Abertura comercial e financeira e o plano Collor - Unifal-MG

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS
JOYCE ARANTES CARVALHO
ABERTURA COMERCIAL E FINANCEIRA E O PLANO COLLOR
(1990-1992): UMA LEITURA COMTEMPORÂNEA
VARGINHA/MG
2016
JOYCE ARANTES CARVALHO
ABERTURA COMERCIAL E FINANCEIRA E O PLANO COLLOR
(1990-1992): UMA LEITURA COMTEMPORÂNEA
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao
Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da
Universidade Federal de Alfenas, como requisito
parcial à obtenção do título de Bacharel em
Ciências
Econômicas
com
Ênfase
em
Controladoria.
Orientador: Michel Deliberali Marson
VARGINHA/MG
2016
JOYCE ARANTES CARVALHO
ABERTURA COMERCIAL E FINANCEIRA E O PLANO COLLOR (19901992)
A Banca examinadora abaixo-assinada, aprova a
monografia apresentada como parte dos
requisitos para obtenção do título de Bacharel em
Ciências Econômicas com Ênfase em
Controladoria da Universidade Federal de
Alfenas.
Aprovada em:
Dr. Michel Deliberali Marson
Universidade Federal de Alfenas
Assinatura:
Dr. Thiago Fontelas Rosado Gambi
Universidade Federal de Alfenas
Assinatura:
Dra. Alinne Alvim Franchini
Universidade Federal de Alfenas
Assinatura:
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 –
Imposto de Importação 1990 – 1995 ................................................................11
Tabela 2 –
Tarifa Efetiva (Média ponderada pelo valor adicionado de livre comércio), por
setor – 1987 – 1993 (em %) ..............................................................................12
Tabela 3 –
Balança Comercial Brasileira e Corrente de Comércio (US$ milhões) ...........16
Tabela 4 –
Resultados acumulados com a privatização 1990/2011 (US$ milhões) ...........18
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 1 – Privatização por participação setorial 1990 – 2011 ..............................................19
Figura 1 – As principais medidas do pacote de Zélia Cardoso de Mello .................................28
Figura 2 – Imposto sobre importação de microcomputadores (em %) ....................................37
Figura 3 - As nações latino-americanas que mais receberam investimentos privados
estrangeiros nos últimos dez anos (em bilhões de dólares) .....................................................41
Figura 4 – Ações e dólar lideram o ranking das aplicações neste ano (1991) .........................41
RESUMO
Esse trabalho busca realizar um exame do processo de abertura econômica com base em
reportagens publicadas por uma revista contemporânea, a Revista Veja Para isso será
apresentado um referencial teórico com o objetivo de sintetizar as políticas econômicas
adotadas durante a abertura econômica, fazendo uma breve análise das políticas protecionistas
do período anterior à abertura e uma análise da abertura comercial e financeira, evidenciando
as políticas de subsídio e tarifas de importação. Na segunda parte do trabalho, serão
apresentadas informações que a Revista Veja publicou na época, com o objetivo de mostrar
com mais detalhes e realismo como foram recebidas as políticas adotadas e como essas
políticas foram retratadas pela mídia. Nessa parte busca-se mostrar detalhes que não são tão
perceptíveis nos trabalhos teóricos. Assim, a pergunta que esse trabalho busca responder é:
como foi relatado o processo de abertura econômica de acordo com a mídia contemporânea?
Através da análise documental de publicações da revista Veja, vimos que a mídia tinha um
forte papel na transmissão de notícias econômicas e políticas. Na maior parte das reportagens
analisadas nesse trabalho, percebemos que havia muita pressão e influência do cenário
internacional para que o Brasil, assim como outros países latino-americanos, iniciasse à
abertura também.
Palavras-Chave: Abertura comercial. Abertura financeira. Revista Veja.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................7
2. REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................................8
2.1 Redução das tarifas de importações .....................................................................................9
2.2 O Governo Collor (1990-1992) ..........................................................................................13
2.3 Plano Nacional de Desestatização (PND) ..........................................................................17
2.4 Abertura Financeira ............................................................................................................19
3. METODOLOGIA ............................................................................................................21
4. ANÁLISE ..........................................................................................................................22
4.1 Contexto pré-plano Collor I ...............................................................................................22
4.2 Plano Collor I .....................................................................................................................23
4.3 Declínio do Plano Collor ....................................................................................................30
4.4 Abertura Comercial ............................................................................................................32
4.5 Abertura Financeira ............................................................................................................38
4.6 Privatizações ......................................................................................................................42
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................45
REFERÊNCIAS .................................................................................................................47
7
1. INTRODUÇÃO
A economia brasileira passou por diversas reestruturações na década de 1990, sendo
que a principal delas foi a abertura econômica, onde houve o início da abertura comercial e a
abertura financeira. Assim, a indústria inserida nesse cenário de abertura, tomou uma
reestruturação na sua produção, sendo necessário aumentar a competitividade, reduzir a
diversificação da produção e adotar programas de qualidade para que seus produtos pudessem
ser considerados. Tratava-se de mudanças necessárias para que as empresas pudessem
competir com produtos estrangeiros.
Esse trabalho tem o objetivo de fazer uma breve análise das políticas protecionistas do
período anterior à abertura, analisar a abertura comercial e financeira, evidenciado as políticas
de subsídio e tarifas de importação e, o mais importante, realizar na segunda parte do trabalho
um exame de notícias de anos anteriores a abertura e no início da abertura economia da
revista Veja, que é uma revista contemporânea.
Para conseguir atingir esses objetivos, será apresentado um referencial teórico sobre as
políticas adotadas antes e no início da abertura econômica. E na análise de materiais da revista
Veja, a maior ênfase será em políticas adotadas durante o governo Collor (1990-1992).
Governo esse que ficou conhecido por adotar efetivamente políticas visando a abertura da
economia brasileira.
Vamos mostrar também que antes de Collor assumir, o governo de Sarney também já
dava os primeiros passos rumo à abertura, porém, esse início só foi ser intensificado quando
Collor assumiu e decidiu fazer um plano econômico que pudesse resolver os problemas
enfrentados na economia brasileira. Entre esses problemas está a hiperinflação. O objetivo
inicial do trabalho não era analisar o bloqueio das aplicações financeiras ou o famoso confisco
na poupança durante o governo Collor. Porém, fez-se necessário já que é importante retratar
que, entre todas as medidas nos planos de Collor, uma das que mais chamou atenção e causou
grande espanto por ser considerada rígida demais, foi o confisco. Portanto, queremos chamar
atenção que diante um plano de estabilização com diversas medidas como a própria abertura
comercial e financeira, reforma patrimonial, reforma administrativa e reforma nas contas
públicas, a mídia mostrava-se mais interessada em mostrar o que era de interesse da maior
parte da população, o confisco.
8
Assim, esperamos que esse estudo, através da pesquisa documental, possa trazer
contribuições no estudo sobre o tema, uma vez que os dados obtidos através do acervo digital
da revista Veja dificilmente seriam perceptíveis de forma simples em estudos acadêmicos,
além disso, mostra como a mídia retratava tal processo.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
A economia brasileira foi marcada por uma intensa reestruturação na política de
comércio exterior nos anos 1990. O período foi caracterizado por um processo de abertura
comercial que teve início no governo Collor e se estendeu até o governo Fernando Henrique
Cardoso. De acordo com Lacerda et al. (2006) essa reestruturação foi denominada por alguns
autores como “modernização conservadora”. A mesma aconteceu devido a fatores como o
esgotamento do modelo de substituição de importações que começava a ser questionado.
Segundo Coronel (2010), esse modelo começou a ser usado no governo de Getúlio Vargas,
caracterizado por uma industrialização fechada que priorizava o mercado interno e dependia
de políticas governamentais para proteger a indústria interna dos concorrentes internacionais.
Além disso, o Consenso de Washington teve um papel determinante nessa reestruturação,
uma vez que provocou aceleração no processo de privatização de empresas estatais e a
abertura econômica. Segundo Luiz Carlos Bresser Pereira (1991), o Consenso de Washington
expunha, entre outras coisas, que as causas da crise latino-americana eram basicamente o
excessivo crescimento do Estado, via protecionismo através do modelo de substituição de
importação, por exemplo, e o populismo econômico por meio de frequentes intervenções do
governo em diversos setores da economia.
No início dos anos de 1980 acreditava-se que a abertura econômica era inevitável e
desde então a liberalização vinha se instituindo como o grande condutor das políticas
econômicas dos países em desenvolvimento. Tudo isso baseando-se no fato de que o livre
comércio pode oferecer desenvolvimento com melhoria da qualidade de vida da população
através do crescimento econômico (LACERDA et al., 2006).
Na América Latina, países como o Chile, México, Venezuela e Argentina promoveram
a abertura econômica na década de 1970. A partir de 1985 começou a ocorrer uma
generalizada abertura comercial nos países latino-americanos e o Brasil, em 1988, começava
então a sua reforma comercial através da exclusão dos controles sobre suas importações e
9
através de uma proposta de redução tarifária, porém a abertura econômica brasileira tornou-se
mais forte a partir de 1990. Segundo Lacerda et al. (2006), fatores como “o esgotamento do
modelo de substituição de importações e a crescente desregulamentação dos mercados
internacionais contribuíram para uma reestruturação da economia brasileira, influenciada pela
redução das tarifas de importação e eliminação de várias barreiras não tarifárias” (LACERDA
et al., 2006, p. 206).
