Faculdade Boa Viagem Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração – CPPA Mestrado Profissional em Gestão Empresarial -MPGE Flávia Zimmerle da Nóbrega Costa Marca global e cultura local: uma arqueologia em busca de compreensão da sociedade ocidental contemporânea Recife, 2009 Faculdade Boa Viagem Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração – CPPA Mestrado Profissional em Gestão Empresarial -MPGE Flávia Zimmerle da Nóbrega Costa Marca global e cultura local: uma arqueologia em busca de compreensão da sociedade ocidental contemporânea Orientador: Prof. André Luiz M. de Souza Leão, Doutor Recife, 2009 Faculdade Boa Viagem Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração – CPPA Mestrado Profissional em Gestão Empresarial – MPGE CLASSIFICAÇÃO DE ACESSO A DISSERTAÇÕES Considerando a natureza das informações e compromissos assumidos com suas fontes, o acesso a dissertações do Mestrado Profissional em Gestão Empresarial do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração da Faculdade Boa Viagem é definido em três graus: - “Grau 1”: livre (sem prejuízo das referencias ordinárias em citações diretas ou indiretas); - “Grau 2”: com vedação a cópias, no todo ou em parte, sendo, em conseqüência, restrita a consulta em ambiente de biblioteca com saída controlada; - “Grau 3”: apenas com autorização expressa do autor por escrito, devendo, por isso, o texto, se confiado a bibliotecas que assegurem a restrição, ser mantido em local sob chave ou custódia; A classificação desta dissertação se encontra, abaixo, definida por seu autor. Solicita-se aos depositários e usuários sua fiel observância, a fim de que se preservem as condições éticas e operacionais da pesquisa científica na área de administração. Título da Dissertação: Marca Global e Cultura Local: uma Arqueologia em Busca de Compreensão da Sociedade Ocidental Contemporânea Autora: Flávia Zimmerle da Nóbrega Costa Data da aprovação: 07 de julho/2009 Classificação, conforme especificado acima: Grau 1 Grau 2 X Grau 3 Recife, 11/08/09 ________________________ Assinatura do autor Flávia Zimmerle da Nóbrega Costa Marca global e cultura local: uma arqueologia em busca de compreensão da sociedade ocidental contemporânea Orientador: André Luiz M. de Souza Leão, Doutor Dissertação apresentada como requisito complementar à obtenção do grau de Mestre em Administração do Centro de Pesquisa e PósGraduação em Administração – CPPA da Faculdade Boa Viagem Recife, 2009 Costa, Flávia Zimmerle da Nóbrega Marca Global e Cultura Local: Uma Arqueologia em Busca de Compreensão da Sociedade Ocidental Contemporânea / Flávia Zimmerle da Nóbrega Costa. – Recife: O Autor, 2009. 170 folhas : figuras; tabelas Dissertação (mestrado) Administração, 2009. – Faculdade Boa Viagem. Inclui Bibliografia. 1. Cultura – Globalização. 2. Marca Global. 3. Sociedade Ocidental. 4. Discurso. 5. Arqueologia. 6. Fotoetnografia I. Título. CDU 316.6 C837m FBV Ao meu marido, por muito mais que compreender, por de fato, incentivar, se envolver, dividir e acrescentar razão a todas as tarefas que empreendo em minha vida. Agradecimentos Agradeço inicialmente a meus familiares: meu marido, meu filho, meus pais, minha nora e meus irmãos, pela compreensão da minha ausência em vários momentos de nossas vidas nesses últimos dois anos, esperando pacientemente pela minha companhia, apoiando e até comemorando cada etapa cumprida neste período Contudo não poderia deixar de fazer um agradecimento especial ao meu marido por me acompanhar na verdadeira aventura, que constitui-se às saídas para captura das imagens que formaram o corpus de pesquisa, e por ter disponibilizado seus equipamentos, condições que foram imprescindíveis para concluir com êxito as tarefas de campo. Ainda, aos meus pais pelo exemplo de dignidade e perseverança, minha eterna gratidão. Agradeço muitíssimo ao meu orientador André Leão, pelo apóio e cumplicidade, sempre! Sou grata por todas as lições que me repassou e que contribuíram com minhas reflexões para o desenvolvimento deste trabalho, mas especialmente, por sua sabedoria em esperar o momento de assentamento das novas idéias, atitude peculiar aos grandes mestres. Agradeço em especial à diretoria da Faculdade Boa Viagem por proporcionar e apoiar a concretude de realização desta etapa profissional da minha carreira, como também não poderia deixar de citar todos os professores e funcionários do programa que contribuíram decisivamente para a minha formação acadêmica, profissional e pessoal. Minha admiração e gratidão à professora Sônia Calado, coordenadora do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração – CPPA e do Mestrado Profissional em Gestão Empresarial – MPGE, pelo conhecimento, experiência, sabedoria, respeito e carinho partilhados em todos os momentos. Agradeço ainda aos professores membros da banca examinadora, Fernando Paiva e Sérgio Benício, por aceitarem o convite, honrando-nos com suas contribuições e com suas presenças. Às minhas grandes amigas, meu muito obrigado pela companhia, incentivo, força e carinho, além das generosas trocas de experiências e saberes, estresses e também, claro, os melhores momentos, os extremamente divertidos que foram partilhados e que se tornaram tão importantes para o estímulo nessa caminhada. Agradeço a Josivan Rodrigues e Gustavo Penteado por me terem cedido imagens de seus arquivos pessoais, tão importantes para completude do meu corpus de pesquisa. Enfim, meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que de alguma forma doaram um pouco de si para que a conclusão deste trabalho se tornasse possível. “Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir(...)”. Michel Foucault, 2006 (A História da Sexualidade: O Uso dos Prazeres, Vol.2). Resumo Nos últimos anos as sociedades em rede foram expostas aos processos de globalização e mundialização, sendo esta uma condição compulsória do sistema capitalista de consumo e suas entremeadas relações com as culturas ocidentais. O conflituoso campo de cruzamentos culturais possibilitou o estabelecimento de valores universais em meios locais, e a cultura de massas promoveu as marcas, signos máximos de consumo, a símbolos culturais complexos e globais. Através de um estudo fotoetnográfico inspirado no método arqueológico de Michel Foucault este trabalho buscou analisar a sociedade ocidental contemporânea por meio dos discursos mundanos construídos no intercâmbio entre as culturas global e local. Para tanto, buscamos descrever a teia discursiva formada no limiar relacional entre essas culturas, utilizando uma marca transnacional como veículo de expressão da sociedade ocidental, registrando sua presença nas práticas cotidianas mundanas. Desse modo, a pesquisa está embasada em métodos estruturalistas de investigação. A escolha do projeto arqueológico foucaultiano nos possibilitou realizar a análise por meio de um trabalho de ordenação, definição e descrição, elaborado no interior do campo discursivo. Os resultados do campo afloraram as argumentações: retórica e dialética. Apesar dos falantes situarem-se em mundos distintos (da vida e do sistema), organizam-se por meio de um intercâmbio sistêmico, redimensionando-se de forma dinâmica. Os mesmos não nos propiciaram resultados definitivos, condição que não refletiria a nossa intenção nem opção paradigmática, mas geram reflexões a respeito do tema investigado sob uma abordagem ainda minoritária na academia. Palavras-chave: Marcas Globais, Sociedade Ocidental, Discurso, Arqueologia, Fotoetnografia Abstract In the last couple of years the societies were exposed to the processes of globalization and internationalization, which is a compulsory condition of the capitalist system of consumption and their intertwined relationship with the Western cultures. The conflict field of cultural crosses enabled the establishment of universal values into local environments, and the popular culture promoted the brands, maximum signs of consumption, to cultural symbols complexes and global. Through a photo-ethnographic study based on the archaeological method of Michel Foucault this study aimed to analyze the contemporary Western society through the mundane speeches constructed in the exchanges between local and global cultures. For this, we describe the discursive web formed in the relational threshold between these cultures, using a transnational brand as a vehicle for expression of the Western society, registering its presence in the mundane daily practices. Thus, the study is based on structuralist methods of research. The choice of the archaeological Foucaultian project allowed us to conduct an analysis through a work of ordination, definition and description, developed within the discursive field. The field results raised the argumentation: rhetoric and dialectic. Although the speakers are located in different worlds (of life and the system), they organize themselves through a systemic exchange, resizing dynamically. They did not provide to us definitive results, condition that does not reflect our intention or paradigmatic option, but generate thoughts about the investigated subject under a minority approach in academic. Key-words: Global brands, Occidental society, Discourse, Archeology, Photoethnography. Listas de figuras Figura 1(3) - Mapa indicativo da direção das rotas percorridas ............................................... 75 Figura 2 (3) - Rotas percorridas região sul ............................................................................... 81 Figura 3 (3) - Rotas percorridas região norte ........................................................................... 82 Figura 4 (3) - Rotas percorridas região centro e região oeste ................................................... 83 Figura 5 (4) - Regra uniformidade ............................................................................................ 98 Figura 6 (4) - Zona sul subúrbio foto 41: uniformidade por meio dos elementos da logomarca, peças publicitárias e visual merchandising – Out 2008............................................................ 99 Figura 7 (4) - Regra reprodução ............................................................................................. 100 Figura 8 (4) - Zona sul subúrbio foto 14: reprodução por meio dos elementos da logomarca e peças publicitárias – Out 2008 ............................................................................................... 101 Figura 9 (4) - Zona norte litoral foto 08: reprodução por meio de material merchandising – Nov 2008 ................................................................................................................................ 102 Figura 10 (4) - Zona oeste foto 68: reprodução por meio de material merchandising – Dez 2008 ........................................................................................................................................ 102 Figura 11 (4) - Regra prática de poder ................................................................................... 104 Figura 12 (4) - Zona norte subúrbio foto 88: persuadir e ser representada por meio de adaptações populares e de elementos da logomarca – Nov 2008 ........................................... 105 Figura 13 (4) - Zona sul litoral foto 01: persuadir, propiciar entretenimento, experienciar e estipular regras por meio de ações promocionais, peças publicitárias e elementos da logomarca – Jun 2008 ............................................................................................................. 106 Figura 14 (4) - Zona Centro foto 11: persuadir e comunicar por meio de pontos de atendimento – Ago2008. ........................................................................................................ 106 Figura 15 (4) - Zona Centro foto 10: promover hegemonia por meio de peças publicitárias e visual merchandising. – Ago 2008 ......................................................................................... 107 Figura 16 (4) - Zona sul litoral foto 02: Persuadir, desculpabilizar excesso e experienciar por meio de operações com distribuidor – Ago 2008 ................................................................... 108 Figura 17 (4) - Zona sul subúrbio foto 22: propiciar entretenimento por meio de operações com distribuidor – Out 2008................................................................................................... 109 Figura 18 (4) - Regra relação de poder ................................................................................... 110 Figura 19 (4) - Zona sul subúrbio foto 78: ser representada por meio de elementos da logomarca e adaptações populares – Nov 2008...................................................................... 111 Figura 20 (4) – Foto anterior à figura 18, parte da série discursiva 18, Rota 1- Nov 2008 .... 112 Figura 21 (4) – Foto posterior à figura 18, parte da série discursiva 18, Rota 1- Nov 2008 .. 112 Figura 22 (4) - Zona Sul litoral foto 62: Tolerar partilhamento de espaço e tolerar diferenças estéticas por co-habitação de marcas concorrentes e operações com o distribuidor– Nov 2008 ................................................................................................................................................ 113 Figura 23 (4) - Regra articulação cultural .............................................................................. 114 Figura 24 (4) - Zona noroeste foto 02: Antropomorfizar e incorporar aspectos culturais por meio de adaptações populares – Nov 2008 ............................................................................ 115 Figura 25 (4) - Zona centro foto 07: apropriar-se de aspectos culturais por meio de peças publicitárias – Ago 2008 ........................................................................................................ 116 Figura 26 (4) - Zona sul subúrbio foto 107: apoiar convenção social por meio de adaptações populares – Out 2008.............................................................................................................. 117 Figura 27 (4) – Ampliação de detalhe da figura 28 – Out 2008 ............................................. 118 Figura 28 (4) - Regra Incitamento .......................................................................................... 119 Figura 29 (4) - Zona Centro foto 118: comunicar por meio do ponto de atendimento – Nov 2008 ........................................................................................................................................ 120 Figura 30 (4) - Zona Centro foto 01: comunicar por meio do ponto de atendimento – Ago 2008 ........................................................................................................................................ 120 Figura 31 (4) - Zona norte litoral foto 02: propiciar entretenimento por meio de peças publicitárias – Ago 2008 ........................................................................................................ 121 Figura 32 (4) - Zona norte litoral foto 12: persuadir por meio de operações com o distribuidor – Ago 2008 ............................................................................................................................. 122 Figura 33 (4) - Regra rebeldia ................................................................................................ 123 Figura 34 (4) - Zona norte subúrbio foto 03: ser representada por adaptações populares – Ago 2008 ........................................................................................................................................ 124 Figura 35 (4) - Regra polifonia ............................................................................................... 125 Figura 36 (4) - Zona Noroeste foto 46: identificar parceiros por meio de operações com distribuidor – Nov 2008.......................................................................................................... 125 Figura 37 (4) - Regra redundância.......................................................................................... 126 Figura 38 (4) - Zona sul subúrbio foto 104: identificar parceiros por meio de adaptações populares – Nov 2008 ............................................................................................................. 127 Figura 39 (4) - Regra credibilidade ........................................................................................ 128 Figura 40 (4) - Zona centro foto 02: comunicar por meio de operações do distribuidor – Jan 2009 ........................................................................................................................................ 128 Figura 41 (4) - Zona sul subúrbio foto 03: comunicar por meio de material merchandising – Dez 2008 ................................................................................................................................. 129 Figura 42 (4) - Jogo de memória ............................................................................................ 132 Figura 43 (4) - Funções do marketing .................................................................................... 133 Figura 44 (4) - Manipulação e confronto ............................................................................... 135 Figura 45 (4) - Divergência cultural ....................................................................................... 137 Figura 46 (4) - Um meio de expressão ................................................................................... 139 Figura 47 (4) - Simbiose ......................................................................................................... 141 Figura 48 (4) - Sujeito do projeto/projeto do sujeito .............................................................. 142 Listas de tabelas Tabela 1 (3) - Rotas percorridas, série e datas .......................................................................... 76 Tabela 2 (3) - Rotas percorridas, série e datas (Cont.) ............................................................. 77 Tabela 3 (3) - Rotas percorridas, série e datas (Cont.) ............................................................. 78 Tabela 4 (3) - Coleta dos elementos no campo ........................................................................ 90 Tabela 5 (3) - Coleta dos elementos no campo (Cont.) ............................................................ 91 Tabela 6 (4) - Síntese das descrições enunciativas ................................................................... 94 Tabela7 (4) - Síntese das descrições enunciativas (Cont.) ....................................................... 95 Tabela 8 (4) - Função e ação propiciada................................................................................... 96 Tabela 9 (4) - Regra e descrição ............................................................................................... 97 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 15 1.1 Problemática ...................................................................................................................... 17 1.2 Pergunta de Pesquisa ......................................................................................................... 22 1.3 Justificativas ...................................................................................................................... 24 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................................... 26 2.1 A sociedade de consumo ocidental.................................................................................... 27 2.1.1 A imaterialidade do objeto na civilização [pós-] moderna ........................................... 27 2.1.2 A condição [pós-]moderna ........................................................................................... 31 2.1.3 A cultura material (reconsiderada?).............................................................................. 33 2.2 A cultura como meio possível ........................................................................................... 38 2.2.1 Definindo cultura .......................................................................................................... 39 2.2.2 A cultura popular e o sistema ....................................................................................... 40 2.2.3 Cultura brasileira: um discurso que nasceu moderno ................................................... 43 2.2.4 A cultura global desenraiza, para apoderar................................................................... 45 2.2.5 Nova experiência territorial? ........................................................................................ 48 2.3 Marcas: relação incorpórea, representação material ......................................................... 52 2.3.1 Breve introdução: signifique, a marca significa ........................................................... 53 2.3.2 De identificadoras a difundidoras a capitalizadoras: marcas sob outros valores? ........ 54 2.3.3 A arqueologia como oportunidade................................................................................ 62 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................................... 66 3.1 Possibilidade Epistemológica ............................................................................................ 66 3.1.1 A análise arqueológica .................................................................................................. 68 3.2 Escavação e coleta de vestígios ......................................................................................... 70 3.2.1 Um estudo de caso instrumental ................................................................................... 70 3.2.2 Processos e registros de uma etnografia arqueológica ................................................. 72 3.2.3 Formação do arquivo: o terreno das coisas ditas .......................................................... 74 3.3 Procedimento analítico ...................................................................................................... 86 3.3.1 O procedimento arqueológico....................................................................................... 86 3.3.2 Componentes do procedimento analítico...................................................................... 89 4 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS ................................................................................ 93 4.1 A identificação no limiar discursivo ................................................................................. 93 4.1.1 As descrições enunciativas ........................................................................................... 94 4.1.2 As funções .................................................................................................................... 95 4.1.3 As regras ....................................................................................................................... 96 4.2 A prática estabelecida no limiar discursivo ....................................................................... 97 4.2.1 Sob a regra uniformidade.............................................................................................. 98 4.2.2 Sob a regra reprodução ............................................................................................... 100 4.2.3 Sob a regra Prática de poder ....................................................................................... 103 4.2.4 Sob a regra Relação de poder ..................................................................................... 110 4.2.5 Sob a regra Articulação cultural ................................................................................. 114 4.2.6 Sob a regra Incitamento .............................................................................................. 119 4.2.7 Sob a regra Rebeldia ................................................................................................... 123 4.2.8 Sob a regra Polifonia .................................................................................................. 124 4.2.9 Sob a regra Redundância ............................................................................................ 126 4.2.10 Sob a regra Credibilidade ........................................................................................... 128 4.3 As formações discursivas ................................................................................................ 130 4.3.1 Jogo de memória ......................................................................................................... 131 4.3.2 Funções do marketing ................................................................................................. 132 4.3.3 Manipulação e confronto ............................................................................................ 134 4.3.4 Divergência cultural.................................................................................................... 136 4.3.5 Um meio de expressão ................................................................................................ 138 4.3.6 Ideologia ..................................................................................................................... 140 4.3.7 Simbiose ..................................................................................................................... 140 4.3.8 Sujeito do projeto/ projeto do sujeito.......................................................................... 141 4.4 As regras entre formações discursivas ............................................................................ 143 4.4.1 Argumentação retórica: viva o lado Coca-Cola da vida ............................................. 144 4.4.2 Argumentação dialética: bi-dimensionalidade mundana ............................................ 146 5 CONCLUSÕES ................................................................................................................ 151 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 161 1 Introdução Arqueólogos acabam de anunciar que a região Ocidental do planeta comportou um conjunto de sociedades altamente complexas há cerca de mil anos. Eles confirmam a descoberta da existência de vestígios seguros de ocupação humana na região, que corresponderia ao território atual do Grande Parque Reflorestado pertencente à Organização Internacional das Nações. Segundo os antropólogos, o auge do que denominam de Nação Ocidental se deu entre os séculos XX e XI. A civilização descoberta apresenta-se similar às sociedades que precederam às civilizações do Oriente, mantendo o convívio durante o Período Pós-moderno. Ao que tudo indica, há mais de 3000 anos já mantinha contatos intensos e intercâmbios constantes entre as populações das Américas e Europa, fato que coincidiu com a aparição de estruturas políticas organizadas e sociedades com uma distribuição desigual da riqueza. Os fragmentos históricos, vestígios manifestos dos vários micro-sítios da Nação Ocidental, encontram-se assentados sob substratos arenosos de origens e idades diferenciadas, o que sugere uma ocupação extensa e constante dos espaços geográficos, significando que perdurou por várias gerações. Nas escavações realizadas naquele sítio histórico, os rastros mais evidentes que foram coletados sobre o modo de vida deste povo foram sedimentos residuais de diversos artefatos, curiosamente, a maior parte marcários. O fato chamou a atenção dos antropólogos, uma vez que parece indicar que o consumo de marcas constituiu-se como um fenômeno de amplitude 15 social, garantindo propriedades simbólicas e funcionais à cultura material que lhes está associada. Curiosamente, apesar de o fenômeno marcário só fazer sentido enquanto representação compartilhada socialmente, algumas marcas foram recuperadas em sítios geograficamente distintos em meio às outras marcas nativas, levando a crer que as mesmas desenvolveram uma lógica cultural diferenciada: portadoras uma alteração nas práticas espaciais convencionais, apresentam-se interagindo globalmente. De alguma forma, essas marcas globais superaram a lógica territorial de espaço e as fronteiras que delimitam o exercício de soberania e coesão social, e conviveram com marcas nativas, compondo assim, um corpo de resíduos arqueológicos de uma singular experiência histórica de coexistência. Através destes fatos os pesquisadores vêm reconstituindo o que foi a vida destas sociedades e já é possível descrever uma complexa e intensa relação do consumo com as culturas interligadas por meio de marcas universais. Os estudiosos anunciaram um plano minucioso de investigações para desvelar os processos humanos nessas formas de vida. Os mesmos terão início nos sítios localizados na região circunvizinha da metrópole conhecida por Recife. 16 1.1 Problemática A história simulada poderia ser algum dia um resgate histórico sobre a importância que as marcas ocupam na civilização1 ocidental contemporânea. Numa situação deste tipo, para reconstituir o seu modo de vida seria preciso elucidar a rede de articulações formada entre os fragmentos enunciativos que lhes promove sentido. Contextualizado na complexidade que lhe é própria, o discurso representa uma construção social e surge filiado a uma rede de outros discursos que lhes legitimam ou confrontam, mas que sempre dialogam entre si (FOUCAULT, 2007; FAIRCLOUGH, 2001). De imediato, no entanto, tornar-se-ia evidente que se trata de um modelo em que a cultura de consumo foi uma condição construída que transformou os artefatos marcários em cultura material capaz de representá-la. No contemporâneo a sociedade ocidental vive um cenário de consumo abundante (BAUDRILLARD, 2007) e está inserida em uma nova ordem social em que os indivíduos se reconstroem na importação de valores culturais continuamente endossados por apelos midiáticos (TAVARES, 2001) e regida pelo consumo (BARBOSA, 2004; BAUDRILLARD, 2007; BELK, 2007; BORGERSON, 2005; MCCRACKEN, 2003; 2005; MILLER, 2006, 2005, 2002; SLATER, 2002). A sociedade ocidental está exposta e se re-constrói de forma sistêmica em um universo simbólico gerado pela integração dos processos de mundialização2 e de globalização, que induziu a superação dos espaços hegemônicos de coesão social (ORTIZ, 2007). Esse fato teve 1 O termo civilização está sendo utilizado aqui como uma metáfora para a sociedade de consumo, em alusão ao apóio onto-epistemológico desta pesquisa no projeto arqueológico foucaultiano. 2 Enquanto a globalização constitui os processos de natureza econômica e tecnológica, a mundialização representa a esfera dos processos culturais (ORTIZ, 2007). 