identificar parceiros
Identificar-se
Incorporar aspectos culturais
Persuadir
Promover hegemonia
Propiciar entretenimento
Tolerar diferenças estéticas
Tolerar partilhamento do espaço
Ser representada
Ação propiciada
Atribuir qualidades humanas aos signos da marca
Comunicar convenção social por meio da marca
Apropriar-se intencionalmente de aspectos culturais nativos
Desenvolver os elementos da marca
Indicar combinação para atenuar o excesso calórico
Estipular regras para participar de promoção da marca
Criar condições de usufruto da experiência da marca
Identificar parceiros comerciais
Promover a identificação da marca
Assimilar aspectos culturais por meio da marca
Levar a crer nas promessas da marca
Tornar preponderante o discurso da marca
Apoiar ou promover ações de entretenimento
Tolerar a não adoção do padrão estético (cor/forma) estipulado
pela marca
Dividir o espaço com outras marcas, inclusive de concorrentes
Ter seus signos assimilados pelos signos de outrem (parasitas
culturais)
Tabela 8 (4) - Função e ação propiciada
4.1.3 As regras
As regras de uso que geram sentido aos signos precisam ser delimitadas e definidas em
cada forma de vida, pois, para Foucault a regra é uma prática social. No presente trabalho a
mesma é uma prática social mediada pela marca. As regras foram estabelecidas na condição
de existência e permanência dos elementos em cada repartição discursiva: buscamos nas
séries
discursivas
as
condições
de
[co]existência,
manutenção,
modificação
ou
desaparecimento dos elementos que compõem os enunciados.
96
Nome
Uniformidade
Regras
Reprodução
Articulação cultural
Polifonia
Incitamento
Prática do poder
Rebeldia
Relação de poder
Redundância
Credibilidade
Descrição
Emprego padronizado dos elementos de marca no processo de
comunicação
A repetição contínua das mensagens da marca
Interação entre a marca e a cultura local
Associação da marca com outros planos discursos (endosso, co –
branding, entre outras)
Instigar vinculação com promessas da marca
Influenciar o comportamento de outrem por meio da marca
Cometer ação de transgressão por meio da marca
Estabelecer relações de confronto (disputa) entre a marca e outros
discursos (por meio de concorrência direta ou indireta do espaço;
pichações, etc)
Facilitar a recepção e interpretação das mensagens por meio da marca
Garantir disponibilização do serviço
Tabela 9 (4) - Regra e descrição
4.2 A prática estabelecida no limiar discursivo
Nesta etapa, iniciaremos apresentando as relações estabelecidas entre as descrições
enunciativas, funções e regras, exemplificando os achados etnográficos. O cruzamento de
dados ou triangulação é uma etapa fundamental da etnografia e evidencia a fase que se segue:
a identificação das formações discursivas.
Ao estabelecermos essas relações fomos conduzidos pela busca de compreensão das
duas questões específicas desta pesquisa, que tratam de como as marcas reproduzem a cultura
global ocidental, como as mesmas se estabelecem nas práticas cotidianas locais.
97
4.2.1 Sob a regra uniformidade
A figura abaixo permite visualizar a relações possíveis entre as descrições enunciativas
e funções que se estabelecem na regra denominada uniformidade.
Identificar-se
Elementos da
logomarca
Comunicar
Uniformidade
Peças publicitárias
Promover
hegemonia
Material de
merchandising
Persuadir
Figura 5 (4) - Regra uniformidade
A regra uniformidade, ou seja, a representação padronizada dos elementos da marca,
reproduz uma condição de [co]existência estabelecida entre as funções identificar-se,
comunicar, promover hegemonia e persuadir, mediadas pelas descrições enunciativas:
elementos da logomarca, peças publicitárias e material merchandising, responsáveis por
materializar parte da comunicação da marca. O exemplo que se segue busca elucidar a
compreensão sobre essa relação.
98
Figura 6 (4) - Zona sul subúrbio foto 41: uniformidade por meio dos elementos da logomarca, peças
publicitárias e visual merchandising – Out 2008
Os elementos da logomarca presentes na fachada (cores, marca e slogan) têm por
função identificar-se promovendo seu reconhecimento, comunicar por meio deles as
características pertinentes à identidade desenvolvida para marca, e promover hegemonia, ou
seja, a supremacia discursiva da marca no contexto discursivo.
A peça publicitária de título O melhor sabor de Pernambuco além de vincular-se às
funções acima descritas, está atrelada à função persuadir. Para tanto, a marca usa da estratégia
de apropriar-se de elementos nativos como da imagem do casario do Recife Antigo e da frase
em que se estabelece como melhor sabor do local, criando a condição para operar seu discurso
ideológico (ADORNO, 2002; JAMESON, 2004; ORTIZ, 2008)
O material merchandising está presente no exemplo em forma de bandeirolas que
comunicam os elementos da marca, promovem hegemonia e utilizam a persuasão através da
imagem e do comando: Combine o que é bom.
99
As relações acima apresentadas entre as descrições enunciativas e as funções foram
viabilizadas por meio do emprego padronizado dos elementos da marca no processo de
comunicação, ou seja, foram reguladas pela uniformidade.
O conjunto enunciativo da regra uniformidade baseia-se na estratégia de marketing
que procura mobilizar para a marca um sistema único de valores que é transmitido por meio
de uma comunicação uniforme e seriada, visando o fortalecimento de sua imagem em seus
mercados alvo (KAPFERER, 2003). A transmissão uniforme e a distribuição de objetos
idênticos favorecem o armazenamento de associações favoráveis e desejáveis da imagem da
marca na memória do consumidor.
4.2.2 Sob a regra reprodução
A regra reprodução (repetição contínua das mensagens da marca) se estabelece de
forma idêntica à uniformidade, e com ela compactua para a transmissão de mensagens
eficazes, como pode ser percebido na figura que se segue:
Identificar-se
Elementos da
logomarca
Comunicar
Reprodução
Peças publicitárias
Material de
merchandising
Promover
hegemonia
Persuadir
Figura 7 (4) - Regra reprodução
100
Nos exemplos a seguir é possível verificar que a marca promove a reprodução de suas
mensagens idênticas. A primeira foto refere-se à expressividade dos elementos da logomarca
e peças publicitárias.
Figura 8 (4) - Zona sul subúrbio foto 14: reprodução por meio dos elementos da logomarca e peças
publicitárias – Out 2008
A figura oito pertence a um trecho da série discursiva formada por bancas que ocupam
a margem da Avenida Recife. A grande maioria obedece a um padrão estético idêntico, mas
demonstram que foram sofrendo adaptações no cotidiano. A série inicia com poucas bancas
espaçadas que se avolumam no final, e termina com um motel que se apropriou da grafia e
cores da marca introduzindo-se, desse modo, na narrativa. .
Nas duas imagens seguintes apontamos a mesma sinalização de preço disposta em
regiões distintas da cidade:
101
Figura 9 (4) - Zona norte litoral foto 08: reprodução por meio de material merchandising – Nov 2008
Figura 10 (4) - Zona oeste foto 68: reprodução por meio de material merchandising – Dez 2008
As funções que coexistem e integram a regra denominada reprodução (a repetição
contínua das mensagens da marca), de forma idêntica à regra uniformidade, são provenientes
102
das mesmas descrições enunciativas As relações acima apresentadas foram viabilizadas por
meio da repetição do emprego padronizado dos elementos da marca no processo de
comunicação. A comunicação da marca Coca-Cola, como a de todo produto global, difunde
uma cultura de valores universais mixados aos locais e deles se alimenta de forma sistêmica
(JAMESON, 2004; MORIN, 2007).
O papel da publicidade e da propaganda ocupa um lugar importante na vida social
contemporânea por sua capacidade de veicular, transmitir e construir nossas interpretações da
realidade e do mundo social, fazendo parte do cotidiano das pessoas e comunicando valores e
formas de interagir capazes de transformações socioculturais (FAIRCLOUGH, 2001). Para tanto,
a publicidade comercial explora o universo particular do indivíduo, dos desejos, simula um
igualitarismo, e substitui indicadores de autoridade e poder por sedução, em que a referência
forjada faz o global superar o nacional utilizando da familiaridade que é criada pela repetição
(JAMESON, 2004). Desse modo, a reprodução participa da construção da memória e promove o
prazer do reconhecimento (ADORNO, 2002), trazendo para este discurso uma ordem sistêmica
de informação: fortalecimento e persuasão, responsáveis pela sensação de familiaridade que
nos trazem os produtos da marca Coca-Cola.
4.2.3 Sob a regra Prática de poder
A identificação da busca de influenciar o comportamento de outrem por meio da
marca foi denominada de prática de poder. Esta regra envolveu um número expressivo de
relações: oito funções e sete descrições enunciativas. Na figura a seguir é possível visualizar
as relações estabelecidas nessa prática discursiva.
103
Elementos da
logomarca
Adaptações
populares
Peças publicitárias
Ser representada
Propiciar
entretenimento
Comunicar
Persuadir
Pontos de
atendimento
Prática de poder
Promover
hegemonia
Ações
promocionais
Estipular regras
Material de
merchandising
Operações com
distribuidor
Desculpabilizar
excesso
Experienciar
Figura 11 (4) - Regra prática de poder
Os exemplos que se seguem trarão esclarecimentos sobre as relações que integram a
regra prática de poder. O primeiro representa a ação ser representada, ou seja, a marca tem
seus signos assimilados por parasitas culturais, tanto por meio de adaptações populares como
também por elementos da logomarca. Na cena o ponto de venda se apropria dos signos da
marca: cores, nome e a própria grafia que, no caso, foi manuscrita.
104
Figura 12 (4) - Zona norte subúrbio foto 88: persuadir e ser representada por meio de adaptações
populares e de elementos da logomarca – Nov 2008
Na figura seguinte o slogan é adaptado à campanha promocional, e permite visualizar
a função propiciar entretenimento, tanto por meio dos elementos da logomarca, quanto de
peças publicitárias e de ações promocionais; no exemplo persuadir aparece como uma função
representativa de todas as descrições, tal como o é para esta regra nos demais casos do
arquivo; estipular regras está ligado a peças publicitárias e ações promocionais; e experienciar
encontra-se ligada a peças publicitárias. A figura corresponde à campanha Corda na Rua
realizada pela marca no Shopping Center Recife em junho de 2008, lançada no início das
férias escolares. A campanha incentivou a troca de tampinhas de produtos Coca-Cola por
cordas de várias cores que deveriam ser colecionadas. Os animadores fizeram demonstrações
de performances que viraram moda nas ruas e geraram notícias em grupos da internet. A
campanha foi vinculada a uma ação maior da marca como patrocinadora dos jogos olímpicos.
105
Figura 13 (4) - Zona sul litoral foto 01: persuadir, propiciar entretenimento, experienciar e estipular
regras por meio de ações promocionais, peças publicitárias e elementos da logomarca – Jun
2008
A figura ao lado refere-se ao ponto de
atendimento
denominado
Centro
de
Excelência Coca-Cola, no qual estão
presentes às ações de comunicar os
elementos
da
marca,
e
persuadir,
viabilizando o discurso ideológico. O
centro abriga diversos pontos de venda e
se configura numa grande praça de
alimentação montada no centro da cidade
em parceria com a Prefeitura do Recife.
Figura 14 (4) - Zona Centro foto 11: persuadir e comunicar por meio de pontos de atendimento –
Ago2008.
106
Na regra prática de poder, promover hegemonia é uma ação que está ligada apenas a
peças publicitárias e material merchandising. No exemplo abaixo (Centro de Excelência
Coca-Cola) é possível identificar as ações que levam à regra: compartilham do mesmo espaço
os painéis de peças publicitárias, display de preços, cadeiras e mesas, geladeira, porta-cerveja,
entre outros, numa ação de presença preponderante da marca, constituindo uma clara
demonstração da intenção: promover hegemonia.
Figura 15 (4) - Zona Centro foto 10: promover hegemonia por meio de peças publicitárias e visual
merchandising. – Ago 2008
Nas operações com o distribuidor existe as ações propiciar entretenimento, persuadir e
experienciar que, apesar de estarem presentes no exemplo abaixo (Fig. 16), já foram
demonstradas em outras ligações desta regra. Contudo, o mesmo representa a ação
desculpabilizar excesso que apresentou-se como função apenas dessa descrição.
107
Em parceria com o Burger King, as marcas comandam: Escolha. Faça do seu jeito.
Sem problemas. Você tem direito de ter as coisas do jeito que gosta. Aqui você faz do seu
jeito. Nesta promoção a oferta calórica é acompanhada com Zero açúcar em referência ao
lançamento da Coca-Cola Zero. Nesta ação a marca compartilha de uma referência cultural no
sentido de desculpabilizar a ingestão de excesso calórico. Essa é uma prática nativa comum:
numa comemoração, por exemplo, freqüentemente alguém anuncia a quebra de seu regime
alimentar, e busca compensar essa transgressão ingerindo uma bebida que não engorda. Essa
ação é uma busca de diminuir a culpa gerada pelo deslize de não resistir a uma tentação.