Anterior a abertura econômica, nos anos de 1980, a política de comércio exterior do
Brasil estava profundamente voltada para a obtenção de superávits comerciais, e para isso
continha as importações e incentivava as exportações. Nesse contexto, a contenção de
importações era o principal instrumento para a obtenção dos superávits comerciais. Até o final
dos anos 1980, o Brasil apresentava altas taxas de importação e barreiras não tarifárias, como
por exemplo, as exigências de licenças de importações e cotas, que eram restrições
quantitativas. No entanto, no final dos anos de 1980 houve um certo consenso de que o
modelo deveria ser modificado, uma vez que existia um quadro de instabilidade e recessão e o
descontrole da hiperinflação, que de acordo com Marangoni (2012) chegava a casa de 80% ao
mês.
A abertura econômica resultou em uma grande reestruturação econômica no país. Do
lado do consumidor havia uma maior disponibilidade de bens e serviços além de melhores
preços, porém isso impactava negativamente o nível de emprego. Entretanto, no cenário
internacional houve mudanças. O padrão de industrialização passou a ser condicionado pelas
novas tecnologias, informática e telecomunicações, por exemplo. Ou seja, o país precisava
redefinir sua política industrial para que a mesma pudesse se adaptar as mudanças em curso
na economia mundial e então recuperar o atraso tecnológico.
O próximo tema a ser analisado brevemente é a redução das tarifas de importação,
realizado no governo Collor. Essa redução foi considerada um grande marco no país, uma vez
que a política de comércio exterior adotada anteriormente visava proteger a indústria
brasileira através de barreiras tarifárias e não-tarifárias.
2.1 Redução das tarifas de importações
O período entre 1957 e 1988 foi caracterizado pelo protecionismo atrelado à política
de substituição de importações, especialmente na década de 1970 pela crise do petróleo.
10
Depois, entre 1988 e 1993, foi feito um amplo processo de liberalização comercial no qual
foram extintas as principais barreiras não-tarifárias e reduziram-se gradativamente o nível e o
grau de proteção da indústria local. Entre 1988 e 1989 foram extintos os regimes especiais de
importação, menos os vinculados ao drawback – mecanismo que atua como um incentivo às
exportações, reduzindo os custos de produção de produtos a serem exportados –, ao
desenvolvimento regional, ao incentivo às exportações, ao governo, ao Befiex – que constituía
um programa de concessão especial de benefícios fiscais, quanto a vários tributos, com o
intuito de elevar as exportações de produtos manufaturados –, e a acordos internacionais.
Também foram unificados os vários tributos incidentes sobre as compras externas e foram
reduzidos o nível e a variação do grau de proteção tarifária da indústria local, com a tarifa
média passando de 51,3% para 37,4% de 1988 para 1989 (AVERBUG, 1999).
Houve uma reformulação de estrutura nos anos 1990. As barreiras não tarifárias foram
eliminadas e foi extinto o Anexo C, que era uma lista onde haviam 1.300 produtos com
importação proibida em razão da produção de similar nacional. Entre 1990 e 1994 a proteção
à indústria foi muito reduzida, com a tarifa alfandegária média caindo a um terço da que havia
prevalecido na década anterior (CARNEIRO, 2002).
Para Carneiro (2002) a estratégia por substituição de importações estaria sujeita à
crítica em duas situações: em um cenário onde a estratégia gerou a criação de monopólios ou
quando provocou a criação de um número excessivo de produtores. Ou seja, com o padrão
tecnológico constante tratava-se de internalizar a produção dos bens da melhor maneira
possível desde que o acesso às tecnologias e a escala de produção não a impedissem. O autor
ressalta que sua crítica não é em relação à estratégia, e sim quanto a condução da mesma.
Em 1990, com a nova Política Industrial e de Comércio Exterior, que extinguiu a
maior parte das barreiras não-tarifárias herdadas do período de substituição de importações e
definiu um cronograma de redução das tarifas de importação, pode-se observar as reduções
que se deram gradualmente entre 1990 e 1994, de modo que, no final do período, a tarifa
máxima seria de 40% e a média de 14% (AVERBUG, 1999).
Segundo Averbug (1999), a estrutura de proteção foi definida da seguinte maneira: a)
produtos sem similar nacional, com nítida vantagem comparativa e proteção natural elevada
ou commodities de baixo valor agregado, tiveram alíquota nula; b) alíquota de 5% foi
aplicada a produtos que já possuíam esse nível tarifário em 1990; c) tarifas de 10% e 15%
foram destinadas aos setores intensivos em insumos com tarifa nula; d) a maior parte dos
11
produtos manufaturados recebeu a alíquota de 20%, enquanto as indústrias de química fina,
trigo, massas, toca-discos, videocassete e aparelhos de som teriam 30%; e) os setores
automobilísticos e de informática teriam proteção nominal de 35% e 40%, respectivamente.
Através da Tabela 1 pode-se observar a tendência de diminuição da tarifa média de
importação até o ano de 1995. Esses dados refletiram os avanços no processo de abertura
comercial no país.
Tabela 1 - Imposto de Importação 1990-1995
Imposto de Importação
Ano
1990
1991
1992
1993
1994
1995
Alíquota Média Simples
32,1
25,2
20,8
16,5
14
13,1
Fonte: Baumann et alii (1998) apud Averbug (1999)
Adiante é apresentada a Tabela 2 modificada de Kume, Piani e Souza (2003) que
exibe as tarifas efetivas de importação entre os anos de 1987 e 1993 por setor. Segundo os
autores, além de considerar a tarifa incidente sobre um bem, a tarifa efetiva leva em
consideração as tarifas que, aplicadas sobre seus insumos, aumentam os custos. Ou seja, ela
mede o acréscimo no valor adicionado proporcionado pela estrutura tarifária em relação ao
valor adicionado sem a presença de tarifas (livre-comércio).
Através da Tabela 2 é possível perceber que os setores de automóveis, caminhões e
ônibus, borracha, têxtil, vestuário, beneficiamento de produtos vegetais eram os que possuíam
as maiores tarifas em 1987. Nos anos seguintes, todas essas tarifas decresceram. Podemos
observar essa tendência de queda nas tarifas, entre 1987 e 1993, em praticamente todos os
setores.
12
Tabela 2 - Tarifa Efetiva (Média ponderada pelo valor adicionado de livre-comércio), por
setor – 1987 – 1993 (em %)
Setor
Agropecuária
Extrativa mineral
Extração de petróleo e carvão
Minerais não-metálicos
Siderurgia
Metalurgia dos não-ferrosos
Outros produtos metalúrgicos
Máquinas e tratores
Material elétrico
Equipamentos eletrônicos
Automóveis, caminhões e ônibus
Peças e outros veículos
Madeira e mobiliário
Celulose, papel e gráfica
Borracha
Elementos químicos
Refino do petróleo
Produtos químicos diversos
Farmacêutica e perfumaria
Artigos de plástico
Têxtil
Vestuário
Calçados
Indústria do café
Beneficiamento de produtos vegetais
Abate de animais
Indústria de laticínios
Açúcar
Óleos vegetais
Outros produtos alimentares
Indústrias diversas
Média simples
Média ponderada pelo valor adicionado
Desvio-padrão
Máximo
Mínimo
Fonte: Adaptado Kume, Piani e Souza (2003)
1987
45,8
16,9
8,3
81,7
30,9
34,4
88,4
47,5
88,5
55,4
308,1
73,3
53,1
65,5
122,4
72,7
62,9
12,3
91,7
31,4
123,1
117,2
96,9
73,7
121,6
43,6
74,1
83,8
82,3
118,9
64,8
77,1
67,8
53,8
308,1
8,3
1988
14,8
15
-2,9
46,2
36,3
28
59,2
50,2
61,6
51,2
201,3
43,9
28,9
30,1
58,5
30,9
70
44,9
51,8
72,1
83,9
94,3
39,8
36,2
86
29,6
41,6
24,8
24,1
98,5
64
52,1
46,8
36,6
201,3
-2,9
1989
2,2
4,6
-5,4
39,6
18,6
13,4
47,6
44
55,6
42,5
244,3
45,1
29,1
23
67,1
26,6
42,3
33,9
39,8
49,5
85,7
95,5
38,5
30,2
79,7
20,3
34,8
22,2
19,5
94,2
58,2
46,5
38,8
44,5
244,3
-5,4
1990
3
6,3
-3,4
38,8
15,8
12,8
51
41,5
62,5
44,2
351,1
44,6
29,4
22,6
70,2
25,2
38,5
29,4
35,8
50,7
49,2
67
28,8
30,6
80,6
19,4
35
23,9
20,7
94,5
58,9
47,7
37
60,6
351,1
-3,4
1991
2,7
2,3
-4
22,6
13
9
40,8
31,3
50,6
41,4
198,3
36,3
17
11,1
49,8
18,6
26,8
21,5
23
41,4
50,9
63,1
25,6
20,9
64,1
15,8
29,8
18,8
5,2
82,8
47,3
34,8
28,6
36,5
198,3
-4
1992
2,3
0
-4
13,2
9
6
30,7
22,1
32,1
27,6
93,5
24,9
9,5
8
26
14,6
15,7
14,9
14,8
24,2
31,4
36,6
16,5
15,3
19,1
9,8
22,9
20,6
7,6
36,5
27,9
20,3
17,7
17,2
93,5
-4
1993
1,9
-0,6
-5
12,2
8,4
5,5
23,5
21,7
24,8
23,5
76,5
21,3
9,8
8,2
16,9
12,6
12,7
16,4
13,6
20,2
21,3
23,7
15
12,8
16,1
9,9
21,7
21,3
8
25,3
19,1
16,7
15,2
13,5
76,5
-5
13
2.2 O Governo Collor (1990-1992)
Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente eleito por voto direto após 1964,
assumiu o governo em 1990. Dado o cenário de hiperinflação, chegando a 1.764% em 1989
de acordo com dados do IBGE, Collor declarou que sua principal luta seria contra a inflação.