17 como suporte as condições de formação da modernidade e do nascimento das nações (BARBOSA, 2004; MCCRACKEN, 2003; ORTIZ, 2007; SLATER, 2002), tornando inevitável a tendência de globalização e suas conflituosas relações entre culturas (ADORNO, 2002; BRITTOS, 1999; CASTELLS, 2008; DEL. MASSO, 2008; 1999; JAMESON, 2004; ORTIZ, 2006) A possibilidade foi articulada na medida em que instigou a construção do pensamento moderno no entrelaçamento da cultura com o consumo (BARBOSA, 2004; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002), favorecendo no século XX a projeção da imagem do modo de vida consumista dos Estados Unidos como um ideal de sucesso e liberdade, que traçou linhas divisórias entre os então chamados: Primeiro e Terceiro Mundos, entre o socialismo e o capitalismo, articulando um sonho de cultura globalizada possível de se dar no sistema capitalista de consumo (KLEIN, 2008; SLATER, 2002). As características das entremeadas relações do consumo com as culturas ocidentais são o resultado das condições de constituição de seus campos social, cultural e econômico. O consumo no ocidente foi assumindo uma nova escala e mudando de caráter na medida em que refletiu os novos padrões de produção, troca e demanda que geraram um crescimento explosivo de mercados. A partir do século XIX essa ordem instalou-se como um fato social permanente (BARBOSA, 2004; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002). Assim, a condição de compreensão do modelo de sociedade ocidental tem no fenômeno de consumo um elemento fundamental, ou ainda, um elemento-chave para análise de relações sociais e sistemas simbólicos. Sendo considerado um processo cultural, sua história e desdobramento na multiplicação e na abundância de objetos e seu ascendente papel na vida social, faz deste o meio significativo fundamental de expressão e constituição desta forma social (BARBOSA, 2004; BAUDRILLARD, 2007; DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006; MCCRACKEN, 2003; MILLER, 2006; SLATER, 2002). 18 Para Slater (2002), a cultura de consumo ocidental designa um amplo acordo social mediado pelo mercado. Neste sentido, o consumo é tido como um processo que permite ao ser humano materializar significados culturais e práticas sociais, estabelecendo limites, resolvendo conflitos e paradoxos. Neste processo, as categorias sociais estão sendo continuamente definidas, afirmadas ou redefinidas (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006; MCCRACKEN, 2003; MILLER, 2006; SLATER, 2002). Dessa forma, a relação entre consumo e cultura se estabeleceu de forma intensa, mútua, complicada e sem precedentes (BARBOSA, 2004; BAUDRILLARD, 2007; MCCRACKEN, 2003; MILLER, 2006; SLATER, 2002; TILLEY, et al., 2006). Apesar de inicialmente ter sido identificado que a posse de riqueza e o consumo abundante era o valor máximo para essa cultura, e de ter sido proposto vários motivos para esta busca inclusive que estaria na própria riqueza a representação do verdadeiro valor das pessoas (HIRSCHMAN, 1990), o que ocorre é que, nos processos de consumo e nas propriedades materiais e simbólicas dos objetos que constituem a cultura material das civilizações, está a materialização de valores, de significados e de práticas sociais próprias. (BELK, 2007; BORGERSON, 2005; FEATHERSTONE, 1995; MCCRACKEN, 2005; MILLER, 2002; SLATER, 2002). Os bens, em última instância, herdam a qualidade de comunicar categorias culturais e valores sociais, por sua capacidade de tornar visíveis tais categorias. A necessidade de consumo se origina na cultura, esta a reproduz e renova quando é encenada por meio da prática e, finalmente, a torna visível por meio dos artefatos escolhidos para comunicar em seu meio. Pelos significados dos bens vivenciamos o sistema cultural e reafirmamos o modo de organização da vida social em seus princípios de ordem, justiça e moral, presentes nas interações na vida cotidiana (MILLER, 2002; SLATER, 2002). Dessa forma, consideramos que relações de consumo são, antes de tudo, relações culturais (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006; 19 FEATHERSTONE, 1995; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002), e que os bens de consumo são comunicadores de categorias culturais e valores sociais, tornando tangíveis categorias de cultura (BELK, 2007; BORGERSON, 2005; MCCRACKEN, 2005; MILLER, 2002; SLATER, 2002). O cenário fértil promoveu as marcas a uma posição emblemática nesta estrutura social (KLEIN, 2008; LEÃO; MELLO, 2004; LEÃO; MELLO, 2007; PEREZ, 2004; SEMPRINI, 2006). Apoiadas em discursos publicitários que buscam antes de vender produtos, vender sentidos, as marcas se transformam em uma entidade em si mesmas, virando o próprio objeto de troca desejado por este sujeito (KLEIN, 2008; LEÃO; MELLO, 2004; LEÃO; MELLO, 2007; PEREZ, 2004; SEMPRINI, 2006). Desse modo, as marcas passam a representar um papel fundamental nessa forma social mediante sua capacidade de expressar, criar e modificar os sujeitos, transformando-se em complexos signos de identidade social e constituindo-se, desse modo, nos signos máximos do consumo (LEÃO; MELLO, 2007; PEREZ, 2004; SEMPRINI, 2006). Assim, de simples diferenciadoras de produtos, característica adquirida com os resultados da Revolução Industrial, as marcas se transformaram em símbolos culturais complexos, gerando o interesse de estudiosos de várias áreas do conhecimento. As marcas tornam-se, então, signos circulantes da vida cotidiana, reconhecidas e significadas por consumidores envolvidos em situações sociais nas comunidades a que pertencem (KLEIN, 2008; LEÃO, 2007; PEREZ, 2004; SEMPRINI, 2006). Como os processos sígnico marcários transcenderam não apenas os grupos e as classes sociais, mas também as próprias nações, a recente condição de uma sociedade mundializada coloca em pauta de discussão as questões de cultura, consumo e representações de marcas globalizadas e suas particulares características de “vida própria”. O fato é que a realidade da marca global não foi fruto de uma demanda do mercado e sim uma necessidade de racionalização administrativa (CHEVALIER; MAZZALOVO, 2007; KAPFERER, 2003). 20 Apesar de o marketing enxergar a globalização como uma oportunidade para criar estratégias lucrativas, confronta-se com as dificuldades em mobilizar para a marca um sistema único de valores direcionados para uma clientela móvel, que possibilite unificar a emissão da comunicação (KAPFERER, 2003). Para o autor, marcas globais demandam para seu fortalecimento no mercado de um posicionamento uniforme e estratégias universais. Para tanto, o processo de mundialização traz em si um lógica própria, “inventada”, que se realiza e reifica na cultura de massas e que, de forma inversa à cultura popular, ao invés de ser oriunda da “massa” foi desenvolvida para essa (ORTIZ, 2007). Nesse cenário a empresa global se apóia no branding patrocinador de cultura e sedento insaciável de cultura, que acredita que é cultura, e desse modo busca sobrepujar a cultura nativa e promover a marca ao posto máximo da mundialização (KLEIN, 2008). A marca transnacional3 torna-se, então, capaz de compartilhar mundialmente os discursos de produtos idênticos amparados numa cultura de massas cosmopolita generalista. Apoiada em uma postura ideológica global de caráter capitalista, a marca global impõe a participação no sistema como condição de existência e estabelece uma relação passível de conflito com as culturas nativas, pois envolve formas de poder onde não existe partilha (ADORNO, 2002; BRITTOS, 1999; ORTIZ, 2007), mas que faz parte do feitio que assumiu a política mundial do novo milênio (EAGLETON, 2005). A grande maioria dos autores que tratam da proposta de globalização considera conflituosa a relação estabelecida entre as culturas global e local. As vulneráveis relações dos nativos com a sedução dos agentes político-econômicos levam às reflexões para as noções de global/local como objetos interdependentes e totalizadores da realidade do sistema capitalista, estimulando a consideração de já haver sido incorporado às subjetividades contemporâneas a 3 Para Ortiz (2007) o desenvolvimento e a consolidação desse mercado tende a tornar obsoleta a concepção de empresa multinacional abrindo espaço para a corporação transnacional, em que existe o comprometimento apenas com uma missão global, única e unificada: os clientes que os interessam são pessoas que apreciam seus produtos em todos os lugares do mundo. 21 consciência de um lugar universal. A globalização não é apenas uma prática econômica, mas política, tecnológica e cultural (GIDDENS, 2000). Considerando que: a participação no novo sistema é compulsória, pois “a globalização é uma tendência inevitável (...) (KAPFERER, 2003, p 353) que incorre na impotência econômica e espiritual do isolado (ADORNO, 2002); a marca é o símbolo máximo da sociedade de consumo contemporânea; o jogo de mediações entre a mundialização e a cultura popular se dá nas práticas sociais, ou seja, no espaço de enfrentamento onde de um lado estão presentes os mecanismos de dominação (que impõem uma postura ideológica global), e de outro estão presentes lógicas próprias de uso e modos de apropriação do que é imposto (dialética construída com a cultura local) (CHARTIER, 1995); podemos entender que a sociedade ocidental contemporânea pode ser conhecida por meio de suas relações com artefatos4 marcários globais. 1.2 Pergunta de Pesquisa Assumindo que a sociedade ocidental contemporânea é regida por meio do consumo e pode ser conhecida por meio de signos marcários, e que esses signos se configuram numa arena privilegiada para luta de sentidos entre a cultura global e a nativa, é fundamental que compreendamos como isto seja possível. Para tanto, nos guiaremos por uma questão geral e três específicas. 4 Como proposta de realização de um estudo de inspiração arqueológica que utiliza como pano de fundo o campo de estudos de cultura material, a intencionalidade da utilização do termo artefato é indicador de qualquer objeto que foi feito ou modificado pelo homem; desse modo, ao ser resgatado nas escavações, a sua condição de fragmento histórico deve ser capaz de promover evidencias de formas de vida. Esta pesquisa entende por artefatos marcários os produtos e referentes imagéticos da marca que formam o ambiente concreto da sociedade investigada. A produção imagética da Coca-Cola torna palpáveis as idealizações e mensagens da marca, permitindo a realização do estudo fotoetnográfico que precisa descrever, discutir cultura material e considerar as relações sociais em um cenário material. 22 Baseamo-nos na seguinte questão geral de pesquisa: Como a sociedade ocidental contemporânea pode ser conhecida por meio de artefatos marcários globais?5 Assim, a pesquisa que propusemos se propiciou a compreender a maneira pela qual as marcas, por meio de sua materialidade, é componente fundamental da formação cultural do Ocidente na contemporaneidade. A generalização da questão-guia da pesquisa denota o caráter próprio da condição paradigmática de pesquisa qualitativa que assumimos, em que a busca do conhecimento amplo se dá por meio de investigação das especificidades. Nesse sentido, delimitaremos nosso estudo orientado pelas seguintes questões específicas: Como os artefatos marcários reproduzem a cultura global ocidental? Como marcas globais se estabelecem nas práticas cotidianas locais? Como é possível a relação entre a cultura global e a cultura local? A integração dos processos de globalização e mundialização e suas conseqüências pertencem a uma realidade que se estabeleceu e que não apenas influência, mas constrói as relações de consumo contemporâneas das sociedades em rede. Nesse sentido, compreender como essa forma cultural se apóia em marcas globais e se estabelece nas práticas locais, e 5 Em desenhos qualitativos de pesquisa com orientação paradigmática não-positivista – como é o caso do interpretativismo – se tende a optar pela elaboração de uma ou mais perguntas de pesquisa ao invés de objetivos ou hipóteses (CRESWELL, 1998; 2003). Estas podem se apresentar em duas formas: uma questão “grand tour” ou uma hipótese-guia seguida de questões específicas (CRESWELL, 2003; MILES e HUBERMAN, 1994). A questão “grand tour” – adotada em nossas pesquisas – deve ser elaborada na forma mais geral possível, para não limitar as possibilidades do estudo, mas, concomitantemente, ser focada o bastante para delimitá-lo (CRESWELL, 2003; MARSHAL e ROSSMAN, 1999). 23 ainda como se dá essa relação entre culturas global e local, representam uma etapa fundamental para o desvelar da sociedade ocidental na atualidade. 1.3 Justificativas Num cenário de consumo abundante, em que os bens constituem a estrutura de uma vida significativa no plano de desejo e subjetividade (BAUDRILLARD, 2007; SLATER, 2002), os indivíduos buscam construir-se num mundo cultural através de práticas de consumo. Essa forma de relação desenvolvida com os bens de consumo e seu potencial revelador de relações sociais é um campo de estudos que nasce com as formas modernas de consumo (BARBOSA, 2004; FEATHERSTONE, 1995; MCCRACKEN, 2003; MILLER, 2002; SLATER, 2002), mas que muito tem ainda para se desenvolver. Entendendo que a cultura do consumo seja uma estrutura de relacionamentos e que estes têm se revelado um importante objeto de investigação para o marketing (ARNOLD; FISHER, 1996; FULLERTON, 1988; HOWARD et al., 1991; MELLO; LEÃO, 2003), acreditamos que a contribuição teórica deste estudo seja a de buscar compreender o papel das marcas na cultura ocidental contemporânea. Ao adotar a lente filosófica foucaultiana como método instituímos que o discurso é uma prática social e que os enunciados se definem em seus contextos a partir de um conjunto de condições de co-existência, filiados a uma rede de outros discursos que os legitimam ou confrontam. Este entendimento pode vir a contribuir com novos horizontes na forma da pesquisa de marketing investigar o fenômeno marcário nas sociedades globais. Neste sentido, o estudo também contribui pela adoção da antropologia visual para a investigação do fenômeno marcário, uma vez que este ainda é um método incomum nas investigações deste objeto na área de Administração. 24 Em termos de aplicabilidade, nossa investigação pretende, ao aprofundar o conhecimento sobre a relação entre as marcas e a cultura do consumo, desvelar o impacto do discurso daquelas sobre a forma como esta é moldada, contribuindo para uma prática de olhar mais humano (LEÃO; MELLO, 2007) da gestão de marketing na abordagem de seus mercadosalvo. 25 2 Fundamentação Teórica Na presente pesquisa adotamos a perspectiva da antropologia visual de consumo embasados na condição [pós-]moderna que assumiu a sociedade ocidental. Desse modo, entendemos que o consumo de signos característico desta forma social, só é possível pelo fato do mesmo se constituir uma prática cultural, ou seja, uma ação relacional que ganha sentido na interação de sujeitos sociais. O que nos permite a possibilidade de conhecer a sociedade ocidental contemporânea por meio de signos marcários é, então, o fato de reconhecermos que esta é uma forma social determinada pelo consumo e que esta característica constituiu-se um cenário fértil para que as marcas assumissem uma posição de destaque. Isto porque as marcas se mostraram como excelentes suportes para a prática imaterial de manipulação de signos nas formas de consumo e experiências imateriais da condição [pós-]moderna das sociedades. A fundamentação teórica desta pesquisa, por tanto, será composta de três seções, que buscam perfazer um caminho teórico de compreensão da tessitura da sociedade de consumo e nela situar o posicionamento ocupado pela marca. A primeira seção inicia-se buscando no desenrolar da constituição desta sociedade, como se estabeleceu essa relação sem precedentes entre a cultura e o consumo, alimentando a possibilidade sígnica. Tem sua continuidade considerando a condição contemporânea das sociedades ligadas em rede pelos processos de globalização e mundialização. Na última seção apresentaremos como o fenômeno marcário 26 adquiriu valor para a civilização ocidental e, paralelamente, como esse fenômeno foi investigado teoricamente pelo marketing. 2.1 A sociedade de consumo ocidental Partiremos, então, da retrospectiva histórica da constituição da sociedade de consumo e sua ligação com a cultura, buscando compreender como o objeto de consumo foi depositário de signos apagando gradativamente a relevância de sua condição material. Seguiremos apresentando o desenrolar do pensamento sobre a condição [pós-]moderna de consumo e, na seqüência, discutiremos a importância que assumiu a cultura material para a sociedade de consumo, posicionando a abordagem investigativa possível para esta avaliação. 2.1.1 A imaterialidade do objeto na civilização [pós-] moderna Podemos considerar como extremamente complexa a relação que foi construída entre a cultura e o consumo e entre os sujeitos e seus artefatos, da forma que se apresentam no contemporâneo. O consumo como um processo cultural tornou-se o elemento central na trama de construção da modernidade pautada na condição de “livre” decisão das escolhas de um novo consumidor, que foi desenvolvida no decorrer da civilização ocidental (BARBOSA, 2004; FEATHERSTONE, 1995; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002). Esta cultura foi ao longo do tempo sendo re-criada, afirmada e possibilitada através da oferta múltipla de objetos, que sendo uma fonte de poder, tiveram nesta sociedade opulência, valor e importância crescente (BAUDRILLARD, 2007; BELK, 2001; MILLER, 2002; TILLEY, 2006). 27 Antes da Idade Moderna considerava-se que os objetos eram consumidos por sua funcionalidade e marcação na estratificação social, a sociedade era conservadora, valorizava o legado ancestral e assumia os modelos herdados do passado (BARBOSA, 2004; LIPOVETSKY, 2002; SLATER, 2002). A produção era, então, dirigida pelo valor de uso dos produtos frutos do trabalho, que tinham por finalidade suprir algumas necessidades humanas (CALLINICOS, 2004). Com o movimento renascentista no século XVI e o fortalecimento da burguesia, ampliou-se o desejo de promoção social e a imitação das maneiras de ser e de parecer com a classe aristocrática (LIPOVETSKY, 2002; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002). Neste período, sobretudo na Inglaterra, com o aumento considerável do consumo estimulado pela corte Elisabetana e uma maior oferta de mercadorias, os nobres se tornaram escravos do consumo competitivo e o comércio transformou-se em uma metáfora para a vida em sociedade. Através da livre troca de bens, serviços e idéias na esfera pública, o consumo assumiu também um sentido de intercâmbio social e de comunicação (MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002). Nesse contexto, a posição social foi determinante do estilo de vida, mas independe da condição de renda, uma vez que os nobres sobreviveram dos favores reais. Tais relações entre status, estilo de vida e renda foram rompidas no decorrer da modernidade, diminuindo gradativamente a força de grupos aristocratas de referência (BARBOSA, 2004; LIPOVETSKY, 2002). Esse período foi alvo de muitas outras mudanças paralelas e inter-relacionadas com a nova postura do indivíduo consumidor, tais como a crescente ideologia individualista, a valorização do amor romântico e os novos processos de consumo (BARBOSA, 2004; LIPOVETSKY, 2002; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002). A revolução explosiva de consumo no século XVIII, ainda conduzida pela natureza viciosa hierárquica e competitiva inglesa, foi acentuada pela expansão ainda maior do mundo dos bens e inclusão de novas oportunidades de compras advindas da ampliação dos mercados (MCCRACKEN, 2003). Os bens de consumo deixaram de ser privilégio de alguns para se tornar 28 o anseio de todos, e o consumo ampliou-se como sistema de significação suprindo necessidades principalmente simbólicas, tornando-se a forma pela qual a sociedade passou a assimilar a cultura (D’ANGELO, 2003; 2004; DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002). Dessa forma, novos padrões de consumo foram conduzidos por pessoas e essas pessoas por eles, transformando o mundo dos bens num mundo social e os referenciais de princípios da sociedade civil em cultura de consumo (MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002). Essas modificações desembocaram no movimento da Revolução Industrial e compuseram a tessitura do capitalismo, construindo o indivíduo contemporâneo “livre” e igual (BARBOSA, 2004). Assim, a revolução ocorrida no consumo e nos mercados e a Revolução Industrial atingiram o século XX e proclamaram uma ideologia de riqueza e de multiplicidade, que foi ampliada pelo relacionamento com os meios de comunicação, pelo aprimoramento tecnológico, pelas indústrias de informação e as maneiras de ser e ter do indivíduo [pós]moderno (BARBOSA, 2004; D’ANGELO, 2003; FEATHERSTONE, 1995; SLATER, 2002). Porém, esse fenômeno de revolução que encontrou morada no consumo estava apenas iniciando um processo de extrema complexidade. As mudanças em curso desde os anos 1950 e 1960, buscaram na lógica democrática da multiplicação, um consumidor que não só tem a oportunidade de exercer a escolha, como também se dá ao prazer mais freqüentemente: esta possibilidade de preferir é cada vez mais um instrumento de distinção individual, estética, instrumento de sedução, de juventude, e de modernidade (LIPOVETSKY, 2002). Através da conquista do poder de decidir livre e democrático do consumidor, os bens de consumo assumiram uma das formas fundamentais de construção das identidades e dos processos de significação na sociedade capitalista (BAUDRILLARD, 2007; DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002). A nova estrutura social tornou-se importante mediante a impregnação de signos e de mensagens tornando tudo cultural (FEATHERSTONE, 1995). 29 Tudo que se considerava modernidade como o rompimento com a tradição, o culto à novidade e a reinvenção do sujeito em si mesmo, se transformou em experiências, emoções e espetáculo da mercadoria (DEBORD, 1997; BAUDRILLARD, 2007; SLATER, 2002). O consumo passou a ser considerado uma prática imaterial de manipulação de signos (BAUDRILLARD, 2007). Os sujeitos usaram os bens para o serviço de marcação, para ser, ter e permitir acesso a informações (BARBOSA, 2004; DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006; HOSKINS, 2006; KEANE, 2006; MILLER, 2005). Os artefatos expressaram, criaram e transformaram o ego dos sujeitos, contribuindo para seus projetos de identidade (BORGESON, 2005; MILLER, 2006) na possibilidade de meio poderoso de materialização do self (BELK, 2001; TILLEY, et al., 2006). Neste sentido, os bens formaram uma categoria abstrata e abrangente intermediando a própria compreensão humana (KEANE, 2006) através da ampla capacidade de agir sócio-culturalmente mediada, de modo que a vida social das pessoas encontrou seu paralelo na vida social das coisas (HOSKINS, 2006). Diante de tais condições e possibilidades, na re-descoberta do consumismo da sociedade [pós]moderna da década de 1980 os consumidores viraram “heróis”, sendo este um papel compulsório por ser a única forma para interagir socialmente (SLATER, 2002). Libertos das falsas certezas oferecidas pela modernidade como o descrédito das grandes narrativas6, cada indivíduo comemorou o direito de criar o seu próprio sonho nas experiências cada vez mais imateriais (SEMPRINI, 2006). Slater (2002) os define como sujeitos irracionais e descentralizados que buscam estratégias de sobrevivência num mundo construído pelo 6 Para Lyotar (2006) o fim das narrativas históricas caracterizaria a pós-modernidade como ponto culminante de um processo de crise da racionalidade. No projeto (assim denominado por ser expectativa de organização do futuro) de modernidade a história, como progresso e a evolução, tenderiam a congelar categorias e universalizar conceitos produzindo legitimação em torno de verdades absolutas. O autor afirma que a partir do sistema capitalista se desconstrói as narrativas universalizantes e assegura-se a multiplicidade de discursos: há racionalidades (já que a idéia de razão como unidade é negada), linguagens e, portanto, discursos. Deve prevalecer, portanto, a pluralidade. 30 consumo, onde os artefatos carregados de significados culturais constituem o meio possível de construção, manutenção e materialização da cultura, e de sua própria existência que se dá na presença do outro (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006; HOSKINS, 2006; KEANE, 2006; LAYTON, 2006; MCCRACKEN, 2003; MILLER, 2005; OLSEN, 2006; SLATER, 2002; TILLEY et al., 2006). 2.1.2 A condição [pós-]moderna Apesar de em todas as sociedades humanas os indivíduos consumirem para se reproduzir física e socialmente utilizando a cultura material para fins simbólicos, o consumo adquiriu “uma dimensão e um espaço que nos permite discutir através dele questões acerca da natureza da realidade” (BARBOSA, 2004, p.14). Contudo, apenas a intensa atividade acadêmica multi e interdisciplinar ocorrida nos últimos anos, permitiu reconhecer que a cultura de consumo não é uma atividade recente, e que o consumo e suas práticas essencialmente culturais são os elementos fundamentais para as reflexões sobre a condição [pós-]moderna (BARBOSA, 2004; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002). A discussão teórica sobre as questões que tratam a partir de quando o consumo assumiu esta condição, discorreram na década de 1980, pautadas pelas novas leituras de historiadores a respeito do argumento de que a revolução de consumo e de mercado foi anterior à Revolução Industrial. Para esta vertente teórica, por tanto, as condições tecnológicas não foram às responsáveis pelo consumismo que se estabeleceu nessa civilização (BARBOSA, 2004; FEATHERSTONE, 1995; SLATER, 2002). Porém, as primeiras pesquisas sobre o assunto foram incitadas ainda no século XIX (BARBOSA, 2004). Karl Marx teorizou que, sob a condição do sistema capitalista, os produtos do trabalho tomam a forma de mercadoria. Como as mesmas não eram feitas para consumo direto e sim produzidas para serem intercambiadas, adquiriam no mercado um valor de troca. 31 Esse fenômeno abordado por Marx parte da concepção que a base da sociedade humana está no produto do trabalho. Considerando que toda mercadoria tem um valor, e ainda que a formação socioeconômica capitalista emergiu das relações de produção, Marx afirma a preponderância do valor de troca sob o valor de uso. (CALLINICOS, 2004). Seguindo esse princípio, as teorias da mercadoria e da racionalização instrumental do mundo deslocaram seu foco de atenção da produção para o consumo, a partir da conquista de maturidade das características modeladoras da cultura de consumo e da produção racionalmente organizada. Nessa vertente, o consumo considerado como conseqüência da Revolução Industrial trouxe para as investigações uma visão economicista, que, utilizando a lógica do capital, tornou possível argumentar que a acumulação resultou no triunfo da troca, possibilitando desenvolver o cálculo instrumental racional de todos os aspectos da vida social (BROWN, 1993; FEATHERSTONE, 1995; MELLO, 2006). A partir do século XX a postura investigativa científica baseada no estruturalismo buscou o entendimento da estrutura reinante através da linguagem, pesquisando algo que se encontraria para além do que era possível observar (NETO, 2005; THIRY-CHERQUES, 2008). Foi o contexto analítico da linguagem quem atribuiu para a cultura uma condição que privilegiou sua função simbólica colaborando para o abandono do valor segundo a utilidade ou a tradição dos objetos (DEL. MASSO, 2008). Dessa forma, a investigação da materialidade dos bens foi ofuscada sob a importância conquistada pelo signo. Durante as últimas décadas do século XX, questões teóricas sobre o relacionamento da cultura com a sociedade surgem como condição periférica de vários campos acadêmicos (FEATHERSTONE, 1995), bem como se firma o reconhecimento do uso da análise lingüística como método para a avaliação da mudança social, conferindo a linguagem um papel central nos fenômenos sociais (FAIRCLOUGH, 2001). Através das novas possibilidades de investigação 32 lingüística, impulsionou-se a busca de alternativas para problematizar teoricamente a relação pessoa/objeto, buscando respostas para as questões sobre de que forma se dá essa relação. Essa construção de idéias colocou em cheque a busca de esgotar os sentidos materiais na formação da cultura e da sociedade (TILLEY, et al., 2006): baseados no consenso sobre signos culturalmente construídos e passíveis de modificações no tempo, essa visão rompe radicalmente com a idéia estruturalista de que a cultura impõe a visão sobre seus membros individuais (LAYTON, 2006), fundamentada na idéia de que a forma que a mente impõe aos conteúdos é a mesma para todos os seres humanos (THIRY-CHERQUES, 2008). 2.1.3 A cultura material (reconsiderada?) A crescente valorização do signo é um fenômeno da condição [pós-]moderna das sociedades de consumo (BAUDRILLARD, 2007; FEATHERSTONE, 1995; MCCRACKEN, 2003; SEMPRINI, 2006; SLATER, 2002). Para construção de seus projetos de vida, essas sociedades reservam um amplo espaço para os significados em experiências cotidianas, num contexto complexo e fragmentado (SEMPRINI, 2006), cuja negligência das reflexões sobre as práticas culturais e as dimensões materiais do produto no decorrer deste período, nos parece representar um problema. Na busca de entender como os artefatos tornaram-se imateriais, descrevemos que a estrutura social e o consumo estiveram tão intrinsecamente ligados na modernidade que formaram um único processo de mudança (FEATHERSTONE, 1995; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002). Nela os artefatos foram utilizados como instrumentos, hiper-valorizados em sua função simbólica em detrimento da condição física numa transcendência alcançada pela intencionalidade e artífice humanas (BORGESON, 2005). 33 Contudo, as formas materiais constituem a realização das idéias. Os diferentes tipos de artefatos distribuídos através do espaço e do tempo refletem diferentes grupos de pessoas, difundem e concretizam idéias. É através do fazer, usar, trocar, consumir, interagindo e vivendo com as coisas que as pessoas se constroem socialmente e, sem elas nem podíamos ser nós mesmos nem saberíamos quem somos (TILLEY, 2006). Dessa forma, entendemos que os signos sempre se materializam de alguma forma para asseverar o sujeito socialmente na relação de alteridade. A cultura material reproduz, altera e legitima valores, idéias e distinções sociais, através de uma relação dialética em que sujeitos e objetos fazem parte um do outro (MILLER, 2006; TILLEY, 2006). Os estudos da cultura material buscam o aprofundamento do conhecimento das relações humanas com os artefatos. Preocupam-se, por tanto, em saber como as pessoas se relacionam com os mesmos e como estes transformam as pessoas (BORGESON, 2005; HOSKINS, 2006; KEANE, 2006; LAYTON, 2006; MILLER, 2005; OLSEN, 2006; TILLEY et al., 2006). Esses estudos sofreram muitas transformações formando no contemporâneo um difuso e relativamente confuso campo interdisciplinar7. É um campo de investigação transcendente e dinâmico que por redefinir a si mesmo e aos seus objetos de estudo, encontra-se inserido num campo metodológico pós-estruturalista (TILLEY, et al., 2006), que situa nossa abordagem foucaultiana8 para área do marketing. Considerando que o processo de significação é sempre material, entendemos que a materialidade está associada aos fatos, são provas reais dos valores e das idéias (OLSEN, 2006; 7 Segundo Neto, (2005) o estruturalismo não representa uma única escola e seu escopo encontra-se relacionado à diversos campos de conhecimento, procedimentos e objetos de investigação, não existindo uma concordância de pensamento frente ao movimento, entre os autores que se classificam como estruturalistas. Contudo, apesar de identificar várias perspectivas para o estruturalismo, Neto afirma que as mesmas não são necessariamente excludentes. 