Figura 16 (4) - Zona sul litoral foto 02: Persuadir, desculpabilizar excesso e experienciar por meio de
operações com distribuidor – Ago 2008
Quando se trata de propiciar entretenimento por meio de operações com o distribuidor
podemos perceber, por exemplo, a disponibilização de jogos em ponto de venda que são
patrocinados pela marca. Ainda nesses espaços, encontramos como prática comum a
disposição de aparelhos de som ou de televisão, conforme o exemplo a seguir.
108
Figura 17 (4) - Zona sul subúrbio foto 22: propiciar entretenimento por meio de operações com
distribuidor – Out 2008
Assim, a regra prática de poder conduz as práticas populares e as da marca, sob várias
formas de descrições enunciativas, encampando as vozes de representação exercidas pela
marca e por meio dela, ativando um conjunto variado de funções para seus enunciados, tendo,
contudo, a função persuadir uma presença constante em todos eles.
A persuasão é bastante utilizada pela publicidade combinada com vários tipos de
informações, fato que vem se tornando uma condição naturalizada (FAIRCLOUGH, 2001). Sob
o ponto de vista da comunicação e dos signos da marca (incluímos as ações promocionais, os
elementos da logo, as peças publicitárias, pontos de atendimento, operações com distribuidor
e o material de merchandising), identificamos que as funções buscam além de persuadir
propiciar entretenimento, experienciar e estipular regras, desculpabilizar excessos, promover
hegemonia e ser representada. Neste sentido é possível perceber a estratégia de dominação da
109
marca pela utilização da educação imagética projetada e mediada pela diversão, reduzindo a
ela própria o espetáculo (ADORNO, 2002; DEBORD, 1997; HALL, 2006; ORTIZ, 2007).
Contudo, as adaptações populares também utilizam de estratégia quando buscam os
elementos da marca para seu posicionamento. Encontramos no campo discursivo, sob diversas
formas, parasitas culturais que buscam assimilar os signos da marca para sua promoção ou
sobrevida. Nesse sentido, percebemos que a cultura popular busca os mesmos artifícios do
colonizador para se fortificar (CASTELLS, 2008), o que nos leva a compreender que a base dos
discursos sob essa regra encontra-se na manipulação, utilizada por todos os falantes nas cenas.
4.2.4 Sob a regra Relação de poder
A regra relação de poder foi decifrada nas relações estabelecidas entre três funções e
quatro descrições enunciativas, que pode ser observada na figura abaixo.
Elementos da
logomarca
Ser representada
Co- habitação
com marcas
concorrentes
Tolerar
partilhamento do
espaço
Relação de poder
Adaptações
populares
Operações com
distribuidor
Tolerar diferenças
estéticas
Figura 18 (4) - Regra relação de poder
110
A regra relação de poder se refere às condições de confronto estabelecidas no campo
discursivo e será mais bem explicada por meio dos exemplos que se seguem:
Figura 19 (4) - Zona sul subúrbio foto 78: ser representada por meio de elementos da logomarca e
adaptações populares – Nov 2008
Na da regra relações de poder as descrições enunciativas estão ligadas às funções de
ser representada, tolerar diferenças estéticas e tolerar partilhamento do espaço. Sob essa regra
a marca confronta-se ao ter que dividir espaço, tanto com as marcas concorrentes como na
competição com os discursos de outros produtos.
No exemplo acima, a competição encontra-se manifesta na função ser representada
que se dá por meio de adaptações populares e elementos da logomarca, estabelecendo o
confronto no campo discursivo: o ponto de vendas é um parasita cultural que se apodera dos
signos da marca (utiliza suas cores), vende bebidas nativas que concorrem com o produto da
marca, e encontra-se localizada estrategicamente entre dois pontos de venda oficiais da
mesma, como é possível visualizar a seguir na seqüência de imagens (anterior e posterior).
111
Figura 20 (4) – Foto anterior à figura 18, parte da série discursiva 18, Rota 1- Nov 2008
Figura 21 (4) – Foto posterior à figura 18, parte da série discursiva 18, Rota 1- Nov 2008
Outra forma de confronto e relação de poder: encontra-se na co-habitação com marcas
concorrentes que impõem à Coca-Cola tolerar diferenças estéticas e partilhar o espaço de
vendas; por vezes no mesmo caso, as operações com o distribuidor também apontam para
112
tolerar partilhamento de espaço. Na cena abaixo poderemos ver o exemplo das duas
descrições e funções juntas numa ação do distribuidor.
Figura 22 (4) - Zona Sul litoral foto 62: Tolerar partilhamento de espaço e tolerar diferenças estéticas por
co-habitação de marcas concorrentes e operações com o distribuidor– Nov 2008
O caso representado não foi único no campo discursivo. Encontramos outros exemplos
onde a marca está presente na placa e às vezes no material merchandising, mas a fachada é
uma área de domínio de outra marca; ou ainda de forma inversa, em domínios oficiais é
comum a existência de placas, estoque, material merchandising ou promocional, de outras
marcas ou produtos que, por dividirem as atenções do espaço discursivo, promovem
confronto com a marca, estabelecendo as relações de poder.
113
4.2.5 Sob a regra Articulação cultural
A identificação da regra articulação cultural se deu nas relações de quatro funções e três
descrições enunciativas que podem ser observadas na figura que se segue:
Adaptações
populares
Apropriar-se de
aspectos culturais
Antropomorfizar
Peças publicitárias
Incorporar
aspectos culturais
Operações do
distribuidor
Articulação
cultural
Apoiar convenção
social
Figura 23 (4) - Regra articulação cultural
A partir dos exemplos a regra e suas relações serão esclarecidas. Na cena que se segue
é possível perceber por meio de adaptações populares as ações: antropomorfizar e incorporar
aspectos culturais, regidas pela articulação cultural.
.
114
Figura 24 (4) - Zona noroeste foto 02: Antropomorfizar e incorporar aspectos culturais por meio de
adaptações populares – Nov 2008
Antropomorfizar caracteriza a ação de atribuir características humanas a “coisas” ou a
seres vivos. Nesse sentido, o aparecimento de nomes próprios em pontos de venda
representou uma situação comum em todo arquivo: assim como tivemos “coisas” que se
diferenciavam porque pertencia a alguém como o Bar do João, Bar do Oscar, a Banca da
Marina, entre outros, tivemos também um estabelecimento comercial personificado Tia
Dondon (Fig. 23), que exemplifica mais claramente a função.
A mais de vinte anos esta doceria representa na memória dos recifenses as delícias que
são produzidas utilizando receitas tradicionais (de sabor reconhecido) com a qualidade dos
alimentos “feitos em casa”; destinatários de carinho e cuidados especiais, os produtos Tia
Dondon são de procedência conhecida, portanto de confiança, justificando seu preço
diferenciado. Essa condição promovida por adaptações populares imputa qualidades humanas
(características próprias da “tia doceira”) aos produtos e serviços oferecidos no ponto de
115
venda, e ao mesmo tempo faz a Coca-Cola (patrocinadora do mesmo) incorporar aspectos que
são próprios da cultura local.
Por meio de exemplos como o Bar do João, a marca se articula da mesma forma com a
cultura local: os nomes personificam o ponto de vendas, representam e transferem qualidades
humanas específicas aos produtos e serviços ali prestados (que podem se referir a questões de
qualidade ou mesmo de gosto: seja musical, alimentar, ou até mesmo da preferência por times
de futebol), ou simplesmente promovem familiaridade por representarem nomes próprios
ordinários. Essas características constituem a regra articulação cultural, promove relação entre
a marca e a cultura local, e é proporcionada por adaptações populares por meio da
antropomorfização de “coisas”.
As peças publicitárias por sua vez, apropriam-se de aspectos culturais como da
imagem de monumentos (pontes do Recife), como pode ser visto na figura abaixo:
Figura 25 (4) - Zona centro foto 07: apropriar-se de aspectos culturais por meio de peças publicitárias –
Ago 2008
116
As peças publicitárias da marca buscaram referências na cultura local para seus
discursos, promovendo identificação e familiaridade e gerando a sensação de pertencimento,
facilitando assim a absorção de suas mensagens.
Por meio da marca, as adaptações populares também apóiam convenção social: no
exemplo a seguir consta na fachada do ponto de venda oficial o aviso: “proibido som após as
22 horas”. Essa questão representa uma convenção social inclusive pautada na legislação e o
bairro onde se localiza o ponto, como se pode ver pelo contexto, é de âmbito domiciliar.
Figura 26 (4) - Zona sul subúrbio foto 107: apoiar convenção social por meio de adaptações populares –
Out 2008
Com intuito de promover uma melhor visualização do aviso, recortamos e ampliamos
a imagem: na figura que se segue (Fig. 27) pode ser visto o detalhamento.
117
Figura 27 (4) – Ampliação de detalhe da figura 28 – Out 2008
Desse modo, demonstramos que a regra articulação cultural conduz tanto às práticas
populares como à comunicação da marca, através das descrições enunciativas adaptações
populares, peças publicitárias e operações do distribuidor. A comunicação da marca aparece
por meio das funções apropriar-se de aspectos culturais ou incorporar aspectos culturais. Em
ambos os casos, de forma intencional ou não, a marca relaciona-se com questões da cultura
local.
Quando o faz de forma planejada, a marca apodera-se de signos nativos buscando
facilitar a comunicação por meio de mediadores, ganhando expressividade e conquistando
uma bem-sucedida manipulação e contenção de suas mensagens (JAMESON, 2007; MORIN,
2007). Desse modo, a marca gera o sentimento de identificação, pois suas mensagens são
compostas de instituições culturais, de símbolos e de representações nativos, permitindo
contar história e gerar memória. Com narrativas midiáticas recheadas de cultura local, numa
relação sistêmica, constrói as imagens que dão vida à comunidade imaginada (HALL, 2006).
118
Enquanto a marca usa o artifício da aproximação com a cultura para uma comunicação
eficaz, as adaptações populares são no sentido de, por meio dela, construir um espaço
recoberto com sinais da cultura, fortificando suas expressões e materializando discursos
possíveis de asseverar os sujeitos socialmente (ORTIZ, 2007). Nas adaptações populares a
relação se dá nas funções antropomorfizar, que é a busca de atribuir qualidades humanas por
meio dos signos da marca, apoiar convenção social, comunicando-as através da marca e
incorporar aspectos culturais, fazendo-os presentes também por meio dela. Neste caso fica
evidente a busca de difundir ou reforçar às características culturais locais.
Em ambos os casos entendemos que a formação discursiva busca difundir uma relação de
pertencimento com a cultura local, embora os motivos sejam adversos
4.2.6 Sob a regra Incitamento
A regra incitamento representa a relação de três funções e três descrições enunciativas
que podem ser observadas na figura que se segue. Por incitamento compreendemos que seja a
prática de instigar vinculação com promessas da marca
Pontos de
atendimento
Comunicar
Peças publicitárias
Propiciar
entretenimento
Operações com
distribuidor
Persuadir
Incitamento
Figura 28 (4) - Regra Incitamento
119
Como primeiro exemplo desta regra, apresentamos a cena de um ponto de atendimento
que busca comunicar os elementos da marca: a Estação de Reciclagem Bom Preço/ Coca-Cola
que encontra-se colocada na parte exterior do supermercado. A mensagem convoca a
população para a prática da reciclagem com intuito de ajudar milhares de família, numa ação
ambiental/social regida por incitamento. As figuras 29 e 30 constituem o exemplo.
Figura 29 (4) - Zona Centro foto 118: comunicar por meio do ponto de atendimento – Nov 2008
Figura 30 (4) - Zona Centro foto 01: comunicar por meio do ponto de atendimento – Ago 2008
120
A seguir vemos a peça publicitária que tem por função propiciar entretenimento e por
regra incitamento. Na imagem da figura 31 a marca é a patrocinadora oficial de um festival
com bandas populares reconhecidas nacionalmente.
Figura 31 (4) - Zona norte litoral foto 02: propiciar entretenimento por meio de peças publicitárias – Ago
2008
A persuasão realizada por meio de operações com o distribuidor poderá ser
exemplificada na cena em que o ponto de venda assume uma estética de coberta característica
da cultura local. A mesma se assemelha a uma choupana ou palhoça típica do litoral, trazendo
para o ambiente uma sensação de reconhecimento (tornando-o familiar), conforme pode ser
visualizado na cena seguinte (Fig. 32).
121
A forma (ou design)
da coberta encontrada no
Centro de Excelência (ao
lado) foi localizada também
em um ponto oficial da
marca no litoral norte, sendo
utilizada em sua construção
a palha ao invés das telhas
de amianto do exemplo.