Ele implementou em seu governo dois planos, o Plano Collor I e II.
O seu primeiro plano ficou conhecido principalmente pelo confisco dos depósitos à
vista e a reforma administrativa, sendo que a última resultou em um grande número de
demissões de funcionários de órgãos públicos. Também foi anunciado o retorno do cruzeiro
como unidade monetária, substituindo o cruzado novo que vigorava desde de 1989. Além
disso, como a situação fiscal do país estava também muito comprometida, Collor adotou um
programa para a redução da dívida interna, de corte nos gastos públicos e de aumento da
receita fiscal. Houve uma grande redução da máquina pública onde os alguns ministérios
foram extintos. Ações como essas permitiram que houvesse um superávit operacional de 1,2%
do PIB em 1990, porém o resultado não manteve-se tão positivo no ano seguinte dado a
precariedade do ajuste (LACERDA et al. 2006).
No final dos anos de 1980 iniciaram-se algumas modificações com o intuito de
diminuir restrições existentes quanto a política de comércio exterior, contudo tais
modificações só ocorreram de fato no Governo Collor. De acordo com Guimarães (1996) a
implementação dessa nova política industrial e de comércio exterior deveria conter as
seguintes estratégias: a) redução progressiva dos níveis de proteção tarifária, eliminação da
distribuição indiscriminada e não transparente de incentivos e subsídios, e fortalecimento dos
mecanismos de defesa da concorrência; b) reestruturação competitiva da indústria por meio de
mecanismos de coordenação, de instrumentos de apoio creditício e de fortalecimento da
infraestrutura tecnológica; c) fortalecimento de segmentos potencialmente competitivos e
desenvolvimento de novos setores, por meio de maior especialização da produção; d)
exposição planejada da indústria à competição internacional, possibilitando maior inserção no
mercado externo, melhoria de qualidade e preço no mercado interno e aumento da competição
em setores oligopolizados; e e) capacitação tecnológica da empresa nacional, por meio de
proteção tarifária seletiva às indústrias de tecnologia de ponta e do apoio à difusão das
inovações nos demais setores.
Ainda de acordo com Guimarães (1996) a PICE – Política Industrial e de Comércio
Exterior- deveria ser realizada com o apoio do Programa de Competitividade Industrial (PCI)
14
e o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP). O primeiro programa era
voltado para o desenvolvimento de setores de tecnologia de ponta e de setores industriais e de
serviços que poderiam alcançar tanto preço como qualidade em padrões internacionais. Já o
segundo baseava-se em subprogramas de suporte, como por exemplo, desenvolvimento e
difusão de métodos modernos de gestão empresarial e adequação da infraestrutura de serviços
tecnológicos e de articulação institucional.
Além desses programas, o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) criou o
modelo de desenvolvimento chamado “integração competitiva”. Com esse modelo, as novas
linhas de financiamento seriam direcionadas às indústrias que mostrassem resultados
competitivos (LACERDA et al. 2006). Ou seja, a destinação desses recursos tinha como
objetivo aumentar a competitividade e a produtividade industrial, ampliar e modernizar os
investimentos em infraestrutura, firmar parceria com a iniciativa privada e redefinir o papel
do Estado.
De acordo com Carneiro (2002) haveria uma substituição de políticas de demanda por
políticas de oferta, sintetizada na ampliação da concorrência. Haveria uma queda das tarifas e
a eliminação da proteção não tarifária, e assim seria possível a entrada de novos produtos no
mercado até então protegido, resultando em uma ampliação da concorrência. Portanto, o novo
modelo de crescimento seria uma opção radical ao desenvolvimento a partir do momento em
que definia a concorrência como fator indispensável nesse processo.
Outra ação muito importante nesse plano foi a liberalização do câmbio e diversas
medidas para promover gradualmente a abertura econômica brasileira. Foi no governo de
Collor que foram dados os primeiros passos para a abertura e até mesmo para as
privatizações, que foram intensificadas no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Mesmo não sendo parte do processo de abertura econômica, a valorização do câmbio
deve ser levada em conta como um fator importante nesse processo, já que sua duração foi
significante. A apreciação do câmbio, além de baratear as importações, teve efeito direto
sobre a competitividade das exportações. Logo, o regime de câmbio fixo e a sua valorização,
juntamente com a abertura, resultou em um importante determinante de mudanças na estrutura
produtiva e inserção externa no país (CARNEIRO, 2002).
Com o fracasso do Plano Collor I, adotou-se um segundo Plano já que a inflação
voltava a acelerar novamente. Esse segundo plano foi adotado nove meses após o primeiro e
15
foi caracterizado pelo congelamento de preços e salários, medidas de contração fiscal e
monetárias e unificação das datas-bases para os reajustes salariais.
Foi com esses dois planos durante os anos de 1990 até 1992 que fez com que esse
período ficasse marcado por forte recessão, apresentando uma queda de quase 10% no PIB, já
que a realidade era um alto nível de desemprego e a queda dos salários reais. O plano
conseguiu conter a inflação somente durante seu início, pois em maio de 1991 a inflação já
voltava a crescer e assim o plano não consegue atingir um de seus principais objetivos.
Na depressão de 1989-1992, a indústria, inserida em um cenário de abertura
comercial, adotou uma reestruturação da produção. Esse ajuste consistiu em: concentrar as
linhas de produtos competitivos; reduzir a diversificação da produção; implementar
programas de qualidade e produtividade e terceirizar as atividades. Ou seja, o foco foi ampliar
os processos de produção para que fosse possível adaptar-se ao novo cenário de abertura.
Porém as empresas apresentavam algumas deficiências como, por exemplo, baixa
flexibilidade na produção, lentidão de resposta às alterações da demanda e falhas de qualidade
e desempenho dos produtos. Além disso, a indústria teve que lidar com um número
significativo de demissões. Todos esses problemas contribuíram para a reduzida capacidade
competitiva das indústrias, levando em consideração o seu atraso para dar conta de demanda
por novos produtos, sofisticação, qualidade e a diversidade dos bens (LACERDA et al. 2006).
Um fato que marcou a década de 1990 foi que as exportações não acompanharam o
aumento das importações. O coeficiente de importação foi de 5,7% em 1990 para 20,3% em
1998. Já o coeficiente de exportações foi de 8% em 1990 para 14,8% em 1998 (CARNEIRO,
2002). Através de dados do Ministério da Fazenda, na Tabela 3, é possível ver o saldo da
balança comercial pré-abertura e pós abertura comercial.
Nota-se que o Brasil passou a operar com déficit na balança comercial a partir de
1995. Esse déficit comercial estrutural trata-se de um resultado da reestruturação produtiva
induzida pela abertura com a apreciação cambial. Segundo Carneiro (2002) os setores
deficitários estavam concentrados nos segmentos de maior elasticidade de renda da demanda,
acontecendo o oposto com os superavitários. Quanto as exportações, Carneiro (2002) através
de dados do Banco Central do Brasil, diz que o crescimento ficou próximo da média mundial,
porém bem inferior dos demais países em desenvolvimento. Já as importações cresceram o
dobro da taxa mundial. Dessa forma a década de 1990 fica marcada pela transição de
superávit para déficit na balança comercial.
16
Tabela 3 - Balança Comercial Brasileira e Corrente de Comércio. US$ milhões, (1989-1998):
Ano
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
Exportação
34.383
31.414
31.620
35.793
38.555
43.545
46.506
47.747
52.994
51.140
Importação
18.263
20.661
21.041
20.554
25.256
33.079
49.972
53.346
59.749
57.730
Saldo
16.120
10.753
10.579
15.239
13.299
10.466
-3.466
-5.599
-6.755
-6.590
Fonte: Elaboração própria através de dados do Ministério da Fazenda
Com isso, o desempenho da economia brasileira na década de 1990 foi caracterizado
como insatisfatório, dado que a taxa de crescimento do PIB foi em torno de 2,7% a.a., porém
do ponto de vista da indústria houve certos avanços como a modernização e o aumento da
produtividade. Além disso, por conta do progresso tecnológico e a valorização do câmbio, a
aquisição de máquinas e equipamentos foi crescente, já que estavam mais baratos com esse
novo cenário.
Já em relação aos investimentos na indústria, percebe-se que o investimento
concentrou-se em alguns ramos específicos. Esses segmentos industriais onde os
investimentos aumentaram acima da média histórica pode ser explicado pelo aumento maior
do que o normal da demanda doméstica após a estabilização. O setor de material de transporte
foi o que teve sua participação na taxa de investimento mais ampliada. No mesmo faziam
parte: a montagem de aviões e o setor automobilístico (de veículos leves e pesados). Na
indústria automobilística, a abertura possibilitou a entrada de outros produtores do oligopólio
global, o que resultou no aumentou da concorrência interna e o investimento. Vale ressaltar
que o setor automobilístico foi um dos únicos que conseguiram um aumento da proteção
tarifária. Já no setor de veículos pesados houve uma estagnação da produção doméstica e das
exportações, o que foi explicado pelo pequeno crescimento do mercado doméstico e das
economias regionais para quais exportavam. Ou seja, o aumento do investimento do setor
automotivo concentrou-se mais precisamente nas montadoras. Outro setor que ganhou mais
investimento foi o de material elétrico e eletrônico, destacando-se os seguimentos de
utilidades domésticas eletrônicas. A metalúrgica/siderurgia também recebeu um significativo
17
estímulo da demanda vinda por chapas de aço para produzir bens duráveis. E por fim o setor
de plásticos teve uma ampliação expressiva dos investimentos após a abertura comercial
(CARNEIRO, 2002).
