Os três trancos da doutora Dilma

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Os três trancos da doutora Dilma
GASPARI, Elio. “Os três trancos da doutora Dilma”. Folha de São Paulo. São
Paulo, 05 de setembro de 2012.
NOS ÚLTIMOS meses, o governo da doutora Dilma tomou três medidas que
podem resultar numa inédita contribuição ao desenvolvimento do capitalismo
brasileiro e ao bem-estar da população.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar fechou o guichê de vendas de 268
planos de saúde de 37 operadoras de medicina privada, a Anatel suspendeu
planos de vendas de três das quatro maiores concessionárias de telefonia
celular e a Agência Nacional de Energia Elétrica interveio em oito distribuidoras
que vendem eletricidade em seis Estados.
Saúde, telefonia e eletricidade são coisas que afetam o cotidiano de todos os
brasileiros. Os problemas das empresas tinham a mesma raiz: vendiam
serviços que não estavam habilitadas para prestar.
As operadoras de medicina privada venderam coberturas que matematicamente
não ficavam de pé, as teles expandiram suas vendas sem investir na
infraestrutura e, em março, as elétricas deviam R$ 5,7 bilhões.
O tranco dado pelo governo nessas empresas é bem-vindo por dois motivos.
Com ele o Estado impede que a infraestrutura das telecomunicações e da
distribuição de energia seja sucateada, reabrindo-se um velho caderno dos
ciclos da privataria nacional.
O concessionário, com o beneplácito do Estado, degrada os serviços, a
população reclama e, aos poucos, ressurge o fantasma da estatização. (No
século passado, a Light foi estatizada a pedido dos seus controladores, com
argumentos técnicos y otras cositas más.) Feita a estatização, a Viúva recupera
parcialmente a empresa, administra-a mal e, quando a economia entra numa
fase de vacas magras, ressurge a bandeira da privatização.
No setor ferroviário, por exemplo, a dança do estatiza-privatiza fez com que a
malha trocasse de dono quatro vezes em um século.
Quando o Estado cumpre seu papel, fiscalizando o cumprimento dos contratos,
as concessionárias de maus serviços sofrem no bolso.
Depois do tranco, as ações das teles punidas caíram na Bolsa e operadoras de
planos de saúde começaram a buscar sócios ou compradores. Concessionária
bem administrada vale muito, mal administrada vale nada.
As iniciativas da Anatel e da Aneel, ainda que tardias e limitadas, terão o efeito
de um freio de arrumação. Elas lidam com empresas cujas obrigações não
podem ser transferidas para a Viúva, pois o Estado não opera teles nem
concorre com as distribuidoras de energia.
No caso dos planos de saúde, o problema é mais complexo, pois uma
operadora pode se organizar vendendo um plano barato (e inviável) sonhando
com a transferência de seus clientes para a rede do SUS.
Apropriando-se da rede pública, vivem no melhor do mundos: o cliente paga,
elas embolsam, e a conta vai para a Viúva, que fica com o tratamento do
freguês. Com isso, as operadoras sérias são punidas num mercado poluído por
concorrentes desleais.
Os três trancos da doutora Dilma ajudam o mercado, protegem a patuleia e
fortalecem o Estado. Falta acrescentar a esse prato um gostinho de jiló, punindo
as ilegalidades que estão na origem dessas malfeitorias. Se os agentes
econômicos começarem a temer agências reguladoras e juízes que comem
beringela crua, o capitalismo brasileiro entrará numa nova fase.
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