8 Existem na academia brasileira alguns estudos na área do marketing que se embasam em métodos estruturalistas, a exemplo dos trabalhos produzidos por Neto (2005) e Thiry-Cherques (2008). Da mesma forma, o uso da perspectiva foucaultiana na analise das organizações não é incomum: Silveira (2005) realizou um inventário nos principais periódicos internacionais entre 1980 e 2001, e nele problematizou tal utilização e indicou possíveis caminhos para área. 34 TILLEY, et al., 2006). Os artefatos são os meios propícios através dos quais se atingem objetivos, uma vez que os mesmos constituem o próprio sistema e não apenas as mensagens. A sensação, ou o desfrute do consumo físico, é uma parte importante do serviço prestado pelas mercadorias (LEÃO; MELLO, 2004). A prática do consumo promove o significado do signo em seu meio através da interação. Permite oferecer ao consumidor a prova de que a experiência é viável, ou seja, sua presença é necessária durante os rituais de consumo para por em circulação seus próprios juízos de escolha sobre a adequação das coisas consumidas e utilizadas (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006). Desde que a revolução de consumo e seus novos consumidores se instalaram como característica de estrutura social permanente no século XIX, a história foi refúgio da simplicidade para a complexidade e do familiar para o estranho (OLSEN, 2006). Porém, com as novas possibilidades de investigação na lingüística em que a linguagem é uma construção da prática e os discursos significam na interação e na experiência, entendemos que o conhecimento em si é também um artefato da língua arbitrário de um idioma (FAIRCLOUGH, 2001; FOUCAULT, 2007; LAYTON, 2006). Assim, na prática social os significados estão sempre abertos para negociação (BORGERSON, 2005; HOSKINS, 2006; MILLER, 2005; OLSEN, 2006; TILLEY et al., 2006). Contudo, as provas de habilidades cognitivas estruturalistas apropriaram seu significado sem considerar a influência modeladora e sistemática do contexto cultural nativo (FAIRCLOUGH, 2001; LAYTON, 2006). Os recursos investigativos de linguagem e a possibilidade do significado totalitário que vinha funcionado bem para avaliar esse recurso material tornam-se problemáticos na medida do reconhecimento de [re-]significação dos artefatos, da sua condição ambígua e controvertida, capaz de transcender os indivíduos e suas aspirações, adquirindo sentido de forma pragmática (BORGERSON, 2005; HOSKINS, 2006; MILLER, 2005; OLSEN, 2006; TILLEY, et al., 2006). 35 A abordagem dos estudos da cultura material está centrada na idéia de que a materialidade integra a dimensão cultural e que existem momentos da existência social que não podem ser inteiramente compreendidas sem o auxílio desta perspectiva (TILLEY, et al., 2006). Apesar dos estudos da cultura material ter tido início no século XIX com fins de recolha e classificação de artefatos nas investigações antropológicas, no século XX saiu da condição de ferramenta utilitarista de identificação de status social e diferença étnica (DENIS, 1998; TILLEY, et al., 2006) para posição estruturalista, requisitada como centro das investigações antropológicas a partir da década de 1960 (NETO, 2005; THIRY-CHERQUES, 2008). Contudo, a linguagem estruturalista semântica esteve ainda tangenciada pelo paradigma funcionalista, o que contribuiu para uma crescente divergência entre os estudos etnográficos, o principal princípio metodológico antropológico, e as abordagens arqueológicas da cultura material. No entanto, esse trajeto conduziu a aparição da nova concepção na década de 1980 que reintegrou as disciplinas a partir do desenvolvimento do estudo de símbolos estruturalistas, estrutural-marxistas e arqueológicos, dando origem ao vasto campo dessa disciplina no contemporâneo (LAYTON, 2006; TILLEY, et al., 2006). As perspectivas teóricas foram desenvolvidas na busca de respostas às carências percebidas nas teorias vigentes para explicar o campo das Ciências Sociais. Apesar de se constituir uma combinação das tradições de pensamento – marxista, estruturalista/semiótica e interpretativo/fenomenológico, buscam evitar as armadilhas do reducionismo econômico de algumas versões marxistas, os invariantes da mente humana estruturalistas, e as considerações de poder e dominação do pensamento fenomenológico (TILLEY, et al., 2006). O pós-estruturalismo, por tanto, está situado no interior de um conjunto específico de conhecimentos. Possui uma estreita relação com o estruturalismo partilhando das suas concepções básicas, embora se oponha quando considera que o significado é produto da diferença entre entidades em vez de qualidades dessas. Considera a língua e os textos como 36 modelo para qualquer sistema de significação, não considerando que há materialidade fora da lingüística, e mantendo distância da ontologia cartesiana (OLSEN, 2006; THIRY-CHERQUES, 2008). A cultura material na perspectiva pós-estruturalista, sendo uma dimensão da lingüística, é entendida como uma forma de texto que pode ser lido e decodificado. Aliás, a mais importante influência pós-estruturalista pode ser rotulada de “textualização” e caracteriza os novos modos de ler e analisar os textos. O conceito de “textualização” inclui um pensamento sobre como as coisas se transformam em discurso escrito, está associado a uma epistemologia de leitura que desafiou as instalações interpretativas existentes, sendo marcada pelo sacrifício do autor e da estrutura (FOUCAULT, 2007; OLSEN, 2006). Considerando que o leitor é o produtor de sentidos, a epistemologia de leitura envolve uma ruptura ontológica uma vez que o texto não pode ser separado do contexto, ou seja, não existe possibilidade de vida fora do inter-texto (FAIRCLOUGH, 2001; FOUCAULT, 2007; THIRYCHERQUES, 2008), assim como não existe significado fora do jogo da diferença, da alteridade. Dessa forma, os bens na condição de objetos culturais precisam ser considerados em seu contexto, na “teia de significados da qual faz parte” (CAVEDON, et al., 2007, p..350; FAIRCLOUGH, 2001; FOUCAULT, 2007; OLSEN, 2006). Considerar os significados através da diferença é a grande condição pós-estruturalista, em que nega a possibilidade de um único sinal está presente em si mesmo e se referindo apenas a si mesmo. Essa abordagem enfatiza como as coisas significam buscando uma leitura de tradução e negociação não de recuperação dos sentidos, uma vez que a interpretação é uma tarefa interminável (FAIRCLOUGH, 2001; FOUCAULT, 2007; OLSEN, 2006; MILLER, 2005). Na medida em que entendemos a materialidade e seus benefícios como dimensão material da cultura humana, consideramos que é fundamental considerá-la nas investigações. A materialidade dos artefatos constitui um recurso importante para o entendimento da co- 37 criação dos sujeitos e seus artefatos (BORGESON, 2005; MILLER, 2005; OLSEN, 2006). Dessa forma, o contexto de linguagem que inicialmente propiciou o privilégio da função simbólica, nos impulsiona na análise pós-estruturalista a reconsiderar a importância da materialidade para os sujeitos na prática de consumo. Reconhecemos que as práticas de alteridade e ambigüidade ao mesmo tempo em que desordena e causa anseio num mundo obcecado por sinais materiais (OLSEN, 2006), podem fazer a diferença para a compreensão da civilização ocidental [pós]moderna. Essa abordagem nos permitiu considerar a importância da cultura material como fator de objetificação das práticas sociais [pós-]modernas, bem como identificar uma possibilidade investigativa. É possível contextualizar a marca sígnica neste cenário quando consideramos a sua condição de artefato da cultura material, condição sob a qual se constitui representante expressiva dos fenômenos da cultura de consumo contemporânea, tendo se transformado no próprio objeto de troca, fato que discutiremos na terceira seção desse trabalho. Entretanto, quando tratamos da marca global é preciso entender que a mesma se alimenta da comunicação tornando-se propositora de um projeto de sentidos pautado numa comunicação universalista, que é produto da cultura de massas. Esse fato representa um papel de suma importância para os sujeitos e também para economia da condição pós-moderna da cultura de consumo (KLEIN, 2008; PEREZ, 2004; PETTIT, 2003; SEMPRINI, 2006). 2.2 A cultura como meio possível Propomo-nos a compreender a sociedade de consumo ocidental contemporânea através dos discursos da marca global. Para tanto, abordamos que no sistema capitalista contemporâneo através da impregnação de signos e mensagens, a cultura adquiriu novos 38 significados que englobam a vida social, re-criam e comemoram formas imateriais de consumo ao mesmo tempo em que produzem uma cultura material. Porém, a lógica de consumo de um produto transnacional, como também a exploração econômica e a dependência cultural advindas das relações que se estabelecem entre colônia e metrópole, requerem para sua compreensão que primeiro tratemos de cultura de uma forma mais ampla, para então estabelecer diferenças entre a cultura popular e a cultura de massas. Esse confronto proporciona a exploração de questões que envolvem formas de poder através do estabelecimento de uma relação de dominação e mediação, que suscitam de entendimento para compreensão da condição ocidental de sociedade. Esses temas serão tratados ao longo desta seção. 2.2.1 Definindo cultura Buscamos, então, uma definição para cultura: diz-se que todo acervo de conhecimentos que adquirimos de forma espontânea, na prática da vivencia do homem são agentes da cultura. A cultura manifesta-se e é transmitida pelos depoimentos dos que a apreenderam no cotidiano, ou seja, “(...) a cultura é originada e transmitida como forma de conhecimento” (DEL. MASSO, 2008, p.3). Afirma-se ainda que a cultura desconheça noções de progresso ou poder e possui seus próprios caminhos para exercitar a liberdade de interpretação da vida e do mundo. (ANDRADE; SOARES; HUCK, 1999). Para os autores, a cultura nativa se apropria das determinações de formas de uso do legado hegemônico, o que faz com que este nunca seja recebido com passividade, sem mediação, nas culturas dominadas. A possibilidade de intercâmbio é viabilizada na medida em que os valores da cultura hegemônica, como os valores de qualquer cultura, são primeiramente os valores da própria 39 vida humana, e não os valores de uma forma de vida em particular. Precisam, além de um local para prosperar, também de um cenário histórico para sua realização, mas toda cultura “(...) só é cultura porque ultrapassa em direção ao universal” (EAGLETON, 2005, p.82). A cultura institui sempre um vínculo entre a humanidade e uma civilização específica, e, por ser um produto daquela têm o espírito universal. Por essa razão, os discursos de produtos globais são difundidos por uma cultura de universalização, que carrega em si fragmentos regionais, nacionais ou étnicos, mas sempre possui um tronco comum de caráter antropológico que apela para um homem imaginário universal (MORIN, 2007). Porém a relação entre os valores globais e locais é passível de conflito, pois local e global estão ligados através de limites dicotômicos. Para Eagleton (2005) os choques entre Cultura e cultura representam um conflito global, mas que faz parte do feitio que assumiu a política mundial contemporânea. A grande mudança desse milênio é que se observa a consolidação da sociedade global, cujos processos transcendem os grupos, as classes sociais e as nações (ORTIZ, 2007). 2.2.2 A cultura popular e o sistema Para fazer um exame das culturas populares contemporâneas é preciso primeiro se livrar da pretensão de autonomia absoluta no sentido de atribuir às mesmas um sentimento de pureza ou de auto-suficiência em relação às indústrias culturais (CANCLINI, 1998). Por outro lado, Canclini não acredita que a autonomia dos campos culturais se dissolva nas práticas capitalistas, mas afirma que atualmente se subordina a elas com laços inéditos. Apesar da cultura popular geralmente ser tratada por duas perspectivas metodologicamente contraditórias: uma enfatiza a autonomia desta e a outra que insiste em 40 sua dependência da cultura dominante (CHARTIER, 1995), quando se trata da forma que adquiriu a cultura global, percebemos que é necessário admitir que novos formas de dominação precisam ser compreendidas (ORTIZ, 2008). Apesar dos costumes serem transmitidos de uma geração para outra, e a cultura hegemônica só penetrar e se estabelecer através do jogo de mediações (BRITTOS, 1999), a única saída para quem resiste deverá ser pactuar para sobreviver (ADORNO, 2002). Assim, para investigar a cultura popular torna-se necessário situar sempre no espaço de enfrentamento dois conjuntos de dispositivos: enquanto de um lado está presente o mecanismo da dominação simbólica (representações e modos de consumo globais) que tentam se impor sobre uma cultura que inferioriza, por outro lado estão também presentes as lógicas de uso e modos de apropriação do que é imposto. Pois, é preciso considerar que as formas populares da cultura se estabelecem nas práticas do cotidiano, o que não se manifesta através dos produtos em si, mas sim nos modos de usar os produtos (ADORNO, 2002; CHARTIER, 1995). A cultura de massas provém dos temas que tomaram forma nos Estados Unidos e foram divulgados pelos meios de comunicação (ADORNO, 2002; MORIN, 2007). Esses modelos impuseram-se mundialmente apesar dos conservadorismos e das diferenças econômicas das diversas culturas com a extraordinária força que lhe é peculiar. Desse modo, a cultura de massas “é cosmopolita por vocação e planetária por extensão” (MORIN, 2007, P. 16). Porém, a hegemonia depende de abrigar em seu cerne as manifestações culturais populares, tradicionais e locais, uma vez que para se realizar, a comunicação precisa que haja mediadores entre o pólo comunicador e o receptor (MORIN, 2007). Jameson (2004) avalia que um conteúdo social e histórico genuíno deve ser primeiro introduzido e, ganhando alguma expressão inicial, pode então ser objeto de bem-sucedida manipulação e contenção. É que toda obra produzida hoje “(...) contém como impulso subjacente (...) nosso imaginário mais 41 profundo sobre a natureza da vida social, tanto no modo como a vivemos agora, como naquele que - sentimos em nosso íntimo - deveria ser” (JAMESON, 2004, p.25). A cultura de massas é assim difundida pela universalização e dela se alimenta de forma sistêmica. Ela recebe e devolve provocando o sistema de mundialização, o desenvolvimento técnico e econômico (ADORNO, 2002). A cultura cosmopolita de massas busca a universalização de um homem moderno, cujas práticas e valores estão ligados à mercadologia da indústria cultural (ADORNO, 2002). Para o autor a prática da indústria cultural realiza um trabalho ideológico capaz de desenvolver um estado de falsa consciência na medida em que a indústria cultural está técnica e economicamente fundida à propaganda. Por essa razão, o desenvolvimento da cultura de massas está diretamente relacionado ao surgimento e aperfeiçoamento dos aparatos tecnológicos de comunicação que, por sua vez, desenvolvem uma falsa identidade do universal e do particular demonstrando que são apenas os negócios que constituem a ideologia dominante (DEL. MASSO, 2008). Assim, além das questões de mediação e de hegemonia, outro deslocamento conceitual é necessário à compreensão do espaço da recepção da cultura de massas: situa-se na concepção de poder (ADORNO, 2002; BRITTOS, 1999; CASTELLS, 2008; DEL. MASSO, 2008; 1999; JAMESON, 2004; ORTIZ, 2008). O poder desloca-se para uma ação de mediação nas zonas de tensão da dominação, uma vez que um poder impassível não se mantém. Para ganhar expressividade, o poder assume uma linguagem persuasiva e busca a compreensão e assimilação de suas mensagens utilizando mediadores pertencentes à cultura local, ou ainda apoiando-se na diversão, gerando um sentimento de identificação e conquistando a coordenação da interação (ADORNO, 2002; DEBORD, 1997; HALL, 2006; ORTIZ, 2007). Nesse sentido, é preciso considerar que ao mesmo tempo em que a cultura de massas é produzida para massa no sentido de controlá-la, a cultura popular se fortifica em sua 42 resistência num movimento sistêmico (CASTELLS, 2008). Para Castells o universalismo da globalização promove o ressurgimento dos nacionalismos que se constroem a partir das ações e reações sociais. O nacionalismo contemporâneo para o autor tende a ser mais cultural que político, pois é baseado em memórias, história e destinos comuns. O nacionalismo cultural busca regenerar a comunidade nacional por meio de criação, preservação ou fortalecimento da identidade cultural de um povo que se sente ameaçado. Contudo, a referência estrangeira torna-se parte da vida cotidiana, no momento que pertence ao que Ortiz denomina de tradição da modernidade-mundo. Nesse sentido, é preciso entender que além do universo simbólico específico das formas de civilização que co-existem na atualidade ser fruto da integração dos processos de mundialização e de globalização, a cultura global é um movimento que segue dois caminhos: desterritorializa tornando abstrato o espaço (categoria social por excelência), e preenche o vazio de existência deixado por ele com objetos globais, fabricando-o reconhecido e familiar, ou seja, parte da tradição (ORTIZ, 2008). Foi o uso dessa estratégia e o apóio da distribuição de objetos idênticos, que permitiu à cultura se mundializar, impregnando os espaços desterritorializados e enchendo-os de familiaridade. Isso é possível porque “A mundialização não se sustenta apenas no avanço tecnológico. Há um universo habitado por objetos compartilhados em grande escala. São eles quem constituem nossa paisagem, mobiliando nosso meio ambiente” (ORTIZ, 2008, p.107), formando a cultura material que nos representa. 2.2.3 Cultura brasileira: um discurso que nasceu moderno Quando tratamos do contexto brasileiro, o moderno, como prática e como valor, articula-se com uma vontade de construção da própria nação. Esse fato implica pensar os projetos de construção simbólica da identidade nacional e de modernização como um único 43 projeto (ORTIZ, 1995). Vivemos a ilusão que o moderno é novo e tradição faz parte do passado longínquo, tornando difícil entender que as mudanças que ocorreram são irreversíveis e as novas gerações são educadas no interior da modernidade. Nesse sentido, até o que se considera como tradição pode ser um produto recente. A tradição enquanto norma, diferente do hábito da fala que referencia ao que já passou, é também temperada pela imagem do movimento e da rapidez, tornando também tradicional um conjunto de instituições e valores que, mesmo produto de história recente, impõe-se a nós como um modo de ser, ou seja, uma tradição inventada (HALL, 2006; ORTIZ, 1995). Quando o foco é o papel da coletividade recifense como integrante de um sistema comunicacional global, é preciso considerar que o lócus Recife é o território onde se desecandeiam as oposições e onde, cada vez mais, o espaço-tempo tecnológico substitui os rituais das procissões e a própria arquitetura urbana (PRYSTHON, 2002), deixando suas marcas Contudo, o embate também torna-se uma excelente oportunidade para a retomada dos valores locais, que segundo a autora se revelam através da música popular, teatro, cinema, artes plásticas, ou seja, em todas as esferas do cenário cultural, principalmente fortemente permeadas por uma relação com a juventude. As questões da modernidade-mundo traduzem-se numa autoridade que legitima as maneiras de viver existentes no espírito moderno de consumo, em que é preciso pertencer à cultura global para ser moderno (ORTIZ, 1995). Nesse sentido, a consolidação em andamento de uma sociedade moderna no Brasil, reorienta toda a cultura brasileira na medida em que ela passa a fazer parte do mercado e ajusta-se aos padrões internacionais. Não é possível ignorar que em toda América Latina, por tanto para além da formação da nação brasileira, existe uma longa história de construção de uma cultura hibrida, em que a modernidade significa pluralidade, numa mescla de relações entre hegemônicos e dominados, tradicional e moderno, culto, popular e massivo (CANCLINI, 1998). 44 É dessa forma que, não só a coletividade recifense, nem só a nação brasileira, mas todas as nações e as nacionalidades persistem coexistindo com as tradições locais e os discursos globalizantes, onde “Uma cultura mundializada não implica no aniquilamento de outras manifestações culturais, ela coabita e se alimenta delas “(ORTIZ, 2007, P.27), gerando novos produtos. A sensação de familiaridade que nos invade no relacionamento com uma marca transnacional, alude-se à absorção das referências culturais mundializadas exercida pela publicidade e indústria cultural que “implica em continuidade com um passado histórico adequado”, transformando os não-lugares em lugares de memória presentes desde nossa infância (HALL, 2006, p. 54; ORTIZ, 2007). Esse sistema de valores tem a função de integração grupal e de controle social, utilizando para isso de uma referência forjada de outras referências culturais que faz o global superar o nacional, tornando o todo determinante das partes, utilizando uma familiaridade criada pela repetição que “volatiza o objeto original” (JAMESON, 2004, p.11). 2.2.4 A cultura global desenraiza, para apoderar O acontecimento de uma mega-sociedade modificou as bases das relações políticas, econômicas e culturais entre as partes que a constituem, tornando os cidadãos e os produtos de consumo mundializados. Nessa mudança, a própria formação da nação e da modernidade foram apenas etapas do grande processo de desenraizamento e desterritorialização, em que uma nova realidade baseada nas noções de sociedade global e de mundialização cultural começou a superar os espaços hegemônicos de coesão social (ORTIZ, 2007). O processo de mundialização conquista a redefinição das noções anteriores de espaço e o processo de globalização bem longe de ser sinônimo de homogeneização, se acomoda com 45 bases nas diferenças (ORTIZ, 2007). Contudo, a lógica de produto desterritorializado pressupõe traçar uma estratégia comercial específica para o mercado globalizado em que o “não-lugar” é articulado acima de toda ordem de fronteiras e particularidades. Porém, enquanto a ideologia da mundialização opera no mercado global dos bens e serviços no sentido de promover a descentralização de decisões e a pretensa liberdade de escolha do indivíduo-consumidor, na dimensão econômica observa-se uma concentração ainda maior da riqueza, política que beneficia o poder dos oligopólios transnacionais (ADORNO, 2002). Assim, o processo de globalização implica na perda de todo sentido de centralidade, do externo e do interno, mas permanece apoiada em um discurso constituído de poder, que aparecem sob novas formas de dominação (ADORNO, 2002; BRITTOS, 1999; CASTELLS, 2008; DEL. MASSO, 2008; 1999; JAMESON, 2004; ORTIZ, 2008). Visto desse modo, a relação estabelecida entre colônia e metrópole gera uma exploração econômica e uma dependência cultural. No momento em que a consciência desenraiza as formas culturais em relação ao solo e desvincula da tradição, permite ao megaconjunto possuir o domínio de todas as formas, oferecendo possibilidades estéticas de relações quase infinitas para formar o composto desterritorializado. Isso implica que os processos de globalização e mundialização rompem o vínculo entre a memória nacional e os objetos e cria uma memória internacional-popular, que forja no interior da sociedade de consumo as referências culturais globalizadas (ADORNO, 2002; ORTIZ, 2008). São os traços da modernidade-mundo que fazem com que o individuo ao ser cruzado com objetos da modernidade se sinta em casa mesmo deslocado do espaço nativo, pois “as lembranças transformam os não-lugares em lugares” (ORTIZ, 2008, p.127). É desse modo que a memória traz o prazer do reconhecimento, pois é formada através da educação imagética de situações projetadas através do sistema de comunicação facilitado pela tecnologia. É desse modo também que a indústria cultural pôs fim às originalidades e 46 moldou da mesma forma o todo e as partes “o universal pode constituir o particular e viceversa” (ADORNO, 2002. p.21). Para Adorno esse sistema elimina a tensão entre os pólos na medida em que reifica a necessidade antes do conflito e das hierarquias permitindo às novas necessidades só acrescentarem autoridade ao que já foi transmitido. Ainda, basta sua diferença ser registrada pela indústria cultural para fazer parte desta, onde são organizadas para que o consumidor a elas se prenda. Porém, a memória forjada para criação de uma falsa tradição pelo poder dominante facilita sua estratégia utilizando a mediação pela diversão. Segundo Adorno (2002) é preciso refletir sobre essa cultura em que é Pato Donald quem ensina como os infelizes devem ser e sempre foram espancados. Para o autor a diversão sendo oferecida como um prolongamento da lógica do trabalho faz a mecanização e sua produção de divertimento adquirir poder sobre o homem, seu tempo de lazer e até a sua felicidade. O prazer finda por congelar-se no enfado, pois segue o mesmo caminho rotineiro trilhado pelo processo de trabalho, e a indústria cultural priva os consumidores do que lhes promete e o espetáculo se reduz a ela própria. Na cultura de massas a liberdade de escolha do consumidor está sempre sob controle. Baseia-se em modelos ofertados pela indústria cultural que determina o consumo e afasta como um risco inútil o que não foi experimentado. Isso é uma condição na medida em que: “o falso senso de liberdade que as pessoas possuem auxilia a manipulação” (DEL. MASSO, 2008. p.17) e promovem o sistema. Nele, a diferença entre as séries de produtos é quase sempre ilusória: qualidades e desvantagens servem para manifestar uma concorrência aparente e possibilidades de escolha. Assim, além de refletir a pressão econômica, os triunfos da propaganda promovem “a mimese compulsória dos consumidores às mercadorias culturais cujo sentido ao mesmo tempo decifram” (ADORNO, 2002, p.74). Com a liberdade de escolha restrita ao que foi determinado a priori, a liberdade é poder escolher morrer de fome: “Quem não se adapta é 47 massacrado pela impotência econômica que se prolonga na impotência espiritual do isolado” (ADORNO, 2002, p. 26). Como a mesmice também é quem regula a relação com o passado, máquina gira em função do próprio eixo. A racionalidade técnica é a racionalidade da própria dominação e torna-se repressiva na sociedade que se auto-aliena. O sistema mantém-se assim, através do círculo de manipulações e das necessidades derivadas, utiliza clichês de necessidades de consumidores para conquistar a aceitação sem oposição (ADORNO, 2002). Para o autor, onde a técnica adquire tamanho poder sobre a sociedade, encarna sempre o poder dos economicamente mais fortes, revelando a violência da sociedade industrial sobre os homens. Através de uma [des]ordem espacial global promovida pelo sistema capitalista, as relações entre o poder e a resistência se instalaram, impondo um modelo econômico dominante, trazendo conseqüências para compreensão das questões culturais, do conhecimento, da natureza e da economia. Nesse contexto, entendemos que a globalização desterritorializa para dominar, mas que também contribuiu para a produção de uma alteração substancial nas práticas espaciais promovendo uma reconfiguração epistemológica na própria forma de entender as Ciências Sociais (BRINGEL, 2007). 2.2.5 Nova experiência territorial? O aparecimento da sociedade global mundializada provocou o desenraizamento das culturas e a desterritorialização das nações, reduzindo a importância da construção cultural nativa, gerando locações para novos tipos de atividades políticas que reafirmam as prioridades da vida cotidiana (BRINGEL, 2007). Segundo Bringel, a dimensão espacial é imprescindível para a ação dos movimentos sociais, pois são modalidades para configurar o mundo em que 48 vivemos. Essa dimensão sempre possibilitou primordialmente identificar e categorizar as diversas culturas investigadas por estudiosos. Para compreender essa nova condição contemporânea precisamos primeiro diferenciar espaço de território. O espaço, apesar de ser uma noção do que é real como realidade é inalcançável. Diferentemente, a noção de território torna-se mais acessível por ser em si mesmo uma representação, ou seja, refere-se a uma apropriação política do espaço, que engloba uma administração (delimitação, classificação, habitação, uso, distribuição, defesa), mas também uma identificação. Nesse sentido podemos tratar o território como a dimensão material da cultura, que na condição de um espaço apropriado, pressupõe um controle indissociável das categorias de domínio e poder, mas também a existência de um sujeito de apropriação. Assim como não existe território sem sujeito, indissociavelmente não existe território sem continuidade, contigüidade, descontinuidade e alteridade, ou seja, sem o outro, ou melhor, sem o nós (SEGATO, 2005). Entendemos por sujeito do território quando falamos de categoria-mundo, a nação. Para Hall (2006) a nação é uma comunidade simbólica, ou comunidade imaginada, que tem o poder de gerar o sentimento de identidade e de lealdade, e é composta de instituições culturais, de símbolos e de representações, ou seja, constitui-se um discurso. Assim, o território é uma representação que nos representa, ou seja, é um instrumento significante militante de identidade possível através da cultura. Por tanto: “O território sempre existe marcado pelos emblemas identificadores de sua ocupação por um grupo particular, inscrito pela identidade desse grupo que o considera próprio e o transita livremente” (SEGATO, 2005, P.4). O território é assim um espaço recoberto com marcas da cultura, administrado através de normas que estabelecem os lugares de rituais e cerimônias. O território dá suporte à circulação dos referentes discursivos de uma nação e à suas relações de poder, o que não se dá 49 necessariamente, através da língua comum, nem uma religião comum, e nem sequer de uma lei comum. O que dá realidade e unidade a uma nação é um território de referências compartilhadas (BRINGEL, 2007; HALL, 2006; SEGATO, 2005). Assim, no momento que o território materializa uma construção de idéias e delimita a construção simbólica da cultura estabelecida na relação dialética entre sujeitos e objetos, o território é cultura material de representação do que seja nação. A territorialidade é, então, uma experiência particular, histórica e culturalmente definida de território. O território geograficamente delimitado perdeu o sentido de existência enquanto fenômeno da mundialização, mas a realidade político–espacial se re-configurou no interior do processo de desenraizamento e desterritorialização contemporâneo (ORTIZ, 2006). Hall (2006, p. 48) chama atenção para o fato das culturas nacionais tomarem formas modernas de existência, uma vez que na mundialização as identidades nacionais “são formadas e transformadas no interior das representações”. Dessa forma, o autor questiona de que forma as identidades nacionais estão sendo impactadas e deslocadas no processo de globalização. Segato (2005) supõe que as pessoas carregam seu território nas próprias costas, e os grupos comportam-se como pátrias na nova política espacial, tornando desnecessário um território âncora. Nessa realidade existe uma produção de território e maneiras de apropriação territorial: “A identidade não é gerada porque se compartilha um território comum, mas é a identidade que gera, instaura o território” (SEGATO, 2005, p.14). Entendendo que as pessoas partilham suas vivencias de forma comunitária, e através delas constroem seus processos identitários, supomos que podemos entender que “as próprias costas” não se define unitariamente. Por outro lado, considerando que no processo de consumo das sociedades contemporâneas as marcas se estabeleceram como condição estratégica de comunicação para sujeitos no mundo social culturalmente constituído e globalizado, elas ocupam um papel fundamental para definir suas identidades, pois abrem o 50 espaço adequado para justificarem um papel social (SEMPRINI, 2006). As marcas transnacionais se estabelecerem desse modo como um valor em culturas locais. Apesar de se constituir um legado estrangeiro, o mesmo é aceito, reificado e desejado no interior das práticas cotidianas nativas. Estabelecendo uma relação com os comentários de Ortiz (2007) a respeito do histórico de aculturação da língua inglesa, percebemos que marcas contemporâneas globais também diluem as barreiras das nacionalidades, fato que aparentemente não se estabelece conflituosamente, como algo que se impõe de fora para dentro da cultura e, de forma supostamente “tranqüila”, torna-se um artefato familiar. Mas, da mesma forma da língua, este artefato é sempre legitimamente "deformado" pelos usuários. Como a escolha de uma marca é uma representação de signos compartilhados socialmente, propomos transferir a noção do que seja território-nação para território-marca: ambos constituindo um espaço recoberto com sinais da cultura, baseados na afirmativa de Ortiz (2007) de que a delimitação do objeto para o fenômeno da globalização é uma questão de escala e, ainda, de que toda nação constitui um discurso que precisa se materializar para de alguma forma asseverar o sujeito socialmente, assumindo a forma de cultura material (TILLEY, 2006). Propomos, assim, uma relação comparativa entre os discursos de marca com os princípios do que seja o discurso cultural nacional. Nesse sentido, precisamos reiterar primeiramente que em ambos existe uma liga política que unifica as divergências de um mundo dividido em outros mundos (EAGLETON, 2005; ORTIZ, 2007) e que a cultura nacional e de marca representam um discurso prioritariamente de educação (HALL, 2006). Partimos, pois, da visão de Hall (2006) do que seja cultura nacional, apenas inserindo a palavra marca: a marca é representante de uma comunidade simbólica ou comunidade imaginada que tem o poder de gerar o sentimento de identidade através de seus discursos de educação; é composta de instituições culturais, de símbolos e de representações. Ou seja, é um 51 discurso que busca contar histórias e gerar memórias através das narrativas midiáticas que proporciona e permite experiências partilhadas numa relação sistêmica, para construir as imagens que dão vida a comunidade imaginada. Nesse sentido, a marca-território traz também em sua narrativa a noção de tradição (inventada) e de intemporalidade, comporta o mito fundacional, e busca identificação com sua comunidade mundializada. Com o advento do processo de mundialização e considerando que o território é cultura material da nação, a marca transnacional está nos propondo ser o território, o chão cultural da desterritorialização? A marca busca sediar o assentamento dos laços culturais que cultiva e de que se alimenta orientada para um consumidor mundializado que não pode mais ser segmentado por raça, idade, sexo, nem nação, apenas pela vontade de pertencer? 