Figura 32 (4) - Zona norte litoral foto 12: persuadir por meio de operações com o distribuidor – Ago 2008
Desse modo, a regra incitamento foi encontrada nas expressividades da comunicação
da marca, através das peças publicitárias, operações com distribuidor e pontos de
atendimento. Nas peças publicitárias a sua função foi propiciar entretenimento constituindo
uma estratégia que faz parte do fortalecimento da imagem da marca. Nos pontos de
atendimento a função buscou comunicar os elementos da marca, e nas operações com o
distribuidor, persuadir, ou seja, levar a crer nas promessas da marca. Compreendemos que a
regra incitamento encampa uma estratégia de dominação ideológica da marca sobre receptor,
122
uma ação falaciosa no que diz respeito a sua associação com o ilusório mundo da marca e sua
comunidade imaginada.
4.2.7 Sob a regra Rebeldia
A regra que trata das ações de transgressão exercidas por meio da marca foi denominada
de rebeldia. Essa regra provém de apenas uma descrição enunciativa e uma regra, cuja relação
pode ser observada na figura abaixo.
Adaptações
populares
Ser representada
Rebeldia
Figura 33 (4) - Regra rebeldia
O exemplo a seguir torna mais claro a relação encontrada na prática discursiva que se
estabelece pelo uso ilegítimo dos signos da marca: o colégio Menino Jesus da cidade de
Paulista utiliza os signos da marca na divulgação de um out door em que homenageia o dia
dos pais. Para a ocasião também foram confeccionadas camisetas com a mesma peça
publicitária (na cidade encontramos um pai vestindo a peça de roupa). O exemplo mostra a
apropriação dos signos da marca. (Fig. 33)
123
.
Figura 34 (4) - Zona norte subúrbio foto 03: ser representada por adaptações populares – Ago 2008
A regra rebeldia tem por função a busca de ser representado e constitui-se uma prática
exclusiva da descrição enunciativa adaptações populares e sua ação parasitária de
comunicação por meio dos signos da marca. Nesta formação discursiva é evidente a ação
indisciplinada praticada pelos discursos mundanos que utilizam os signos da marca para
cometer atos de transgressão. O exemplo acima demonstrou a ação parasitária mundana de
apoderamento dos signos da marca.
4.2.8 Sob a regra Polifonia
A polifonia é regra que se estabelece em diversas vozes que se expressam nas práticas
do distribuidor e na co-habitação com marcas concorrentes. Representa a associação da marca
com outros planos discursivos e tem por função identificar parceiros ou tolerar partilhamento
de espaço. A regra pode ser visualizada na figura 35.
124
Operações do
distribuidor
Identificar
parceiros
Polifonia
Co- habitação
com marcas
concorrentes
Tolerar
partilhamento de
espaço
Figura 35 (4) - Regra polifonia
No exemplo que se segue essa regra torna-se mais clara: A peça publicitária abaixo
representa uma operação conjunta da marca com o distribuidor, identifica parceiros e
promove polifonia no campo discursivo.
Figura 36 (4) - Zona Noroeste foto 46: identificar parceiros por meio de operações com distribuidor – Nov
2008
Essa cena também agencia a co-habitação com marcas concorrentes (possui signos de
outra marca e sinalização de preço envolvendo outro produto), promovendo dessa forma a
identificação de parceiros, mas também representando tolerância de partilhamento de espaço.
125
É possível perceber que a constante simultaneidade de vozes no campo discursivo
provoca uma relação de disputa por espaço, que é revelada tanto por meio de práticas de
confronto gerada na convivência com marcas concorrentes, como por meio do
estabelecimento de parcerias, como demonstrado no exemplo da figura 36.
.
4.2.9 Sob a regra Redundância
A redundância foi uma regra encontrada em uma função e uma descrição enunciativa.
A mesma refere-se à facilitação de recepção e interpretação das mensagens efetuadas por
meio da marca, encontrada em diversas placas e revelada por meio do nome alusivo ao
negócio. A relação encontra-se apresentada na figura abaixo.
Adaptações
populares
Identificar
parceiros
Redundância
Figura 37 (4) - Regra redundância
Na figura seguinte (número 38), pode ser conferido um exemplo dessa prática
discursiva: no Mercadinho São Carlos e Bar do Patinho - almoço, janta e sopa.
126
Figura 38 (4) - Zona sul subúrbio foto 104: identificar parceiros por meio de adaptações populares – Nov
2008
A formação discursiva refere-se à descrição enunciativa exclusivamente locada em
adaptações populares: a marca endossa os nomes de estabelecimentos comerciais como bar,
restaurante, banca, entre outros, levando ao receptor à compreensão imediata das finalidades
comerciais dos mesmos.
Essa formação baseia-se em premissas de um raciocínio fundado na cultura, uma vez
que: quando somos comunicados que o ponto de atendimento é um mercadinho, uma banca
ou ainda um restaurante entendemos, de mediato, de que se compõe o seu leque de serviços.
Essa comunicação refere-se ao que Foucault (2007) define como um modo de raciocínio
peculiar à um grupo social, que se baseia em um princípio normativo e formal para
entendimento de um conceito que foi estabelecido culturalmente no decorrer do tempo.
127
4.2.10
Sob a regra Credibilidade
A garantia da disponibilização do serviço define a regra credibilidade. A mesma foi
identificada na relação de uma função e duas descrições enunciativas, conforme pode ser
visualizado na figura abaixo.
Material de
merchandising
Comunicar
Credibilidade
Operações do
distribuidor
Figura 39 (4) - Regra credibilidade
Abaixo, segue um exemplo elucidativo da regra por meio de operações com o
distribuidor.
Figura 40 (4) - Zona centro foto 02: comunicar por meio de operações do distribuidor – Jan 2009
128
Na imagem percebemos que a organização do estoque da marca promove uma
comunicação e, ao mesmo tempo, uma garantia de realização do serviço.
Na cena que se segue é possível verificar a comunicação e garantia por meio da
descrição material merchandising: o selo da Central de Atendimento ao Cliente disponibiliza
um telefone para o contato direto do consumidor com a marca.
Figura 41 (4) - Zona sul subúrbio foto 03: comunicar por meio de material merchandising – Dez 2008
Demonstramos que as descrições enunciativas: material de merchandising e operações
do distribuidor tem por função de comunicar os elementos da marca e por regra credibilidade,
ou seja, garantia de disponibilização do serviço. Esses enunciados referem-se às questões de
estoques, promoções, sinalizações de preço, entre outras, que informam e garantem ao
receptor que o produto ou serviço encontra-se disponível, como pôde ser constatado nas
figuras utilizadas como exemplo.
129
Essa regra constitui-se parte integrante de uma estratégia discursiva da marca não
apenas de oferecer garantia do serviço prestado, mas faz parte de um objetivo maior de
constituir-se um discurso preponderante nos cenários discursivos mundanos, fortalecendo a
sua imagem.
4.3 As formações discursivas
Para Foucault (2007) uma formação discursiva é um conjunto formado por certo
número de enunciados, conceitos e escolhas temáticas, que descrevem um sistema de
dispersão e busca verificar como o discurso se organiza em uma ordem. Os sistemas de
dispersão encontram-se nas diversas possibilidades estratégicas de discursos que permitem a
ativação de temas que são incompatíveis, ou ainda, na introdução de um mesmo tema em
conjuntos diferentes.
Os conjuntos serão demonstrados a seguir através da interseção das linhas percorridas
entre os três níveis (descrições enunciativas, funções e regras) nas dez regras desveladas.
Nesta etapa do trabalho executamos uma análise reflexiva a partir dessas possibilidades,
conduzidos pela busca de compreensão da terceira questão específica: o desvelar de como é
possível a relação entre a cultura global e a cultura local.
No campo discursivo identificamos que as relações podem ser ordenadas em: relações
de agência, que representam os discursos disciplinares provenientes da marca (referentes da
postura ideológica global); relações que se estabelecem por confronto onde estão locados os
discursos que se estabelecem por indisciplina; ou ainda relações caracterizadas por associação
entre as partes, que se deu por síntese.
130
Assim, as formações discursivas reveladas por disciplina estabelecem e ordenam o
sistema discursivo agenciado pela comunicação da marca. Por meio dessas são promovidos
uma série de outras formações que: se filiam às mesmas se tornando formação por síntese, ou
promovem conflito por se apossar da mesma (parasitas culturais), ou ainda se conflitam com
ela por concorrerem no mesmo espaço discursivo, se estabelecendo por indisciplina.
Demonstraremos a seguir as formações: disciplina, indisciplina, e síntese.
4.3.1 Jogo de memória
As funções que coexistem e integram as regras denominadas reprodução (a repetição
contínua das mensagens da marca) e uniformidade (emprego padronizado dos elementos de
marca
no
processo
de
comunicação)
são
provenientes
das
mesmas
descrições
enunciativas:elementos da logomarca, peças publicitárias e material de merchandising, que
constituem a comunicação da marca. Esse conjunto de descrições apresenta por função:
identificar-se, comunicar (desenvolver os elementos da marca), promover hegemonia (tornar
preponderante o discurso da marca) e persuadir (levar a crer nas promessas da marca).
Na figura abaixo é possível observar a integralidade da interseção que se apresenta
entre as duas regras (demarcadas de cinza), nas linhas estabelecidas entra as colunas. Essas
regras se apresentam como discursos dependentes por se integrarem para representar a marca
em seu meio discursivo
131
Identificar-se
Elementos da
logomarca
Comunicar
Uniformidade
Peças publicitárias
Promover
hegemonia
Reprodução
Material de
merchandising
Persuadir
Figura 42 (4) - Jogo de memória
A uniformidade e a reprodução promovem a construção da memória imagética do
consumidor e a conseqüente familiaridade com os signos da marca, (ADORNO, 2002), trazendo
para esta formação discursiva uma ordem sistêmica: transmissão uniforme e repetida que se
junta com a distribuição de objetos idênticos e favorece o armazenamento de associações
favoráveis e desejáveis da imagem da marca na memória do consumidor. Esse conjunto de
ações fortalece o discurso persuasivo da marca (KAPFERER, 2003). Desse modo, a prática
discursiva global busca gerar um acervo de memórias por meio de um jogo estratégico e
articulado de comunicação da marca (postura ideológica) com a cultura e o usuário local,
estabelecendo para essa formação discursiva a denominação de jogo de memória.
4.3.2 Funções do marketing
A regra credibilidade (que busca garantir disponibilização do serviço) e a regra
incitamento (que busca instigar vinculação com promessas da marca) representam duas das
funções do marketing. As mesmas fazem parte do plano de marketing para a marca, ou seja,
132
da programação das várias atividades que são destinadas sistematicamente para criação e
manutenção de sua identidade do mercado (SANT’ANNA, 2003).
Na interseção das regras incitamento e credibilidade identificamos que operações com
o distribuidor é a única descrição enunciativa que integra ambas as regras. No incitamento
essa descrição corresponde a promoções feitas com o distribuidor, que tem por função
persuadir. Na credibilidade a mesma apareceu sob forma de tíquete refeição, cartão de crédito,
presença a frota de distribuição ou ainda estoque da marca, que visam facilitar e garantir o
atendimento.
Na figura 42 é possível visualizar a interseção (demarcada em cinza)das regras.
Pontos de
atendimento
Persuadir
Peças publicitárias
Propiciar
entretenimento
Incitamento
Comunicar
Credibilidade
Operações com
distribuidor
Material de
merchandising
Figura 43 (4) - Funções do marketing
A função comunicar é comum a ambas as regras, embora tenham aparecido por meio
de descrições enunciativas diferentes: na regra incitamento a função provém dos pontos de
atendimento (como da Estação de Reciclagem ou do Centro de Excelência, encontrados no
campo). Na credibilidade estão ligadas à operações com distribuidor e material merchandising
(sinalização de preços e materiais promocionais).
133
Essas descrições enunciativas e suas funções constituem os instrumentos que
subsidiam o plano de marketing da marca, ou seja, as mesmas dão embasamento às regras que
fazem parte das funções do marketing, razão da denominação desta formação discursiva.
4.3.3 Manipulação e confronto
A regra prática de poder caracteriza a busca de influenciar o comportamento de outrem
por meio da marca utilizando, para tanto, de persuasão; a regra relação de poder caracteriza
as relações de confronto estabelecidas na busca pelo espaço discursivo entre a Coca-Cola e
outras marcas. Desse modo, enquanto na primeira regra a marca é mediadora da manipulação,
na segunda a mesma é objeto de confronto discursivo.
Essas regras se apresentam divergentes em quase todas as suas funções e descrições,
com exceção de ser representada, comum a ambas. As descrições ligadas à função ser
representada também são as mesmas: elementos da logomarca e adaptações populares.
Contudo, adaptações populares também se encontra ligada à persuadir na linha da regra
Prática de poder e à tolerar diferenças estéticas na linha da regra Relação de poder. Elementos
da logomarca busca também propiciar entretenimento e persuadir na linha da regra Prática de
poder e apenas ser representada na linha da regra Relação de poder.