Outro ponto importante da abertura que vale ser destacado é a terceirização. Com ela
admite-se que as empresas transferissem atividades, antes supridas por elas mesmas, para
outras empresas. Com isso as companhias começaram a excluir atividades secundárias e
mantiveram somente suas atividades básicas. Serviços que antes eram fornecidos
internamente passaram a serem adquiridos através de outras empresas especializadas.
Com a renúncia através do impedimento de Fernando Collor, o seu então vice, Itamar
Franco, foi quem assumiu a presidência e teve como seu ministro da fazenda Fernando
Henrique Cardoso, que mais tarde seria o próximo presidente. Foi em seu governo que
iniciou-se a maior intensificação do processo de abertura econômica e financeira. De acordo
com Lacerda et al. (2006) as bases da nova política estavam direcionadas na competitividade
e objetivo principal dessa política era aumentar a eficiência na produção e na comercialização
de bens e serviços através da modernização e reestruturação da indústria.
2.3 Plano Nacional de Desestatização (PND)
Entre tantos pontos importantes no processo de abertura econômica, a desestatização é
um dos que mais se destacam por ser um tema polêmico até os dias de hoje. Segundo Mello
(2000) a reforma das empresas estatais tornou-se parte integrante de grande parte dos
programas de estabilização macroeconômica implementado em todo o mundo e para isso
utilizou-se instrumentos como a privatização e a redução da força de trabalho. Para isso foi
criado o Programa Nacional de Desestatização em 1990 que seria gerenciado pelo BNDES,
através da Lei nº 8.031 de 12 de abril de 1990. De acordo com Lacerda et al. (2006) um dos
focos desse programa era evitar que o governo ampliasse sua presença no setor produtivo.
Inicialmente sessenta e oito empresas foram incluídas no PND, e com o tempo outras
companhias foram incluídas.
No período posterior à criação do PND já foi possível observar resultados
consideráveis. Segundo Baer (2009) entre outubro de 1991 a janeiro de 2005 foram vendidas
mais de duzentas empresas estatais que juntas totalizavam o montante de US$87,8 bilhões.
Fora isso, US$18 bilhões em dívidas foram transferidas para o setor privado. Na primeira
18
etapa da desestatização, entre 1991 e 1995, a receita adquirida foi menor já que nesse período
a privatização restringiu-se a empresas manufatureiras. A partir de 1995 a privatização foi
ampliada e chegou nos setores de serviços públicos, com isso as receitas cresceram uma vez
que quase 70% da receita gerada pelas privatizações vieram dos setores de telecomunicações
e energia. Nesse segundo período das privatizações os Estados também passaram a participar
e os resultados foram expressivos já que englobavam empresas como a Companhia de
Eletricidade de Minas Gerais (Cemig), Companhia de Eletricidade do Rio de Janeiro (CERJ)
e a Companhia Estadual de Gás do Rio de Janeiro (CEG), por exemplo. Além disso, houve
também a privatização de serviços públicos que consistiu em contratos de concessão de longo
prazo à iniciativa privada. Essas concessões incluíam os setores de eletricidade, áreas de
transportes e telecomunicações.
Para a privatização do setor de Telecomunicações a Lei 9.472/97 foi fundamental. A
mesma autorizava a privatização do Sistema Telebrás e criava o órgão regulatório desse setor,
a Anatel. Foi a partir dessa lei que iniciou-se o processo de privatização no setor.
A Tabela 4 abaixo apresenta dados atualizados em 2011 pelo BNDES sobre resultados
acumulados com a privatização de 1990 até 2011.
Tabela 4 - Resultados acumulados com a privatização 1990/2011 (US$ milhões)
Programa
Receita de Venda/
Valor da Outorga
Dívidas
Transferidas
Resultado Total
Resultado
Total %
Desestatizações
federais
59.980,50
11.326,40
71.306,60
67,27%
Empresas de
Telecomunicações
29.049,50
2.125,00
31.174,50
29,41%
Privatizações
30.824,20
9.201,40
40.025,60
37,76%
Concessões
106,5
-
106,5
0,10%
Privatizações
estaduais
27.948,80
6.750,20
34.699,00
32,73%
Total
87.929,30
18.076,60
106.005,60
100,00%
Fonte: Adaptado BNDES (2011)
Quanto a participação setorial no processo de privatização, o Gráfico 1 mostra que o
setor com maior participação foi o de Telecomunicações com 32% seguido do setor de
energia elétrica com 30%.
19
Gráfico 1 - Privatização por Participação Setorial 1990-2011
Fonte: BNDES (2011)
Segundo Carneiro (2002) do ponto de vista do setor produtivo, as dimensões do
processo de liberalização com maior impacto foram a abertura comercial e a
desnacionalização da propriedade. Mudanças como essas constituem parte importante de um
paradigma de crescimento alternativo ao desenvolvimento. Os pilares desse desenvolvimento
eram a industrialização por substituição de importações e a intervenção do Estado, tendo um
setor produtivo estatal concentrado nas indústrias de base e na infraestrutura.
2.4 Abertura Financeira
Como parte de um processo de globalização financeira, países subdesenvolvidos
enfrentaram a partir da metade dos anos 1980 uma pressão para a liberalização de seus
sistemas financeiros domésticos e para a adesão ao princípio de livre mobilidade dos capitais.
A abertura externa dos sistemas financeiros implicaria na eliminação de barreiras ao ingresso
de investimentos estrangeiros de portfólio quanto à entrada de instituições financeiras
estrangeiras mediante a aquisição do controle acionário de instituições locais e/ou instalação
de subsidiárias. A mesma começou nos anos 1980 e resultou da ação de organizações
multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, que diziam que essa
abertura contribuiria para fortalecimento dos sistemas financeiros domésticos, tornando-os
menos sujeitos a crises, e para dinamizar e aprofundar os mercados financeiros (FREITAS e
PRATES, 2001).
20
Nesse mesmo sentido Painceira e Carcanholo (2002) descrevem a abertura financeira
da seguinte forma:
“A abertura financeira enquadra-se dentro das reformas estruturais que
compõem a concepção hegemônica de desenvolvimento, em voga nas duas
últimas décadas. Pode-se entender essa abertura como o aumento da
facilidade com que os residentes de um país podem adquirir ativos e passivos
denominados em moeda estrangeira e os não-residentes podem operar nos
mercados financeiros domésticos”. (PAINCEIRA, CARCANHOLO, 2002,
p.2)
A década de 1990 pode ser caracterizada, para os países latino-americanos, como um
momento em que os mesmos voltaram a ter acesso ao circuito financeiro internacional,
revertendo a restrição de liquidez e de financiamento externo que caracterizou a década de
1980. Um dos fatores que fez com que houvesse esse retorno de financiamento das contas
externas dos países da América Latina foi a globalização financeira e a reestruturação da
dívida externa desses países (PAINCEIRA e CARCANHOLO, 2002).
Entretanto, um aspecto relevante na economia brasileira nesse período foi o crescente
aumento da vulnerabilidade externa, que tornaria a economia muito apta às mudanças do
cenário internacional. Além disso, o país continuaria sujeito a uma ameaça constante de
contração da oferta de capitais externos voluntários (FREITAS e PRATES, 2001; LACERDA
et al., 2006).
Muitas foram as motivações para a abertura financeira, mas em geral para Painceira e
Carcanholo (2002) o que a justifica é a mobilidade de capitais, já que aprimoraria a
intermediação financeira global entre os poupadores e investidores de modo que fosse
possível permitir o encaminhamento da poupança externa para países com carência de capital.
Nos anos 1990 já houve mudanças no marco regulatório, tendo como objetivo adaptar
a legislação brasileira à nova realidade dos mercados centrais marcados pelo predomínio de
operações securitizadas e flexibilizar a entrada e saída de capitais. Com essa flexibilização
houve mudanças ao investimento direto estrangeiro significativas. Entre elas, em 1994, por
meio de emenda constitucional, empresas estrangeiras foram equiparadas às empresas
nacionais, permitindo o acesso ao sistema de credito público e a incentivo fiscais
(CARNEIRO, 2002).
Em geral, a liberalização financeira tornou acessível o capital externo, permitindo a
renegociação das dívidas externas no início da década de 1990. Entretanto, a característica
desse processo implicou uma deterioração nas contas externas, pois tanto o estoque de dívida
21
externa quanto o fluxo de pagamento de seu serviço e a necessidade de financiamento externo
aumentaram sensivelmente. É importante ressaltar ainda o fato dos momentos de crise
demonstrarem com maior nitidez a lógica do fluxo de capital externo, já que as variáveis
determinantes deste fluxo são afetadas com intensidade nestes momentos (PAINCEIRA e
CARCANHOLO, 2002).
3. METODOLOGIA
A presente pesquisa é de natureza qualitativa e utiliza como métodos a revisão
bibliográfica e a pesquisa documental. A primeira parte deste trabalho descreveu brevemente
o processo de abertura econômica no país através da revisão bibliográfica, com o intuito de
apresentar um panorama geral das políticas econômicas que foram adotadas.
Já a segunda parte da pesquisa consiste na busca de reportagens publicadas antes e
durante a abertura econômica pela Revista Veja. Para isso utilizou-se o acervo digital da
revista para ter acesso a essas reportagens. Dessa forma, a segunda etapa do trabalho é
caracterizada como pesquisa documental seguida da análise do conteúdo desses documentos.
Na pesquisa documental a investigação concentra-se em dados obtidos a partir de documentos
que registram fatos e/ou acontecimentos de uma determinada época. Segundo Oliveira (2007)
citado por Sá-Silva et al. (2009), a pesquisa documental é caracterizada pela busca de
informações em documentos que ainda não receberam nenhum tratamento cientifico como,
por exemplo, relatórios, reportagens de jornais, revistas, filmes, etc.