2.3 Marcas: relação incorpórea, representação material Propomo-nos nessa etapa a apresentar como a marca conquistou seu posto de mercadoria na sociedade capitalista tanto para os sujeitos como para o campo de pesquisas em marketing. As marcas trilharam um percurso sígnico de valor que nos permite demonstrá-la como entidade relacional nos permitindo, então, arquitetar o pensamento onto-epistemológico da abordagem foucaultiana que nos propomos adotar para análise deste fenômeno na sociedade. Contudo, inicialmente buscaremos o que os autores dizem sobre as significações de marca. 52 2.3.1 Breve introdução: signifique, a marca significa É impossível pensarmos no mundo hoje sem considerar a presença das marcas. Elas estão em todos os lugares e representam a construção de nossos mundos. Possibilitam a existência de um “mundo acima do mundo”, lugares mágicos, cheios de encanto, ilusão e realização de sonhos. A junção da marca com o branding foi responsável por sua expansão para lugares, instituições e pessoas (BROWN, 2006). Podemos dizer que “Todas as organizações e seus produtos podem ser considerados marcas. Vivemos em um mundo de marcas” (SHIMP, 2003, p.33), uma marca “É essencialmente uma promessa da empresa de fornecer uma série específica de atributos, benefícios e serviços uniformes aos compradores” (KOTLER, p.426). Contudo, “Marcas não são a globalização; não representam todo o comércio e muito menos todo o capitalismo; não são a internet nem os demais meios tecnológicos e informacionais” (CHEVALIER e MAZZALOVO, 2007, p.23). “Pense na marca como o sentido essencial da corporação moderna” (KLEIN, 2008, p 29), cujo trabalho de propaganda faz com que o marketing seja naturalmente mágico. “As grandes marcas são extra-ordinárias. Elas encantam. Enfeitiçam”. (BROWN, 2006, p.15). No mundo econômico o conceito da marca cresce de valor no momento em que esse símbolo “(...) adquire um significado exclusivo, positivo, que se sobressai na mente do maior número de clientes” (KAPFERER, 2003, p.21) Brown (2006, p.15) nos alerta que contar histórias é o método de gerenciamento da vez. Segundo o autor, a raça humana depende de histórias e vive a vida de narrativas: gostamos de contá-las para nos definirmos enquanto seres humanos, mesmo no mundo dos negócios. Assim, para conquistar o homo narratans, “conte a lenda e faça a venda”, ou ainda, “sem 53 lenda, sem venda”. Contudo, não basta contar uma história de maneira coerente, é preciso que seja uma história mágica e majestosa de marca. É que no século XXI, o século das ambigüidades, as marcas geram valores de essência paradoxal, são globais ao mesmo tempo em que são familiares, são além de maravilhosas e cativantes, misteriosas e envolventes (BROWN, 2006). Precisamos entendê-la como uma entidade geradora de valor de troca e de uso que existe apoiada em um conjunto de discursos (BACHA, 2005; BROWN, 2006; LEÃO, 2008; PEREZ, 2004; SEMPRINI, 2006), indo bem além do produto em si. Para Brown (2006, p.164), as grandes marcas contemporâneas podem ser comparadas a um arco-íris: Como os arco-íris, as grandes marcas não dependem dos consumidores. Elas aparecem quando querem. Não mandam. São o que são. Elas nos convidam a participar, a dividir, a experimentar, a nos divertir. Mas não serão submissas. Fique com elas ou as abandone. É sabido que os consumidores não sabem o que querem e as grandes marcas sabem o que os consumidores não sabem. A marca tornou-se uma entidade geradora de valor. Nesse sentido, seguiremos buscando entender como adquiriu valor para o marketing e para o consumidor. 2.3.2 De identificadoras a difundidoras a capitalizadoras: marcas sob outros valores? Consideramos essencial nesta etapa abordar como as marcas, inseridas numa cultura que valoriza o imaterial, substituíram as promessas oferecidas aos consumidores pelos produtos, ocuparam uma posição de destaque e adquiriram para as sociedades uma condição fundamental de representatividade por sua capacidade de permitir o “ser sujeito” através de seus projetos de sentidos estabelecidos em um contrato de cumplicidade socialmente partilhado. A partir de tais condições, a marca passou a representar também uma importância 54 econômica relevante para o ativo das organizações (BACHA, 2005; BARROS FILHO, et al., 2006; KAPFERER, 2003; KLEIN, 2008; KOTLER, 2000; MONTE; TOLEDO, 1998; PEREZ, 2004; PETIT, 2003; SEMPRINI, 2006). A marca surgiu inicialmente com as primeiras trocas comerciais para designar produtos, ou seja, identificava-os, diferenciando-os (PEREZ, 2004). Apesar de sua existência ser anterior à Revolução Industrial, foi no advento da uniformidade dos produtos industrializados que, junto com a fabricação desses, foi necessária a produção de uma imagem, cuja responsabilidade foi delegada ao plano de gestão da marca (KLEIN, 2008; SEMPRINI, 2006). Contudo, apenas em meados do século XX surge a consciência de que a marca representava uma identidade corporativa e que precisava desenvolver uma essência, uma vez que as empresas fabricavam produtos e os consumidores compravam marcas (KLEIN, 2008). A marca assumiu um novo papel ao nomear, identificar e diferenciar produtos, sustentada por um discurso social e tornou-se responsável por comunicar bem mais que o desempenho e a qualidade desses produtos que se encontravam sob sua chancela (SEMPRINI, 2006). Desse modo, o impulso para ampliação da condição de marca identificadora para marca difundidora deveu-se a sua inserção num mercado complexo e amplo de ofertas, em que a marca ganha importância para os consumidores como portadoras de promessas. Esse valor adquirido para o consumidor impulsionou o valor das marcas para as organizações, incorporando-as ao ativo dessas empresas (BACHA, 2005; BARROS FILHO, et al., 2006; KAPFERER, 2003; KLEIN, 2008; MONTE; TOLEDO, 1998; PEREZ, 2004; PETIT, 2003; SEMPRINI, 2006). Como as marcas expressavam algo bem maior que os produtos que lhe deram origem, a preocupação da comunicação publicitária voltou-se para significar marcas e não apenas anunciar produtos (BACHA, 2005; BARROS FILHO, et al., 2006; KLEIN, 2008; PEREZ, 2004). A marca foi incentivada a tornar-se uma entidade autônoma de comunicação, condição que a 55 impulsionou para a posição de evidência e importância que ocupa no contemporâneo. Para Semprini (2006, p.59) essa lógica deve-se “ao cruzamento de três grandes dimensões profundamente imbricadas nos espaços sociais contemporâneos: o consumo, a economia e a comunicação”, que têm um considerável impacto no modo pelo qual o individuo concebe seu projeto de vida individual e sua relação com a vida social, como já abordamos. Desse modo, a conquista e a manutenção de um lugar no mercado desde então, dependeram diretamente da construção e gestão de marcas fortes. Sendo estes os principais problemas da estratégia de um produto, o desafio maior estava no desenvolvimento de profundas associações positivas para com as marcas, obtidas pela ação do marketing (KOTLER, 2000). No momento em que efetivamente agregam valor aos produtos, comunicam e os distribuem estrategicamente, as marcas tornam seus mercados mais eficazes pela capacidade de impor preços ao varejo (CHEVALIER; MAZZALOVO, 2007), ao mesmo tempo em que se tornam mais valiosas do que o que dispõem ou produzem (KLEIN, 2008). Por essa razão, o objetivo central do marketing tornou-se criar o poder para marca, uma vez que as marcas de valor formaram um patrimônio capaz de gerar ativo para as empresas (KAPFERER, 2003; KOTLER, 2000). Assim, bem além de uma questão de sobrevivência das marcas em um mercado competitivo, esse contexto conduziu as marcas para condição de capitalizadoras. Contudo, as marcas constituindo um recurso estratégico poderoso na geração de vantagens competitivas para as organizações, se revelaram como um excelente mecanismo de atuação para o marketing gerencial (MONTE; TOLEDO, 1998). Com esse novo contexto de consumo imaterial e a acelerada disseminação da informação que provocou mudanças radicais na economia, iniciaram-se os estudos sobre o processo de geração de valor no consumo, ao mesmo tempo em que se desenvolveram pesquisas sobre instrumentos capazes de mensurar os resultados dos esforços de marketing nessas conquistas. Essa onda de possibilidades de mecanismos para avaliar e mensurar o valor das marcas possibilitou a ampliação do escopo de 56 importância da administração de marketing para as organizações, canalizando seus esforços administrativos (LEÃO, 2007). Apesar da importância do marketing para o estudo das marcas ter se efetivado durante a década de 1980, só nos anos 1990 academia de marketing começou a concentrar sua atenção neste fenômeno (KAPFERER, 2003; KLEIN, 2008; SEMPRINI, 2006). Para Kotler (2002) promover a marca com base em atributos (o que a marca sugere à mente) ou em um benefício (a tradução do atributo em benefícios funcionais e emocionais) seria bastante arriscado. Considera que, o que define a essência da marca, são seus significados mais permanentes: seus valores, representatividade cultural e personalidade projetada, ou seja, a alma da marca desenvolvida pelos profissionais de marketing. O conceito ‘alma’ ou ‘essência’ da marca surgiu na década de 1940, através da consciência corporativa da importância de busca do verdadeiro significado da marcas, criado para atender a um consumidor que deseja marcas (KLEIN, 2008). Apenas quarenta décadas mais tarde dissemina-se o termo identidade de marca (CHEVALIER; MAZZALOVO, 2007). O marketing investiu no conceito de gerência de identidades de marcas como resposta para concorrência agravada pelo mercado de cópias facilitadas pelo desenvolvimento tecnológico, supondo que antes de saber como a marca é apreendida, é necessário saber defini-la (KAPFERER, 2003; BACHA, 2005). Para Shimp (2003) o desafio inicial de qualquer marca consiste em se estabelecer de forma consciente na mente do consumidor. A consciência de marca está na facilidade com que o nome da marca é lembrado quando se pensa em determinada categoria de produtos. A consciência constitui-se na dimensão básica do valor da marca. Shimp (2003, p 33) define o valor de marca através da perspectiva do consumidor: “(...) uma marca possui valor à medida que os consumidores se familiarizaram com ela e têm armazenadas em sua memória associações favoráveis, fortes e únicas”. A segunda dimensão que deverá ser analisada é a imagem; esta consiste nas associações que são feitas com a marca 57 pelo consumidor. Para aumentar o valor da marca é necessário desenvolver uma identidade positiva utilizando o marketing e os programas de comunicação, para assim gerar associações desejáveis na mente do consumidor (KAPFERER, 2003; SHIMP, 2003). Com a abordagem construída desta forma, a preocupação do marketing girou em torno de criar estratégias para buscar o que a organização tem ou pode fazer para desenvolver este valor. Neste processo de criação de valor o significado torna-se a lógica central da marca, uma ferramenta capaz de formatar os sentidos (PEREZ, 2004), em que “As imagens correspondem às percepções induzidas nos diferentes consumidores” e a marca transforma-se em uma “(...) emissora por natureza” (CHEVALIER; MAZZALOVO, 2007, p.129). Porém, para criar valor para as marcas e definir sua identidade é necessário avaliar o que o segmento-alvo desta aponta como preferências para então provê-lo. Chevalier e Mazzalovo (2007, p.170) julgam ser indispensável relembrar aos diretores de marcas que precisam refletir não só sobre a identidade da marca, mas sobre a liberdade deixada pelo semiólogo no momento de questionar: “Como posso fazer as pessoas sonharem com o mundo que apresento?” Segundo os autores, como as percepções são muitas e a sociedade se renova constantemente, a marca precisa mudar sua identidade sem perder a essência. Assim, a tarefa dos analistas de consumo se constituiu em utilizar os dados demográficos, psicográficos e o estilo de vida para fazer prescrições de comportamento futuro e traçar estratégias de negócios (BLACKWELL, MINIARD; ENGEL, 2005). A busca das preferências do consumidor se dá, dessa forma, através de bases segmentarias de classes, o que pressupõe um comportamento idêntico dentre os consumidores membros de um segmento (COVA, 1997), e se baseia no fato de que esse valor pode ser imputado ao produto, sendo reconhecido e legitimado nas relações mercado. No entanto, na construção das identidades de um sujeito fragmentado, ao invés do caminho ser indicativo de compreensão comportamental, proporciona apenas o ecletismo e a 58 confusão de valores. Para compreender o posicionamento da marca na condição [pós]moderna de consumo é preciso que se reconheça que, apesar de continuar uma representante de oferta no mercado, tal como o é considerado no trato mercadológico da literatura de marketing, essa a oferta, por tratar-se de uma construção social, precisa ser compreendida e analisada segundo princípios que considerem contextualizações amplas a respeito do comportamento do consumidor (BACHA, 2005; BARBOSA; CAMPBELL, 2006; BARROS FILHO, et al., 2006; BROWN, 1993; CARVALHO, 2002; COVA, 1997; KLEIN, 2008; LEÃO, 2007; MELLO, 2006; PEREZ, 2004; ROCHA et al. 1999; SEMPRINI, 2006; VIEIRA, 1999). É a extrema relatividade na liga valor de um produto ou serviço identificado no contemporâneo que nos faz refletir e posicionar sobre a questão do valor de outra forma, diferente do valor universalizante considerado na teoria clássica amplamente difundida na modernidade (COVA, 1997). Tomando por base os estudos brasileiros, a disciplina de comportamento do consumidor é a principal temática estudada pelos acadêmicos da área de Marketing (ROCHA et al. 1999; VIEIRA, 1999), tendo a abordagem predominantemente adotada a behaviorista, ou modelos dela derivados, construídos para a sócio-economia americana, e busca a legitimação de uma cultura universal de consumo e da sociedade do mercado global. O modelo de abordagem behaviorista9 pressupõe um consumidor centrado, objetivo e previsível (CARVALHO, 2002). Até o ano 2000 no Brasil nenhum pesquisador se dedicou ao estudo do consumo em si, da sociedade de consumo e de suas especificidades, o que indica que o tema consumo ainda é pouco explorado (BARBOSA; CAMPBELL, 2006). Nas ciências sociais brasileiras as discussões sobre o consumo sempre assumiram os temas de consumismo, materialismo, fetichismo, hedonismo, manipulação, entre outros, em paralelo as abordagens marxistas, da escola de 9 A modelagem dos modelos behavioristas centra-se no estudo objetivo do homem, baseado no aprendizado como resultado de respostas para eventos externos (SOLOMON, 2002). 59 Frankfurt, pós-moderna e semiótica (BARBOSA e CAMPBELL, 2006). Para essa perspectiva, o valor atribuído a qualquer artefato é derivado de uma condição econômica baseada na relação custo-benefício que transforma o bem ou serviço em mercadoria, tem por base as escolhas cognitivas de um homem racional, e alimenta suas estratégias a partir de num nível individual de análise (COVA, 1997). Desse modo podemos supor que uma grande dificuldade nas investigações sobre o valor na perspectiva de consumo deva-se ao fato da abordagem adotada enxergar o valor da marca para um consumidor moderno, centrado, consciente, objetivo e capaz de escolher racionalmente (CARVALHO, 2002; LEÃO, 2007), tendo por base um sujeito unificado e autônomo, quando este é comprovadamente intersubjetivo e fragmentado (BORGESON, 2005; TAVARES, 2001). Como afirmamos, a marca é uma entidade geradora de valor que se apóia em um conjunto de discursos (BACHA, 2005; KLEIN, 2008; LEÃO, 2007; PEREZ, 2004; SEMPRINI, 2006). Segundo Semprini, para ser um objeto-discurso, a marca precisou passar por práticas de enunciação que modelaram e organizaram esse discurso no âmbito de outras práticas, constituindo uma proposta que precisa ser legitimada. Dessa forma, o projeto de marca é um pólo produtor de sentidos que busca ser assimilado por um pólo destinatário que recepciona, interpreta e avalia em que medida este discurso pode contribuir com seus projetos. Esse processo de troca se dá em um contexto em que a promessa que alimenta a marca é trocada por um valor monetário. Para a autora, o contexto é o verdadeiro protagonista e a marca tornase uma forma essencialmente mutável. Assim, marca é também uma entidade relacional. A marca “é um lugar onde a cultura muitas vezes técnica, financeira e organizacional da empresa, entra em contato com uma cultura mais simbólica, emocional e cultural dos destinatários” (SEMPRINI, 2006, p.117). Por tanto, para existir e ser reconhecida como discurso social, além de ser signo identificador de 60 valores e diferenciador de produtos e serviços em um mercado competitivo, a marca precisa ter esse valor reconhecido pelos consumidores em situações sociais (LEÃO; MELLO, 2008). A marca atende a necessidades físicas e ideológicas e seu valor de uso provém da forma como este é utilizado na interação social. Afinal, a significação dos seres e seus comportamentos são um produto da sua posição numa rede relacional (OLSEN, 2006). Considerando que os discursos adquirem significado na interação e na experiência (OLSEN, 2006), podemos supor que valor de troca das marcas, deva ser calibrado pelo sujeitoconsumidor de forma comparativa em relação ao potencial que o valor de uso possibilita no contexto relacional, que por sua vez só existe porque foi legitimado socialmente numa condição espaço-temporal (LEÃO; MELLO, 2008). Desse modo, ao invés do valor-custo ter como contrapartida um valor-benefício funcional, ou seja, ter por lastro a lógica mercantilista-econômica que baseia a teoria majoritária brasileira, a contrapartida para o consumidor nos parece advir do valor de uso, gerador do valor de troca nas práticas relacionais sociais (LEÃO, 2007). O fato de entender o sujeito como constituído, transformado e reproduzido em práticas sociais trouxeram interesse para as questões de subjetividade, identidade social nas teorias de discurso e linguagem, antes tidas como questões secundárias (FAIRCLOUGH, 2001). Com os novos recursos investigativos, podemos admitir que a identidade do sujeito não permite ser pré-formulada, e que no momento de interação social a identidade é afetada pela prática da mesma forma que a prática é afetada por ela. Nessa relação, o sujeito também se transforma em um efeito da formação discursiva (FAIRCLOUGH, 2001; FOUCAULT, 2007) e, desse modo, é o uso quem significa as marcas. O significado torna-se assim um produto da diferença entre entidades em vez de qualidades dessas (OLSEN, 2006), ou seja, o valor é adquirido na relação de troca e não é inerente a marca ou produto em si mesmo. Isso explica a autonomia do significado em relação ao significante indicando que os signos estão livres de vinculação a 61 artefatos e sempre abertos para negociação (BORGERSON, 2005; HOSKINS, 2006; MILLER, 2005; OLSEN, 2006; TILLEY et al., 2006). Essa condição liberta os bens para serem [re]significados indefinidamente. A possibilidade pós-estruturalista nos permite explorar e investigar espaços intertextuais no contexto relacional utilizando a linguagem como modelo de mundo, reconhece e considera também a importância dos domínios não-discursivos. Como afirmamos, possibilita através de sua adoção evitar o reducionismo econômico de algumas versões marxistas que desconsideram a importância do valor de uso, os invariantes da mente humana estruturalistas que adotam a prática behaviorista, e as considerações de poder e dominação do pensamento fenomenológico (TILLEY, et al., 2006). No entanto, a dificuldade que Olsen (2006) levanta é a de que, apesar da possibilidade disposta com a visão pós-estruturalista aparentar ser uma vitória na busca de compreensão do sujeito pós-moderno, esse tipo de projeto exige a utilização de uma abordagem bricoleur de investigação, que apresenta ainda dificuldades. Neste sentido, a presente pesquisa buscará uma saída para investigar a marca sígnica como cultura material na adoção do método investigativo arqueológico de Michel Foucault. 2.3.3 A arqueologia como oportunidade Michel Foucault é reconhecido como um pensador contemporâneo arrojado, um intelectual que, preocupado com o presente em que se encontrava inserido, se transformou em um dos filósofos que refletiram mais profundamente sobre a história, buscando compreender sob a luz de um novo olhar os temas e as teorias. O autor iniciou o livro Arqueologia do Saber propondo uma “nova” história dos saberes a partir da cisão com o pensamento moderno fundamentado na cronologia histórica. Nesta busca, elaborou uma teoria e propôs uma prática 62 investigativa que permite compreender os saberes e descrever o campo cultural no qual um novo conhecimento toma forma (EIZIRIK, 2006; PIMENTEL; VASCONCELOS, 2007; SCHEURICH; MCKENZIE, 2005; THIRY-CHERQUES, 2008). Inicialmente, no entanto, é importante esclarecermos que as interpretações e possibilidades da vertente epistemológica dos escritos deixados por Foucault constituíram dois ciclos interligados: o primeiro foi o da Arqueologia, em que foi um crítico das condições de possibilidades de um saber, e o segundo foi o ciclo Genealógico, que tratou “da impossibilidade de nos libertarmos da nossa própria condição e de nossa história” (FAIRCLOUGH, 2001; THIRY-CHERQUES, 2008, p.216), ou seja, enquanto a arqueologia se propõe à metodologia, a genealogia representa as táticas (SCHEURICH; MCKENZIE, 2005). A arqueologia é um complexo conjunto de conceitos que incluem o saber e o conhecimento. Para a prática arqueológica é fundamental desenvolver a compreensão dessas duas arenas da informação: o saber inclui conhecimentos formais, como as idéias filosóficas, mas também inclui também as instituições e as práticas de atividades do conhecimento não formal. Para além do conhecimento formal e sua trajetória própria racional, Foucault busca no mais vasto campo irracional os saberes da política, práticas institucionais, opiniões populares, e assim por diante (SCHEURICH; MCKENZIE, 2005). São priorizados, dessa forma, percepções, práticas, saberes que estariam num nível aquém ao conhecimento científico, alimentando o interesse pelos conhecimentos não científicos e pelas formas de pensar das pessoas (FERREIRA, 2006; FISCHER, 2001; THIRY-CHERQUES, 2008). Essa condição arqueológica reflete o anúncio do descrédito das grandes narrativas históricas em que se buscam as explicações para os fenômenos de forma universal, bem como recusa qualquer objeto tradicional de análise; esse processo ocasiona a compreensão dos acontecimentos fora de toda finalidade uniforme, gerando compromissos apenas com as regras a que os sujeitos estão submetidos, ou seja, fora de qualquer verdade absoluta 63 (FERREIRA, 2006; FISCHER, 2001; FOUCAULT, 2007; SCHEURICH; MCKENZIE, 2005; THIRYCHERQUES, 2008). Na arqueologia o sujeito é constituído simbolicamente por práticas historicamente analisáveis (FAIRCLOUGH, 2001; FISCHER, 2001; FOUCAULT, 2007; THIRY-CHERQUES, 2008). As estruturas do conhecimento e os modos de compreensão se alteram segundo sua localização no tempo, espaço e instituição, e possuem um sistema de regras que se articulam em combinações específicas de elementos discursivos e não discursivos. Essa articulação é quem faz do discurso uma prática social (FAIRCLOUGH, 2001; THIRY-CHERQUES, 2008). Dessa forma, toda sociedade, como construção histórica, tem seu suporte em práticas discursivas que a atravessam, criando assim as possibilidades de uma formação discursiva própria, totalmente inter-relacionada com o macro-contexto. Assim, um discurso constitui a sociedade em várias dimensões: os objetos do conhecimento, os sujeitos e as formas sociais do eu, as relações sociais e as estruturas conceituais. Todos esses textos estão sempre formando a interdependência de práticas discursivas exclusivas (FAE, 2004; FAIRCLOUGH, 2001; FOUCAULT, 2007). Nessa condição, a ordem interna constitutiva do saber apresenta uma episteme, ou seja, representa uma condição de possibilidade histórica singular, onde verdade e erro se definem, através da qual se estruturam os múltiplos saberes do período, e que por isso, compartilham formas e características gerais (FERREIRA, 2006; THIRY-CHERQUES, 2008). Por essa razão, uma narrativa jamais pretenderia ser a única da verdade, nem muito menos precisaria da demarcação de origem, e sim apenas ter a ciência dos seus limites e jurisdições interpretativas (FOUCAULT, 2007; PIMENTEL; VASCONCELOS, 2007). Também por esta razão é que uma época só pode ser entendida a partir dela mesma (FOUCAULT, 2007). Foi através da negação de qualquer possibilidade de uma ordem, progresso ou continuidade na história das idéias, que o ciclo arqueológico promoveu rupturas epistêmicas 64 que abalaram os pilares sobre os quais a vida moderna foi construída, colocando em questão a objetividade das investigações empíricas e o foco da modernidade no sujeito (EIZIRIK, 2006; FAE, 2004; FAIRCLOUGH, 2001; FERREIRA, 2006; FISCHER, 2001; PIMENTEL; VASCONCELOS, 2007; SCHEURICH; MCKENZIE, 2005; THIRY-CHERQUES, 2008); trouxe, assim, uma dimensão importante para a epistemologia da interpretação, enfatizando os processos pelos quais os significados são produzidos em vez de passivamente recuperados (OLSEN, 2006). Essas descobertas lançaram uma luz sobre possibilidades onto-epistemológicas que influenciaram os estudos das Ciências Humanas e Sociais. 65 3 Procedimentos metodológicos O presente capítulo apresenta a construção metodológica de pesquisa que pautou este estudo. Iniciaremos retomando as considerações onto-epistemológicas da arqueologia, em que nos apoiamos, para então descrevermos o método de investigação e análise. A arqueologia faz parte de uma filosofia que é própria e pauta todo o legado de Michel Foucault, com o qual buscamos dialogar para articular por meio desse modelo a busca de compreensão de como os artefatos marcários são capazes de revelar a civilização ocidental. Essa possibilidade baseia-se na consideração desse filósofo de que a análise de discurso é uma forma de análise social (FAIRCLOUGH, 2001). Essa etapa do trabalho será composta de duas seções: a primeira tratará da possibilidade filosófica que cerca o método arqueológico e a segunda de como se deu a construção do arquivo neste procedimento arqueológico. 3.1 Possibilidade Epistemológica Nossa pesquisa apóia-se nas considerações ontológicas e na possibilidade epistemológica desenvolvidas por Michel Foucault, cuja teoria baseou-se na busca pelas verdades através de um esforço analítico exaustivo, sem filiações ideológicas e acima de compromisso com métodos, que é apresentado como um modelo arqueológico de investigar (FAIRCLOUGH, 2001; THIRY-CHERQUES, 2008). 66 Uma vez que nossa investigação busca a compreensão e interpretação de um dado fenômeno, nosso estudo encontra-se inserido no paradigma interpretativista (DENZIN; LINCOLN, 1994), e apóia-se na condição do sujeito construir e, ao mesmo tempo, ser construído pelo mundo social e cultural em que vive. Consideramos que a linguagem é o meio de construção e geração de conhecimento e, desse modo, a compreensão de um saber encontra-se na possibilidade de estabelecer nos discursos um sistema de relações, um jogo de correlações e dominações, ou seja, na possibilidade de decifrar as regras a que estão sujeitos (FOUCAULT, 2007; THIRY-CHERQUES, 2008). A Arqueologia, recusando todas as formas como nos naturalizamos, encontrou a alternativa do retorno do ser na linguagem. O conceito arqueológico é, por tanto, tributário de uma teoria da linguagem, em que essa deixou sua vigência de representação, e a verdade passou a ser revelada de forma pragmática, pelo conjunto dos fenômenos culturais (FERREIRA, 2006; FISCHER, 2001; THIRY-CHERQUES, 2008). O ciclo arqueológico buscou tornar crítico o que escapava à crítica na história, problematizou o saber localmente, e forneceu instrumentos que possibilitaram reflexões e re-construções típicas das questões investigativas pósmodernas. Desse modo, a adoção da arqueologia foucaultiana se deu por consideramos que o legado deste filósofo trouxe as possibilidades para nosso modelo investigativo. É um método de análise histórica que liberta o homem de seu centro e invalida a metanarrativa, indo bem além de um desenvolvimento das pesquisas qualitativas para o campo social, questionando a própria objetividade das investigações empíricas (EIZIRIK, 2006; FAE, 2004; FAIRCLOUGH, 2001; FERREIRA, 2006; FISCHER, 2001; PIMENTEL; VASCONCELOS, 2007; SCHEURICH; MCKENZIE, 2005; THIRY-CHERQUES, 2008). Por essas razões, deixa uma contribuição única para o desenvolvimento das pesquisas nas Ciências Sociais que envolvem a condição de “ser” e “ter” do sujeito [pós]-moderno. 