A regra prática de poder conduz as práticas populares e da marca, sob várias formas de
descrições enunciativas, ativando um conjunto variado de funções para seus enunciados.
Contudo, a função persuadir é uma constante em todos eles. A regra relações de poder
representa o confronto das diversas vozes na disputa do campo discursivo, entre elas: os
parasitas culturais, os concorrentes, as adaptações e as operações do distribuidor.
Na figura 43 demonstramos a interseção existente nas linhas percorridas entre as
descrições e funções, afloradas sob essas regras. Estão tarjadas de cinza as descrições que
134
foram comuns a ambas as regras, e a única função que apresenta-se também comum
proveniente da descrição que é pertinente a ambas.
Pontos de
atendimento
Material de
merchandising
Ações
promocionais
Peças publicitárias
Elementos da
logomarca
Adaptações
populares
Propiciar
entretenimento
Comunicar
Persuadir
Promover
hegemonia
Prática de poder
Estipular regras
Desculpabilizar
excesso
Experienciar
Operações com
distribuidor
Co-habitação com
marcas
concorrentes
Ser representada
Relação de poder
Tolerar
partilhamento de
espaço
Tolerar diferenças
estéticas
Figura 44 (4) - Manipulação e confronto
135
Por meio da figura é possível visualizar de imediato que a marca utiliza uma
quantidade grande de recursos (descrições enunciativas) ligados a uma série de funções na
busca da prática de poder, ou seja, da manipulação discursiva, que se dá sempre pela
persuasão. Essa regra encampa majoritariamente a voz da marca através das descrições: peças
publicitárias, pontos de atendimento, ações promocionais, material merchandising e
elementos da logomarca, embora seja função das demais vozes. Diferentemente, na Relação
de poder os elementos da logomarca estão representados pela voz de parasitas culturais,
concorrentes, adaptações e operações do distribuidor, que promovem tolerar partilhamento de
espaço e diferenças estéticas, numa operação de confronto com a marca.
4.3.4 Divergência cultural
As regras incitamento (instigar vinculação com promessas da marca) e articulação
cultural (integração entre a marca e a cultura) promovem a formação discursiva divergência
cultural.
De acordo com a figura a seguir, é possível observar que entre as regras existem duas
funções enunciativas comuns: peças publicitárias e operações com o distribuidor. A primeira
liga-se a articulação cultural buscando apropriar-se de aspectos culturais e ao incitamento
propiciando entretenimento. A segunda liga-se a articulação cultural buscando incorporar
aspectos culturais e ao incitamento por meio da persuasão.
136
Adaptações
populares
Apropriar-se de
aspectos culturais
Antropomorfizar
Peças publicitárias
Incorporar
aspectos culturais
Operações do
distribuidor
Apoiar convenção
social
Propiciar
entretenimento
Articulação
cultural
Incitamento
Persuadir
Pontos de
atendimento
Comunicar
Figura 45 (4) - Divergência cultural
É possível observar o confronto entre as culturas exatamente na comparação feita
entre os elementos que não se enquadram na área de interseção das figuras: entre as regras são
incomuns as descrições enunciativas pontos de atendimento (voz ativa da marca) pertencente
ao incitamento, e adaptações populares na Articulação cultural. Enquanto os pontos de
atendimento buscam comunicar elementos da marca, as adaptações populares buscam
antropomorfizar, ou seja, comunicar a cultura local por meio da atribuição de qualidades
humanas aos signos da marca. Segue também para outras linhas: incorporar aspectos culturais
e apoiar convenção social, com o mesmo intuito de comunicar a cultura nativa, caracterizando
a dissensão.
137
Por outro lado, percebemos na comparação que o discurso da marca se interessa pela
aproximação com a cultura e o faz apoderando-se de suas características e, promovendo a
aproximação, torna válida sua prática persuasiva. A marca promove a postura ideológica da
cultura global em sua comunicação e a colônia imprime sua marca também por meio dela. A
cultura nativa vira instrumento da elocução global na ação da linguagem estratégica
(HABERMAS, 2002), mas adota o mesmo jogo de linguagem para se fortalecer. Assim, as
culturas (local e global) buscam fortalecer em seus discursos na zona de confronto utilizando
as mesmas estratégias. Por terem motivos antagônicos, essa formação foi denominada de
divergência cultural.
4.3.5 Um meio de expressão
A comparação entre as colunas das regras rebeldia e articulação cultural demonstra
que uma única descrição enunciativa comum entre elas: adaptações populares. Essa descrição
tem por regra ser representada (assume o papel de parasita cultural) quando ligada à regra
rebeldia. Por outro lado, quando adaptações populares encontra-se ligada à articulação
cultural a mesma é representante de ações realizadas por meio da marca que imprimem nas
mesmas marcas da cultura nativa, conforme pode ser visualizado na figura a seguir.
138
Ser representada
Adaptações
populares
Rebeldia
Apropriar-se de
aspectos culturais
Antropomorfizar
Peças publicitárias
Incorporar
aspectos culturais
Operações do
distribuidor
Articulação
cultural
Apoiar convenção
social
Figura 46 (4) - Um meio de expressão
Por rebeldia as adaptações populares buscam os signos da marca para cometer ações
de transgressão. Na articulação cultural as adaptações populares buscam firmar a cultura
nativa por meio das ações de nomear os pontos de venda com nomes próprios, incorporar
aspectos culturais com expressões de crenças e ainda apoiar convenção divulgando às regras
acordadas socialmente. Ambas as regras utilizam a marca como mediadora de suas ações, ou
seja, a marca é um meio de expressão, condição que deu o nome a essa formação discursiva.
A atitude nos permite perceber uma situação que representa o conflito global /local,
em que a cultura nativa imprime sua marca no cenário tendo a marca global por mediadora,
seja de forma disciplinada (utilizando a mesma estratégia) ou indisciplinada. A cultura como a
esfera das representações do vivido (DEBORD, 1997), demonstra sua resistência por meio da
persistência ou da indignação.
139
4.3.6 Ideologia
Quando as diversas vozes recolhidas no campo discursivo foram acopladas por grandes
categorias, pudemos identificar a existência de quatro grupos:

A voz da marca, que encontra-se diretamente representada pelas seguintes descrições
enunciativas: elementos da logomarca, peças publicitárias, material merchandising e
ações promocionais.

A voz do distribuidor que aparece na
descrição enunciativa operações com
distribuidor e lhe representam por meio das ações promovidas na disponibilização do
produto;

A voz da concorrência que aparece na descrição enunciativa co-habitação com marcas
concorrentes;

E na voz dos saberes informais representada pela descrição adaptações populares
Quando observadas desta forma, identificamos que a única função comum a todas as
vozes foi persuadir. Desse modo, por representar a natureza que é inerente a todos os seres
discursivos deste campo, denominamos essa formação discursiva de ideologia, por ser uma
base de pensamento social que segue um modelo que foi recortado do real pela ideologia,
propiciando uma consciência deformada da realidade (DEBORD, 1997).
4.3.7 Simbiose
As regras polifonia e redundância possuem por função comum identificar parceiros
comerciais. Na redundância, a descrição enunciativa adaptações populares busca, por meio da
marca, facilitar a recepção e interpretação das mensagens. Na polifonia, apesar de existir outra
função (tolerar partilhamento de espaço) que aparece ligada à co-habitação com marcas
140
concorrentes, a marca através dela e das operações com distribuidor se associa com outros
planos discursivos para endosso ou co branding.
Na figura abaixo encontra-se tarjada de cinza a função comum entre essas regras,
embora proveniente de diferentes descrições enunciativas.
Adaptações
populares
Identificar
parceiros
Redundância
Operações do
distribuidor
Co- habitação
com marcas
concorrentes
Tolerar
partilhamento de
espaço
Polifonia
Figura 47 (4) - Simbiose
Entendemos que os conjuntos de descrições enunciativas regidos pelas regras
redundância e polifonia que tem por função identificar parceiros, representam um acordo
vantajoso para os organismos, ou as partes da praxe social. Essa formação discursiva foi
denominada de simbiose, por representar a associação de seres vivos que vivem em sistema
comum, por meio da adoção de estratégias também comuns.
4.3.8 Sujeito do projeto/ projeto do sujeito
Incitamento é a ação promovida com intuito de instigar vinculação com promessas da
marca, e a rebeldia é a ação de transgressão efetuada por meio da marca.
A regra incitamento foi encontrada no campo nas expressividades da comunicação da
própria marca, através das peças publicitárias, operações com distribuidor e pontos de
141
atendimento. Nas peças publicitárias a sua função foi propiciar entretenimento que, como já
vimos, é uma estratégia que faz parte do fortalecimento da imagem da marca. Nos pontos de
atendimento a função buscou comunicar os elementos da marca, e nas operações com o
distribuidor buscou persuadir, ou seja, levar a crer nas promessas da marca.
Desse modo, esta forma de discurso constitui-se falaciosa, pois encampa a tentativa de
dominação ideológica sobre receptor, a respeito de sua associação ao ilusório mundo da
marca e sua comunidade imaginada, cujas referencias são compartilhadas nesta sociedade.
A regra rebeldia tem por função a busca de ser representado e é uma prática exclusiva
da descrição enunciativa adaptações populares, em sua ação parasitária de comunicação por
meio dos signos da marca. Nesta formação discursiva os discursos mundanos utilizam os
signos da marca para cometer ações de transgressão, numa atitude de indisciplina.
Na figura abaixo é possível perceber a relação de posicionamento entre as vozes:deste
campo:
Pontos de
atendimento
Peças publicitárias
Operações com
distribuidor
Adaptações
populares
Comunicar
Propiciar
entretenimento
Incitamento
Persuadir
Ser representada
Rebeldia
Figura 48 (4) - Sujeito do projeto/projeto do sujeito
Apesar de não existir nenhuma interseção entre as colunas, existe entre esses níveis
intertextuais uma relação: no incitamento, a voz ativa é sempre a da marca e busca instigar
142
através de seu discurso vinculação de seus signos com suas promessas; fortalecendo e
difundindo sua imagem. Enquanto isso, de forma parasitária, a rebeldia se apropria deste valor
construído socialmente para cometer atos de transgressões e chamar atenção sobre si mesmo.
O recurso utilizado demonstra a força do sistema. Nesta formação encontramos duas vozes e
uma sociedade que se apresenta dependente das regras econômicas: Segundo Debord (1997,
#52) “o sujeito só pode emergir da sociedade, isto é, da luta que existe nela mesma”.
4.4 As regras entre formações discursivas
Ao identificar as formações discursivas percebemos que as mesmas representam
relações intertextuais de seqüência e dependência e relações interdiscursivas dos campos de
presença, concomitância e memória.
Nesta seção apresentaremos as regras que regulam as formações discursivas em nosso
arquivo, iniciando por indicações de forma de sucessão e suas estratégias: esquemas retóricos,
dependência e ordem de séries. Essa primeira parte está compilada na regra denominada
argumentação retórica. Na segunda etapa procuramos demonstrar as formas de coexistência
que se dão pelos campos de presença e concomitância, ao que denominamos de argumentação
dialética.
Sob o ponto de vista clássico, a argumentação foi tida como um componente dos
sistemas: lógico (a arte do pensar logicamente), retórico (a arte do bem falar) e dialético (a
arte do bem dialogar), que formam a base do sistema que se perpetuou até o século XIX.
Sofrendo mudanças no decorrer do século XX, tomou perspectivas bem diferentes a partir dos
anos 1970 (PLANTIN, 2008). Nesta pesquisa a palavra argumentação é utilizada no sentido de
“uma argumentação sobre algo” não tendo qualquer pretensão de desenvolver um
empreendimento teórico sobra a “argumentação” no sentido clássico.
143
4.4.1 Argumentação retórica: viva o lado Coca-Cola da vida
Os esquemas retóricos permitiram a combinação de grupos de enunciados
demonstrando suas formas de sucessão. A partir desses esquemas se encadearam descrições,
deduções e definições, cuja seqüência caracterizou a arquitetura dos vários textos do arquivo.
Na perspectiva de Nietzsche particularmente ativa desde a década de 1970, a retórica
ganha a definição de essência persuasiva da linguagem (PLANTIN, 2008), ou seja, representa
um conjunto de regras relativas à eloqüência, a arte de persuadir ou comover por meio do
discurso. A denominação da regra Argumentação Retórica: Viva o Lado Coca-Cola da Vida,
aqui adotada, deve-se primeiro ao fato das práticas discursivas por nós observadas, serem
realizadas tendo a marca Coca-Cola e seu fantástico mundo encantado por mediadora,
enfeitiçando a construção de nossos mundos (BROWN, 2006). Em segundo lugar pelo fato de
termos identificado que a persuasão é uma função presente em quase todas as formações
discursivas do arquivo, e em absolutamente todas as vozes que se anunciam em nosso meio
discursivo (referente à formação discursiva Ideologia). .