As reportagens analisadas partem de 1988 até o ano de 1992. Para filtrar as
reportagens relevantes para esse estudo foi preciso utilizar a pesquisa avançada do acervo
digital e usar palavras-chaves para filtrar as reportagens. Para cada momento da pesquisa
foram utilizadas palavras-chaves distintas. Palavras como “plano Collor”, “abertura
econômica”, “abertura comercial”, “capital estrangeiro” são alguns exemplos de palavraschaves que foram usadas. Porém, quando foram utilizados termos econômicos técnicos, não
foi possível conseguir muitos resultados, uma vez que a revista utilizava termos mais comuns.
Embora a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental sejam parecidas em alguns
aspectos, vale ressaltar que as mesmas possuem diferenças importantes. Segundo Sá-Silva et
al. (2009), “o elemento diferenciador está na natureza das fontes: a pesquisa bibliográfica
remete para as contribuições de diferentes autores sobre o tema, atentando para as fontes
22
secundárias, enquanto a pesquisa documental recorre a materiais que ainda não receberam
tratamento analítico, ou seja, as fontes primárias”.
Dessa forma, a pesquisa documental apresenta-se de uma forma que pode se revestir
de um caráter inovador, trazendo importantes contribuições no estudo de alguns temas. Fora
isso, os documentos normalmente são considerados importantes fontes de dados para outros
tipos de estudos qualitativos, merecendo assim atenção especial (GODOY, 1995).
Por fim, será realizada uma análise das reportagens selecionadas da Revista Veja,
utilizando como método a análise documental. De acordo com Sá-Silva et al. (2009) esse
método propõe produzir ou reelaborar conhecimentos e criar novas maneiras de compreender
os fenômenos. O investigador deve interpretar os fatos e sintetizar as informações.
4. ANÁLISE
A partir de agora serão apresentadas informações retiradas, em sua maior parte, do
acerto digital da Revista Veja, onde serão retratadas análises da revista sobre as medidas do
Plano Collor e outras políticas econômicas adotadas que fizeram com que a abertura
econômica se desdobrasse.
4.1 Contexto pré-plano Collor I
Antes de falarmos do ano de 1990 e de como foram implementados os planos
econômicos, vamos descrever como estava o cenário político e econômico em 1989. Ano de
eleições presidenciais, de um total de vinte e dois candidatos à presidência, haviam dois que
mais se destacaram: Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello. Vamos dar
atenção a esse último.
Ex-governador do estado de Alagoas, representante do Partido da Reconstrução
Nacional (PRN), novo na época e com poucos representantes na bancada do Congresso
Nacional, Collor era a nova aposta. Segundo a revista Veja (17 de maio de 1989, p. 34,35),
faltando seis meses para as eleições presidenciais, Collor estava na frente com 32% das
intenções de voto, de acordo com dados do Ibope. A revista não citou a intenção de votos do
segundo candidato.
23
Em uma conversa que Collor teve com o chefe da filial da Veja em Brasília, Eduardo
Oinegue, ele comentou o que faria se chegasse ao Planalto. As suas principais ideias eram as
seguintes: i) acabar com o Serviço Nacional de Informações, alegando que precisaria de
informações sérias; ii) quanto a um futuro ministério, Dorothea Werneck, Mário Henrique
Simonsen e José Serra poderiam fazer parte da sua lista de ministeriáveis; iii) seu sistema de
governo seria em trabalho conjunto com os congressistas, afim de implantar o
parlamentarismo no plebiscito de 1993; iv) em relação a dívida externa, sua ideia era a de o
governo retirar o aval dos empréstimos internacionais, e assim cada Estado e empresa
brasileira deveria ser responsável em conseguir dinheiro fora e pagá-lo; v) para ele a reserva
de mercado era um privilégio incompatível com o capitalismo e declarou-se favorável à
competição; vi) poder abrir o mercado de automóveis para os japoneses; vii) quanto as greves,
iria propor uma trégua, argumentando que em um ano e meio teria conseguido levar a inflação
a 3% ao mês (VEJA, 17 de maio de 1989, p. 36, 37).
Entre os que já tocavam o gabinete de Collor em 1989, estava Zélia Cardoso de Mello,
filiada ao PMDB e professora de Economia na Universidade de São Paulo. Antes Zélia
participou da equipe do Plano Cruzado e posteriormente teve a função de preparar o programa
de governo de Collor na área econômica. De acordo com a Veja (17 de maio de 1989, p. 39),
ela pretendia reduzir o número de ministérios.
Podemos perceber já em 1989 que Collor e sua equipe planejavam como seria seu
plano de governo, caso eleito. Mostrava também ser um candidato que defendia práticas
liberais e que faria grandes reformas.
Alguns dias antes da posse de Collor era de conhecimento que a economia brasileira
estava em uma situação delicada. Existia um caos que foi causado pelo estouro inflacionário,
pelas remarcações de preços e pela destruição da moeda, medidas que só poderiam ser
contidas com duras mudanças e muitos sacrifícios. Esse momento chegou em uma sexta-feira,
no dia 16 de março de 1990, quando foi anunciado o Plano Collor I, um dia após sua posse.
4.2 Plano Collor I
Antes de sua posse, o presidente Fernando Collor informou que só tinha uma “bala na
agulha” para disparar contra a inflação e, portanto, não poderia errar. Depois de menos que 24
horas de subir a rampa do Planalto, Fernando Collor fez o seu anúncio. Nunca tinha sido visto
24
um pacote tão ambicioso em suas finalidades, tão drástico em suas medidas e tão doloroso, de
imediato, no bolso de quem possuía algum dinheiro no banco (VEJA, 21 de março de 1990, p.
58).
Collor lançou seu pacote. Algumas das medidas provisórias enviadas pelo presidente
ao Congresso foram consideradas exageradas. O confisco começou no over – que era um tipo
de aplicação financeira, considerada segura, onde as pessoas emprestavam dinheiro aos
bancos com o prazo de 24 horas, para se protegerem da inflação –, passou pelas cadernetas de
poupança e terminou nas contas correntes. Quando essas medidas se abatem sobre indivíduos,
elas são injustas. Elas penalizaram pessoas que lutaram muito para ter uma poupança. Pessoas
que colocaram dinheiro no over como uma proteção legitima contra a corrosão inflacionária.
E isso nada tinha a ver com especulação financeira. Eram pessoas que consideravam certo o
fato da conta corrente ser propriedade privada, e, dessa forma inviolável à intervenção do
governo (VEJA, 21 de março de 1990, p. 54).
Entretanto, sob uma outra perspectiva, a revista disse que no plano social essas
medidas específicas atingiram mais aqueles que Collor havia escolhido como seus alvos
durante e depois da campanha: as elites. Essas medidas não mexeriam com a vida daqueles
que estão fora do over, da poupança e até das contas bancárias – a maioria dos brasileiros.
Porém, não havia garantia alguma de que, por atingir quem tem alguma poupança, o plano de
Collor desse certo. Se o plano funcionasse, estabilizando a moeda e fazendo a economia
crescer novamente a médio prazo, o sacrifício seria válido. As perdas seriam desculpadas e
esquecidas, desde que dessem origem a uma melhoria sensível nas condições de vida dos
brasileiros e do progresso do país (VEJA, 21 de março de 1990, p. 54).
De acordo com Carvalho (2006), o bloqueio da liquidez dos haveres financeiros em
março de 1990 não foi uma medida improvisada. A proposta estaria muito ligada ao debate
econômico dos anos anteriores, às voltas com a persistência da inflação alta e com a
frustração das sucessivas políticas de estabilização. Tal medida teria sido muito influenciada
por uma proposta discutida pela assessoria do candidato Ulysses Guimarães no primeiro turno
das eleições presidenciais. Com o não avanço da campanha de Ulysses, a proposta foi levada
para a assessoria de Luís Inácio Lula da Silva do PT e obteve grande apoio. Depois chegou à
equipe de Zélia, já no segundo turno, quando foram incorporados novos nomes à equipe, em
17 de dezembro. Com esses novos integrantes, os economistas de Collor foram convencidos
de que as demais alternativas de estabilização eram inviáveis ou arriscadas, e por isso,
adotaram a proposta do bloqueio.
25
O programa de Collor, anunciado em março de 1990, foi nomeado como Plano Brasil
Novo, porém quase nunca se referiam ao plano com esse nome. Plano Collor foi o que
utilizou-se, mas na maioria das vezes, referia-se apenas ao bloqueio das aplicações
financeiras. As referências ao plano, de forma geral, não incluem as diversas iniciativas como
a política cambial, reforma do Estado e finanças públicas, por exemplo. Ou seja, são medidas
que são associadas ao Plano Collor e não ao programa de estabilização. Entretanto, esse foco
da análise do Plano Collor no bloqueio não é um erro, pois o elemento central e o que
distinguia esse plano dos outros programas de estabilização era o bloqueio da liquidez dos
haveres financeiros (CARVALHO, 2006).
De acordo com relatos dos integrantes da equipe de Collor, até novembro a equipe
trabalhava com propostas gradualistas, com a prefixação de preços e negociações com
diferentes setores sociais. Já no começo de dezembro, durante o segundo turno, levantou-se
questões como não se fazer nada ou aplicar um imposto extraordinário sobre o estoque de
haveres financeiros e criar um IOF punitivo. Porém, na segunda metade de dezembro, os
membros do grupo convenceram-se da necessidade de bloquear a liquidez das aplicações
financeiras e ficaram aliviados, pois era consenso entre todos que isso deveria ser feito.