67 3.1.1 A análise arqueológica A analítica arqueológica de Foucault busca descrever a constituição do campo discursivo, entendendo-o como uma rede que é formada na inter-relação dos diversos saberes ali presentes. Através desta rede, e das características que lhe são próprias, é possível encontrar o espaço de possibilidade para a emergência do discurso (EIZIRIK, 2006; FAE, 2004; FAIRCLOUGH, 2001; FERREIRA, 2006; FISCHER, 2001; PIMENTEL; VASCONCELOS, 2007; THIRYCHERQUES, 2008). O discurso para o trabalho arqueológico constitui o social, seus objetos e sujeitos em práticas discursivas relacionadas interdiscursivamente e inter-textualmente. As relações que ocorrem no campo de enunciados podem ser intertextuais numa condição de seqüencia e dependência, ou interdiscursivas diferenciadas por pertencer a campos de presença, concomitância ou memória (FAIRCLOUGH, 2001). Através da arqueologia temos uma base para investigação sistemática das relações nos textos e nos tipos de discurso e entre eles. A investigação, dessa forma, se dá sobre a estrutura ou articulação das formações discursivas que geram a ordem do discurso, em que a busca é por localizar os efeitos da prática discursiva sobre a construção do saber (FAIRCLOUGH, 2001; FOUCAULT, 2007). O foco da pesquisa arqueológica está localizado sobre as condições de possibilidade do discurso (SCHEURICH; MCKENZIE, 2005). O modelo arqueológico tornou possível buscar por meio de um estudo qualitativo as regras de formação que definem os discursos mundanos de marca, suas modalidades enunciativas, sujeitos, conceitos e estratégias discursivas. Entendemos por modalidades enunciativas os tipos de atividades discursivas em que o sujeito social existe como uma função do próprio enunciado; já os conceitos são os aparatos utilizados para tratar um campo de interesse que, por serem mutáveis, precisam ser analisados no interior do campo de 68 enunciados a ele associados. A estratégia possibilita uma rica explicação dos diferentes tipos de relação que podem existir nos textos e entre eles (FAIRCLOUGH, 2001; FOUCAULT, 2007). Em consonância com o modelo, a análise arqueológica não foi realizada no sentido de buscar o que o enunciado quer significar, e sim constituiu um descobrimento, uma elucidação trazida à tona através da rede de interligações formada pelo dispositivo. O discurso deve sempre ser revelado enquanto prática que obedece a regras (FOUCAULT, 2007; THIRYCHERQUES, 2008). Fomos buscar no campo de enunciados as relações intertextuais de seqüência e dependência de acordo com as quais os grupos de enunciados estão combinados, como também relações interdiscursivas que podem apresentar-se como enunciados não pertencentes à marca, mas reconhecidos como verdadeiro, envolvendo descrição exata, raciocínio bem fundamentado ou pressuposição necessária; ou por outro lado, rejeitados criticados, discutidos e julgados de forma implícita ou explicita (Campos de presença); ou ainda os enunciados que relacionam-se entre formações discursivas, apesar de originados em diferentes formações (Campo de concomitância), e finalmente os enunciados que, apesar de não serem mais aceitos e discutidos, permitiram por meio deles estabelecer relações de filiação, gênese, transformação, continuidade e descontinuidade histórica (FAIRCLOUGH, 2001). Enfim, dentro da proposta arqueológica, ao invés de procurar fazer interpretações desses enunciados, se buscou a decifração, ou seja, fazer aparecer através da analítica interpretativa “(...) as idéias, os ideais, os conceitos, mas também os sentimentos, os instintos, a filosofia” (THIRY-CHERQUES, 2008, p. 232) sociais que, no presente trabalho, se entrelaçam nos discursos contemporâneos entre a civilização ocidental e a marca global. 69 3.2 Escavação e coleta de vestígios Nesta etapa do trabalho apresentamos a utilização dos recursos arqueológicos para formação do arquivo. Primeiro abordaremos nosso posicionamento de estudo de caso para então descrever os processos de coleta e registro. 3.2.1 Um estudo de caso instrumental Nossa pesquisa está pautada em um estudo de caso qualitativo. Orientada pelas recomendações de Robert E. Stack, Arilda S. Godoy e John W. Creswell, a opção pelo estudo de caso deve-se à necessidade dessa pesquisa de buscar a compreensão para um fenômeno contemporâneo e pertinente a determinado contexto. A escolha proporciona a compreensão ampla e profunda, permite engajamento da pesquisadora com o cotidiano, e gera possibilidades da descoberta de novos significados para o fenômeno sob investigação. Apesar de ser uma modalidade amplamente adotada nos estudos de organizações, muitos cientistas sociais escolhem fazer o estudo de caso visando à possibilidade de obter generalizações relativas a uma população de casos. Para eles essa opção representa uma etapa que precede a edificação da teoria, e o caso constitui uma categorização dos demais casos, cuja exploração permite a generalização dos estudos (CRESWELL, 1998; GODOY, 2006; STACK, 1994). Sob outra perspectiva, o estudo de caso na presente pesquisa não se referiu a uma opção metodológica e sim a escolha do estudo de determinado objeto (a marca representante da cultura global) e seu contexto (a cultura local). Esta por ser uma cultura que compartilha da condição de sociedade ocidental, e aquela por se constituir um produto emblemático da sociedade de consumo mundializada, cabe em nossa proposta como caso ilustrativo. 70 Stake (1994) identifica três tipos de estudos de caso: o estudo de casos coletivo (busca estudar certo número de casos em conjunto a fim de inquirir sobre o fenômeno), o estudo de caso intrínseco (é realizado porque visa uma melhor compreensão do caso particular em si mesmo), e o estudo de caso instrumental, no qual está localizado nosso estudo. Nessa possibilidade, o caso em si é de interesse secundário, apenas desempenha um papel de suporte, facilitando o nosso entendimento de determinado fenômeno. No estudo de caso instrumental o caso é freqüentemente analisado em profundidade, seus contextos são examinados, e as suas atividades normais detalhadas. O caso pode ser considerado como típico de outros casos ou não, e sua escolha é feita na medida em que possibilita fazer avançar a compreensão do que sejam os outros interesses (STACK, 1994). Assim, o objetivo principal da escolha de um caso para Stake (1994) não deve ser pelo fato de sua possibilidade de representação de casos típicos, mas sim por sua condição de gerar novos aprendizados, constituindo-se numa fonte de generalização naturalística; ou seja, poder gerar a possibilidade para o pesquisador, através de seu conhecimento em profundidade, entender outros casos e ainda, permitir ao leitor fazer associações e transferir as descobertas para outro contexto baseado em sua experiência. Definimos como caso instrumental de pesquisa os discursos mundanos marca CocaCola nas principais cidades da Região Metropolitana do Recife (contemplando, desse modo, Recife, Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe, Olinda e Paulista), que a partir daqui, passaremos a nos referir também como Sítio Arqueológico. A marca foi escolhida como representativa do sistema da civilização ocidental, por constituir-se um exemplo de uma grande marca consolidada; uma verdadeira voz social num mundo globalizado por base capitalista, onde a mais de um século é capaz de dialogar com pessoas de todos os sexos, religiões, classes sociais, faixas etárias, grupos étnicos, sem distinções. Os valores transmitidos por esta marca se relacionam com os valores mais caros à sociedade, pois estão 71 vinculados aos ideais de otimismo, alegria, prazer e felicidade, tão comuns aos discursos do sujeito consumidor capitalista (RAMOS, 2006). A marca Coca-Cola incorpora os valores associados à luta pela liberdade individual traçadas nos Estados Unidos, e incorpora também os valores ocidentais mais amplos de liberdade, democracia e capitalismo de livre-mercado, tornando-se o produto mais representativo da globalização (STANDAGE, 2005). 3.2.2 Processos e registros de uma etnografia arqueológica Através do estudo de caso qualitativo de caráter etnográfico buscamos mapear diferentes princípios, lógicas e significados por meio dos quais as pessoas estabelecem o sentido e organizam a “realidade” em que vivem (BARBOSA, 2003; GODOY, 2006). A etnografia nos possibilitou a compreensão de diferentes e mutáveis papéis, funções e significados a que são submetidos às marcas no momento em que penetram no mundo cotidiano. Porém, neste estudo a observação não foi participante e nem combinada, tal com o é freqüentemente, pelo uso da técnica de entrevista; os registros visuais ao invés de estarem na condição de suporte secundário assumiram aqui o principal registro de campo (ACHUTTI, 2008; BARBOSA, 2003; BONI; MORESCHI, 2007). Desse modo, esta pesquisa consistiu basicamente de uma análise documental do estudo de caso da marca Coca-Cola nas cidades do Sitio Arqueológico, tal como acontece comumente em casos que adotam o método arqueológico (THIRY-CHERQUES, 2008). O roteiro de observação do processo investigativo seguiu os princípios qualitativos gerais de observação indicados para um estudo de caso através de uma estratégia etnográfica (GODOY, 2006; THIRY-CHERQUES, 2008): A observação dos enunciados foi feita de forma cíclica, ou seja, concomitante com a seleção e coleta de imagens; 72 A análise reflexiva executada pela pesquisadora em campo auxiliou na guia do processo em si, e ajudou a transferir os dados para o nível conceitual; A partir da análise os dados foram segmentados em unidades relevantes, caracterizados de acordo com o sistema de organização derivado dos próprios dados, permitindo estabelecer a seqüência das fotos e do arquivamento; A identificação do sistema de regras das formações discursivas buscou reconhecer as combinações específicas dos elementos discursivos e não discursivos e sua articulação, ou seja, identificou as relações intertextuais de seqüência e dependência e as relações interdiscursivas dos campos de presença, concomitância e memória; A comparação foi a principal ferramenta para obter categorias; A determinação das descontinuidades explorou as distinções entre os conceitos, objetos, estilos, teorias e formas de racionalidade, fazendo emergir os estratos acumulados justapostos pelo tempo; A análise dos elementos aconteceu de forma simultânea a cada identificação e determinação, e foram dispostas sinteticamente num quadro explicativo de articulação entre a seriação dos discursos e as práticas não discursivas. O estranhamento foi uma prática constante da pesquisadora: por meio do trabalho negativo do método arqueológico, buscamos o distanciamento dos conceitos, policiando-nos para libertação de todo jogo de noções sobre o tema, para então explorar as distinções entre conceitos, objetos, estilos, teorias, assimetrias, etc., que se dá apenas com o imbricamento; Para selecionar os discursos do campo de conhecimento que formaram o arquivo desta pesquisa e evitar coletas irrelevantes, foi necessário definir o recorte 73 necessário para investigação ainda nas primeiras experiências em campo (a linha metodológica foi sendo elaborada à medida que a pesquisa avançou); Depois do recorte definido, consideramos todos os saberes presentes no campo, também os conhecimentos menores, não científicos, particulares dos saberes (FOUCAULT, 2007). 3.2.3 Formação do arquivo: o terreno das coisas ditas Para uma pesquisa qualitativa, o corpus representa uma coleção finita de materiais, determinada pelo analista de forma arbitrária, onde esses significantes da vida social são tratados como textos (BAUER; AARTS, 2002). Contudo, para a estratégia da arqueologia não se trata de definir um corpus pois esse seria infinito, mas sim de selecionar os discursos pertinentes em um arquivo; através da descoberta de qual a ordem esses discursos se vinculam em determinada época, parte-se da descrição das transformações dos tipos de discursos e interroga-se sobre as condições de emergência dos elementos discursivos (FAIRCLOUGH, 2001; THIRY-CHERQUES, 2008). O Corpus desta pesquisa foi formado por discursos de cenas do cotidiano encontradas no Sítio Arqueológico, que comunicavam a marca Coca-Cola e estiveram presentes em espaços públicos durante o período de investigação, selecionados por sua pertinência às condições de representatividade. Neste contexto foi considerada a comunicação da marca e todas as suas formas de expressividade materiais tais como os produtos de extensão da marca (como as roupas e material de escritório e papelaria), a exposição do produto, o logotipo, o slogan, a forma da embalagem, entre outras. Ao longo de sete meses de observação foram resgatadas 773 imagens no Sítio Arqueológico. Inicialmente, de junho até agosto de 2008, as imagens folham colhidas por 74 oportunidade. Sem a condição de uma rota pré-estabelecida, saímos na busca de encontrar signos da marca em alguns pontos da cidade, ou ainda, registramos imagens em nossos percursos cotidianos de trabalho e lazer. Após realizar as primeiras vivencias em campo, a pesquisa foi sistematizada, a região foi subdividida em áreas geográficas nas quais foram traçados um cronograma de atuação e as seqüências de rotas a serem percorridas. Na figura a seguir é possível visualizar o mapa do Sítio Arqueológico e a indicação da direção das seis rotas de percurso. Figura 1(3) - Mapa indicativo da direção das rotas percorridas As seis rotas incorporaram as fotos resgatadas anteriormente e formaram um total de 69 séries discursivas, cujas fotos são passíveis de repetição podendo pertencer a mais de uma série. 75 Na tabela a seguir é possível visualizar as datas e rotas planejadas e percorridas, bem como as séries discursivas que foram encontradas e a numeração das fotos pertinentes a cada uma. Rota 1 – Zona Sul subúrbio Séries Série 1 Série 2 Série 3 Série 4 Série 5 Série 6 Série 7 Série 8 Série 9 Série 10 Série 11 Série 12 Série 13 Serie 14 Série 15 Série 16 Série 17 Série 18 Série 19 Série 20 Série 21 Série 22 Série 23 Localização Av. Eng. Abdias de Carvalho Av. Recife, Bairro do Ipsep Av. Recife, Bairro do Ipsep Rua Jean Emile Favre, Bairro do Ipsep Av. Recife, Bairro do Ipsep Rua Jean Emile Favre, Bairro do Ipsep Rua Engenheiro José Apolinário, Bairro da Imbiribeira Bairro da Imbiribeira Nossa senhora do Pilar, Bairro da Imbiribeira Rua Arquiteto Luiz Nunes, Bairro da Imbiribeira Bairro do Ibura Av. Dois Rios, Bairro do Ibura Ladeira da COHAB – UR 1 Rua Nova Canaã Estrada da Batalha e Av. da Batalha Av. Barreto Menezes Av. Quatro de outubro; Av. Bernardo Vieira de Melo Av. Agamenon Magalhães, Av. dos Sonhos, Av. Mascarenhas de Moraes Av. Agamenon Magalhães, Av. dos Sonhos, Av. Mascarenhas de Moraes Avenida Barreto de Menezes, centro comercial de Prazeres Av. Barreto de Menezes, Av. da Batalha Av. Barreto de Menezes, Av. da Batalha Av. Barreto de Menezes, Av. da Batalha Data 08/09/21 08/09/21 08/09/21 08/10/12 08/10/12 08/11/11 08/11/15 Nº das fotos 1; 2 3 4 a 13 2a5 6 a 77 1a3 1e2 08/11/15 08/11/15 3e4 5a7 08/11/15; 08/10/11 08/11/15 08/11/15 08/11/15 08/11/15 08/11/15 08/11/15 08/11/15 8 e 9; 01 10 a 12 13 a 19 20 a 23 24 a 30 31 a 47 49 a 62 63 a 74 08/11/15 75 e 79 08/11/15 85 a 87; 93 e 94 08/11/15 80 a 102 08/11/15 08/11/15 08/11/15 103 a 117 104 e 105 107 a 109 Tabela 1 (3) - Rotas percorridas, série e datas 76 Rota 2 -Zona sul litoral Rota 3 - Zona norte subúrbio e litoral Série 1 Shopping Center Recife, Boa Viagem Série 2 Shopping Center Recife, Boa Viagem Série 3 Shopping Center Recife, Boa Viagem Série 4 Shopping Center Recife, Boa Viagem Série 5 Conselheiro Aguiar até o Bairro do Pina Série 6 Av. Boa Viagem 08/06/11 08/06/20 08/06/21 08/08/16 08/08/23 08/08/16 08/08/16 08/08/23 08/08/25 08/08/16 08/08/23 08/11/16 08/10/12 08/10/12 08/10/12 Série 7 Série 8 Série 9 Marca estendida Jardim Beira Rio Arredores da Av. Domingos Ferreira 08/11/16 08/10/26 08/11/16 08/11/16 Série 10 08/11/16 Série 11 Série 12 Av. Visconde de Jequitinhonha; Av. Senador Paulo P. Guerra Bairro de Barra de Jangada Volta pelo litoral Série 13 Série 14 Série 15 Av. Domingos ferreira Bairro de Brasília Teimosa Shopping Center Recife, Boa Viagem 08/11/22 08/12/06 09/02/06 Série 1 Série 2 Série 3 Série 4 Série 5 Série 6 Série 7 Série 8 Cidade de Paulista Av. Cruz Cabugá Discurso espontâneo Av. Cruz Cabugá Bairro do Carmo Rua Joaquim Nabuco Cidade alta de Olinda Litoral norte até Bairro de Casa Caiada 08/08/09 08/08/11 08/09/18 08/11/22 08/11/22 08/11/22 08/11/22 08/11/22 Série 9 Série 10 Série 11 Série 12 Litoral norte após Bairro de Rio Doce Cidade de Paulista Tabajara, Bairro de Ouro Preto Bairro de Sítio Novo 08/11/22 08/11/22 08/11/22 08/11/22 Série 13 Bairro de Salgadinho 08/11/22 08/11/16 08/11/16 1 e5 1a8 1a7 7 2a5 2a4 5, 8 a 10 1,6 a 12 1a5 6 13 e 14 83 a 89, 92 82 78 a 81 83 e 84 90 e 91 8 a 27 1 a 10, 12 a15 16 a 22, 24, 25, 27, 34 a 40 41 a 51 52 a 57, 59 a 77, 79 a 80, 82 1a5 11 a 20, 22 a 31 1 a 11 1a3 1e2 1a7 6a8 9 a 11 12 a 19 21 a 28 29 a 30, 33 a 49, 51,52 53 a 76 78 a 94 95 a 99, 101 a110 111 a 117; 120 a130 131 a 139 Tabela 2 (3) - Rotas percorridas, série e datas (Cont.) 77 Rota 4 – Zona Noroeste Rota 5 - Zona Oeste Rota 6 - Zona Centro Série 1 Série 2 Série 3 Série 4 Série 5 Série 6 Série 7 Bairro da Torre Bairro da Torre Bairro das Graças Bairro de Casa Forte Bairro de Dois Irmãos Bairros da Jaqueira e Espinheiro Mercado da Encruzilhada 08/08/16 08/10/26 08/11/01 08/11/30 08/11/30 08/11/30 09/01/03 1 4a7 1e2 1 a 29, 31 a 37 38 a 45 46 a 59 1a7 Série 1 Av. Caxangá e arredores 08/12/07 Série 2 Série 3 Série 4 Série 5 Série 6 Início de Camaragibe - direita Início de Camaragibe - esquerda Cidade de Camaragibe Bairro da Várzea Cidade Universitária 08/12/07 08/12/07 08/12/07 08/12/07 08/12/07 6 a 10, 12 a 15, 17 a 20, 22,23; 94 a 107 27 a 30 46 a 53 31 a 43 57 a 79 80 a 92 Série 1 Cais de Santa Rita Série 2 Bairro do Parque Amorim Série 3 Paço Alfândega, Bairro do Recife Antigo Série 4 Bairros: Boa Vista, Derby e Recife Antigo Série 5 Bairro do Recife Antigo 08/08/09 08/08/17 08/11/15 08/11/16 08/10/09 08/10/25 08/10/29 08/10/25 08/10/26 08/11/22 08/12/06 08/12/07 09\01\02 4 a17 1e2 118 93 1 3 1a3 2 1 a 3; 28 140 e 141 1a9 1 a 5; 54 a 56; 108 1 a 9, 11 a 25 Tabela 3 (3) - Rotas percorridas, série e datas (Cont.) Ao todo foram planejadas seis rotas e todas tiveram por ponto de partida e de chegada o centro da cidade do Recife. Essa divisão inspirou-se quantitativamente na divisão políticoadministrativo da cidade, também dividida em seis conjuntos de bairros, e estendeu seus limites para os demais municípios, tomando por base a necessidade de percorrer sempre as principais vias de acesso e seu entorno. Desse modo, investigamos as cidades que fazem limite com Recife em sentido norte, sul e oeste, estabelecendo para o norte e para o sul uma via litorânea e outra denominada de subúrbio. As imagens registradas anteriormente foram anexadas a essas rotas respeitando sua condição geográfica e, apesar de terem sido coletadas em datas diferentes, se incorporaram ao critério espacial, eleito para esta pesquisa. Para cumprir essas rotas utilizamos o GPS - Global 78 Positioning System10, interligado ao equipamento fotográfico, que localizou os registros de imagem e permitiu gerar os mapas das trilhas marcados, utilizando para tanto o serviço do Google maps. A Rota 1 foi estabelecida tomando por início a ponte que cruza da Av. Agamenon Magalhães seguindo para a Rua Paissandu, percorrendo as vias principais, com sentido sul subúrbio, atravessando os seguintes bairros: Paissandu, Ilha do Retiro, Afogados, Imbiribeira, Ipsep, Ibura, COHAB, Jordão, Areias, Barro, Piedade e Cavaleiro (cidade de Jaboatão dos Guararapes). A Rota 2 inicia-se na ponte Governador Paulo Guerra atravessando os seguintes bairros: Pina, Boa Viagem, Piedade, Candeias e Barra de jangada (Cidade de Jaboatão dos Guararapes). Pertencendo ainda a essa rota foi programado em outro dia o percurso do bairro de Brasília Teimosa. A Rota 3 seguiu em sentido norte litoral e subúrbio. Essa rota iniciou-se na Ponte de Limoeiro e seguiu pelo litoral para Cidade Alta de Olinda, depois percorreu os bairros: Carmo, Bairro Novo, Casa Caiada, Rio Doce, Janga, Conceição e Maria Farinha. A rota retornou pela cidade de Paulista, seguindo para os bairros de: Ouro Preto, Jardim Brasil, Peixinhos, Sítio Novo e Salgadinho. A Rota 4 segue em sentido Noroeste, iniciando na ponte que cruza da Av. Agamenon Magalhães no Bairro do Parque Amorim, em direção à Avenida Rosa e Silva. Percorre os seguintes bairros: Espinheiro, Graças, Encruzilhada, Casa Forte, Apipucos e Dois Irmãos. A Rota 5 segue em direção Oeste, iniciando na ponte que cruza da Av. Agamenon Magalhães em direção à Rua Joaquim Nabuco. A trilha desce pela Avenida Caxangá percorrendo os seguintes bairros: Madalena, San Martin, Cordeiro, Iputinga, Engenho do Meio, Cidade universitária, Várzea, e o município de Camaragibe. 10 O GPS é um sistema de localização de posicionamento de um receptor na superfície da terra a partir de sinais emitidos por satélite. O receptor decodifica as transmissões de sinais de múltiplos satélites e calcula a posição exata (latitude, longitude e altitude) com base nas distâncias desses. 79 A Rota 6 inicia-se no viaduto que liga o Bairro dos Coelhos ao Bairro de São José, percorrendo os bairros de Santo Antônio e Recife Antigo. Nas três figuras que se seguem é possível perceber as rotas no mapa. A figura 2 evidencia as Rotas 1 e 2 da região sul, percorridas dia 15 e dia 16/11/08, perfazendo um total de 131, 3 quilômetros (Km) de extensão; nas cores: azul e vermelha (representando a ida e volta) encontra-se traçado o percurso Zona Sul subúrbio; na cor vermelha, rosa e na verde Zona Sul Litoral, incluindo o bairro de Brasília Teimosa, apesar do mesmo ter sido visitado posteriormente no dia 06/12/08. O percurso deste bairro acrescenta mais 19,8 km de extensão às rotas dos dias 15 e 16 acima citadas. Salientamos que, apesar das fotos registradas anteriormente terem sido incorporadas às rotas, os percursos executados não foram registrados uma vez que os mesmos não possuem medição das distâncias efetivamente percorridas. 80 Figura 2 (3) - Rotas percorridas região sul 81 A Figura abaixo representa a Rota 3 - Norte litoral e subúrbio, realizada dia 22/11/08, percorrendo um total de 104, 7 Km de extensão. Figura 3 (3) - Rotas percorridas região norte 82 Na figura seguinte podemos visualizar as Rotas 4, 5 e 6, que formaram o percurso Noroeste, Oeste e Centro do mapa arqueológico. Figura 4 (3) - Rotas percorridas região centro e região oeste 83 O traçado em vermelho e verde representa a Rota 4 - Noroeste, percorrida dia 30/11/08, com 40 km de extensão; a linha azul mostra a Zona Oeste, percorrida dia 07/12/08, com um percurso de 54, 11 Km; ainda a linha azul representa (na parte de baixo do mapa) a Zona Centro, realizada dia 02/01/09 com 9,25 Km percorridos. 3.2.3.1 A instalação do fotograma Valendo-nos de imagens como referência para o desenvolvimento de teoria, estamos conscientes que utilizamos de uma prática comum apenas nos estudos culturais (HARPER, 2005), mas que em nosso caso representou a condição apropriada. Nossa investigação buscou fazer uso do recurso imagético como uma forma de narrativa que, agregada ao método etnográfico, proporcionou uma série rica de elementos muitas vezes inviáveis de serem captados pelas palavras (CAVEDON, 2001; LOIZAS, 2002). Consideramos, por tanto, que o estudo dos usos das tecnologias audiovisuais constitui um processo de produção de narrativas etnográficas (HARPER, 2005; ROCHA, 2003). Considerando que existem situações que dependem do processo fotográfico e que as investigações sociológicas vêm se apoiando fortemente neste recurso (HARPER, 2005), nossa pesquisa encontrou nele a liberdade narrativa necessária para sua execução. A estrutura e o caráter polissêmico desse processo permitiram analisar como os significados são construídos, incutidos e veiculados pelos meios sociais, obtendo modos singulares de observar e descrever a cultura e as modificações provocadas em seu meio (ACHUTTI; HASSEN, 2004; CAVEDON, 2001; BONI; MORESCHI, 2007; HARPER, 2005). Salientamos que Harper (2005) acredita que o método fotográfico se tornará em breve muito comum na antropologia visual por sua qualidade de pesquisa interativa e capacidade de documentar o cotidiano das pessoas. O autor argumenta que as imagens fotográficas são dados similares às outras formas de dados, podendo incitar um pensamento sociológico 84 inteiramente a partir de suas imagens. As imagens são muito úteis nos estudos de mudança social por sua capacidade de revelá-las com extraordinário detalhamento, desenvolvendo argumentos visuais. As novas possibilidades tecnológicas que, em si permitiram as novas formas de pensar e fazer pesquisa de campo visual apresentam também inúmeras vantagens de leitura, interpretação e interação com os conteúdos captados. Recorrer ao recurso fotoetnográfico, entretanto, significou combinar de modo adequado os dois saberes: o da técnica fotográfica e o da visão antropológica do fenômeno, cuja condição define a aplicação do método etnográfico tais como: um olhar supostamente desprovido de preconceitos e capaz de relativizar, da necessidade de construção de uma sólida bagagem teórica, da imersão da pesquisadora no campo, e da utilização da técnica de observação acompanhada do diário de campo (ACHUTTI; HASSEN, 2004; ANDION; SERVA, 2006; CAVEDON, 2001; BONI; MORESCHI, 2007 GODOY, 2006; GODOI; BALSANI, 2006). O uso da fotografia implicou em outros cuidados uma vez que, diferentemente da produção escrita, a construção etnográfica através dos meios audiovisuais revelam um ilimitado campo de criação de sentido (GODOY, 2006; GODOI; BALSANI, 2006; RODRIGUES, 2006). No entanto a subjetividade é inerente também aos demais recursos investigativos, e foi preservada através da adoção da visão antropológica, pelo uso da analítica interpretativa arqueológica e pela adoção de um planejamento da ida ao campo, referente inclusive à elaboração da organização do fotograma, que implicou na execução da seqüência das fotos e sua forma de arquivamento, propiciando que seu resultado gerasse uma narrativa fotoetnográfica (ACHUTTI; HASSEN, 2004; BONI; MORESCHI, 2007). A seqüência de categorização e organização do fotograma foi realizada tomando por base a localização das cenas no interior do sítio arqueológico. A proximidade geográfica de cenas foi uma questão significativa para formação das séries discursivas. Para possibilitar a 85 guarda organizada e recuperação temática imediata por séries discursivas, utilizamos o programa de tratamento e gerenciamento de imagens Adobe Photoshop Lightroom II11 3.3 Procedimento analítico Esta seção descreve o procedimento analítico que foi utilizado para a busca de compreensão do complexo jogo discursivo que envolveu a marca Coca-Cola nos cenários cotidianos locais, registrados fotograficamente durante os sete meses de pesquisa em campo. Contudo, é preciso reforçar nosso entendimento de que a utilização da prática de pesquisa qualitativa gera um o esforço analítico próprio, e que este representa apenas uma dentre outras diversas possíveis abordagens para o campo. Além deste fato, a investigação é um resultado evidenciado em determinadas condições de tempo/espaço, condições que se apresentaram interdependentes de seu contexto e inseridas num processo sistêmico de mudanças; esses fatos nos deixa conscientes de que os sentidos não se esgotam em nosso gesto interpretativo. 3.3.1 O procedimento arqueológico Para a análise dos discursos utilizamos como guia o projeto arqueológico. Porém, a adoção da arqueologia nos levou a desenvolver um caminho metodológico que possibilitou o fornecimento da instrumentalização própria para as observações e análise dos dados obtidos em campo. O próprio Foucault afirmou que para existir de fato uma análise de discurso arqueológica seria necessário que se considerasse não apenas as questões referentes ao 11 O Lightroom, software da Adobe Photoshop, é um aplicativo destinado a processar e organizar logicamente imagens digitais (BARROSO, 2007) 86 procedimento, mas os problemas teóricos que surgissem no emprego dos conceitos chaves como o de descontinuidade, de ruptura, de limite, de série. Em seu estudo o autor priorizou tratar as questões teóricas, em detrimento dos procedimentos. A oportunidade de desenvolvêlos certamente não chegou a ser sua intenção ou ainda, simplesmente jamais aconteceu. Desse modo, utilizar o projeto intelectual de Foucault foi, sem dúvida, um grande desafio pautado, principalmente, na dificuldade inerente de adentrar num espaço considerado incerto e passível de ser percorrido das mais diversas formas. De fato, seu projeto quebra a linearidade das formas de raciocínio de temas consolidados. Visando estabelecer o procedimento de construção do caminho metodológico, na fase de identificação e registro de presença da marca no cotidiano nos apoiamos no corpo de conhecimentos do composto de marketing e seu conjunto de ferramentas, uma vez que eles representam as ações da marca. Localizamos a presença da Coca-Cola em ações de marketing específicas referentes: sinalização de praças, presença de frota de distribuição, merchandising interno, exposição da estocagem de produtos, em produtos de extensão da marca, na utilização da forma da embalagem, em outras diversas formas do processo de comunicação, e finalmente, nas ofertas de preço promocional que se encontravam disponíveis nos cenários. Contudo, em meio à comunicação dita “oficial” e promovida pela marca Coca-Cola, identificamos também práticas mundanas que se estabeleceram de forma espontânea por meio de seus signos. A organização desses dados pode ser visualizada no próximo capítulo, na tabela: Síntese das Descrições Enunciativas. Considerando a diversidade de saberes no universo pesquisado selecionamos as cenas para formação do arquivo através de um roteiro que obedecia às seguintes condições: 1) que os elementos da marca estivessem representados; 2) que a cena identificada fosse promovida pela marca ou por meio dela; 3) nas ocasiões em que não se apresentaram os sinais evidentes 87 da marca (nome e logo) seria preciso que a cena pertencesse a um contexto enunciativo de voz ativa da marca; 4) Em praças não “oficiais” seriam considerados no cenário apenas os elementos do contexto que pertenciam à mesma classificação do enunciado da marca que foi identificado, de modo a promover a prática comparativa. A primeira etapa do trabalho foi identificar a formação das séries enunciativas, na medida em que as imagens foram sendo resgatadas. A ordem das séries implicou em identificar uma seqüência narrativa que incluísse ordens de inferência, raciocínios demonstrativos, ordem de descrições, esquemas de generalizações, de especificação progressiva, implicações sucessivas, entre outras. Para identificação das seqüências foi essencial e determinante, por tanto, a condição de proximidade geográfica entre cenas, possibilitando a construção de narrativas. Para identificar as unidades discursivas, buscamos segmentar os dados em unidades relevantes: iniciamos por descrever minuciosamente de que forma as sinalizações da marca encontraram-se dispostas nas séries (superfícies de emergência dos objetos), até chegar a um modelo de tabela que esgotasse todas as variações. Todas as imagens foram inicialmente analisadas por meio dessa tabela, onde foram registrados os tipos de composição existentes em cada enunciado (Tabela Coleta dos Elementos no Campo, presente na próxima seção). Os dados foram levados para uma planilha, onde buscamos decifrar quais as funções de cada elemento no interior dos enunciados a partir da análise de suas relações com o contexto e domínio a ele associado, ou seja, as possíveis ações que são propiciadas por este enunciado enquanto formação discursiva. A procura do desempenho dos enunciados nos levou a buscar apóio, mais uma vez, na literatura de marketing. Essas funções levaram também em consideração o campo de práticas não discursivas. Na medida em que o quadro de funções foi se constituindo tornou-se possível identificar que as práticas discursivas são regidas por regras que estabelecem transformações 88 e encadeiam descontinuidades. A função enquanto signo, por tanto, só faz sentido por meio das regras de formação que regulam e governam os atos discursivos. 