Plantin (2008) afirma que a argumentação retórica pode ser definida de maneira bem
específica por meio da presença das seguintes características:
1.
Trata-se de uma retórica referencial (formula o problema dos objetos, dos
fatos e da evidência), mesmo que sua representação lingüística só possa ser
apreendida no conflito e na negociação
Neste sentido, nas formações discursivas as mensagens publicitárias da Coca-Cola
buscam criar um mundo ideologicamente favorável e absolutamente perfeito, promovendo
uma representação discursiva de cultura global e dominante, que conflita com a cultura nativa.
2.
Ela é probatória, ou seja, visa trazer a prova.
A argumentação retórica da marca apropria-se de signos verbais e visuais, de valor
universal, mas também, por vezes, de valor nativo. É que o discurso da marca global precisa
144
desenvolver uma identificação para operar, criar estratégias, e o faz se apropriando de
aspectos culturais locais. Apresenta, assim, um mundo familiar e irresistível que pode ser
vivido na marca, apelando para um sentimento de liberdade do receptor para afirmar sua
vontade (ADORNO, 2002; JAMESON, 2007; MORIN, 2007). A participação compulsória sob pena
da exclusão do sistema conquista a prova de suas promessas.
3.
Ela é polifônica e seu objetivo é a intervenção planejada, tendo seu caráter
eloqüente como acessório.
Esse discurso desencadeia a polifonia, que utiliza das mesmas estratégias para sua
expressão com intuito de se promover ou sobreviver, favorecendo que o sistema feche-se em
si mesmo, conquistando a intervenção planejada. O discurso da marca enquanto discurso
ideológico dominante aparece em todas as formações discursivas, sendo utilizado
estrategicamente nas oito formações discursivas elucidadas.
Essas formações estão estabelecidas sob a regra da eloqüência e pretendem,
basicamente, persuadir alguém a fazer ou deixar de fazer algo, contendo implícita ou
explicitamente um comando, onde seu objetivo retórico é ser atendido neste objetivo
particular. Apesar de estar presente nos mais diversos títulos e imagens promocionais como:
Combine o que é bom, Pare aqui e beba por aí, Desfrute o refrescante sabor gelado,
Presenteie o mundo com seu melhor, entre outras, o maior exemplo dessa regra argumentação
retórica e o principal responsável pela associação entre a marca e um argumento persuasivo, é
o próprio “convite” promovido pelo slogan da marca: Viva o lado Coca-Cola da vida.. Afinal,
o slogan é o elemento que orienta todo o discurso publicitário das marcas estabelecendo sua
seqüência lógica argumentativa, sendo por isso um dos seus elementos mais significativos
(ANDRADE e CIRELLI, 2005).
Essas foram às razões do nome estabelecido para a regra: Argumentação retórica: Viva
o Lado Coca-Cola da Vida.
145
4.4.2 Argumentação dialética: bi-dimensionalidade mundana
As relações provenientes do campo nos proporcionaram oito formações discursivas,
que foram reveladas por relações de agência, de confronto e de síntese, que nos remeteram a
nossa segunda regra geral: a dialética. O jogo de pólos opostos (tese e antítese) estabelecidos
no dialogo, desde Heráclito e Platão, é conhecido por dialética. Apesar de excluírem-se
mutuamente nos campos discursivos, em um segundo momento os pólos são unificados pela
razão e transformam-se em síntese.
Dessa forma, enquanto a retórica, nossa primeira regra geral, se interessou por
questões de ordem social e política, a dialética incidiu sobre teses de ordem filosófica,
constituindo-se num diálogo que obedece a regras e opõe parceiros. Em nosso arquivo, os
parceiros podem ser encarnados pelo mundo da vida e do sistema, desde que entendidos como
partes de uma sociedade em que o espetáculo12 é ao mesmo tempo unido e dividido, onde as
lutas das formas rivais do poder separado são reais, ao mesmo tempo em que são
participativos, integrando um só sistema (DEBORD, 1997). Como um só sistema, os mundos
estão unidos por uma mesma base de pensamento que é ideológica e proveniente do próprio
sistema.
Por mundo da vida entendemos o mundo dos acontecimentos e das coisas
contingentes, aquele que nos é dado de antemão como horizonte e que absorve as relações
sociais espontâneas e linguagens naturais, e os modelos consentidos de práticas que estão
embasados pelas certezas e vínculos nunca postos em dúvida. Por mundo do sistema
consideramos o mundo formal construído pelo homem, constituído por regras, normas e leis
através das quais os participantes regulam sua pertença e garantem solidariedade (HABERMAS,
2002; LEÃO, 2007; OLIVEIRA, 1999).
12
O espetáculo para Debord (1999) constitui-se uma representação que é ao mesmo tempo a própria sociedade e
um instrumento de unificação da mesma. O autor considera que nas sociedades modernas a vida é uma
acumulação de espetáculos e a realidade (considerada parcialmente) é um objeto de mera contemplação.
146
Apesar do conceito mundo da vida ter sido desenvolvido por Husserl na perspectiva de
uma crítica à razão, em que o autor destaca a importância do conhecimento reprimido da
experiência e realizações ordinárias, foi Habermas(2002) quem o introduziu no âmbito de
uma teoria da comunicação e desenvolveu uma teoria social em que propõe a dialética entre
dois mundos: o do sistema e o da vida.
Habermas (2002) previu a colonização do mundo da vida. Afirmou que próprio solo
da prática comunicativa cotidiana descansa sobre pressupostos idealizadores. No chão do
mundo da vida habitam tanto as pretensões de validez que impõem idealizações e tornam a
linguagem natural impregnada desses efeitos, como também as força de resistência contra as
deturpações causadas pelas forças de vida modernizadas seletivamente. Contudo, o autor
demonstra se contentar com uma versão estática do sistema de significações que engloba os
dois mundos. Para o mesmo, os dois sistemas aparecem interagindo mas são sistemas
separados: estando o mundo da vida subsumido ao do sistema e a razão que dirige as decisões
habita o interior dos sistemas auto-ditigidos.
Entretanto, as sínteses que ocorreram no mundo da vida em nosso estudo também são
teses, pois correspondem às mesmas após um processo de co-constituição intersubjetiva
daquele que fala, pensa, representa e vivencia o mundo com o próprio mundo que se
apresenta. Em forma de associação ou retaliação, o mundo da vida se reconstrói diante do
mundo do sistema renovando-o, que pode ser comprovado pelo numero expressivo de
relações de síntese nas formações discursivas do arquivo. Debord (1997) afirma que a
ideologia (que nos referimos por tese) é uma evidência na sociedade em que o espetáculo
apaga os limites entre o eu e o mundo: reconhecida como uma base epistemológica, a mesma
tornou-se a própria sociedade.
Neste sentido, nossos achados apontam para a teoria da bi-dimensionalidade mundana
de Leão (2007) que trata sobre a sociedade em que, apesar da vida ter sido subsumida ao
147
sistema, a mesma também o redimensiona de forma dinâmica. Nossos dados nos conduziram,
por tanto, a possibilidade da não existência de dois mundos e sim de uma bi-dimensionalidade
onde essas partes coexistem permeáveis e mundanas.
Denominamos de argumentação dialética: bi-dimensionalidade mundana a regra que
se refere à organização da polifonia encontrada no campo das formações discursivas, na
medida em que o processo conversacional se estabelece sobre um problema determinado e
entre parceiros que falam livremente segundo regras explicitamente estabelecidas (PLANTIN,
2008). Observamos que as formas de coexistência se dão por meio do campo de presença,
onde estão definidos verdades admitidas, discussões e julgamentos dos discursos encontrados
no campo. As vozes desses discursos são pertinentes a domínios de objetos diferentes
pertencentes a tipos de discursos diversos, mas que atuam entre os enunciados estudados,
formando o campo de concomitância.
Entre esses campos, a disputa pelo domínio discursivo se estabelece tanto entre a
marca e seus concorrentes, como entre a cultura global e a local, que conflitam pelo choque
de interesses. Esse fato compõe um cenário que pode ser avaliado se subdividido nos
elementos do esquema básico do método dialético: tese, antítese e síntese.
Por tese entendemos as afirmações ou situações dadas pela voz da marca (revelando a
ideologia do mundo do sistema, ou ainda, uma postura ideológica que é global) que
desencadeia a série de outros discursos em nosso campo compondo a polifonia, bem como
pelas realizações ordinárias que se presentificam por meio dela. O confronto aparece em
oposição à tese, gerando conflito. Desse conflito nasce a síntese, uma situação nova, que aqui
será avaliada.
Nas formações discursivas denominadas jogo de memória e funções do marketing,
encontramos as afirmações de tese: o uso imperativo da linguagem persuasiva da marca faz
parte de um planejamento que utiliza instrumentos e ações efetivas para sua execução e
148
manutenção. Contudo, o sucesso da comunicação ultrapassa a etapa de compreensão e
depende do assentimento racional do ouvinte para atingir a validez criticável e
reconhecimento do proferimento como verdadeiro. Para isso, a marca utiliza uma linguagem
estratégica, que vive parasitariamente do uso normal da linguagem, inserindo o poder no lugar
da validez, tirando a linguagem da coordenação da comunicação e tornando-a apenas um
instrumento (HABERMAS, 2002). Esse mecanismo é pertinente aos sistemas orientados pelo
modelo de mercado e não encarnam mais a decisão ligada aos portadores da mesma, mas a
uma razão que habita o interior desses sistemas auto-dirigidos (DEBORD, 1997; HABERMAS,
2002; LEÃO, 2007).
Nas formações manipulação e confronto o mundo do sistema oportuniza ao mundo da
vida o uso de suas estratégias. A marca constrói e estabelece um valor por meio de uma
competência discursiva e os parasitas culturais se apropriam deste valor gerando antítese, ou
seja, contrariedade (concorrência) entre proposições. Contudo, no momento em que os
participantes assumem para si o mesmo modelo estratégico, geram síntese. Essa identificação
demonstra que o mundo da vida desenvolveu uma competência lingüística, códigos especiais
e ramificações de linguagem.
A formação discursiva divergência cultural demonstra a antítese no momento em que
os participantes divulgam suas culturas: o mundo do sistema comunica sua ideologia por meio
da força de transformação dos atos ilocucionários da linguagem, e o mundo da vida imprime
sua marca por meio destes recursos. Contudo, a formação apresenta também uma síntese
quando os participantes buscam o apóio mútuo. O mundo do sistema se apropria de um saber
concreto acerca do mundo e produz o agir comunicativo imprimindo no mundo da vida um
saber tematizado. O mundo da vida resgata essa prática usando o mundo do sistema para sua
afirmação.
149
De forma semelhante às demais formações, em um meio de expressão o mundo da
vida se apropria das estratégias do mundo do sistema para demonstrar sua expressão. Neste
caso específico, quando nosso foco se estabelece a partir do mundo da vida, identificamos que
o mesmo se serve do mundo do sistema para sua comunicação, apresentando uma síntese
Como síntese, encontramos também a ideologia que representa a base de um
pensamento social pautado pela persuasão que é pertinente aos dois mundos; a simbiose,
retratando a associação vantajosa dos mesmos; e o sujeito do projeto e projeto do sujeito, que
demonstra que o mundo da vida está comandado pelo mundo do sistema.
Dessa
forma,
a
nossa
segunda
regra
geral:
argumentação
dialética:
bi-
dimensionalidade mundana, demonstrou que não existem dois mundos separados, mas sim de
dois lados permeáveis e inter-dependentes que se constroem de forma mundana. Mundana não
apenas no sentido de pertencerem ao mundo, mas no sentido que infere Leão (2007) de se
darem ao desfrute da utilização das mesmas estratégias.
150
5 Conclusões
Após uma extensa caminhada, nos cabe encerrar com as conclusões a que chegamos
nesta investigação. Iniciaremos o desfecho registrando nosso aprendizado diante da difícil
tarefa de compreender como a sociedade ocidental contemporânea pode ser conhecida por
meio de signos marcários globais. Ao empreendermos essa tarefa, sem dúvida, aprendemos
muito, e também mudamos: tal como aconteceu nas interações entre os mundos investigados,
ao refletirmos sobre nossa prática como sujeitos em um mundo globalizado, entendemos a
soberania do sistema sobre nossas formas de estar nele, mas também tomamos consciência da
importância de nosso papel em retro-alimentar esse sistema, seja enquanto cidadão,
pesquisador, ou simplesmente como consumidor, nos dando ao desfrute mundano de seus
momentâneos encantos.