Assim, a equipe discutiu a proposta e no início de janeiro apresentou um esboço ao presidente
Collor, que insistia que a luta contra a inflação fosse apresentada como um embate dramático
e decisivo (CARVALHO, 2006).
O pacote de Collor, muito detalhado e complexo, marcava uma linha divisória na
paisagem social do país – e sua marca era a quantia de 50.000 cruzados novos, que pela taxa
de câmbio oficial de 13/3/1990, US$ 1.300,00; pela taxa do câmbio paralelo, US$ 610,00 em
13/3, US$ 1.110,00 em 19/3 e US$ 770,00 em 30/3, segundo Carvalho (2006). Quem possuía
um valor menor do que esse guardado no banco ficou livre da parte mais chocante das
mudanças na economia: o confisco de todos os valores superiores a 50.000 cruzados novos
depositadas nas cadernetas de poupança e nas contas correntes e de 80% das aplicações no
over e demais produtos financeiros. Quem tinha um valor acima desse foi obrigado a pagar a
conta, por meio dessa operação de captura de dinheiro pertencente ao público já promovida na
história das relações econômicas no Brasil. Todo esse dinheiro seria transformado em papel e
colocado sob os cuidados do governo, que na época prometeu devolver tudo de maneira
correta, com juros de 6% ao ano mais correção monetária, depois do período de dezoito meses
(VEJA, 21 de março de 1990, p. 58).
26
Esse plano foi considerado amargo para grande parte da sociedade. Pessoas que
aplicaram suas economias em ativos financeiros, por ser a única forma de não verem suas
reservas desaparecerem; pessoas que guardavam dinheiro de forma segura, até então, que era
na poupança e pessoas que tinham dinheiro em conta corrente, que não era uma questão de
investimento e sim de segurança. Assim, esse plano gerou uma crise de confiança que têm
reflexos até os dias de hoje em pessoas que viveram esse plano. Algo que antes era
considerado seguro e confiável foi rompido. Ao confiscar o dinheiro da conta corrente, Collor
interviu na propriedade privada de uma forma até então nunca vista, o que levou as pessoas a
pensarem que nada estava fora do alcance do governo.
Segundo a revista Veja (21 de março de 1990, p. 59) haveria, entretanto, uma outra
questão nesse país dos + 50.000 cruzados novos e dos – 50.000 cruzados novos. É que a
parcela maior do sacrifício, ao menos em sua fase inicial, não foi para no bolso dos que estão
no andar de baixo. Tanto na montagem de seu plano como na decisão de ir adiante com ele,
Collor e sua equipe, obviamente, não foram se aconselhar com banqueiros, empresários e
profissionais bem-sucedidos. Caso tivessem perguntado a eles o que achavam, certamente
teriam ouvido, e com argumentos solidamente racionais, que a maioria das medidas dolorosas
deveria ser arquivada. Assim, de forma inédita, acionou-se um programa econômico sem a
aprovação prévia daqueles que a equipe de Collor considerava “os mesmos de sempre”.
As pessoas que há muito tempo clamavam por medidas a serem tomadas na economia
ficaram muitos surpresas quando elas foram tomadas por Collor e Zélia Cardoso de Mello. O
projeto de Zélia não era exatamente o que todos aguardavam. Ele foi considerado duro demais
e espantoso, quando comparado com outros planos econômicos que o Brasil já tivera. Porém,
por esse plano de estabilização da economia ter tido esse caráter severo, exigindo medidas
duras do governo e da população, ele dava a entender de que iria vencer a inflação, que
ultrapassava 80% ao mês.
Após a divulgação do plano de estabilização da economia, vivia-se num país guiado
por duas moedas, o cruzado novo e o cruzeiro, que voltou quatro anos após ter sido
substituído pelo cruzado em 1986.
Segundo o ex-ministro da época Mário Henrique Simonse, o pacote era fortíssimo e o
mais pesado aplicado na América Latina. Para ele, as chances de que a inflação caísse eram
grandes e essa reforma poderia reduzir a inflação a zero, através desse plano arquitetado
durante meses pela equipe econômica. Alguns dos objetivos do plano eram extinguir órgãos
27
públicos e cargos na hierarquia do funcionalismo, aumentar a carga tributária, acabar com
incentivos e retirar o dinheiro que circulava no mercado através do confisco temporário sobre
o overnight, a caderneta de poupança e as contas correntes. Com isso, o governo poderia tirar
de circulação uma quantia de moeda igual a 15% do PIB, algo como 57 bilhões de dólares.
Segundo Abrahim Eris, um dos autores do plano, essas medidas poderiam dar um fim na
inflação (VEJA, 21 de março de 1990, p. 60, 61).
O intuito de Zélia e sua equipe era retirar o dinheiro do mercado para poder criar uma
moeda forte. E para isso também pretendiam controlar o máximo possível as emissões de
moeda.
Esse plano todo poderia resultar em fracasso, mas pelo menos na largada o plano
econômico impressionou bem alguns observadores bem situados para examinar sua
composição arquitetônica. Por exemplo, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, secretário de
Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo e um dos criadores do Plano Cruzado, declarou
que o programa fazia sentido sob o ponto de vista técnico. Apesar de se opor ao governo de
Collor, Belluzzo foi um dos economistas da primeira divisão a reagir positivamente, desde o
momento inicial, ao choque de 16 de março de 1990. Ele admitia que eram medidas
exageradas e que seria melhor se não fossem tão agressivas, porém observou que a situação
da economia do país exigia medidas radicais diante da decomposição da moeda atual até
então (VEJA, 21 de março de 1990, p. 62).
Já segundo Antônio Delfim Netto, deputado na época, o caminho escolhido era sem
volta. Para ele, Collor deveria acreditar muito no sucesso do combate do déficit público, uma
das principais causas da inflação, pois havia praticamente destruído a grande fonte de
financiamento do déficit – o overnight. Para Delfim Netto, depois que se toma o dinheiro dos
aplicadores, com a promessa de devolver-lhes essa soma após um ano e meio, dificilmente
seria possível conseguir que esses aplicadores voltassem a emprestar dinheiro ao governo
(VEJA, 21 de março de 1990, p. 62).
Um dos motivos pelo qual o plano causou tanta perturbação nos brasileiros foi o fato
de ele ser muito complexo, principalmente para pessoas que não conheciam os termos usados
que eram dirigidos ao plano na época. Com isso, os economistas tiveram a tarefa de tentar
explicar esse plano na televisão para as pessoas leigas. Quem ficou com o papel de explicar
para o público foi Zélia, porém, dado seu nervosismo, cansaço e inexperiência, ela acabou por
28
confundir mais do que explicar ao público. Segundo a Veja (21 de março de 1990, p. 63) “a
apresentação das medidas beirou o naufrágio”.
Por mais que os brasileiros estivessem assustados e preocupados com o futuro da
economia brasileira, não podiam questionar que o plano era constituído por meias medidas,
pois ele era feito de medidas inteiras. A ideia sobre a qual foi construído é a de arrasar a velha
economia e erguer uma economia nova em seu lugar. Esperava-se recessão para os períodos
que seguissem até o momento em que algumas empresas pudessem reverter esse quadro
(VEJA, 21 de março de 1990, p. 63).
Abaixo, um resumo de quais foram as principais medidas do pacote, de acordo com a
Revista Veja (1990):
Figura 1 – As principais medidas do pacote de Zélia Cardoso de Mello
Fonte: Veja (21 de março de 1990, p. 61)
29
O bloqueio representou um desdobramento do amplo debate sobre as dificuldades e os
empecilhos das políticas de estabilização adotadas anteriormente, com a constante insistência
da inflação em patamares altos, no quadro de fortes restrições externas e de fragilidade fiscal
e financeira do setor público. A opção da equipe econômica de Collor pelo bloqueio se deu
em meio ao quadro de ameaça de hiperinflação e foi discutida por um grupo de pessoas muito
pequeno. A escolha dessa medida ocorreu pelo ceticismo de êxito das demais alternativas em
análise ou implementadas anteriormente. Além disso, o programa econômico geral foi
ofuscado pelas medidas drásticas de retenção dos haveres financeiros. A expressão Plano
Collor passou a referir-se somente ao bloqueio, apesar que as demais medidas econômicas
tenham influenciado muito mais profundamente o futuro do País (CARVALHO, 2006).
Collor, que já havia reduzido de 23 para 12 o número de ministérios, pretendia
economizar nas contas internas do governo através de grandes cortes na máquina pública. Em
março de 1990 mandou fechar 24 órgãos públicos que produziam muitos gastos e nenhum
resultado visível para o país. Nesse conjunto encontravam-se o Instituto Brasileiro do Café, o
IBC, e o Instituto do Açúcar e do Álcool, o IAA. Haviam também grandes empresas estatais,
como a Siderbrás e a Portobrás, e algumas repartições culturais, como a Funarte e a
Embrafilme. Porém, o grande feito deveria ser feito na folha de pagamentos. Segundo
cálculos do governo Collor, a União empregava pelo menos 50.000 funcionários que não
tinham muitas funções. Segundo o governo, as demissões começariam pelos assessores
(VEJA, 21 de março de 1990, p. 63).
Uma outra reforma que teve papel importante no governo Collor foi a reforma
patrimonial. Nessa reforma estão as vendas dos opalas pretos, das mansões ministeriais,
jatinhos e imóveis funcionais, onde funcionários do segundo ao sexto escalão do governo
ficavam gratuitamente. Essas eram medidas de curto prazo. Já para o longo prazo, desejava-se
formar um cadastro de todos os bens do governo, para saber o valor exato do que a União
possuía e o quanto poderiam vender. Estimava-se que esse patrimônio beirava 200 bilhões de
dólares. A reforma patrimonial teve um aspecto prático e um político. Vendendo coisas e
demitindo funcionários, o governo poderia economizar, em 1990, 9 bilhões de dólares. Um
outro aspecto importante dessa reforma seria o governo passar à opinião pública a ideia de
que uma faxina da economia não valeria somente para a iniciativa privada, mas sim para o
governo também (VEJA, 21 de março de 1990, p. 65).