3.3.2 Componentes do procedimento analítico Para compreensão da sociedade ocidental por meio das formações discursivas que permeiam o confronto entre as culturas global e local utilizando o projeto arqueológico, foi necessário recorrer a um processo específico de análise discursiva: ao invés de interpretar o documento em si, buscamos trabalhar em seu interior, ordená-lo, definir suas unidades e descrever suas relações. Este procedimento foi composto inicialmente de três componentes analíticos cuja forma foi determinada pelo próprio campo: primeiramente foram identificadas por meio dos enunciados, as descrições enunciativas. As mesmas compõem-se de signos da marca, e apresentam uma finalidade ou ação participativa no contexto da cena, ou seja, possuem uma função que por sua vez obedece a regras de funcionamento partilhadas. Nosso campo discursivo foi representado por séries de imagens registradas no cotidiano, que se apresentam como séries curtas, de um, dois ou três registros, ou longas o bastante para conter até oitenta e três imagens, como foi o caso da representação da marca na Avenida Recife. Assim, para capturar as variações e condições de [co]existência dos elementos e identificar as descrições enunciativas de cada série, utilizamos uma tabela contendo todas as possíveis descrições (formando as linhas) e a numeração de cada foto (representando as colunas) onde registramos o que continha cada uma. Essa forma de registro nos possibilitou capturar em cada série as condições de presença das descrições, conforme segue o exemplo da Rota 1 - Série 14 na tabela a seguir. 89 Série 14 - Data: 08/11/15 Faixa Placas Toldos Fachada Descrição dos elementos Nome da marca Grafia Cores Onda Imagem da campanha Campanha com distribuidor Título da peça Título da peça adaptado por outrem Slogan da marca Signos da multimarca Signos de outra marca Nome próprio ou apelido Nome alusivo à crença Nome alusivo ao negócio Nome alusivo à localização Nome (guaraná, fruta, caldo de cana) Candidato político Lista de iguarias Estipular regras Revelar regras Fazer votos Apelo contra violência Outras imagens ou cores Selo central de serviço ao cliente Pichado (grafitado) Nome da marca, grafia Cores Nome próprio ou apelido Nome alusivo ao negócio Nome da marca, grafia, cores Signos da multimarca Signos de outra marca Signos do distribuidor Signos de outro produto/ serviço Nome próprio ou apelido Nome alusivo à crença Nome alusivo ao negócio Nome alusivo à localização Nome (guaraná, fruta, caldo de cana) Nome pontos de atendimento da marca Candidato político Lista de iguarias Nome da marca, grafia, cores Signos da multimarca Signos de outra marca Signos de outro produto/ serviço Nome próprio ou apelido Nome alusivo à crença Nome alusivo ao negócio Nome alusivo à localização Nome (guaraná, fruta, caldo de cana) Candidato político Lista de iguarias N úmero das fotos 24 25 26 27 28 29 30 x x x x x x x x x x x x x x x x x Tabela 4 (3) - Coleta dos elementos no campo 90 Bandeirolas Out door Da marca Da multimarca De outra marca De outro produto Da marca Com outra marca Com distribuidor De promoção De shows Da marca De outra marca De outro produto Da marca Guarda sol De outra marca Da marca Cadeiras/ mesas Da multimarca De outra marca Da marca Porta canudos / Da multimarca cerveja De outra marca Sem marca Da marca Display / Da multimarca Quiosque De outra marca De outro produto Da marca Cartaz preço Da multimarca De outra marca De outro produto Da marca Cartaz promoção Da multimarca De outra marca De outro produto Cartaz candidato político Lista de iguarias Cartão de crédito Tíquete refeição Pufs, Computadores, animadores, performance, display em forma de garrafa Churrasco Jogo eletrônico, som e TV Ambiente - coberta choupana ou palha Ambulante Presença de Carro de mão Carro de mão com produto da marca Presença da bicicleta Bicicleta com produto da marca Caminhão Moto Da marca Da multimarca De outra marca De outro produto Outros: descrever PDV Geladeira Cartaz / adesivos/ bunner x x x x x Estoque Frota de distribuição Serviços PV x x x x Tabela 5 (3) - Coleta dos elementos no campo (Cont.) 91 Esse modelo de tabela foi sendo elaborado durante a coleta e posteriormente foi sintetizado em oito elementos visando possibilitar as triangulações. A síntese encontra-se demonstrada no capítulo quatro (Tabela Síntese das Descrições Enunciativas) Com base na elucidação e posterior triangulação desses três aspectos (descrições enunciativas, funções e regras), buscamos as formações discursivas. As formações, por sua vez, também são regidas por regras que foram reveladas. A elucidação, a articulação e ordenação dessa estrutura foi o que permitiu analisar o terreno das coisas ditas. 92 4 Descrição dos resultados Este capítulo apresenta as observações que compõem os resultados da pesquisa. Para melhor compreensão das etapas iniciaremos apresentando a síntese das descrições enunciativas e as identificações das funções e regras com suas respectivas descrições. Na etapa posterior apresentamos as relações entre regras e descrições enunciativas encontradas na prática discursiva, comentadas e exemplificadas. Salientamos que na segunda etapa do trabalho é possível já identificar algumas prováveis respostas para as questões específicas norteadoras desta pesquisa, embora essas apareçam em forma de pistas que orientam nossa compreensão, e nunca em forma de respostas diretas e objetivas, pelo próprio caráter de investigação. Por fim apresentamos as formações discursivas e as regras gerais que as conduzem no contexto. 4.1 A identificação no limiar discursivo Nosso olhar sobre a prática discursiva estabelecida no limiar relacional das culturas global e local nos levou a desvelar as relações existentes entre as descrições enunciativas, funções e regras em cada contexto. Encontramos oito descrições enunciativas, dezesseis funções e dez regras, descriminadas no decorrer desta seção. 93 4.1.1 As descrições enunciativas Para Foucault (2007) um enunciado é um conjunto de signos considerados no nível de sua existência, ou seja, o enunciado é o que dá o saber. A descrição dos enunciados do campo discursivo representou a unidade enunciativa desta pesquisa. Em nossos sítios identificamos como enunciado as ações específicas de marketing realizadas nos pontos de venda e verificamos que cada enunciado era composto de um conjunto de elementos (considerados pela literatura de marketing como constituintes do valor patrimonial da marca), sendo por meio de suas funções que este gera sentido àquele. A descrição enunciativa constituiu-se da individualização desses elementos, que foram a seguir organizados sinteticamente para possibilitar a realização das próximas etapas do trabalho: a identificação das funções e regras e a descoberta das formações discursivas. A seguir, mostramos a tabela síntese a que chegamos, contendo as oito possibilidades que compõem a descrição de enunciados. Denominações Elementos da logomarca Descrições enunciativas Peças publicitárias da marca Material de merchandising da marca Pontos de atendimento da marca Composição da descrição do enunciado São considerados: os signos da marca como o nome, a representação da onda, a grafia e as cores São considerados: toda mídia externa, como out door, faixa e painel. Por exemplo: a peça O melhor sabor de Pernambuco e suas variações, tanto na fachada de pontos de venda como em forma de painel na frota de distribuição ou ainda no centro da cidade, guarnecendo a parada de ônibus e a placa de pedestres nas margens do Centro de Excelência. São considerados: as sinalizações de preço e promoções de ponto de vendas, Selo (CAC ou comemorativo), display e quiosque, geladeira, guarda-sol, cadeiras e mesas, portacanudo e porta-cerveja São considerados: o Centro de Excelência e a Estação de Reciclagem Coca-Cola, e ação de prestação de serviço de utilidade pública efetuada por meio da marca Tabela 6 (4) - Síntese das descrições enunciativas 94 Ações promocionais da marca Co- habitação com marcas concorrentes Operações do distribuidor Adaptações populares São considerados a imagem dos produtos de promoção, o título das campanhas e as ações como: estipular regras para a participação das mesmas e as condições programadas de ambiente para viabilizá-la tais como pufs, computadores, animadores e performance São considerados: a presença da concorrência, dada por: signos da multimarca, signos de outra marca ou produto, sinalização de preço de outra marca ou produto, ou ainda promoção de outra marca ou produto São considerados: signos do distribuidor, jogo eletrônico, churrasco, som e televisão, ambiente (coberta choupana ou palha), estoque da marca, estoque de outras marcas ou produtos, lista de iguarias, promoção conjunta marca/ distribuidor, tíquete refeição e/ou cartão de crédito, frota de distribuição como caminhão e moto, ou ainda a presença da bicicleta ou do carro de mão para entrega São considerados: adoção de outras cores, título da peça da marca adaptado por outrem, nome próprio, nome alusivo ao negócio, nome alusivo à localização ou à crença, nome (guaraná, fruta, caldo de cana), candidato político, pichação, ambulante, bicicletas e carro de mão com o produto, revelar regras, fazer votos ou apelo contra violência por meio da marca Tabela7 (4) - Síntese das descrições enunciativas (Cont.) 4.1.2 As funções A função é uma ação que se revelou na prática enunciativa por meio da existência de um domínio de saberes que lhes está associado, neste caso específico, as relações da cultura de consumo e o campo teórico do marketing. Nesta pesquisa, localizar a função representou uma operação de decifração que buscou revelar o desempenho de cada elemento da marca no enunciado, ou seja, a ação que o mesmo propicia no contexto. A tabela a seguir apresenta as funções encontradas e suas respectivas descrições. 95 Funções Enunciativas Nome Antropomorfizar Apoiar convenção social Apropriar-se de aspectos culturais Comunicar Desculpabilizar excesso Estipular regras Experienciar Identificar parceiros Identificar-se Incorporar aspectos culturais Persuadir Promover hegemonia Propiciar entretenimento Tolerar diferenças estéticas Tolerar partilhamento do espaço Ser representada Ação propiciada Atribuir qualidades humanas aos signos da marca Comunicar convenção social por meio da marca Apropriar-se intencionalmente de aspectos culturais nativos Desenvolver os elementos da marca Indicar combinação para atenuar o excesso calórico Estipular regras para participar de promoção da marca Criar condições de usufruto da experiência da marca Identificar parceiros comerciais Promover a identificação da marca Assimilar aspectos culturais por meio da marca Levar a crer nas promessas da marca Tornar preponderante o discurso da marca Apoiar ou promover ações de entretenimento Tolerar a não adoção do padrão estético (cor/forma) estipulado pela marca Dividir o espaço com outras marcas, inclusive de concorrentes Ter seus signos assimilados pelos signos de outrem (parasitas culturais) Tabela 8 (4) - Função e ação propiciada 4.1.3 As regras As regras de uso que geram sentido aos signos precisam ser delimitadas e definidas em cada forma de vida, pois, para Foucault a regra é uma prática social. No presente trabalho a mesma é uma prática social mediada pela marca. As regras foram estabelecidas na condição de existência e permanência dos elementos em cada repartição discursiva: buscamos nas séries discursivas as condições de [co]existência, manutenção, modificação ou desaparecimento dos elementos que compõem os enunciados. 96 Nome Uniformidade Regras Reprodução Articulação cultural Polifonia Incitamento Prática do poder Rebeldia Relação de poder Redundância Credibilidade Descrição Emprego padronizado dos elementos de marca no processo de comunicação A repetição contínua das mensagens da marca Interação entre a marca e a cultura local Associação da marca com outros planos discursos (endosso, co – branding, entre outras) Instigar vinculação com promessas da marca Influenciar o comportamento de outrem por meio da marca Cometer ação de transgressão por meio da marca Estabelecer relações de confronto (disputa) entre a marca e outros discursos (por meio de concorrência direta ou indireta do espaço; pichações, etc) Facilitar a recepção e interpretação das mensagens por meio da marca Garantir disponibilização do serviço Tabela 9 (4) - Regra e descrição 4.2 A prática estabelecida no limiar discursivo Nesta etapa, iniciaremos apresentando as relações estabelecidas entre as descrições enunciativas, funções e regras, exemplificando os achados etnográficos. O cruzamento de dados ou triangulação é uma etapa fundamental da etnografia e evidencia a fase que se segue: a identificação das formações discursivas. Ao estabelecermos essas relações fomos conduzidos pela busca de compreensão das duas questões específicas desta pesquisa, que tratam de como as marcas reproduzem a cultura global ocidental, como as mesmas se estabelecem nas práticas cotidianas locais. 97 4.2.1 Sob a regra uniformidade A figura abaixo permite visualizar a relações possíveis entre as descrições enunciativas e funções que se estabelecem na regra denominada uniformidade. Identificar-se Elementos da logomarca Comunicar Uniformidade Peças publicitárias Promover hegemonia Material de merchandising Persuadir Figura 5 (4) - Regra uniformidade A regra uniformidade, ou seja, a representação padronizada dos elementos da marca, reproduz uma condição de [co]existência estabelecida entre as funções identificar-se, comunicar, promover hegemonia e persuadir, mediadas pelas descrições enunciativas: elementos da logomarca, peças publicitárias e material merchandising, responsáveis por materializar parte da comunicação da marca. O exemplo que se segue busca elucidar a compreensão sobre essa relação. 98 Figura 6 (4) - Zona sul subúrbio foto 41: uniformidade por meio dos elementos da logomarca, peças publicitárias e visual merchandising – Out 2008 Os elementos da logomarca presentes na fachada (cores, marca e slogan) têm por função identificar-se promovendo seu reconhecimento, comunicar por meio deles as características pertinentes à identidade desenvolvida para marca, e promover hegemonia, ou seja, a supremacia discursiva da marca no contexto discursivo. A peça publicitária de título O melhor sabor de Pernambuco além de vincular-se às funções acima descritas, está atrelada à função persuadir. Para tanto, a marca usa da estratégia de apropriar-se de elementos nativos como da imagem do casario do Recife Antigo e da frase em que se estabelece como melhor sabor do local, criando a condição para operar seu discurso ideológico (ADORNO, 2002; JAMESON, 2004; ORTIZ, 2008) O material merchandising está presente no exemplo em forma de bandeirolas que comunicam os elementos da marca, promovem hegemonia e utilizam a persuasão através da imagem e do comando: Combine o que é bom. 99 As relações acima apresentadas entre as descrições enunciativas e as funções foram viabilizadas por meio do emprego padronizado dos elementos da marca no processo de comunicação, ou seja, foram reguladas pela uniformidade. O conjunto enunciativo da regra uniformidade baseia-se na estratégia de marketing que procura mobilizar para a marca um sistema único de valores que é transmitido por meio de uma comunicação uniforme e seriada, visando o fortalecimento de sua imagem em seus mercados alvo (KAPFERER, 2003). A transmissão uniforme e a distribuição de objetos idênticos favorecem o armazenamento de associações favoráveis e desejáveis da imagem da marca na memória do consumidor. 4.2.2 Sob a regra reprodução A regra reprodução (repetição contínua das mensagens da marca) se estabelece de forma idêntica à uniformidade, e com ela compactua para a transmissão de mensagens eficazes, como pode ser percebido na figura que se segue: Identificar-se Elementos da logomarca Comunicar Reprodução Peças publicitárias Material de merchandising Promover hegemonia Persuadir Figura 7 (4) - Regra reprodução 100 Nos exemplos a seguir é possível verificar que a marca promove a reprodução de suas mensagens idênticas. A primeira foto refere-se à expressividade dos elementos da logomarca e peças publicitárias. Figura 8 (4) - Zona sul subúrbio foto 14: reprodução por meio dos elementos da logomarca e peças publicitárias – Out 2008 A figura oito pertence a um trecho da série discursiva formada por bancas que ocupam a margem da Avenida Recife. A grande maioria obedece a um padrão estético idêntico, mas demonstram que foram sofrendo adaptações no cotidiano. A série inicia com poucas bancas espaçadas que se avolumam no final, e termina com um motel que se apropriou da grafia e cores da marca introduzindo-se, desse modo, na narrativa. . Nas duas imagens seguintes apontamos a mesma sinalização de preço disposta em regiões distintas da cidade: 101 Figura 9 (4) - Zona norte litoral foto 08: reprodução por meio de material merchandising – Nov 2008 Figura 10 (4) - Zona oeste foto 68: reprodução por meio de material merchandising – Dez 2008 As funções que coexistem e integram a regra denominada reprodução (a repetição contínua das mensagens da marca), de forma idêntica à regra uniformidade, são provenientes 102 das mesmas descrições enunciativas As relações acima apresentadas foram viabilizadas por meio da repetição do emprego padronizado dos elementos da marca no processo de comunicação. A comunicação da marca Coca-Cola, como a de todo produto global, difunde uma cultura de valores universais mixados aos locais e deles se alimenta de forma sistêmica (JAMESON, 2004; MORIN, 2007). O papel da publicidade e da propaganda ocupa um lugar importante na vida social contemporânea por sua capacidade de veicular, transmitir e construir nossas interpretações da realidade e do mundo social, fazendo parte do cotidiano das pessoas e comunicando valores e formas de interagir capazes de transformações socioculturais (FAIRCLOUGH, 2001). Para tanto, a publicidade comercial explora o universo particular do indivíduo, dos desejos, simula um igualitarismo, e substitui indicadores de autoridade e poder por sedução, em que a referência forjada faz o global superar o nacional utilizando da familiaridade que é criada pela repetição (JAMESON, 2004). Desse modo, a reprodução participa da construção da memória e promove o prazer do reconhecimento (ADORNO, 2002), trazendo para este discurso uma ordem sistêmica de informação: fortalecimento e persuasão, responsáveis pela sensação de familiaridade que nos trazem os produtos da marca Coca-Cola. 4.2.3 Sob a regra Prática de poder A identificação da busca de influenciar o comportamento de outrem por meio da marca foi denominada de prática de poder. Esta regra envolveu um número expressivo de relações: oito funções e sete descrições enunciativas. Na figura a seguir é possível visualizar as relações estabelecidas nessa prática discursiva. 103 Elementos da logomarca Adaptações populares Peças publicitárias Ser representada Propiciar entretenimento Comunicar Persuadir Pontos de atendimento Prática de poder Promover hegemonia Ações promocionais Estipular regras Material de merchandising Operações com distribuidor Desculpabilizar excesso Experienciar Figura 11 (4) - Regra prática de poder Os exemplos que se seguem trarão esclarecimentos sobre as relações que integram a regra prática de poder. O primeiro representa a ação ser representada, ou seja, a marca tem seus signos assimilados por parasitas culturais, tanto por meio de adaptações populares como também por elementos da logomarca. Na cena o ponto de venda se apropria dos signos da marca: cores, nome e a própria grafia que, no caso, foi manuscrita. 104 Figura 12 (4) - Zona norte subúrbio foto 88: persuadir e ser representada por meio de adaptações populares e de elementos da logomarca – Nov 2008 Na figura seguinte o slogan é adaptado à campanha promocional, e permite visualizar a função propiciar entretenimento, tanto por meio dos elementos da logomarca, quanto de peças publicitárias e de ações promocionais; no exemplo persuadir aparece como uma função representativa de todas as descrições, tal como o é para esta regra nos demais casos do arquivo; estipular regras está ligado a peças publicitárias e ações promocionais; e experienciar encontra-se ligada a peças publicitárias. A figura corresponde à campanha Corda na Rua realizada pela marca no Shopping Center Recife em junho de 2008, lançada no início das férias escolares. A campanha incentivou a troca de tampinhas de produtos Coca-Cola por cordas de várias cores que deveriam ser colecionadas. Os animadores fizeram demonstrações de performances que viraram moda nas ruas e geraram notícias em grupos da internet. A campanha foi vinculada a uma ação maior da marca como patrocinadora dos jogos olímpicos. 105 Figura 13 (4) - Zona sul litoral foto 01: persuadir, propiciar entretenimento, experienciar e estipular regras por meio de ações promocionais, peças publicitárias e elementos da logomarca – Jun 2008 A figura ao lado refere-se ao ponto de atendimento denominado Centro de Excelência Coca-Cola, no qual estão presentes às ações de comunicar os elementos da marca, e persuadir, viabilizando o discurso ideológico. O centro abriga diversos pontos de venda e se configura numa grande praça de alimentação montada no centro da cidade em parceria com a Prefeitura do Recife. Figura 14 (4) - Zona Centro foto 11: persuadir e comunicar por meio de pontos de atendimento – Ago2008. 106 Na regra prática de poder, promover hegemonia é uma ação que está ligada apenas a peças publicitárias e material merchandising. No exemplo abaixo (Centro de Excelência Coca-Cola) é possível identificar as ações que levam à regra: compartilham do mesmo espaço os painéis de peças publicitárias, display de preços, cadeiras e mesas, geladeira, porta-cerveja, entre outros, numa ação de presença preponderante da marca, constituindo uma clara demonstração da intenção: promover hegemonia. Figura 15 (4) - Zona Centro foto 10: promover hegemonia por meio de peças publicitárias e visual merchandising. – Ago 2008 Nas operações com o distribuidor existe as ações propiciar entretenimento, persuadir e experienciar que, apesar de estarem presentes no exemplo abaixo (Fig. 16), já foram demonstradas em outras ligações desta regra. Contudo, o mesmo representa a ação desculpabilizar excesso que apresentou-se como função apenas dessa descrição. 107 Em parceria com o Burger King, as marcas comandam: Escolha. Faça do seu jeito. Sem problemas. Você tem direito de ter as coisas do jeito que gosta. Aqui você faz do seu jeito. Nesta promoção a oferta calórica é acompanhada com Zero açúcar em referência ao lançamento da Coca-Cola Zero. Nesta ação a marca compartilha de uma referência cultural no sentido de desculpabilizar a ingestão de excesso calórico. Essa é uma prática nativa comum: numa comemoração, por exemplo, freqüentemente alguém anuncia a quebra de seu regime alimentar, e busca compensar essa transgressão ingerindo uma bebida que não engorda. Essa ação é uma busca de diminuir a culpa gerada pelo deslize de não resistir a uma tentação. Figura 16 (4) - Zona sul litoral foto 02: Persuadir, desculpabilizar excesso e experienciar por meio de operações com distribuidor – Ago 2008 Quando se trata de propiciar entretenimento por meio de operações com o distribuidor podemos perceber, por exemplo, a disponibilização de jogos em ponto de venda que são patrocinados pela marca. Ainda nesses espaços, encontramos como prática comum a disposição de aparelhos de som ou de televisão, conforme o exemplo a seguir. 108 Figura 17 (4) - Zona sul subúrbio foto 22: propiciar entretenimento por meio de operações com distribuidor – Out 2008 Assim, a regra prática de poder conduz as práticas populares e as da marca, sob várias formas de descrições enunciativas, encampando as vozes de representação exercidas pela marca e por meio dela, ativando um conjunto variado de funções para seus enunciados, tendo, contudo, a função persuadir uma presença constante em todos eles. A persuasão é bastante utilizada pela publicidade combinada com vários tipos de informações, fato que vem se tornando uma condição naturalizada (FAIRCLOUGH, 2001). Sob o ponto de vista da comunicação e dos signos da marca (incluímos as ações promocionais, os elementos da logo, as peças publicitárias, pontos de atendimento, operações com distribuidor e o material de merchandising), identificamos que as funções buscam além de persuadir propiciar entretenimento, experienciar e estipular regras, desculpabilizar excessos, promover hegemonia e ser representada. Neste sentido é possível perceber a estratégia de dominação da 109 marca pela utilização da educação imagética projetada e mediada pela diversão, reduzindo a ela própria o espetáculo (ADORNO, 2002; DEBORD, 1997; HALL, 2006; ORTIZ, 2007). Contudo, as adaptações populares também utilizam de estratégia quando buscam os elementos da marca para seu posicionamento. Encontramos no campo discursivo, sob diversas formas, parasitas culturais que buscam assimilar os signos da marca para sua promoção ou sobrevida. Nesse sentido, percebemos que a cultura popular busca os mesmos artifícios do colonizador para se fortificar (CASTELLS, 2008), o que nos leva a compreender que a base dos discursos sob essa regra encontra-se na manipulação, utilizada por todos os falantes nas cenas. 4.2.4 Sob a regra Relação de poder A regra relação de poder foi decifrada nas relações estabelecidas entre três funções e quatro descrições enunciativas, que pode ser observada na figura abaixo. Elementos da logomarca Ser representada Co- habitação com marcas concorrentes Tolerar partilhamento do espaço Relação de poder Adaptações populares Operações com distribuidor Tolerar diferenças estéticas Figura 18 (4) - Regra relação de poder 110 A regra relação de poder se refere às condições de confronto estabelecidas no campo discursivo e será mais bem explicada por meio dos exemplos que se seguem: Figura 19 (4) - Zona sul subúrbio foto 78: ser representada por meio de elementos da logomarca e adaptações populares – Nov 2008 Na da regra relações de poder as descrições enunciativas estão ligadas às funções de ser representada, tolerar diferenças estéticas e tolerar partilhamento do espaço. Sob essa regra a marca confronta-se ao ter que dividir espaço, tanto com as marcas concorrentes como na competição com os discursos de outros produtos. No exemplo acima, a competição encontra-se manifesta na função ser representada que se dá por meio de adaptações populares e elementos da logomarca, estabelecendo o confronto no campo discursivo: o ponto de vendas é um parasita cultural que se apodera dos signos da marca (utiliza suas cores), vende bebidas nativas que concorrem com o produto da marca, e encontra-se localizada estrategicamente entre dois pontos de venda oficiais da mesma, como é possível visualizar a seguir na seqüência de imagens (anterior e posterior). 111 Figura 20 (4) – Foto anterior à figura 18, parte da série discursiva 18, Rota 1- Nov 2008 Figura 21 (4) – Foto posterior à figura 18, parte da série discursiva 18, Rota 1- Nov 2008 Outra forma de confronto e relação de poder: encontra-se na co-habitação com marcas concorrentes que impõem à Coca-Cola tolerar diferenças estéticas e partilhar o espaço de vendas; por vezes no mesmo caso, as operações com o distribuidor também apontam para 112 tolerar partilhamento de espaço. Na cena abaixo poderemos ver o exemplo das duas descrições e funções juntas numa ação do distribuidor. Figura 22 (4) - Zona Sul litoral foto 62: Tolerar partilhamento de espaço e tolerar diferenças estéticas por co-habitação de marcas concorrentes e operações com o distribuidor– Nov 2008 O caso representado não foi único no campo discursivo. Encontramos outros exemplos onde a marca está presente na placa e às vezes no material merchandising, mas a fachada é uma área de domínio de outra marca; ou ainda de forma inversa, em domínios oficiais é comum a existência de placas, estoque, material merchandising ou promocional, de outras marcas ou produtos que, por dividirem as atenções do espaço discursivo, promovem confronto com a marca, estabelecendo as relações de poder. 113 4.2.5 Sob a regra Articulação cultural A identificação da regra articulação cultural se deu nas relações de quatro funções e três descrições enunciativas que podem ser observadas na figura que se segue: Adaptações populares Apropriar-se de aspectos culturais Antropomorfizar Peças publicitárias Incorporar aspectos culturais Operações do distribuidor Articulação cultural Apoiar convenção social Figura 23 (4) - Regra articulação cultural A partir dos exemplos a regra e suas relações serão esclarecidas. Na cena que se segue é possível perceber por meio de adaptações populares as ações: antropomorfizar e incorporar aspectos culturais, regidas pela articulação cultural. . 