Sabemos que nossa contribuição não esgota o tema, pelo contrário abre novas frentes
para que outras abordagens busquem suscitar novas análises, lançando mão de outras
contribuições. Sabemos que essa possibilidade é incentivada inclusive pela aplicação do
método arqueológico foucaultiano no campo do marketing, fugindo aos métodos analíticos
convencionalmente adotados, bem como da própria decisão em adotar a antropologia visual
para um estudo que se dá por meio de uma marca. A adoção dos mesmos foi relevante para a
compreensão de um campo discursivo complexo, que demonstrou como o poder assumiu um
caráter relacional nos contextos cotidianos da sociedade ocidental.
151
Contudo, é hora de voltarmos às questões iniciais que delimitaram e orientaram nosso
estudo. Inicialmente levantamos os questionamentos sobre como os artefatos marcários
reproduzem a cultura global ocidental; como as marcas globais se estabelecem nas práticas
cotidianas locais, e ainda como é possível a relação entre as culturas. Nossa reflexão se dará
nessa ordem, para finalmente, esgotarmos as considerações sobre a questão guia e motivadora
da investigação, que abordou por meio do registro de imagens as interações mediadas pela
marca transnacional no campo discursivo estabelecido entre as culturas: global e local.
Em nossa questão inicial buscamos compreender como os artefatos marcários
reproduzem a cultura global ocidental. Para desvelar essa questão tomamos por base a
compreensão sobre a importância da cultura material na sociedade ocidental, a partir do
reconhecimento de que o ocidente vive uma forma social determinada pelo consumo.
Por serem excelentes suportes para as experiências imateriais, as marcas se destacaram
na condição [pós]moderna de consumo, caracterizada pelo crescente fenômeno de valorização
do signo. Com o advento das sociedades ligadas em rede, as marcas se fortaleceram e se
tornaram propositoras de projetos de sentido pautados numa comunicação universalista.
Produto da cultura de massas, essa comunicação gerou uma exploração econômica e uma
dependência cultural entre os mundos do sistema e da vida, aflorando novas formas de poder
que atuam como agentes nas culturas.
Já nas primeiras relações estabelecidas entre os dados coletados, identificamos que a
marca Coca-Cola representa a postura ideológica que constitui a cultura global por meio de
uma poderosa comunicação planejada. As funções das descrições enunciativas apontaram
principalmente para persuasão e busca de hegemonia, mantida pela linguagem uniforme,
reprodução, incitamento, práticas de poder e credibilidade, ou seja, um conjunto de ações que
atuam para estabelecer sua identidade e buscam mantê-la compartilhada e vinculada a um
projeto maior: um mundo encantado possível apenas na marca (BROWN, 2006). Este mundo
152
que fala em vida, na verdade, constitui-se o mundo ideológico do sistema: Nele toda parceria
é uma dupla perfeita e o sabor é sempre o melhor. O “convite” para viver o lado Coca-Cola da
vida é o grande mote para os comandos: Combine o que é bom, Pare aqui e beba por aí,
Desfrute o refrescante sabor gelado, Presenteie o mundo com seu melhor, Refresque-se aqui,
Prove agora. O que fazer quando Você merece este sabor? Na impossibilidade de resistir, a
determinação faz com que o indivíduo sem escolha Pule para o lado Coca-Cola da Vida. É
dessa maneira persuasiva, generalista e igualitária que os artefatos marcários e seus referentes
imagéticos reproduzem a cultura global.
Em nossa segunda questão buscamos identificar como marcas globais se estabelecem
nas práticas cotidianas locais. Esse questionamento se revelou ainda no momento do
cruzamento dos dados que nos trouxe as regras, ou seja, às condições de [co]existência sob as
quais se apresentavam as funções e descrições enunciativas.
A marca se estabelece por meio de uma transmissão planejada e reforçada por ações
de experienciação. Acompanhada de uma linguagem estratégica, recheada de imperativos,
uniforme e repetida, a marca comunica valores e formas de interação, explorando o universo
particular dos indivíduos e simulando uma proximidade com a cultura nativa. Essa
comunicação é pautada na publicidade e na propaganda, que transmite e constrói as
interpretações da realidade e do mundo da vida, utilizando o artifício da sedução (DEBORD,
1997; HABERMAS, 2002). Essa linguagem é apreendida e constrói memória no mundo da vida
que passa reproduzi-las em suas práticas cotidianas.
Na terceira e última questão específica, nossa preocupação voltou-se para
compreender como é possível a relação entre a cultura global e a cultura local. Nesse
sentido, identificamos que a grande possibilidade está no próprio modelo de sociedade em que
a comunicação é capaz de canalizar correntes de informação que dirigem o comportamento
social. No modelo, o mundo do sistema traça uma estratégia racional com relação a um fim
153
(gerar negócios) e adota interações dirigidas por meios (estratégias de comunicação e geração
de experiências). A marca promoveu eventos como o Corda na Rua, e shows como o CocaCola Zero Festival, propiciando entretenimento e gerando experienciação, promoveu aos
participantes vivências em seu mundo.
Contudo foi por meio de operações com o distribuidor, que além de persuadir e
experienciar, a marca inovou buscando desculpabilizar excesso: a campanha oferece um
sanduíche: oito bacons, quatro queijos, quatro carnes, + o sabor de sempre com zero açúcar.
A oferta calórica ainda vem acompanhada de Free refill e da proposta: você tem direito de
fazer as coisas do jeito que gosta. Essa ação reflete um comportamento bem típico da cultura
nativa: se a comida for calórica, pelo menos a bebida é light, numa tentativa de remover a
culpa pelo excesso, que lhe deu o nome (desculpabilizar excesso) e que demonstra claramente
como se deu a possibilidade relacional entre as culturas. Na comunicação adotada os meios e
os fins possuem um caráter reificador de processos sociais também reificados, onde a
possibilidade de decisão pertence à razão dos sistemas auto-dirigidos, que determinam uma
ordem social. Neste sentido, o campo confirma a teorização de Habermas (2002), que
colabora com as demais: Adorno (2002), Britos (1999), Canclini (1998), Castells, 2008,
Debord (1997); Jameson (2004), Morin (2007) Ortiz (2008).
Enfim, dirigimos nossa reflexão para a questão: Como a sociedade ocidental
contemporânea pode ser conhecida por meio de artefatos marcários globais?
As questões anteriores já nos apontam a resposta de nossa questão guia. O próprio
desenrolar da sociedade ocidental gerou um campo propício para que se estabelecessem as
estreitas interações da cultura com o consumo. As relações entre a cultura material e a
civilização encontram-se sob o comando das regras do sistema capitalista, que para atingir
sua onipotência utiliza-se da argumentação retórica. O sistema retórico constrói um
referencial cultural próprio que se estabelece por negociação ou conflito com culturas nativas,
154
constituindo-se uma linguagem probatória e polifônica que alastra seu modelo de pensamento
para todas as instâncias de interação, edificando a ordem discursiva pelo dissenso.
O intercâmbio entre as culturas se apresentou fortemente em nosso campo discursivo,
por meio de relações de agência (tese), conflito (antítese) e síntese. O confronto entre culturas
global e local nos indicou que os parceiros desta dialética poderiam ser classificados em
mundo do sistema e mundo da vida, desde que esses mundos fossem entendidos como um
único sistema (LEÃO, 2007).
A possibilidade de conhecermos a sociedade por meio da marca global se dá
exatamente pela leitura da síntese gerada no embate das certezas estabelecidas desde sempre
e dos vínculos nativos que regulam a pertença dos indivíduos, com a cultura generalista
racionalista.
Entendemos que os discursos deverão variar com seus contextos. A própria postura
epistemológica adotada neste trabalho defende que o texto só pode ser entendido em seu
contexto. Contudo, ao selecionarmos uma marca como representante da globalização não
tínhamos a expectativa de um discurso único e engessado em todo mundo. O campo nos
demonstrou desde o início que os mesmos se adaptam para adquirirem sua própria validez. O
que buscamos nesta escolha foi a compreensão da postura ideológica que de fato é global, por
meio de dialética estabelecida na prática nativa que, ao conflitar-se culturalmente, adota as
mesmas estratégias, impõe suas características culturais próprias e gera uma síntese
discursiva, impregnada dessa forma social. Nesse sentido, nossos achados demonstraram que
a persuasão é uma prática naturalizada no meio do mundo da vida, e a manipulação se dá em
ações parasitárias quando as adaptações populares se apropriam dos mesmos artifícios dos
sistemas auto-dirigidos em suas interações. Essas práticas representam o modelo que pode ser
estendido da dialética local para compreensão do modelo de sociedade ocidental.
155
Essa questão nos levou a refletir sobre a condição imprescindível para que se dê
qualquer intercâmbio: o reconhecimento do proferimento como verdadeiro. Nesse sentido
vimos o mundo do sistema se apropriar de elementos da cultura nativa como respaldo para
obter sucesso em sua comunicação. A marca utilizou imagens locais como pano de fundo de
sua publicidade em apóio a seus atos ilocucionários promovendo o reconhecimento
intersubjetivo dos participantes. Por outro lado, o mundo da vida também se apropriou dos
signos da marca em seus atos também ilocucionários, admitindo a autoridade do que foi
transmitido, ou ainda, demonstrando que a referencia estrangeira foi incorporada. A lógica do
modelo da cultura de consumo, bem como o da globalização são processos que já se
instauraram nas práticas cotidianas mundanas.
A experiência vivenciada entre os mundos por meio deste mecanismo se projetou na
linguagem natural. A interação mediada pelo poder se tornou parte da linguagem comum, ou
seja, a linguagem comum do nosso campo discursivo foi a linguagem estratégica
(HABERMAS, 2002). Nesse sentido, as sínteses, além de apontarem para uso comum das
estratégias e linguagens, denunciaram a associação dos dois organismos na busca do autobenefício.
Contudo, apesar de adotar as expressões mundo do sistema e mundo da vida de
Habermas (2002), nossos dados nos levaram a sínteses que se apresentaram sistêmicas no
momento que se tornam tese e induzem o mundo da vida se reconstruir diante do mundo do
sistema, renovando-o. Desse modo, a dialética desvelada no campo discursivo amparou sua
compreensão na teoria da bi-dimensionalidade mundana proposta por Leão (2007), em sua
análise sobre mundos que são permeáveis que co-existem mundanos. Nesse sentido, foi
possível identificar desde a utilização das mesmas estratégias, as associações vantajosas entre
as partes até as diferenças estéticas imputadas à marca nas disputas por espaço discursivo
entre os falantes.
156
A partir do exposto, entendemos que nossa contribuição para o marketing esteja em
abordar a cultura de consumo como uma estrutura de relacionamentos, ou seja, abordar o
consumo de signos como o da marca Coca-Cola por meio da perspectiva de uma prática
cultural relacional. Com a adoção da lente foucaultiana, o discurso pode ser analisado como
uma prática social que se estabelece por meio de uma rede discursiva, oferecendo novos
horizontes para pesquisa na área. Nesse sentido, a nossa investigação contribui também com
o desenvolvimento de um caminho metodológico para a prática do método arqueológico,
além da utilização para investigação de um método incomum em Administração: a
antropologia visual. Apesar das marcas serem fortemente imagéticas, normalmente os
investigadores que tratam desse objeto; utilizam outras perspectivas em seus estudos.
Nossos achados nos possibilitaram chamar a atenção sobre a importância que a cultura
de consumo conquistou no mundo da vida, demonstrando, por outro lado, a responsabilidade
que os estrategistas de marketing assumem ao propor as regras sob as quais o mundo constrói
seu modelo de pensamento, e que se desdobram no reflexo dos modelos relacionais
mundanos.
A chegada ao fim nos possibilitou encontrar nossas respostas e, ao mesmo tempo, nos
abrem um leque de novas inquietações sobre o tema. A possibilidade da escolha das bases
metodológicas de Foucault como não intenciona encontrar a verdade ou falsidade dos
conhecimentos sobre os objetos, se adéqua como método de análise de discursividades locais.
Essa condição possibilita investigações multidisciplinares em diferentes saberes das ciências
humanas, vinculando essas proposições às teorias organizacionais (SILVEIRA, 2005).
Voltamos nossas análises para a busca de revelar as possibilidades do “como”a
sociedade se revela pelos seus artefatos marcários utilizando, para tanto, o projeto
arqueológico de Foucault. Contudo, existe ainda a possibilidade de investigar o “por que”
representado na segunda fase do autor: a genealogia, que trabalha as questões do poder
157
amplamente reveladas no campo. Nesse sentido, essa fase oferece um grande potencial a ser
explorado na área da administração, tanto para os estudos organizacionais internos quanto
para a impostura da globalização mediada pelas marcas transnacionais.