30
4.3 Declínio do Plano Collor
Segundo a Veja (23 de maio de 1990, p. 26), a equipe econômica de Collor havia sido
repreendida por ele, uma semana anterior a publicação citada, pelos equívocos cometidos e
que não toleraria mais erros.
A equipe de Collor era vista como jovens ousados que foram capazes de aplicar na
inflação um golpe, fazendo com que ela reduzisse de 84% para menos de 5% no primeiro
mês. Entretanto, para desferir esse golpe, eles adotaram uma jornada irregular que transtornou
as pessoas e tirou alguns parafusos básicos do edifício econômico nacional, sem que tivessem
transmitido às vítimas a certeza de que sabem exatamente para onde estão indo e como
pretendem chegar até lá. Essa equipe teria tirado o dinheiro das pessoas e depois, com a
preocupação do país entrar em uma depressão, abriram as torneiras da liquidez para devolver
cédulas ao mercado (VEJA, 23 de maio de 1990, p. 27). Assim, a equipe era vista como
indecisa, já que voltava atrás nas decisões que haviam tomado antes.
Se o governo tivesse decretado seu pacote e nada fizesse depois, ele estaria sendo
atacado por mostrar-se insensível e incapaz de agir com flexibilidade. Porém, o problema do
pacote de Collor era o contrário. Sua equipe mexia compulsivamente em tudo. Tanto que o
Diário Oficial da União já havia publicado 348 atos apenas para alteração do setor financeiro.
Dessa forma, o governo passava a impressão de incompetência, uma vez que mexia o tempo
todo na vida do país e cometia diversos erros técnicos, legais e administrativos (VEJA, 23 de
maio de 1990, p. 27, 28).
O principal objetivo do bloqueio da liquidez dos haveres financeiros, que era o de
impedir que a monetização da economia, após a queda da inflação, acontecesse de forma
rápida e confusa que teria levado ao fracasso programas de estabilização anterior, não foi
alcançado. Pretendia-se acabar com o problema criando condições para que a oferta da nova
moeda - o cruzeiro - fosse mantida sob estrito controle. Ou seja, a monetização deveria ser
ordenada e lenta, para que não houvesse aquecimento da demanda por bens reais e ativos de
risco até que as expectativas se revertessem a serviço da estabilização (CARVALHO, 2003).
Por que a liquidez se recompôs com tanta rapidez e facilidade? A análise do ocorrido
nos primeiros 60 dias do Plano Collor mostra uma clara preponderância de fatores inerentes
ao próprio bloqueio da liquidez, e não de equívocos ou liberalidades na sua condução. O
descontrole do ritmo de expansão da liquidez era inevitável, devido à própria concepção do
31
bloqueio, à natureza mesma das medidas e às condições da economia brasileira
(CARVALHO, 2003).
Ainda de acordo com Carvalho (2003), o descontrole da monetização encontrava-se no
sistema bancário. Não foi possível evitar os grandes tumultos na atividade bancárias após o
bloqueio, pela impossibilidade de detalhamento das regras operacionais de um plano
elaborado em sigilo por poucas pessoas. Assim, os bancos começaram a operar às cegas, sem
conhecer sua real posição de caixa. Com o receio de pânico no caso de algum banco deixar de
atender os saques do público, o Banco Central do Brasil (BCB) optou por financiar os bancos
na medida de sua demanda. E com a disponibilidade de recursos do BCB, os bancos
refinanciaram as dívidas dos clientes e expandiram o crédito. Dessa forma, um planejamento
mais cuidadoso e eficaz do bloqueio não teria evitado a ocorrência de problemas semelhantes
aos que ocorreram.
Entende-se que uma das crenças do Plano Collor era que com o bloqueio da liquidez, o
BCB reaveria o controle da oferta de moeda e poderia ordenar a monetização, de forma a
afastar a moeda demandada para transações e a moeda demandada para especulação. Porém, a
experiência do bloqueio confirmou que não era possível separar a demanda por moeda para
fins especulativos e para transações dos negócios, dentro do conjunto formado pela moeda
indexada e pela moeda convencional. Essencialmente por esse motivo, o objetivo de controlar
a monetização falhou (CARVALHO, 2003).
Seis meses foi o tempo que durou a tentativa de estabilização do bloqueio do Plano
Collor. Em setembro ela já era batida, quando a política cambial e monetária já havia voltado
aos padrões dos anos com inflação em altos patamares. Segundo Carvalho (2003), houve dois
períodos diferentes nesse processo. O primeiro, o bloqueio marcado pela rápida monetização,
até meados de maio, pelo retorno da inflação para o nível de 20% ao mês. O segundo, que
iniciou-se no final de maio, quando foi anunciada uma nova política com ênfase no controle
da oferta de moeda e na supressão dos instrumentos típicos da convivência com a moeda
indexada e com a inflação alta. Essa política foi abandonada no mês de setembro e marcou a
derrota do Plano Collor, dando lugar ao Plano Collor II.
32
4.4 Abertura Comercial
Em maio de 1990, o então presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social - BNDES, Eduardo Modiano, concede uma entrevista à Telma Mekler.
Quanto a abertura comercial, para Modiano o que estava por trás da liberalização era
um desejo de aperfeiçoamento. O governo tinha consciência de que a indústria brasileira
estava excessivamente protegida. Com a nova política de abertura, o objetivo era permitir o
acesso das pessoas a produtos de boa qualidade fabricados no exterior e, ao mesmo tempo,
aumentar a exposição da indústria brasileira à competição externa. Segundo ele, isso seria
feito de forma gradual (VEJA, 16 de maio de 1990, p. 6).
Para Modiano, a indústria nacional podia ser definida em três ramos. No primeiro, as
industriais que já exportavam e eram naturalmente competitivas no mercado internacional.
Segundo, os que ainda precisavam de um certo tempo para se adaptar a uma situação de maior
abertura ao exterior. No terceiro grupo, estavam os que só conseguiam atuar com uma
proteção exagerada frente à indústria estrangeira. As duas primeiras espécies não precisariam
temer a abertura (VEJA, 16 de maio de 1990, p. 6).
Questionado sobre a viabilidade da abertura, uma vez que as tarifas de importação
ainda estavam altas, até o momento, Eduardo explicou que o propósito era fazer uma política
por etapas. A curto prazo, poderia haver uma elevação nas tarifas, até então praticadas numa
média de 40% a 60%. A partir daí, o governo anunciaria um cronograma de redução tarifária,
através do que se deixaria claro o desejo de abrir a economia para o exterior, sem contudo
fazer a mudança de forma brusca. Na medida em que as tarifas fossem caindo – dos 60% para
alguma coisa como 20%, um patamar próximo ao que era praticado pelos países mais
desenvolvidos -, as indústrias brasileiras que precisassem se adaptar à competição teriam
tempo para esse aperfeiçoamento. Para ele, esse processo duraria por volta de 36 meses.
Porém, as empresas que precisassem da proteção de uma tarifa média de 60% para aguentar a
competição com a indústria estrangeira teriam que mudar de ramo, já que não seria viável
(VEJA, 16 de maio de 1990, p. 6).
Nessa entrevista, Modiano garante que o governo não gastaria dinheiro com o objetivo
de reparar as empresas estatais antes de privatizá-las. Para ele as estatais deveriam, de
preferência, cobrir suas dívidas vendendo uma parte de seus bens para depois então serem
privatizadas. As primeiras estatais da lista eram a Usiminas, a Aços Piratini, a Companhia
Siderúrgica do Nordeste, a Petroquímica União e a Mafersa. Também era planejado vender as
33
ações que o governo possui da Petroquisa e da Companhia Siderúrgica de Tubarão. Segundo
Modiano, com essas primeiras vendas, estimava-se arrecadar até 5,5 bilhões de dólares
(VEJA, 16 de maio de 1990, p. 5, 6).
Assim, o que Eduardo Modiano desejava era: “no final do governo Collor espero que
tenhamos uma economia aberta, competitiva, próxima da dos países do Primeiro Mundo”.
Na metade do ano de 1990, propostas para promover a abertura econômica brasileira
já eram vistas. Quem estava liderando esse projeto era a ministra Zélia Cardoso de Mello.
A ministra apresentou ao público, uma semana antes da publicação desse periódico,
uma proposta diferente com o qual pretendia remodelar o parque industrial brasileiro. Era
esperado que esse modelo, exibido em Brasília, provocasse algumas alterações imediatas na
economia, contendo medidas de aplicação mais demorada. Porém, o que mais chamou a
atenção era a disposição em promover uma legítima abertura econômica brasileira para o resto
do mundo. (VEJA, 4 de julho de 1990, p. 62).
Esse pacote do governo traçava uma nova política industrial do país, reduzindo as
tarifas aduaneiras, cancelando todas as proibições e dificuldades burocráticas à importação de
produtos e mostrava intenções de acabar com a Lei de Informática. Além disso, o governo
também tinha a intenção de derrubar cartéis e oligopólios e investir em projetos que pudessem
melhorar a qualidade e a competitividade das empresas nacionais. Através de medidas de
curto prazo como essas, o Brasil poderia apresentar uma imagem mais moderna. O país, até
então, era visto como uma economia trancada que dificultava a entrada de produtos. Porém
corria o risco de perder lugar na abertura para os países do leste europeu, que estavam
derrubando cada vez mais as alfândegas (VEJA, 4 de julho de 1990, p. 62).