114 Figura 24 (4) - Zona noroeste foto 02: Antropomorfizar e incorporar aspectos culturais por meio de adaptações populares – Nov 2008 Antropomorfizar caracteriza a ação de atribuir características humanas a “coisas” ou a seres vivos. Nesse sentido, o aparecimento de nomes próprios em pontos de venda representou uma situação comum em todo arquivo: assim como tivemos “coisas” que se diferenciavam porque pertencia a alguém como o Bar do João, Bar do Oscar, a Banca da Marina, entre outros, tivemos também um estabelecimento comercial personificado Tia Dondon (Fig. 23), que exemplifica mais claramente a função. A mais de vinte anos esta doceria representa na memória dos recifenses as delícias que são produzidas utilizando receitas tradicionais (de sabor reconhecido) com a qualidade dos alimentos “feitos em casa”; destinatários de carinho e cuidados especiais, os produtos Tia Dondon são de procedência conhecida, portanto de confiança, justificando seu preço diferenciado. Essa condição promovida por adaptações populares imputa qualidades humanas (características próprias da “tia doceira”) aos produtos e serviços oferecidos no ponto de 115 venda, e ao mesmo tempo faz a Coca-Cola (patrocinadora do mesmo) incorporar aspectos que são próprios da cultura local. Por meio de exemplos como o Bar do João, a marca se articula da mesma forma com a cultura local: os nomes personificam o ponto de vendas, representam e transferem qualidades humanas específicas aos produtos e serviços ali prestados (que podem se referir a questões de qualidade ou mesmo de gosto: seja musical, alimentar, ou até mesmo da preferência por times de futebol), ou simplesmente promovem familiaridade por representarem nomes próprios ordinários. Essas características constituem a regra articulação cultural, promove relação entre a marca e a cultura local, e é proporcionada por adaptações populares por meio da antropomorfização de “coisas”. As peças publicitárias por sua vez, apropriam-se de aspectos culturais como da imagem de monumentos (pontes do Recife), como pode ser visto na figura abaixo: Figura 25 (4) - Zona centro foto 07: apropriar-se de aspectos culturais por meio de peças publicitárias – Ago 2008 116 As peças publicitárias da marca buscaram referências na cultura local para seus discursos, promovendo identificação e familiaridade e gerando a sensação de pertencimento, facilitando assim a absorção de suas mensagens. Por meio da marca, as adaptações populares também apóiam convenção social: no exemplo a seguir consta na fachada do ponto de venda oficial o aviso: “proibido som após as 22 horas”. Essa questão representa uma convenção social inclusive pautada na legislação e o bairro onde se localiza o ponto, como se pode ver pelo contexto, é de âmbito domiciliar. Figura 26 (4) - Zona sul subúrbio foto 107: apoiar convenção social por meio de adaptações populares – Out 2008 Com intuito de promover uma melhor visualização do aviso, recortamos e ampliamos a imagem: na figura que se segue (Fig. 27) pode ser visto o detalhamento. 117 Figura 27 (4) – Ampliação de detalhe da figura 28 – Out 2008 Desse modo, demonstramos que a regra articulação cultural conduz tanto às práticas populares como à comunicação da marca, através das descrições enunciativas adaptações populares, peças publicitárias e operações do distribuidor. A comunicação da marca aparece por meio das funções apropriar-se de aspectos culturais ou incorporar aspectos culturais. Em ambos os casos, de forma intencional ou não, a marca relaciona-se com questões da cultura local. Quando o faz de forma planejada, a marca apodera-se de signos nativos buscando facilitar a comunicação por meio de mediadores, ganhando expressividade e conquistando uma bem-sucedida manipulação e contenção de suas mensagens (JAMESON, 2007; MORIN, 2007). Desse modo, a marca gera o sentimento de identificação, pois suas mensagens são compostas de instituições culturais, de símbolos e de representações nativos, permitindo contar história e gerar memória. Com narrativas midiáticas recheadas de cultura local, numa relação sistêmica, constrói as imagens que dão vida à comunidade imaginada (HALL, 2006). 118 Enquanto a marca usa o artifício da aproximação com a cultura para uma comunicação eficaz, as adaptações populares são no sentido de, por meio dela, construir um espaço recoberto com sinais da cultura, fortificando suas expressões e materializando discursos possíveis de asseverar os sujeitos socialmente (ORTIZ, 2007). Nas adaptações populares a relação se dá nas funções antropomorfizar, que é a busca de atribuir qualidades humanas por meio dos signos da marca, apoiar convenção social, comunicando-as através da marca e incorporar aspectos culturais, fazendo-os presentes também por meio dela. Neste caso fica evidente a busca de difundir ou reforçar às características culturais locais. Em ambos os casos entendemos que a formação discursiva busca difundir uma relação de pertencimento com a cultura local, embora os motivos sejam adversos 4.2.6 Sob a regra Incitamento A regra incitamento representa a relação de três funções e três descrições enunciativas que podem ser observadas na figura que se segue. Por incitamento compreendemos que seja a prática de instigar vinculação com promessas da marca Pontos de atendimento Comunicar Peças publicitárias Propiciar entretenimento Operações com distribuidor Persuadir Incitamento Figura 28 (4) - Regra Incitamento 119 Como primeiro exemplo desta regra, apresentamos a cena de um ponto de atendimento que busca comunicar os elementos da marca: a Estação de Reciclagem Bom Preço/ Coca-Cola que encontra-se colocada na parte exterior do supermercado. A mensagem convoca a população para a prática da reciclagem com intuito de ajudar milhares de família, numa ação ambiental/social regida por incitamento. As figuras 29 e 30 constituem o exemplo. Figura 29 (4) - Zona Centro foto 118: comunicar por meio do ponto de atendimento – Nov 2008 Figura 30 (4) - Zona Centro foto 01: comunicar por meio do ponto de atendimento – Ago 2008 120 A seguir vemos a peça publicitária que tem por função propiciar entretenimento e por regra incitamento. Na imagem da figura 31 a marca é a patrocinadora oficial de um festival com bandas populares reconhecidas nacionalmente. Figura 31 (4) - Zona norte litoral foto 02: propiciar entretenimento por meio de peças publicitárias – Ago 2008 A persuasão realizada por meio de operações com o distribuidor poderá ser exemplificada na cena em que o ponto de venda assume uma estética de coberta característica da cultura local. A mesma se assemelha a uma choupana ou palhoça típica do litoral, trazendo para o ambiente uma sensação de reconhecimento (tornando-o familiar), conforme pode ser visualizado na cena seguinte (Fig. 32). 121 A forma (ou design) da coberta encontrada no Centro de Excelência (ao lado) foi localizada também em um ponto oficial da marca no litoral norte, sendo utilizada em sua construção a palha ao invés das telhas de amianto do exemplo. Figura 32 (4) - Zona norte litoral foto 12: persuadir por meio de operações com o distribuidor – Ago 2008 Desse modo, a regra incitamento foi encontrada nas expressividades da comunicação da marca, através das peças publicitárias, operações com distribuidor e pontos de atendimento. Nas peças publicitárias a sua função foi propiciar entretenimento constituindo uma estratégia que faz parte do fortalecimento da imagem da marca. Nos pontos de atendimento a função buscou comunicar os elementos da marca, e nas operações com o distribuidor, persuadir, ou seja, levar a crer nas promessas da marca. Compreendemos que a regra incitamento encampa uma estratégia de dominação ideológica da marca sobre receptor, 122 uma ação falaciosa no que diz respeito a sua associação com o ilusório mundo da marca e sua comunidade imaginada. 4.2.7 Sob a regra Rebeldia A regra que trata das ações de transgressão exercidas por meio da marca foi denominada de rebeldia. Essa regra provém de apenas uma descrição enunciativa e uma regra, cuja relação pode ser observada na figura abaixo. Adaptações populares Ser representada Rebeldia Figura 33 (4) - Regra rebeldia O exemplo a seguir torna mais claro a relação encontrada na prática discursiva que se estabelece pelo uso ilegítimo dos signos da marca: o colégio Menino Jesus da cidade de Paulista utiliza os signos da marca na divulgação de um out door em que homenageia o dia dos pais. Para a ocasião também foram confeccionadas camisetas com a mesma peça publicitária (na cidade encontramos um pai vestindo a peça de roupa). O exemplo mostra a apropriação dos signos da marca. (Fig. 33) 123 . Figura 34 (4) - Zona norte subúrbio foto 03: ser representada por adaptações populares – Ago 2008 A regra rebeldia tem por função a busca de ser representado e constitui-se uma prática exclusiva da descrição enunciativa adaptações populares e sua ação parasitária de comunicação por meio dos signos da marca. Nesta formação discursiva é evidente a ação indisciplinada praticada pelos discursos mundanos que utilizam os signos da marca para cometer atos de transgressão. O exemplo acima demonstrou a ação parasitária mundana de apoderamento dos signos da marca. 4.2.8 Sob a regra Polifonia A polifonia é regra que se estabelece em diversas vozes que se expressam nas práticas do distribuidor e na co-habitação com marcas concorrentes. Representa a associação da marca com outros planos discursivos e tem por função identificar parceiros ou tolerar partilhamento de espaço. A regra pode ser visualizada na figura 35. 124 Operações do distribuidor Identificar parceiros Polifonia Co- habitação com marcas concorrentes Tolerar partilhamento de espaço Figura 35 (4) - Regra polifonia No exemplo que se segue essa regra torna-se mais clara: A peça publicitária abaixo representa uma operação conjunta da marca com o distribuidor, identifica parceiros e promove polifonia no campo discursivo. Figura 36 (4) - Zona Noroeste foto 46: identificar parceiros por meio de operações com distribuidor – Nov 2008 Essa cena também agencia a co-habitação com marcas concorrentes (possui signos de outra marca e sinalização de preço envolvendo outro produto), promovendo dessa forma a identificação de parceiros, mas também representando tolerância de partilhamento de espaço. 125 É possível perceber que a constante simultaneidade de vozes no campo discursivo provoca uma relação de disputa por espaço, que é revelada tanto por meio de práticas de confronto gerada na convivência com marcas concorrentes, como por meio do estabelecimento de parcerias, como demonstrado no exemplo da figura 36. . 4.2.9 Sob a regra Redundância A redundância foi uma regra encontrada em uma função e uma descrição enunciativa. A mesma refere-se à facilitação de recepção e interpretação das mensagens efetuadas por meio da marca, encontrada em diversas placas e revelada por meio do nome alusivo ao negócio. A relação encontra-se apresentada na figura abaixo. Adaptações populares Identificar parceiros Redundância Figura 37 (4) - Regra redundância Na figura seguinte (número 38), pode ser conferido um exemplo dessa prática discursiva: no Mercadinho São Carlos e Bar do Patinho - almoço, janta e sopa. 126 Figura 38 (4) - Zona sul subúrbio foto 104: identificar parceiros por meio de adaptações populares – Nov 2008 A formação discursiva refere-se à descrição enunciativa exclusivamente locada em adaptações populares: a marca endossa os nomes de estabelecimentos comerciais como bar, restaurante, banca, entre outros, levando ao receptor à compreensão imediata das finalidades comerciais dos mesmos. Essa formação baseia-se em premissas de um raciocínio fundado na cultura, uma vez que: quando somos comunicados que o ponto de atendimento é um mercadinho, uma banca ou ainda um restaurante entendemos, de mediato, de que se compõe o seu leque de serviços. Essa comunicação refere-se ao que Foucault (2007) define como um modo de raciocínio peculiar à um grupo social, que se baseia em um princípio normativo e formal para entendimento de um conceito que foi estabelecido culturalmente no decorrer do tempo. 127 4.2.10 Sob a regra Credibilidade A garantia da disponibilização do serviço define a regra credibilidade. A mesma foi identificada na relação de uma função e duas descrições enunciativas, conforme pode ser visualizado na figura abaixo. Material de merchandising Comunicar Credibilidade Operações do distribuidor Figura 39 (4) - Regra credibilidade Abaixo, segue um exemplo elucidativo da regra por meio de operações com o distribuidor. Figura 40 (4) - Zona centro foto 02: comunicar por meio de operações do distribuidor – Jan 2009 128 Na imagem percebemos que a organização do estoque da marca promove uma comunicação e, ao mesmo tempo, uma garantia de realização do serviço. Na cena que se segue é possível verificar a comunicação e garantia por meio da descrição material merchandising: o selo da Central de Atendimento ao Cliente disponibiliza um telefone para o contato direto do consumidor com a marca. Figura 41 (4) - Zona sul subúrbio foto 03: comunicar por meio de material merchandising – Dez 2008 Demonstramos que as descrições enunciativas: material de merchandising e operações do distribuidor tem por função de comunicar os elementos da marca e por regra credibilidade, ou seja, garantia de disponibilização do serviço. Esses enunciados referem-se às questões de estoques, promoções, sinalizações de preço, entre outras, que informam e garantem ao receptor que o produto ou serviço encontra-se disponível, como pôde ser constatado nas figuras utilizadas como exemplo. 129 Essa regra constitui-se parte integrante de uma estratégia discursiva da marca não apenas de oferecer garantia do serviço prestado, mas faz parte de um objetivo maior de constituir-se um discurso preponderante nos cenários discursivos mundanos, fortalecendo a sua imagem. 4.3 As formações discursivas Para Foucault (2007) uma formação discursiva é um conjunto formado por certo número de enunciados, conceitos e escolhas temáticas, que descrevem um sistema de dispersão e busca verificar como o discurso se organiza em uma ordem. Os sistemas de dispersão encontram-se nas diversas possibilidades estratégicas de discursos que permitem a ativação de temas que são incompatíveis, ou ainda, na introdução de um mesmo tema em conjuntos diferentes. Os conjuntos serão demonstrados a seguir através da interseção das linhas percorridas entre os três níveis (descrições enunciativas, funções e regras) nas dez regras desveladas. Nesta etapa do trabalho executamos uma análise reflexiva a partir dessas possibilidades, conduzidos pela busca de compreensão da terceira questão específica: o desvelar de como é possível a relação entre a cultura global e a cultura local. No campo discursivo identificamos que as relações podem ser ordenadas em: relações de agência, que representam os discursos disciplinares provenientes da marca (referentes da postura ideológica global); relações que se estabelecem por confronto onde estão locados os discursos que se estabelecem por indisciplina; ou ainda relações caracterizadas por associação entre as partes, que se deu por síntese. 130 Assim, as formações discursivas reveladas por disciplina estabelecem e ordenam o sistema discursivo agenciado pela comunicação da marca. Por meio dessas são promovidos uma série de outras formações que: se filiam às mesmas se tornando formação por síntese, ou promovem conflito por se apossar da mesma (parasitas culturais), ou ainda se conflitam com ela por concorrerem no mesmo espaço discursivo, se estabelecendo por indisciplina. Demonstraremos a seguir as formações: disciplina, indisciplina, e síntese. 4.3.1 Jogo de memória As funções que coexistem e integram as regras denominadas reprodução (a repetição contínua das mensagens da marca) e uniformidade (emprego padronizado dos elementos de marca no processo de comunicação) são provenientes das mesmas descrições enunciativas:elementos da logomarca, peças publicitárias e material de merchandising, que constituem a comunicação da marca. Esse conjunto de descrições apresenta por função: identificar-se, comunicar (desenvolver os elementos da marca), promover hegemonia (tornar preponderante o discurso da marca) e persuadir (levar a crer nas promessas da marca). Na figura abaixo é possível observar a integralidade da interseção que se apresenta entre as duas regras (demarcadas de cinza), nas linhas estabelecidas entra as colunas. Essas regras se apresentam como discursos dependentes por se integrarem para representar a marca em seu meio discursivo 131 Identificar-se Elementos da logomarca Comunicar Uniformidade Peças publicitárias Promover hegemonia Reprodução Material de merchandising Persuadir Figura 42 (4) - Jogo de memória A uniformidade e a reprodução promovem a construção da memória imagética do consumidor e a conseqüente familiaridade com os signos da marca, (ADORNO, 2002), trazendo para esta formação discursiva uma ordem sistêmica: transmissão uniforme e repetida que se junta com a distribuição de objetos idênticos e favorece o armazenamento de associações favoráveis e desejáveis da imagem da marca na memória do consumidor. Esse conjunto de ações fortalece o discurso persuasivo da marca (KAPFERER, 2003). Desse modo, a prática discursiva global busca gerar um acervo de memórias por meio de um jogo estratégico e articulado de comunicação da marca (postura ideológica) com a cultura e o usuário local, estabelecendo para essa formação discursiva a denominação de jogo de memória. 4.3.2 Funções do marketing A regra credibilidade (que busca garantir disponibilização do serviço) e a regra incitamento (que busca instigar vinculação com promessas da marca) representam duas das funções do marketing. As mesmas fazem parte do plano de marketing para a marca, ou seja, 132 da programação das várias atividades que são destinadas sistematicamente para criação e manutenção de sua identidade do mercado (SANT’ANNA, 2003). Na interseção das regras incitamento e credibilidade identificamos que operações com o distribuidor é a única descrição enunciativa que integra ambas as regras. No incitamento essa descrição corresponde a promoções feitas com o distribuidor, que tem por função persuadir. Na credibilidade a mesma apareceu sob forma de tíquete refeição, cartão de crédito, presença a frota de distribuição ou ainda estoque da marca, que visam facilitar e garantir o atendimento. Na figura 42 é possível visualizar a interseção (demarcada em cinza)das regras. Pontos de atendimento Persuadir Peças publicitárias Propiciar entretenimento Incitamento Comunicar Credibilidade Operações com distribuidor Material de merchandising Figura 43 (4) - Funções do marketing A função comunicar é comum a ambas as regras, embora tenham aparecido por meio de descrições enunciativas diferentes: na regra incitamento a função provém dos pontos de atendimento (como da Estação de Reciclagem ou do Centro de Excelência, encontrados no campo). Na credibilidade estão ligadas à operações com distribuidor e material merchandising (sinalização de preços e materiais promocionais). 133 Essas descrições enunciativas e suas funções constituem os instrumentos que subsidiam o plano de marketing da marca, ou seja, as mesmas dão embasamento às regras que fazem parte das funções do marketing, razão da denominação desta formação discursiva. 4.3.3 Manipulação e confronto A regra prática de poder caracteriza a busca de influenciar o comportamento de outrem por meio da marca utilizando, para tanto, de persuasão; a regra relação de poder caracteriza as relações de confronto estabelecidas na busca pelo espaço discursivo entre a Coca-Cola e outras marcas. Desse modo, enquanto na primeira regra a marca é mediadora da manipulação, na segunda a mesma é objeto de confronto discursivo. Essas regras se apresentam divergentes em quase todas as suas funções e descrições, com exceção de ser representada, comum a ambas. As descrições ligadas à função ser representada também são as mesmas: elementos da logomarca e adaptações populares. Contudo, adaptações populares também se encontra ligada à persuadir na linha da regra Prática de poder e à tolerar diferenças estéticas na linha da regra Relação de poder. Elementos da logomarca busca também propiciar entretenimento e persuadir na linha da regra Prática de poder e apenas ser representada na linha da regra Relação de poder. A regra prática de poder conduz as práticas populares e da marca, sob várias formas de descrições enunciativas, ativando um conjunto variado de funções para seus enunciados. Contudo, a função persuadir é uma constante em todos eles. A regra relações de poder representa o confronto das diversas vozes na disputa do campo discursivo, entre elas: os parasitas culturais, os concorrentes, as adaptações e as operações do distribuidor. Na figura 43 demonstramos a interseção existente nas linhas percorridas entre as descrições e funções, afloradas sob essas regras. Estão tarjadas de cinza as descrições que 134 foram comuns a ambas as regras, e a única função que apresenta-se também comum proveniente da descrição que é pertinente a ambas. Pontos de atendimento Material de merchandising Ações promocionais Peças publicitárias Elementos da logomarca Adaptações populares Propiciar entretenimento Comunicar Persuadir Promover hegemonia Prática de poder Estipular regras Desculpabilizar excesso Experienciar Operações com distribuidor Co-habitação com marcas concorrentes Ser representada Relação de poder Tolerar partilhamento de espaço Tolerar diferenças estéticas Figura 44 (4) - Manipulação e confronto 135 Por meio da figura é possível visualizar de imediato que a marca utiliza uma quantidade grande de recursos (descrições enunciativas) ligados a uma série de funções na busca da prática de poder, ou seja, da manipulação discursiva, que se dá sempre pela persuasão. Essa regra encampa majoritariamente a voz da marca através das descrições: peças publicitárias, pontos de atendimento, ações promocionais, material merchandising e elementos da logomarca, embora seja função das demais vozes. Diferentemente, na Relação de poder os elementos da logomarca estão representados pela voz de parasitas culturais, concorrentes, adaptações e operações do distribuidor, que promovem tolerar partilhamento de espaço e diferenças estéticas, numa operação de confronto com a marca. 4.3.4 Divergência cultural As regras incitamento (instigar vinculação com promessas da marca) e articulação cultural (integração entre a marca e a cultura) promovem a formação discursiva divergência cultural. De acordo com a figura a seguir, é possível observar que entre as regras existem duas funções enunciativas comuns: peças publicitárias e operações com o distribuidor. A primeira liga-se a articulação cultural buscando apropriar-se de aspectos culturais e ao incitamento propiciando entretenimento. A segunda liga-se a articulação cultural buscando incorporar aspectos culturais e ao incitamento por meio da persuasão. 136 Adaptações populares Apropriar-se de aspectos culturais Antropomorfizar Peças publicitárias Incorporar aspectos culturais Operações do distribuidor Apoiar convenção social Propiciar entretenimento Articulação cultural Incitamento Persuadir Pontos de atendimento Comunicar Figura 45 (4) - Divergência cultural É possível observar o confronto entre as culturas exatamente na comparação feita entre os elementos que não se enquadram na área de interseção das figuras: entre as regras são incomuns as descrições enunciativas pontos de atendimento (voz ativa da marca) pertencente ao incitamento, e adaptações populares na Articulação cultural. Enquanto os pontos de atendimento buscam comunicar elementos da marca, as adaptações populares buscam antropomorfizar, ou seja, comunicar a cultura local por meio da atribuição de qualidades humanas aos signos da marca. Segue também para outras linhas: incorporar aspectos culturais e apoiar convenção social, com o mesmo intuito de comunicar a cultura nativa, caracterizando a dissensão. 137 Por outro lado, percebemos na comparação que o discurso da marca se interessa pela aproximação com a cultura e o faz apoderando-se de suas características e, promovendo a aproximação, torna válida sua prática persuasiva. A marca promove a postura ideológica da cultura global em sua comunicação e a colônia imprime sua marca também por meio dela. A cultura nativa vira instrumento da elocução global na ação da linguagem estratégica (HABERMAS, 2002), mas adota o mesmo jogo de linguagem para se fortalecer. Assim, as culturas (local e global) buscam fortalecer em seus discursos na zona de confronto utilizando as mesmas estratégias. Por terem motivos antagônicos, essa formação foi denominada de divergência cultural. 4.3.5 Um meio de expressão A comparação entre as colunas das regras rebeldia e articulação cultural demonstra que uma única descrição enunciativa comum entre elas: adaptações populares. Essa descrição tem por regra ser representada (assume o papel de parasita cultural) quando ligada à regra rebeldia. Por outro lado, quando adaptações populares encontra-se ligada à articulação cultural a mesma é representante de ações realizadas por meio da marca que imprimem nas mesmas marcas da cultura nativa, conforme pode ser visualizado na figura a seguir. 138 Ser representada Adaptações populares Rebeldia Apropriar-se de aspectos culturais Antropomorfizar Peças publicitárias Incorporar aspectos culturais Operações do distribuidor Articulação cultural Apoiar convenção social Figura 46 (4) - Um meio de expressão Por rebeldia as adaptações populares buscam os signos da marca para cometer ações de transgressão. Na articulação cultural as adaptações populares buscam firmar a cultura nativa por meio das ações de nomear os pontos de venda com nomes próprios, incorporar aspectos culturais com expressões de crenças e ainda apoiar convenção divulgando às regras acordadas socialmente. Ambas as regras utilizam a marca como mediadora de suas ações, ou seja, a marca é um meio de expressão, condição que deu o nome a essa formação discursiva. A atitude nos permite perceber uma situação que representa o conflito global /local, em que a cultura nativa imprime sua marca no cenário tendo a marca global por mediadora, seja de forma disciplinada (utilizando a mesma estratégia) ou indisciplinada. A cultura como a esfera das representações do vivido (DEBORD, 1997), demonstra sua resistência por meio da persistência ou da indignação. 139 4.3.6 Ideologia Quando as diversas vozes recolhidas no campo discursivo foram acopladas por grandes categorias, pudemos identificar a existência de quatro grupos: A voz da marca, que encontra-se diretamente representada pelas seguintes descrições enunciativas: elementos da logomarca, peças publicitárias, material merchandising e ações promocionais. A voz do distribuidor que aparece na descrição enunciativa operações com distribuidor e lhe representam por meio das ações promovidas na disponibilização do produto; A voz da concorrência que aparece na descrição enunciativa co-habitação com marcas concorrentes; E na voz dos saberes informais representada pela descrição adaptações populares Quando observadas desta forma, identificamos que a única função comum a todas as vozes foi persuadir. Desse modo, por representar a natureza que é inerente a todos os seres discursivos deste campo, denominamos essa formação discursiva de ideologia, por ser uma base de pensamento social que segue um modelo que foi recortado do real pela ideologia, propiciando uma consciência deformada da realidade (DEBORD, 1997). 4.3.7 Simbiose As regras polifonia e redundância possuem por função comum identificar parceiros comerciais. Na redundância, a descrição enunciativa adaptações populares busca, por meio da marca, facilitar a recepção e interpretação das mensagens. Na polifonia, apesar de existir outra função (tolerar partilhamento de espaço) que aparece ligada à co-habitação com marcas 140 concorrentes, a marca através dela e das operações com distribuidor se associa com outros planos discursivos para endosso ou co branding. Na figura abaixo encontra-se tarjada de cinza a função comum entre essas regras, embora proveniente de diferentes descrições enunciativas. Adaptações populares Identificar parceiros Redundância Operações do distribuidor Co- habitação com marcas concorrentes Tolerar partilhamento de espaço Polifonia Figura 47 (4) - Simbiose Entendemos que os conjuntos de descrições enunciativas regidos pelas regras redundância e polifonia que tem por função identificar parceiros, representam um acordo vantajoso para os organismos, ou as partes da praxe social. Essa formação discursiva foi denominada de simbiose, por representar a associação de seres vivos que vivem em sistema comum, por meio da adoção de estratégias também comuns. 4.3.8 Sujeito do projeto/ projeto do sujeito Incitamento é a ação promovida com intuito de instigar vinculação com promessas da marca, e a rebeldia é a ação de transgressão efetuada por meio da marca. A regra incitamento foi encontrada no campo nas expressividades da comunicação da própria marca, através das peças publicitárias, operações com distribuidor e pontos de 141 atendimento. Nas peças publicitárias a sua função foi propiciar entretenimento que, como já vimos, é uma estratégia que faz parte do fortalecimento da imagem da marca. Nos pontos de atendimento a função buscou comunicar os elementos da marca, e nas operações com o distribuidor buscou persuadir, ou seja, levar a crer nas promessas da marca. Desse modo, esta forma de discurso constitui-se falaciosa, pois encampa a tentativa de dominação ideológica sobre receptor, a respeito de sua associação ao ilusório mundo da marca e sua comunidade imaginada, cujas referencias são compartilhadas nesta sociedade. A regra rebeldia tem por função a busca de ser representado e é uma prática exclusiva da descrição enunciativa adaptações populares, em sua ação parasitária de comunicação por meio dos signos da marca. Nesta formação discursiva os discursos mundanos utilizam os signos da marca para cometer ações de transgressão, numa atitude de indisciplina. Na figura abaixo é possível perceber a relação de posicionamento entre as vozes:deste campo: Pontos de atendimento Peças publicitárias Operações com distribuidor Adaptações populares Comunicar Propiciar entretenimento Incitamento Persuadir Ser representada Rebeldia Figura 48 (4) - Sujeito do projeto/projeto do sujeito Apesar de não existir nenhuma interseção entre as colunas, existe entre esses níveis intertextuais uma relação: no incitamento, a voz ativa é sempre a da marca e busca instigar 142 através de seu discurso vinculação de seus signos com suas promessas; fortalecendo e difundindo sua imagem. Enquanto isso, de forma parasitária, a rebeldia se apropria deste valor construído socialmente para cometer atos de transgressões e chamar atenção sobre si mesmo. O recurso utilizado demonstra a força do sistema. Nesta formação encontramos duas vozes e uma sociedade que se apresenta dependente das regras econômicas: Segundo Debord (1997, #52) “o sujeito só pode emergir da sociedade, isto é, da luta que existe nela mesma”. 4.4 As regras entre formações discursivas Ao identificar as formações discursivas percebemos que as mesmas representam relações intertextuais de seqüência e dependência e relações interdiscursivas dos campos de presença, concomitância e memória. Nesta seção apresentaremos as regras que regulam as formações discursivas em nosso arquivo, iniciando por indicações de forma de sucessão e suas estratégias: esquemas retóricos, dependência e ordem de séries. Essa primeira parte está compilada na regra denominada argumentação retórica. Na segunda etapa procuramos demonstrar as formas de coexistência que se dão pelos campos de presença e concomitância, ao que denominamos de argumentação dialética. Sob o ponto de vista clássico, a argumentação foi tida como um componente dos sistemas: lógico (a arte do pensar logicamente), retórico (a arte do bem falar) e dialético (a arte do bem dialogar), que formam a base do sistema que se perpetuou até o século XIX. Sofrendo mudanças no decorrer do século XX, tomou perspectivas bem diferentes a partir dos anos 1970 (PLANTIN, 2008). Nesta pesquisa a palavra argumentação é utilizada no sentido de “uma argumentação sobre algo” não tendo qualquer pretensão de desenvolver um empreendimento teórico sobra a “argumentação” no sentido clássico. 