*
*
*
Neste estudo colocamos como limite para a busca de compreensão da civilização
ocidental por meio de signos marcários, o fato de avaliarmos os discursos de uma única marca
em uma região (principais cidades da Região Metropolitana da cidade de Recife, que
denominamos de Sítio Arqueológico). A escolha da marca justificou-se pela sua ampla
representatividade na cultura ocidental (a ideologia capitalista representa uma base da
sociedade ocidental contemporânea, e a marca foi criada e desenvolvida sob os preceitos
desta), tornando-se reconhecidamente no contemporâneo um exemplo de mundialização e
sinônimo de globalismo. Contudo esse limite, tal como previsto, não interferiu na qualidade
dos resultados obtidos, pois tanto a Coca-Cola como o lócus (Sítio Arqueológico) foram
utilizados no papel de estudo de caso descritivo.
Como possível limitação, identificamos também no início da caminhada que nossa
investigação poderia encontrar dificuldades relativas ao conhecimento dos códigos culturais
de representação da marca em diferentes contextos. Para lidar com este aspecto,
selecionaremos apenas as representações da Coca-Cola presentes na dialética local,
participante, dessa forma, da cultura brasileira, devido à própria condição de imbricamento da
pesquisadora, nativa do lugar.
Porém, durante o período de realização das pesquisas de campo foram identificados
outros desafios que não prevemos, sequer imaginamos. Uma das grandes dificuldades
encontradas foi a coleta de imagens em rotas muito extensas que necessitou da presença de
158
mais uma pessoa para, por exemplo, dirigir o carro enquanto identificávamos e registrávamos
os signos e momentos pertinentes.
O fato de precisarmos registrar imagens em lugares afastados e desprovidos de
sinalização e de, em nossa pesquisa, a localização geográfica ser fundamental para as séries
discursivas, demonstrou-se também uma grande dificuldade, apesar do mapa ser uma
ferramenta indispensável para ida ao campo. Inicialmente o tempo gasto para localização
ameaçou inviabilizar o cumprimento da rota na programação do cronograma, pois ainda
tínhamos o agravante das imagens necessitarem da claridade do sol para seu registro.
Contudo, no momento em que sistematizamos a coleta, optamos por utilizar o GPS
interligado à máquina fotográfica, condição que agilizou o processo e simplificou a coleta da
pesquisa. Porém, como é passível de acontecer no uso de tecnologia, em alguns momentos de
céu nublado, houve falhas de registro do equipamento. Esse fato nos fez procurar
posteriormente por números de telefones ou placas de rua nas imagens para conseguirmos,
por meio deles, localizar os registros.
Todas essas situações desafiadoras nos impulsionaram a reconhecer a necessidade de
ser mais tolerante frente ao imprevisível, mas também nos ensinaram a ser mais ágeis na
programação de alternativas para o que se mostra de imediato como uma condição possível,
mediante a reflexão das vivências e experiências anteriores.
Vislumbramos que o nosso estudo pode ser desdobrado em outras possibilidades de
investigação, como já comentamos. Por exemplo, a partir dos indícios de força e poder
desvelados neste campo discursivo do “saber”, seria muito instigante uma investigação sob a
aplicação do projeto genealógico de Foucault. Vemos também que o processo investigativo
aqui desenvolvido poderia ser aplicado em questões de análises de discursos organizacionais,
possibilitando que uma nova ótica seja aplicada à compreensão dos fenômenos nesta área.
159
Enfim, terminamos a investigação com a certeza de que adquirimos um conhecimento
a cerca do objeto de estudo maior do que imaginávamos. O campo nos demonstrou que as
questões ideológicas presentes a cerca do poder e força estão naturalizadas nos discursos
estabelecidos entre as culturas global e local, sinalizando que os processos da mundialização
já se estabeleceram como uma realidade totalmente absorvida no modelo de sociedade
ocidental contemporâneo.
160
Referências
ACHUTTI, L. E. R. Fotos e Palavras, do Campo aos Livros. Disponível:
<httpwww6.ufrgs.brfotoetnografia> Acesso em: 25 jul. 2008
ACHUTTI, L. E. R.; HASSEN, M. N. A. Caderno de Campo Digital : Antropologia em
Novas Mídias. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 10, n. 21, p. 273-289, jan./jun.
2004
ADORNO, T. Indústria Cultural e Sociedade. Tradução: Júlia Elizabeth Levy [et AL]. São
Paulo: Paz e Terra, 2002
ANDION, C; SERVA, M. A Etnografia e os Estudos Organizacionais. In: GODOI, C. K.;
BANDEIRA-DE-MELLO, R.; SILVA, A. B. (Org.). Pesquisa qualitativa em estudos
organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva, 2006
ANDRADE, A. E. N. M. ; CIRELLI, R. A. Polifonia em Slogans. Revista Letra Magna:
Revista Eletrônica de Divulgação Científica e Língua Portuguesa, Lingüística e Literatura,
ano 02, n.02. 1º semestre de 2005
ANDRADE, J., SOARES L. F. A. e HUCK, R. Identidade cultural no Brasil. Vargem
Grande Paulista: A9 Editora,1999.
ARNOLD, M. J.; FISHER, J. E. Counterculture, cristicisms and crisis: Assessing the effect
of the sixties on marketing thought. Journal of Macromarketing, Spring, p.118-133, 1996.
BACHA, Maria de Lourdes. Semiótica Aplicada ao Marketing: a Marca Como Signo.
Anais do XXIX EnANPAD. Brasília, Set. 2005.
BAUER, M.W.; AARTS, B. A Construção do Corpus: um Princípio para Coleta de Dados
Qualitativo. In BAUER, Martin W, GASKELL, George (editores). Pesquisa Qualitativa com
Texto, Imagem e Som: um manual prático. Trad. Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2002.
BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Tradução: Artur Morão. Lisboa: Edições
70 LDA, 2007.
BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004
161
________________. Marketing Etnográfico: Colocando a Etnografia em seu Devido
Lugar.
In:
RAE,
Vol.
43
nº3:
jul.set.
2003.
Disponível
em:
<http://www.rae.br/artigos/1891.pdf.> Acesso em: 01 Ago. 2007.
BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin. O Estudo do Consumo nas Ciências Sociais
Contemporâneas. In: BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin (org.). Cultura Consumo e
Identidade. Rio de Janeiro: FGV, 2007. 200 p.
BARROS FILHO, C.B.; LOPES, F.; CARRASCOZA, J. Identidade e Consumo na pósmodernidade: Crise e Revolução no Marketing. Revista FAMECOS nº31, Porto Alegre:
Dezembro, 2006.
BARROSO, C. Adobe Photoshop Lighthoom: O Guia Completo para Fotógrafos Digitais.
Santa Catarina: Editora Photos, 2007.
BELK, Russell W. Materialism and You. In: Journal of Research for Consumers: Issue: 1,
2001.Disponível: <http://web.biz.uwa.edu.au/research/jrconsumers/consumer
/index.asp?IssueID=9>. Acesso em: 10 jul. 2007.
BLACWELL, R. D.; MINIARD, P. W.; ENGEL, J. F. Comportamento do Consumidor.
Tradução técnica: Eduardo Teixeira Ayrosa (coord.). São Paulo: Pioneira Thomson Learning,
2005.
BONI, P. C.; MORESCHI, B. M. Fotoetnografia: a importância da fotografia para o
resgate etnográfico. Doc On-line, n.03, Dezembro 2007, pp. 137-157.
BORGERSON, Janet. Materiality, Agency, and the Constitution of Consuming Subjects:
Insights for Consumer Research. In: Advances in Consumer Research: volume 32, 2005.
BRINGEL, B. M. O Lugar nos Movimentos Sociais e o Lugar da Geografia na Teoria dos
Movimentos Sociais. Instituto de Estudos Sócio-Ambientais: Boletim Goiano de Geografia.
V. 27, n.2, p. 35-49. Goiânia: jan. / jun., 2007
BRITTOS, V.C. Comunicação e cultura: o processo de recepção. Bocc: Biblioteca on-line de
Ciências de Comunicação,1999. Disponível: <www.bocc.ubi.pt> Acesso em: 27/08/08
BROWN, Stephen. Postmodern Marketing? European Journal of Marketing. 27 (issue 4),
p. 19-34,1993.
________________ Como Construir uma Grande Marca: A Magia da Marca Harry Potter.
Tradução: Carolina C. Coelho. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2006.
162
CALLINICOS, A. Introdução ao Capital de Karl Marx. Revista Espaço Acadêmico, 2004.
Disponível:
<http://www.espacoacademico.com.br/038/38tc_callinicos.htm>
Acesso:
20/09/08
CANCLINI, N. G. Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade.
Tradução: Heloísa P. Cintrão e Ana Regina Lessa. 2.ed. São Paulo: Edusp, 1998.
CARVALHO, J. L. F. S. Raízes da Pesquisa do Consumidor e suas Implicações para a Teoria
e Prática do Marketing no Brasil. RIMAR - Revista Interdisciplinar de Marketing, v.1, n.2,
p. 62-79, Mai./Ago. 2002.
CASTELLS, M. O Poder da Identidade. Tradução Klauss Brandini Gerhardt. 6ª edição.São
Paulo: Editora Paz e Terra S/a, 2008.
CAVEDON, N.R. Recursos Metodológicos e Formas Alternativas no Desenvolvimento e
na Apresentação de Pesquisas em Administração. Anais do XXV EnANPAD. Campinas,
Set. 2001.
CAVEDON, N.R., ET al. Consumo, Colecionismo e Identidade dos Bibliófilos: uma
etnografia em dois sebos de Porto Alegre. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 13,
n. 28, p. 345-371, jul./dez. 2007.
CHARTIER, R. "Cultura Popular": Revisitando um Conceito Historiográfico. Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, vol. 8, n . 16, p.179-192, 1995.
CHEVALIER, M. e MAZZALOVO, G. Pró Logo. Tradução: Roberto Galman. São Paulo:
Panda Books, 2007.
COVA, B. Community and Consumption Towards a Definition of the “Linking Value” of
Product or Services. European Journal of Marketing, v. 31, n. 3/4, pp. 297-316, 1997.
CRESWELL, John W. Qualitative inquiry and research design: choosing among five
traditions. Thousand Oaks: Sage Publications, 1998.
____________. Research design: qualitative, quantitative and mixed methods
approaches. 2.ed. Thousand Oaks: Sage Publications, 2003.
D’ANGELO, A. C. Cultura e Consumo: Apanhado Teórico e Reflexões para o Ensino e a
Pesquisa de Marketing e Administração. Anais do XXVII EnANPAD. Atibaia, Set. 2003.
________________ Valores e Significados do Consumo de Produtos de Luxo. Porto
Alegre, 2004. Dissertação (Mestrado em Administração). Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2004.
163
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Tradução: Estela dos Santos Abreu. Rio de
Janeiro: Contraponto, 1997
DEL MASSO, Fabiano Dolenc. Comunicação, Cultura e Consumo: Poder Econômico e a
sua
Relação
com
o
Desenvolvimento
Cultural.
Disponível:
<
http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FDir/Artigos/fabiano.pdf>. Acesso:20/09/08.
DENIS, Rafael Cardoso. Design, Cultura Material e o Fetichismo dos Objetos. Revista
Arcos,
Vol
1,
número
único,
out
1998.
Disponível:
<
http://www.esdi.uerj.br/arcos/imagens/artigo_rafael(14a39).pdf> Acesso em: 09/07/07.
DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. (Org.). Handbook of qualitative research. Thousand
Oaks: Sage Publications, 1994
DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O Mundo dos Bens: para uma Antropologia do
Consumo. Tradução: Plínio Dentzien. 1.ed. 1. reimpr. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006.
EAGLETON, T. A Idéia de Cultura. Tradução: Sandra Castello Branco. São Paulo: Ed.
UNESP, 2005.
EIZIRIK, Marisa Faermann. Poder, Saber e Práticas Sociais. Psico, Porto Alegre, PUCRS,
v.
37,
n.
1,
pp.
23-29,
jan./abr,
2006.
Disponível:
<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/1407/1107> Acesso
em: 25/04/2008.
FAE, Rogério. A Genealogia em Foucault. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 9, n. 3, p. 409416, set./dez. 2004. Disponível: <http://www.scielo.br/pdf/pe/v9n3/v9n3a08.pdf>. Acesso em:
20/04/2008.
FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança Social. Tradução: Izabel Magalhães
(Coord.). Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.
FEATHERSTONE, Mike. Cultura de Consumo e Pós-modernismo. Tradução: Julio Assis
Simões. São Paulo: Studio Nobel, 1995.
FERREIRA, Arthur A. Leal. Para além dos fundamentalismos epistemológicos: O
encontro de Michel Foucault e Bruno Latour na construção diferencial de um mundo comum.
Revista Aulas, Dossiê Foucault. N. 3 – dezembro 2006/março 2007. Org: Margareth Rago &
Adilton Luís Martins. Disponível: <http://www.unicamp.br/~aulas/> . Acesso em: 18/04/2008.
FICHER, Rosa Maria Bueno. Foucault e a Análise do Discurso em Educação. Cadernos de
Pesquisa,
n.
114,
p.197-223,
novembro/
2001.
Disponível:
<http://www6.inep.gov.br/pesquisa/bbe-online/det.asp?cod=53108&type=P>. Acesso em: 18
abril/ 2007
164
FOUCAULT, Michel. L' Ordre du Discours. Leçon Inaugurale du Collège de France, 2
décembre
1970.
Paris:
Gallimard,
1971.
Disponível:
<
http://www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/ordem.html> . Acesso em: 01/maio/2008.
__________________ A Arqueologia do Saber. Tradução: Luiz F. B. Neves. 7ª edição. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
FULLERTON, R. A. How modern is modern marketing? Marketing’s evolution and the
myth of the “production era”. Journal of Marketing, v.52, p.108-125, 1988.
GIDDENS, A. Mundo em Descontrole: O que a Globalização está fazendo de nós. Rio de
janeiro: Editora Record, 2000.
GODOI, C. K.; BALSINI, C. P. V. A pesquisa qualitativa nos estudos organizacionais
brasileiros: uma análise bibliométrica. In: GODOI, C. K.; BANDEIRA-DE-MELLO, R.;
SILVA, A. B. (Org.). Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas,
estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva, 2006
GODOY, A.S. Estudo de Caso Qualitativo. In: GODOI, C. K.; BANDEIRA-DE-MELLO, R.;
SILVA, A. B. (Org.). Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas,
estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva, 2006.
HABERMAS, J. Pensamento Pós-metafísico: estudos filosóficos. 2 ed. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 2002
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
HARPER, Douglas. What’s New Visually? In The Sage Handbook of Qualitative
Research. DENZIN, N. K. and LINCOLN, Y. S (Org.); Califórnia: Sage Publications
Inc.,2005.
HIRSCHMAN, Elizabeth C. Secular Immortality and the American Ideology of
Affluence. Journal of Consumer Research, Vol. 17, June 1990.
HODDER. Ian. The Interpretation of Documents and Material Culture. In: DENZIN, N. K;
LINCOLN, Y.S (Org.). Handbook of qualitative research. Thousand Oaks: Sage
Publications, 1994.
HOSKINS, J. Agency, Biography and Objects. In Handbook of Material Culture. TILLEY,
C.Y et al (Org.); London: Sage Publications Inc, 2006
HOWARD, D.; SAVINS, D. M.; HOWELL, W.; RYANS, Jr., J. K. The evolution of
marketing theory in the United States and Europe. European Journal of Marketing, v.25,
n.2, p.7-16, 1991.
165
JAMESON, F. Pós-modernismo: A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio. São Paulo:
Editora Ática, 2002
_____________. Reificação e utopia na cultura de massa. Tradução: João Roberto
Martins
Filho.
Revisão
Técnica:
MariaElisa
Cevasco.
Disponível:
<http://www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/CM_1.2.pdf>. Acesso: 08/07/08
KAPFERER, Jean-Noël. As Marcas, Capital da Empresa: Criar e Desenvolver Marcas
Fortes. Trad. Arnaldo Ryngelblum. 3ª. Ed. Porto Alegre: Bookmen, 2003
KEANE, Webb. Subjects and Objects. Introduction. In Handbook of Material Culture.
TILLEY, C.Y et al (Org.); London: Sage Publications, Inc., 2006.
KLEIN, N. Sem Logo: A Tirania das Marcas em um Planeta Vendido. Tradução: Ryta
Vinagre. 6ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2008.
KOTLER, P. Administração de Marketing: a Edição do Novo Milênio. Tradução: Bazán
Tecnologia e Lingüística. São Paulo: Prentice Hall, 2000.
LAYTON, Robert. Structuralism and Semiotics. In Handbook of Material Culture.
TILLEY, C.Y et al (Org.); London: Sage Publications Inc, 2006
_________________.Investigações Marcárias: Uma Caminhada em Busca de Compreensão
da Significação das Marcas pelos Consumidores Inspirada na Segunda Filosofia de Ludwig
Wittgenstein. Recife, 2007.418p. Tese (Doutorado em Administração) - Programa de Pósgraduação em Administração – PROPAD, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, UFPE, 2007.
LEÃO, A.L.M. de S.; MELLO, S.C.B. de. A Significação do Consumo. Working Paper, 2004
LEÃO, A.L.M. de S.; MELLO, S.C.B. de. Cultura e Consumo: Significação das Marcas em
Contextos Culturais de Interação. Terceiro Encontro dos Estudos Multidisciplinares em
Cultura, ENECULT. Salvador: UFBa, 2007.
LEÃO, A.L.M. de S.; MELLO, S.C.B. de. Uma Crítica à Crítica da Economia Política do
Signo: um Resgate do “Valor de uso” Inspirado na Segunda Filosofia de Ludwing
Wittgenstein. Alceu – Revista de Comunicação, Cultura e Política. V.8 n. 16 – jan./jun.2008
LYOTARD, Jean-François. A Condição Pós-moderna. Tradução: Ricardo Corrêa Barbosa.
Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.
LIPOVESTK, Gilles. O Império do Efêmero: a Moda e seu Destino nas Sociedades
Modernas. Tradução Maria Lúcia Machado. São Paulo: CIA das Letras, 2002.
166
LOIZAS, Peter. Vídio, Filme e Fotografias como Documentos de Pesquisa. In BAUER,
Martin W, GASKELL, George (editores). Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som:
um manual prático. Trad. Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
MARSHALL, C.; ROSSMAN, G. B. Desining qualitative research. 3.ed. Thousand Oaks:
Sage Publications, 1999.
MCCRACKEN, Grant. Cultura e Consumo: Novas Abordagens ao Caráter Simbólico dos
Bens e das Atividades de Consumo. Tradução Fernanda Eugênio. Rio de Janeiro: MAUAD,
2003.
_____________. Culture and Consumption II: Markets, Meaning, and Brand
Management. Bloomimington Indianápolis: Ed.: Indiana University Press, 2005.
MELLO, S.C.B. Comentários: O que é o Conhecimento do Marketing no Brasil, Afinal?
RAC, v.10, n.2, abr/jun. p203-212, 2006.
MELLO, S.C.B; LEÃO, A.L.M.S. Prólogo ao que não é o que não Pode Ser que é...
Marketing (!?).Gestão.Org, Revista Eletrônica de Gestão Organizacional, v.1, n. 1, jan./jun.
2003
MILES, M. B.; HUBERMAN, A. M. Qualitative data analysis: an expanded
sourcebook. Thousand Oaks: Sage Publications, 1994.
MILLER, Daniel. Teoria das Compras: O Que Orienta as Escolhas dos Consumidores.
São Paulo: Nobel, 2002.
_______________ Clothing as Material Culture. Edited by Suzanne Klüster and Daniel
Miller. New York: Berg, 2005.
________________Consumption. In Handbook of Material Culture. TILLEY, C.Y et al
(Org.); London: Sage Publications Inc, 2006
MONTE, E. F. e TOLEDO, G. L. Uma Reflexão sobre o Marketing: Desafios, Evolução e
Aspectos
Éticos.
Out
1998.
Disponível:
<http://www.ead.fea.usp.br/Semead/3semead/pdf/Marketing/Art024.PDF> Acesso em: jul.
2008.
MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX: Neurose. Tradução: Maura Ribeiro
Sardinha. 9ª Edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
NETO, Arcanjo Ferreira de Souza. As Estruturas dos relacionamentos entre
Consumidores e Empresas de Serviço no Contexto das Definições Efetivas: uma
167
Investigação Dialógica no Domínio Interpretativo da Percepção. Recife, 2005.555p.
Dissertação (Mestrado em Administração) - Programa de Pós-graduação em Administração –
PROPAD, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, UFPE, 2005
NUNES, E. D. Pequeno Guia/vocabulário para a Utilização da História Arqueológica
como Instrumento de Pesquisa Qualitativa. Revista Interface: Comunic, Saúde, Educ, v6,
n10, p. 125-34, fev 2002.
OLIVEIRA, N. F..Tractatus Ethico-Politicus: Genealogia do Ethos Moderno, Porto Alegre:
Edipucrs, 1999
OLSEN, Bjornar. Scenes from a Troubled Engagement: Post-structuralism and Material
Culture Studies. In Handbook of Material Culture. TILLEY, C.Y et al (Org.); London:
Sage Publications Inc, 2006
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1995.
____________ Mundialização: saberes e crenças. São Paulo: Brasiliense, 2006.
____________ Mundialização e Cultura. São Paulo: Brasiliense, 2007.
PEREZ, Clotilde, Signos da Marca: Expressividade e Sensorialidade. São Paulo: Pioneira
Thomson Learning, 2004.
PETIT, Francesc. Marca. São Paulo: Futura, 2003.
PLANTIN, Christian. A Argumentação: História, Teorias, Perspectivas. Tradução: Marcos
Marcionilo. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
PIMENTEL F.E. e VASCONCELOS E. Foucault: da Microfísica à Biopolítica. Organização:
Margareth Rago & Adilton Luís Martins, Revista Aulas: Dossiê Foucault. n.3 – Dez
2006/março 2007. Disponível: http://www.unicamp.br/~aulas/, Acesso em: 25/04/2008.
PRYSTHON, Ângela. Negociações na Periferia: Mídia e Jovens no Recife. INTERCOM –
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XXV Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação – Salvador/BA – 1 a 5 Set 2002
RAMOS, D.C.C. Você tem sede de quê? Um Mapeamento de Códigos e a Visão de Mundo
da Coca-Cola em seu Discurso Publicitário. Belo Horizonte: 2006. 150p. Dissertação
(Mestrado em Comunicação e Sociabilidade Contemporânea). Programa de Pós-graduação
em Comunicação Social da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – UFMG/
Universidade Federal de Minas Gerais, 2006.
168
ROCHA et AL Cultura e consumo: um roteiro de estudos e pesquisas. Anais do XXIII
EnANPAD. Foz do Iguaçu, Set. 1999.
ROCHA, A. L. C. Tecnologias Audiovisuais na Construção de Narrativas Etnográficas,
um Percurso de Investigação. Campos: Revista de Antropologia Social, Vol.4, 2003.
Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/campos/article /viewFile/1601/1349>.
Acesso em: 24/ 05/2008.
RODRIGUES, J. F. P. Fotografia e Espetacularização: a coisificação do humano. Intercom:
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XXIX Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação. UnB: set, 2006.
SANT’ANNA, Armando. Propaganda: Teoria, Técnica e Prática. São Paulo: Pioneira
Thomson Learning, 2002
SCHEURICH, J.J. and MCKENZIE, K.B. Foucaut’s Methodologies: Archaeology and
Genealogy. In The Sage Handbook of Qualitative Research. DENZIN, N. K. and
LINCOLN, Y. S (Org.); Califórnia: Sage Publications Inc.,2005.
SEGATO, R. L. Em Busca de um Léxico para Teorizar a Experiência Territorial
Contemporânea. Série Antropologia, nº373, Brasília, 2005. Disponível em:
<http://www.unb.br/ics/dan/Serie373empdf.pdf> Acesso em: 11/08/2008.
SEMPRINI, Andrea. A Marca Pós-moderna: Poder e Fragilidade da Marca na Sociedade
Contemporânea. São Paulo: Estação da Letras, 2006
SHIMP, T. A. Propaganda e Promoção: Aspectos Complementares da Comunicação
Integrada de Marketing. Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 5ª edição. Porto Alegre:
Bookman, 2002
SILVEIRA, R. A. Michel Foucault: Poder e Análise das Organizações. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2005
SLATER, Don. Cultura do Consumo e Modernidade. Tradução: Dinah Abreu Azevedo.
São Paulo: Nobel, 2002.
SOLOMON, Michael R. O Comportamento do Consumidor: Comprando, Possuindo e
Sendo. Tradução: Lene Belon Ribeiro. Porto Alegre: Bookman, 2002.
STAKE, Robert E. Case Studies. In: DENZIN, N. K; LINCOLN, Y.S (Org.). Handbook of
qualitative research. Thousand Oaks: Sage Publications, 1994.
STANDAGE, T. História do Mundo em seis Copos. Tradução: Antonio Braga. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
169
TAVARES, F. O Marketing Pós-moderno nas Sociedades Midiáticas e Temporais. Revista
Comum da OHAEC, v.6, nº16, p.81-118. Rio de Janeiro: jan/jun, 2001.
THIRY-CHERQUES, H. R. Métodos Estruturalistas: Pesquisa em Ciencia e Gestão. São
Paulo: Atlas, 2008.
TILLEY, C. Y. Objectification. In TILLEY, C.Y et al (Org.). Handbook of Material
Culture. London: Sage Publications Inc, 2006
TILLEY, C. Y., et al. Theorical Perspectives: Introcduction. In TILLEY, C.Y et al (Org.).
Handbook of Material Culture. London: Sage Publications Inc, 2006
VIEIRA, L. Os Argonautas da Cidadania: A Sociedade Civil na Globalização. Rio de
Janeiro: Record, 2001
170
Download