143 4.4.1 Argumentação retórica: viva o lado Coca-Cola da vida Os esquemas retóricos permitiram a combinação de grupos de enunciados demonstrando suas formas de sucessão. A partir desses esquemas se encadearam descrições, deduções e definições, cuja seqüência caracterizou a arquitetura dos vários textos do arquivo. Na perspectiva de Nietzsche particularmente ativa desde a década de 1970, a retórica ganha a definição de essência persuasiva da linguagem (PLANTIN, 2008), ou seja, representa um conjunto de regras relativas à eloqüência, a arte de persuadir ou comover por meio do discurso. A denominação da regra Argumentação Retórica: Viva o Lado Coca-Cola da Vida, aqui adotada, deve-se primeiro ao fato das práticas discursivas por nós observadas, serem realizadas tendo a marca Coca-Cola e seu fantástico mundo encantado por mediadora, enfeitiçando a construção de nossos mundos (BROWN, 2006). Em segundo lugar pelo fato de termos identificado que a persuasão é uma função presente em quase todas as formações discursivas do arquivo, e em absolutamente todas as vozes que se anunciam em nosso meio discursivo (referente à formação discursiva Ideologia). . Plantin (2008) afirma que a argumentação retórica pode ser definida de maneira bem específica por meio da presença das seguintes características: 1. Trata-se de uma retórica referencial (formula o problema dos objetos, dos fatos e da evidência), mesmo que sua representação lingüística só possa ser apreendida no conflito e na negociação Neste sentido, nas formações discursivas as mensagens publicitárias da Coca-Cola buscam criar um mundo ideologicamente favorável e absolutamente perfeito, promovendo uma representação discursiva de cultura global e dominante, que conflita com a cultura nativa. 2. Ela é probatória, ou seja, visa trazer a prova. A argumentação retórica da marca apropria-se de signos verbais e visuais, de valor universal, mas também, por vezes, de valor nativo. É que o discurso da marca global precisa 144 desenvolver uma identificação para operar, criar estratégias, e o faz se apropriando de aspectos culturais locais. Apresenta, assim, um mundo familiar e irresistível que pode ser vivido na marca, apelando para um sentimento de liberdade do receptor para afirmar sua vontade (ADORNO, 2002; JAMESON, 2007; MORIN, 2007). A participação compulsória sob pena da exclusão do sistema conquista a prova de suas promessas. 3. Ela é polifônica e seu objetivo é a intervenção planejada, tendo seu caráter eloqüente como acessório. Esse discurso desencadeia a polifonia, que utiliza das mesmas estratégias para sua expressão com intuito de se promover ou sobreviver, favorecendo que o sistema feche-se em si mesmo, conquistando a intervenção planejada. O discurso da marca enquanto discurso ideológico dominante aparece em todas as formações discursivas, sendo utilizado estrategicamente nas oito formações discursivas elucidadas. Essas formações estão estabelecidas sob a regra da eloqüência e pretendem, basicamente, persuadir alguém a fazer ou deixar de fazer algo, contendo implícita ou explicitamente um comando, onde seu objetivo retórico é ser atendido neste objetivo particular. Apesar de estar presente nos mais diversos títulos e imagens promocionais como: Combine o que é bom, Pare aqui e beba por aí, Desfrute o refrescante sabor gelado, Presenteie o mundo com seu melhor, entre outras, o maior exemplo dessa regra argumentação retórica e o principal responsável pela associação entre a marca e um argumento persuasivo, é o próprio “convite” promovido pelo slogan da marca: Viva o lado Coca-Cola da vida.. Afinal, o slogan é o elemento que orienta todo o discurso publicitário das marcas estabelecendo sua seqüência lógica argumentativa, sendo por isso um dos seus elementos mais significativos (ANDRADE e CIRELLI, 2005). Essas foram às razões do nome estabelecido para a regra: Argumentação retórica: Viva o Lado Coca-Cola da Vida. 145 4.4.2 Argumentação dialética: bi-dimensionalidade mundana As relações provenientes do campo nos proporcionaram oito formações discursivas, que foram reveladas por relações de agência, de confronto e de síntese, que nos remeteram a nossa segunda regra geral: a dialética. O jogo de pólos opostos (tese e antítese) estabelecidos no dialogo, desde Heráclito e Platão, é conhecido por dialética. Apesar de excluírem-se mutuamente nos campos discursivos, em um segundo momento os pólos são unificados pela razão e transformam-se em síntese. Dessa forma, enquanto a retórica, nossa primeira regra geral, se interessou por questões de ordem social e política, a dialética incidiu sobre teses de ordem filosófica, constituindo-se num diálogo que obedece a regras e opõe parceiros. Em nosso arquivo, os parceiros podem ser encarnados pelo mundo da vida e do sistema, desde que entendidos como partes de uma sociedade em que o espetáculo12 é ao mesmo tempo unido e dividido, onde as lutas das formas rivais do poder separado são reais, ao mesmo tempo em que são participativos, integrando um só sistema (DEBORD, 1997). Como um só sistema, os mundos estão unidos por uma mesma base de pensamento que é ideológica e proveniente do próprio sistema. Por mundo da vida entendemos o mundo dos acontecimentos e das coisas contingentes, aquele que nos é dado de antemão como horizonte e que absorve as relações sociais espontâneas e linguagens naturais, e os modelos consentidos de práticas que estão embasados pelas certezas e vínculos nunca postos em dúvida. Por mundo do sistema consideramos o mundo formal construído pelo homem, constituído por regras, normas e leis através das quais os participantes regulam sua pertença e garantem solidariedade (HABERMAS, 2002; LEÃO, 2007; OLIVEIRA, 1999). 12 O espetáculo para Debord (1999) constitui-se uma representação que é ao mesmo tempo a própria sociedade e um instrumento de unificação da mesma. O autor considera que nas sociedades modernas a vida é uma acumulação de espetáculos e a realidade (considerada parcialmente) é um objeto de mera contemplação. 146 Apesar do conceito mundo da vida ter sido desenvolvido por Husserl na perspectiva de uma crítica à razão, em que o autor destaca a importância do conhecimento reprimido da experiência e realizações ordinárias, foi Habermas(2002) quem o introduziu no âmbito de uma teoria da comunicação e desenvolveu uma teoria social em que propõe a dialética entre dois mundos: o do sistema e o da vida. Habermas (2002) previu a colonização do mundo da vida. Afirmou que próprio solo da prática comunicativa cotidiana descansa sobre pressupostos idealizadores. No chão do mundo da vida habitam tanto as pretensões de validez que impõem idealizações e tornam a linguagem natural impregnada desses efeitos, como também as força de resistência contra as deturpações causadas pelas forças de vida modernizadas seletivamente. Contudo, o autor demonstra se contentar com uma versão estática do sistema de significações que engloba os dois mundos. Para o mesmo, os dois sistemas aparecem interagindo mas são sistemas separados: estando o mundo da vida subsumido ao do sistema e a razão que dirige as decisões habita o interior dos sistemas auto-ditigidos. Entretanto, as sínteses que ocorreram no mundo da vida em nosso estudo também são teses, pois correspondem às mesmas após um processo de co-constituição intersubjetiva daquele que fala, pensa, representa e vivencia o mundo com o próprio mundo que se apresenta. Em forma de associação ou retaliação, o mundo da vida se reconstrói diante do mundo do sistema renovando-o, que pode ser comprovado pelo numero expressivo de relações de síntese nas formações discursivas do arquivo. Debord (1997) afirma que a ideologia (que nos referimos por tese) é uma evidência na sociedade em que o espetáculo apaga os limites entre o eu e o mundo: reconhecida como uma base epistemológica, a mesma tornou-se a própria sociedade. Neste sentido, nossos achados apontam para a teoria da bi-dimensionalidade mundana de Leão (2007) que trata sobre a sociedade em que, apesar da vida ter sido subsumida ao 147 sistema, a mesma também o redimensiona de forma dinâmica. Nossos dados nos conduziram, por tanto, a possibilidade da não existência de dois mundos e sim de uma bi-dimensionalidade onde essas partes coexistem permeáveis e mundanas. Denominamos de argumentação dialética: bi-dimensionalidade mundana a regra que se refere à organização da polifonia encontrada no campo das formações discursivas, na medida em que o processo conversacional se estabelece sobre um problema determinado e entre parceiros que falam livremente segundo regras explicitamente estabelecidas (PLANTIN, 2008). Observamos que as formas de coexistência se dão por meio do campo de presença, onde estão definidos verdades admitidas, discussões e julgamentos dos discursos encontrados no campo. As vozes desses discursos são pertinentes a domínios de objetos diferentes pertencentes a tipos de discursos diversos, mas que atuam entre os enunciados estudados, formando o campo de concomitância. Entre esses campos, a disputa pelo domínio discursivo se estabelece tanto entre a marca e seus concorrentes, como entre a cultura global e a local, que conflitam pelo choque de interesses. Esse fato compõe um cenário que pode ser avaliado se subdividido nos elementos do esquema básico do método dialético: tese, antítese e síntese. Por tese entendemos as afirmações ou situações dadas pela voz da marca (revelando a ideologia do mundo do sistema, ou ainda, uma postura ideológica que é global) que desencadeia a série de outros discursos em nosso campo compondo a polifonia, bem como pelas realizações ordinárias que se presentificam por meio dela. O confronto aparece em oposição à tese, gerando conflito. Desse conflito nasce a síntese, uma situação nova, que aqui será avaliada. Nas formações discursivas denominadas jogo de memória e funções do marketing, encontramos as afirmações de tese: o uso imperativo da linguagem persuasiva da marca faz parte de um planejamento que utiliza instrumentos e ações efetivas para sua execução e 148 manutenção. Contudo, o sucesso da comunicação ultrapassa a etapa de compreensão e depende do assentimento racional do ouvinte para atingir a validez criticável e reconhecimento do proferimento como verdadeiro. Para isso, a marca utiliza uma linguagem estratégica, que vive parasitariamente do uso normal da linguagem, inserindo o poder no lugar da validez, tirando a linguagem da coordenação da comunicação e tornando-a apenas um instrumento (HABERMAS, 2002). Esse mecanismo é pertinente aos sistemas orientados pelo modelo de mercado e não encarnam mais a decisão ligada aos portadores da mesma, mas a uma razão que habita o interior desses sistemas auto-dirigidos (DEBORD, 1997; HABERMAS, 2002; LEÃO, 2007). Nas formações manipulação e confronto o mundo do sistema oportuniza ao mundo da vida o uso de suas estratégias. A marca constrói e estabelece um valor por meio de uma competência discursiva e os parasitas culturais se apropriam deste valor gerando antítese, ou seja, contrariedade (concorrência) entre proposições. Contudo, no momento em que os participantes assumem para si o mesmo modelo estratégico, geram síntese. Essa identificação demonstra que o mundo da vida desenvolveu uma competência lingüística, códigos especiais e ramificações de linguagem. A formação discursiva divergência cultural demonstra a antítese no momento em que os participantes divulgam suas culturas: o mundo do sistema comunica sua ideologia por meio da força de transformação dos atos ilocucionários da linguagem, e o mundo da vida imprime sua marca por meio destes recursos. Contudo, a formação apresenta também uma síntese quando os participantes buscam o apóio mútuo. O mundo do sistema se apropria de um saber concreto acerca do mundo e produz o agir comunicativo imprimindo no mundo da vida um saber tematizado. O mundo da vida resgata essa prática usando o mundo do sistema para sua afirmação. 149 De forma semelhante às demais formações, em um meio de expressão o mundo da vida se apropria das estratégias do mundo do sistema para demonstrar sua expressão. Neste caso específico, quando nosso foco se estabelece a partir do mundo da vida, identificamos que o mesmo se serve do mundo do sistema para sua comunicação, apresentando uma síntese Como síntese, encontramos também a ideologia que representa a base de um pensamento social pautado pela persuasão que é pertinente aos dois mundos; a simbiose, retratando a associação vantajosa dos mesmos; e o sujeito do projeto e projeto do sujeito, que demonstra que o mundo da vida está comandado pelo mundo do sistema. Dessa forma, a nossa segunda regra geral: argumentação dialética: bi- dimensionalidade mundana, demonstrou que não existem dois mundos separados, mas sim de dois lados permeáveis e inter-dependentes que se constroem de forma mundana. Mundana não apenas no sentido de pertencerem ao mundo, mas no sentido que infere Leão (2007) de se darem ao desfrute da utilização das mesmas estratégias. 150 5 Conclusões Após uma extensa caminhada, nos cabe encerrar com as conclusões a que chegamos nesta investigação. Iniciaremos o desfecho registrando nosso aprendizado diante da difícil tarefa de compreender como a sociedade ocidental contemporânea pode ser conhecida por meio de signos marcários globais. Ao empreendermos essa tarefa, sem dúvida, aprendemos muito, e também mudamos: tal como aconteceu nas interações entre os mundos investigados, ao refletirmos sobre nossa prática como sujeitos em um mundo globalizado, entendemos a soberania do sistema sobre nossas formas de estar nele, mas também tomamos consciência da importância de nosso papel em retro-alimentar esse sistema, seja enquanto cidadão, pesquisador, ou simplesmente como consumidor, nos dando ao desfrute mundano de seus momentâneos encantos. Sabemos que nossa contribuição não esgota o tema, pelo contrário abre novas frentes para que outras abordagens busquem suscitar novas análises, lançando mão de outras contribuições. Sabemos que essa possibilidade é incentivada inclusive pela aplicação do método arqueológico foucaultiano no campo do marketing, fugindo aos métodos analíticos convencionalmente adotados, bem como da própria decisão em adotar a antropologia visual para um estudo que se dá por meio de uma marca. A adoção dos mesmos foi relevante para a compreensão de um campo discursivo complexo, que demonstrou como o poder assumiu um caráter relacional nos contextos cotidianos da sociedade ocidental. 151 Contudo, é hora de voltarmos às questões iniciais que delimitaram e orientaram nosso estudo. Inicialmente levantamos os questionamentos sobre como os artefatos marcários reproduzem a cultura global ocidental; como as marcas globais se estabelecem nas práticas cotidianas locais, e ainda como é possível a relação entre as culturas. Nossa reflexão se dará nessa ordem, para finalmente, esgotarmos as considerações sobre a questão guia e motivadora da investigação, que abordou por meio do registro de imagens as interações mediadas pela marca transnacional no campo discursivo estabelecido entre as culturas: global e local. Em nossa questão inicial buscamos compreender como os artefatos marcários reproduzem a cultura global ocidental. Para desvelar essa questão tomamos por base a compreensão sobre a importância da cultura material na sociedade ocidental, a partir do reconhecimento de que o ocidente vive uma forma social determinada pelo consumo. Por serem excelentes suportes para as experiências imateriais, as marcas se destacaram na condição [pós]moderna de consumo, caracterizada pelo crescente fenômeno de valorização do signo. Com o advento das sociedades ligadas em rede, as marcas se fortaleceram e se tornaram propositoras de projetos de sentido pautados numa comunicação universalista. Produto da cultura de massas, essa comunicação gerou uma exploração econômica e uma dependência cultural entre os mundos do sistema e da vida, aflorando novas formas de poder que atuam como agentes nas culturas. Já nas primeiras relações estabelecidas entre os dados coletados, identificamos que a marca Coca-Cola representa a postura ideológica que constitui a cultura global por meio de uma poderosa comunicação planejada. As funções das descrições enunciativas apontaram principalmente para persuasão e busca de hegemonia, mantida pela linguagem uniforme, reprodução, incitamento, práticas de poder e credibilidade, ou seja, um conjunto de ações que atuam para estabelecer sua identidade e buscam mantê-la compartilhada e vinculada a um projeto maior: um mundo encantado possível apenas na marca (BROWN, 2006). Este mundo 152 que fala em vida, na verdade, constitui-se o mundo ideológico do sistema: Nele toda parceria é uma dupla perfeita e o sabor é sempre o melhor. O “convite” para viver o lado Coca-Cola da vida é o grande mote para os comandos: Combine o que é bom, Pare aqui e beba por aí, Desfrute o refrescante sabor gelado, Presenteie o mundo com seu melhor, Refresque-se aqui, Prove agora. O que fazer quando Você merece este sabor? Na impossibilidade de resistir, a determinação faz com que o indivíduo sem escolha Pule para o lado Coca-Cola da Vida. É dessa maneira persuasiva, generalista e igualitária que os artefatos marcários e seus referentes imagéticos reproduzem a cultura global. Em nossa segunda questão buscamos identificar como marcas globais se estabelecem nas práticas cotidianas locais. Esse questionamento se revelou ainda no momento do cruzamento dos dados que nos trouxe as regras, ou seja, às condições de [co]existência sob as quais se apresentavam as funções e descrições enunciativas. A marca se estabelece por meio de uma transmissão planejada e reforçada por ações de experienciação. Acompanhada de uma linguagem estratégica, recheada de imperativos, uniforme e repetida, a marca comunica valores e formas de interação, explorando o universo particular dos indivíduos e simulando uma proximidade com a cultura nativa. Essa comunicação é pautada na publicidade e na propaganda, que transmite e constrói as interpretações da realidade e do mundo da vida, utilizando o artifício da sedução (DEBORD, 1997; HABERMAS, 2002). Essa linguagem é apreendida e constrói memória no mundo da vida que passa reproduzi-las em suas práticas cotidianas. Na terceira e última questão específica, nossa preocupação voltou-se para compreender como é possível a relação entre a cultura global e a cultura local. Nesse sentido, identificamos que a grande possibilidade está no próprio modelo de sociedade em que a comunicação é capaz de canalizar correntes de informação que dirigem o comportamento social. No modelo, o mundo do sistema traça uma estratégia racional com relação a um fim 153 (gerar negócios) e adota interações dirigidas por meios (estratégias de comunicação e geração de experiências). A marca promoveu eventos como o Corda na Rua, e shows como o CocaCola Zero Festival, propiciando entretenimento e gerando experienciação, promoveu aos participantes vivências em seu mundo. Contudo foi por meio de operações com o distribuidor, que além de persuadir e experienciar, a marca inovou buscando desculpabilizar excesso: a campanha oferece um sanduíche: oito bacons, quatro queijos, quatro carnes, + o sabor de sempre com zero açúcar. A oferta calórica ainda vem acompanhada de Free refill e da proposta: você tem direito de fazer as coisas do jeito que gosta. Essa ação reflete um comportamento bem típico da cultura nativa: se a comida for calórica, pelo menos a bebida é light, numa tentativa de remover a culpa pelo excesso, que lhe deu o nome (desculpabilizar excesso) e que demonstra claramente como se deu a possibilidade relacional entre as culturas. Na comunicação adotada os meios e os fins possuem um caráter reificador de processos sociais também reificados, onde a possibilidade de decisão pertence à razão dos sistemas auto-dirigidos, que determinam uma ordem social. Neste sentido, o campo confirma a teorização de Habermas (2002), que colabora com as demais: Adorno (2002), Britos (1999), Canclini (1998), Castells, 2008, Debord (1997); Jameson (2004), Morin (2007) Ortiz (2008). Enfim, dirigimos nossa reflexão para a questão: Como a sociedade ocidental contemporânea pode ser conhecida por meio de artefatos marcários globais? As questões anteriores já nos apontam a resposta de nossa questão guia. O próprio desenrolar da sociedade ocidental gerou um campo propício para que se estabelecessem as estreitas interações da cultura com o consumo. As relações entre a cultura material e a civilização encontram-se sob o comando das regras do sistema capitalista, que para atingir sua onipotência utiliza-se da argumentação retórica. O sistema retórico constrói um referencial cultural próprio que se estabelece por negociação ou conflito com culturas nativas, 154 constituindo-se uma linguagem probatória e polifônica que alastra seu modelo de pensamento para todas as instâncias de interação, edificando a ordem discursiva pelo dissenso. O intercâmbio entre as culturas se apresentou fortemente em nosso campo discursivo, por meio de relações de agência (tese), conflito (antítese) e síntese. O confronto entre culturas global e local nos indicou que os parceiros desta dialética poderiam ser classificados em mundo do sistema e mundo da vida, desde que esses mundos fossem entendidos como um único sistema (LEÃO, 2007). A possibilidade de conhecermos a sociedade por meio da marca global se dá exatamente pela leitura da síntese gerada no embate das certezas estabelecidas desde sempre e dos vínculos nativos que regulam a pertença dos indivíduos, com a cultura generalista racionalista. Entendemos que os discursos deverão variar com seus contextos. A própria postura epistemológica adotada neste trabalho defende que o texto só pode ser entendido em seu contexto. Contudo, ao selecionarmos uma marca como representante da globalização não tínhamos a expectativa de um discurso único e engessado em todo mundo. O campo nos demonstrou desde o início que os mesmos se adaptam para adquirirem sua própria validez. O que buscamos nesta escolha foi a compreensão da postura ideológica que de fato é global, por meio de dialética estabelecida na prática nativa que, ao conflitar-se culturalmente, adota as mesmas estratégias, impõe suas características culturais próprias e gera uma síntese discursiva, impregnada dessa forma social. Nesse sentido, nossos achados demonstraram que a persuasão é uma prática naturalizada no meio do mundo da vida, e a manipulação se dá em ações parasitárias quando as adaptações populares se apropriam dos mesmos artifícios dos sistemas auto-dirigidos em suas interações. Essas práticas representam o modelo que pode ser estendido da dialética local para compreensão do modelo de sociedade ocidental. 155 Essa questão nos levou a refletir sobre a condição imprescindível para que se dê qualquer intercâmbio: o reconhecimento do proferimento como verdadeiro. Nesse sentido vimos o mundo do sistema se apropriar de elementos da cultura nativa como respaldo para obter sucesso em sua comunicação. A marca utilizou imagens locais como pano de fundo de sua publicidade em apóio a seus atos ilocucionários promovendo o reconhecimento intersubjetivo dos participantes. Por outro lado, o mundo da vida também se apropriou dos signos da marca em seus atos também ilocucionários, admitindo a autoridade do que foi transmitido, ou ainda, demonstrando que a referencia estrangeira foi incorporada. A lógica do modelo da cultura de consumo, bem como o da globalização são processos que já se instauraram nas práticas cotidianas mundanas. A experiência vivenciada entre os mundos por meio deste mecanismo se projetou na linguagem natural. A interação mediada pelo poder se tornou parte da linguagem comum, ou seja, a linguagem comum do nosso campo discursivo foi a linguagem estratégica (HABERMAS, 2002). Nesse sentido, as sínteses, além de apontarem para uso comum das estratégias e linguagens, denunciaram a associação dos dois organismos na busca do autobenefício. Contudo, apesar de adotar as expressões mundo do sistema e mundo da vida de Habermas (2002), nossos dados nos levaram a sínteses que se apresentaram sistêmicas no momento que se tornam tese e induzem o mundo da vida se reconstruir diante do mundo do sistema, renovando-o. Desse modo, a dialética desvelada no campo discursivo amparou sua compreensão na teoria da bi-dimensionalidade mundana proposta por Leão (2007), em sua análise sobre mundos que são permeáveis que co-existem mundanos. Nesse sentido, foi possível identificar desde a utilização das mesmas estratégias, as associações vantajosas entre as partes até as diferenças estéticas imputadas à marca nas disputas por espaço discursivo entre os falantes. 156 A partir do exposto, entendemos que nossa contribuição para o marketing esteja em abordar a cultura de consumo como uma estrutura de relacionamentos, ou seja, abordar o consumo de signos como o da marca Coca-Cola por meio da perspectiva de uma prática cultural relacional. Com a adoção da lente foucaultiana, o discurso pode ser analisado como uma prática social que se estabelece por meio de uma rede discursiva, oferecendo novos horizontes para pesquisa na área. Nesse sentido, a nossa investigação contribui também com o desenvolvimento de um caminho metodológico para a prática do método arqueológico, além da utilização para investigação de um método incomum em Administração: a antropologia visual. Apesar das marcas serem fortemente imagéticas, normalmente os investigadores que tratam desse objeto; utilizam outras perspectivas em seus estudos. Nossos achados nos possibilitaram chamar a atenção sobre a importância que a cultura de consumo conquistou no mundo da vida, demonstrando, por outro lado, a responsabilidade que os estrategistas de marketing assumem ao propor as regras sob as quais o mundo constrói seu modelo de pensamento, e que se desdobram no reflexo dos modelos relacionais mundanos. A chegada ao fim nos possibilitou encontrar nossas respostas e, ao mesmo tempo, nos abrem um leque de novas inquietações sobre o tema. A possibilidade da escolha das bases metodológicas de Foucault como não intenciona encontrar a verdade ou falsidade dos conhecimentos sobre os objetos, se adéqua como método de análise de discursividades locais. Essa condição possibilita investigações multidisciplinares em diferentes saberes das ciências humanas, vinculando essas proposições às teorias organizacionais (SILVEIRA, 2005). Voltamos nossas análises para a busca de revelar as possibilidades do “como”a sociedade se revela pelos seus artefatos marcários utilizando, para tanto, o projeto arqueológico de Foucault. Contudo, existe ainda a possibilidade de investigar o “por que” representado na segunda fase do autor: a genealogia, que trabalha as questões do poder 157 amplamente reveladas no campo. Nesse sentido, essa fase oferece um grande potencial a ser explorado na área da administração, tanto para os estudos organizacionais internos quanto para a impostura da globalização mediada pelas marcas transnacionais. * * * Neste estudo colocamos como limite para a busca de compreensão da civilização ocidental por meio de signos marcários, o fato de avaliarmos os discursos de uma única marca em uma região (principais cidades da Região Metropolitana da cidade de Recife, que denominamos de Sítio Arqueológico). A escolha da marca justificou-se pela sua ampla representatividade na cultura ocidental (a ideologia capitalista representa uma base da sociedade ocidental contemporânea, e a marca foi criada e desenvolvida sob os preceitos desta), tornando-se reconhecidamente no contemporâneo um exemplo de mundialização e sinônimo de globalismo. Contudo esse limite, tal como previsto, não interferiu na qualidade dos resultados obtidos, pois tanto a Coca-Cola como o lócus (Sítio Arqueológico) foram utilizados no papel de estudo de caso descritivo. Como possível limitação, identificamos também no início da caminhada que nossa investigação poderia encontrar dificuldades relativas ao conhecimento dos códigos culturais de representação da marca em diferentes contextos. Para lidar com este aspecto, selecionaremos apenas as representações da Coca-Cola presentes na dialética local, participante, dessa forma, da cultura brasileira, devido à própria condição de imbricamento da pesquisadora, nativa do lugar. Porém, durante o período de realização das pesquisas de campo foram identificados outros desafios que não prevemos, sequer imaginamos. Uma das grandes dificuldades encontradas foi a coleta de imagens em rotas muito extensas que necessitou da presença de 158 mais uma pessoa para, por exemplo, dirigir o carro enquanto identificávamos e registrávamos os signos e momentos pertinentes. O fato de precisarmos registrar imagens em lugares afastados e desprovidos de sinalização e de, em nossa pesquisa, a localização geográfica ser fundamental para as séries discursivas, demonstrou-se também uma grande dificuldade, apesar do mapa ser uma ferramenta indispensável para ida ao campo. Inicialmente o tempo gasto para localização ameaçou inviabilizar o cumprimento da rota na programação do cronograma, pois ainda tínhamos o agravante das imagens necessitarem da claridade do sol para seu registro. Contudo, no momento em que sistematizamos a coleta, optamos por utilizar o GPS interligado à máquina fotográfica, condição que agilizou o processo e simplificou a coleta da pesquisa. Porém, como é passível de acontecer no uso de tecnologia, em alguns momentos de céu nublado, houve falhas de registro do equipamento. Esse fato nos fez procurar posteriormente por números de telefones ou placas de rua nas imagens para conseguirmos, por meio deles, localizar os registros. Todas essas situações desafiadoras nos impulsionaram a reconhecer a necessidade de ser mais tolerante frente ao imprevisível, mas também nos ensinaram a ser mais ágeis na programação de alternativas para o que se mostra de imediato como uma condição possível, mediante a reflexão das vivências e experiências anteriores. Vislumbramos que o nosso estudo pode ser desdobrado em outras possibilidades de investigação, como já comentamos. Por exemplo, a partir dos indícios de força e poder desvelados neste campo discursivo do “saber”, seria muito instigante uma investigação sob a aplicação do projeto genealógico de Foucault. Vemos também que o processo investigativo aqui desenvolvido poderia ser aplicado em questões de análises de discursos organizacionais, possibilitando que uma nova ótica seja aplicada à compreensão dos fenômenos nesta área. 159 Enfim, terminamos a investigação com a certeza de que adquirimos um conhecimento a cerca do objeto de estudo maior do que imaginávamos. O campo nos demonstrou que as questões ideológicas presentes a cerca do poder e força estão naturalizadas nos discursos estabelecidos entre as culturas global e local, sinalizando que os processos da mundialização já se estabeleceram como uma realidade totalmente absorvida no modelo de sociedade ocidental contemporâneo. 160 Referências ACHUTTI, L. E. R. Fotos e Palavras, do Campo aos Livros. Disponível: <httpwww6.ufrgs.brfotoetnografia> Acesso em: 25 jul. 2008 ACHUTTI, L. E. R.; HASSEN, M. N. A. Caderno de Campo Digital : Antropologia em Novas Mídias. 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