A redução das tarifas aumentaria as opções de produtos que poderiam ser comprados,
como roupas ou eletrodomésticos, por exemplo. Mas, além disso, o objetivo dessa redução
seria permitir a importação de produtos essenciais para a economia, como insumos para a
indústria e máquinas que tornassem a produção mais eficiente. Segundo a Veja (4 de julho de
1990, p. 63) um bom exemplo seria as máquinas têxteis que faziam a indústria brasileira
produzir um produto muito caro por serem cinco vezes mais lentas e mais caras do que em
outros países. Fora isso, o número de operadores necessários para operá-las era maior e os
defeitos também.
34
É possível perceber, de acordo com essas informações, que o projeto de transformação
do modelo industrial era uma política do governo de Collor que tinha mais chance de ser
implementado, uma vez que grande parte das ações que o governo pretendia adotar dependia
mais de energia política.
De forma geral, esse novo modelo industrial buscava acabar com a estratégia de
industrialização inserida por Getúlio Vargas. O modelo industrial em diversos países era o de
autossuficiência naquele momento. O então senador na época, Roberto Campos lembra que
um carro produzido em São Bernardo do Campo tinha, em 1990, 95% de suas peças
fabricadas no Brasil. Enquanto na Inglaterra, um carro tinha peças importadas de treze países.
Ele destacava que nas economias mais modernas existiam uma maior distribuição de trabalho
(VEJA, 4 de julho de 1990, p. 65).
Com o intuito de aumentar a diversificação de produtos disponíveis aos brasileiros,
Zélia diminuiu de 50% para 20% o imposto sobre produtos industrializados, o IPI, para
automóveis com até 1000 cilindradas. A Fiat de Minas Gerais, por exemplo, que produzia o
Uno de 994 cilindradas e exportava para a Itália, se comprometeu a vendê-lo também no
Brasil, uma vez que o IPI diminuiu (VEJA, 4 de julho de 1990, p. 65).
O projeto de abertura do governo Collor estava bem definido pela sua equipe,
principalmente quanto as suas etapas. Haviam as medidas que já tinham sido tomadas, as que
o governo queria adotar até o final do ano de 1990 e as que almejavam alcançar até o final do
governo Collor.
De acordo com a revista, o que já havia entrado em vigor até o momento eram: 1) As
tarifas como o único instrumento de controle sobre as importações. Podia-se importar de tudo,
com poucas exceções; 2) As tarifas sobre produtos estrangeiros sem similar nacional foram
reduzidas a zero; 3) Baixaram as alíquotas para todo o setor têxtil. A alíquota para as
matérias-primas caiu de 20% para 0; a dos tecidos, de 65% para 40%, e a das roupas prontas,
de 85% para 50%; 4) Os produtos industrializados feitos com financiamento do governo
deviam obedecer a um índice de nacionalização de 85%. Esse limite caiu para 70%; 5) As
guias de importação deveriam ser emitidas em, no máximo, cinco dias (VEJA, 4 de julho de
1990, p. 62).
O que precisaria vigorar até o final de 1990 seriam: 1) O Ministério da Justiça deveria
preparar uma nova lei antitruste; 2) O governo deveria modificar o Código de Propriedade
Industrial e reconheceria as patentes farmacêuticas; 3) Criação de um banco para financiar
35
exportações, controlado por empresários do setor privado; 4) A Lei de Informática teria que
ser mudada; 5) Uma comissão formada por empresários e representantes do governo deveria
se certificar de rebaixar tarifas de importação de praticamente todos os produtos importados,
de acordo com uma análise de setor por setor (VEJA, 4 de julho de 1990, p. 62).
Já o projeto para o final do governo Collor seria: 1) O objetivo da nova política
industrial era chegar a 1994 com tarifa zero para a importação de matérias-primas, de 20%
para produtos manufaturados e de no máximo 40% para produtos estratégicos; 2) O governo
pretendia aumentar a participação privada nos setores de infraestrutura, como o petroquímico,
por exemplo; 3) As atividades de pesquisa e restruturação das indústrias seriam incentivadas
pelo governo, que também pretendia investir em novos laboratórios e em centros tecnológicos
(VEJA, 4 de julho de 1990, p. 63).
Um setor muito importante para a abertura comercial era o de informática, uma vez
que o Brasil tinha grande dificuldades em produzir produtos modernos e não conseguia
importar produtos essenciais para o desenvolvimento e modernização de diversas atividades.
Falaremos então do papel que esse setor teve na abertura econômica brasileira.
Por proteger muito a indústria nacional e por não respeitar as patentes farmacêuticas, o
Brasil foi reprimido pelos Estados Unidos, anos anteriores a esta publicação. Tanto que os
Estados Unidos chegaram a colocar o Brasil em uma lista negra de países que eles
consideravam piratas comerciais. O Brasil foi colocado num índex em maio de 1989. Logo, a
disposição do então presidente Collor em abrir os portos melhorou de forma significante essa
situação. O Brasil conseguiu até sair da lista (VEJA, 13 de junho de 1990, p. 77).
Uma visita de Carla Hills, então encarregada dos assuntos comerciais dos Estados
Unidos, mostrou que o governo americano não estava contente com a política comercial
brasileira. Durante sua estadia no país, Hills teve um encontro com o presidente Collor e uma
conversa com a ministra Zélia. Nessa conversa, ela pediu à Zélia que o país alargasse a
abertura no setor de informática, pois apesar da liberalização das importações, apenas
computadores obsoletos ou para uso científico podiam entrar no país. O posicionamento
inicial de Zélia era de que os Estados Unidos deveriam reduzir a tarifa de importações para
produtos eletrônicos e para papel fabricado no Brasil, já que essas tarifas estariam próximos
de 100%, considerada uma taxa punitiva tomada pelos Estados Unidos durante a discussão
das patentes, iniciada em 1987 (VEJA, 13 de junho de 1990, p. 77).
36
Entretanto, a visita de Hills também foi para deixar uma boa notícia ao Brasil. O
governo americano havia liberado a importação de um supercomputador IBM para a Embraer,
depois de dois anos de recusas (VEJA, 13 de junho de 1990, p. 77).
Em 1991, o Brasil era visto como um país isolado tecnologicamente e acabou ficando
atrás de países que estavam se industrializando na época. De acordo com a revista Veja (19 de
julho de 1991, p. 36), metade dos 800.000 computadores instalados no Brasil, na época, eram
modelos obsoletos que já tinham saído de linha em economias mais avançadas.
Na época, apenas uma em cada dez grandes empresas brasileiras apresentava padrão
internacional de competitividades. Para um antigo deputado, Roberto Campos, do PDS do
Rio, esse isolamento tecnológico teria sido muito prejudicial a economia brasileira. Roberto
Campos era um dos nomes que combatia a reserva de mercado no Brasil (VEJA, 19 de junho
de 1991, p. 36).
Visando acabar a reserva de mercado, o governo enviou ao Congresso um texto legal,
lançando as indústrias brasileiras de computadores à competição internacional. Contraponto
esse projeto, o PMDB exibiu um texto que mantinha a reserva, aumentando os incentivos
sobre a indústria nacional e ainda exigia das indústrias internacionais no Brasil instaladas que
exportassem 50% de sua produção e investissem 8% do faturamento em pesquisa (VEJA, 19
de junho de 1991, p. 37).
Nessa época, empresas eram motivadas a desativarem fábricas e não conseguiam se
modernizarem. A política de reserva de mercado, em especial a de informática, impediu o
crescimento de diversas empresas de tecnologia que estavam interessadas em aumentarem sua
produção no país. Além disso, demissões eram frequentes, já que essas empresas não tinham
incentivos em permanecerem no país, pelo contrário.
No Figura 2, retirada da Veja, é possível ver que o Brasil encontrava-se muito atrás de
diversos países quando o assunto era imposto sobre a importação de microcomputadores.
37
Figura 2 - Imposto sobre importação de microcomputadores (em %)
Fonte: Veja (19 de junho de 1991, p. 41)
O grande problema da política comercial brasileira era: excesso de controle do
governo sobre os produtos estrangeiros, para que eles não concorressem com os nacionais.
Um grande exemplo foi a empresa Texas, que em foi impedida pelo governo brasileiro de
dobrar sua produção em Campinas e no ano seguinte de poder lançar uma linha mais moderna
de itens. O motivo desse impedimento teria sido uma empresa brasileira disposta a produzir o
mesmo tipo de equipamento. Logo, era necessário impedir a concorrência da multinacional,
caso contrário a empresa brasileira não teria condições de ir a diante. Entretanto, a empresa
nacional, chamada Transit, nunca obteve muito sucesso, ainda com toda a proteção fornecida
pelo governo. Já a empresa Texas decidiu abrir uma nova fábrica na Argentina (VEJA, 19 de
junho de 1991, p. 37).
Casos como esse eram apenas alguns entre diversos outros. Empresas foram induzidas
a não seguirem com novos projetos de alta tecnologia, e com isso, muitas vezes foram
desenvolvidos em outros países e depois vieram a tornarem-se sucessos.
Entre os países da América Latina, o caso brasileiro era único. Pois na época, os
argentinos não tinham qualquer reserva e taxavam em 25% os microcomputadores
importados. Já o Chile, além de não reservar seu mercado às indústrias nacionais, tinha a
menor taxa de importação do continente de 3,5%. O Brasil, além de ter criado diversos
impedimentos para a instalação de companhias estrangeiras, adotou tarifas aduaneiras com
imposto de 50% e um sistema único no mundo de cobranças de tarifas, que elevava a taxa
para mais de 100% (VEJA, 19 de junho de 1991, p. 38).
38
Uma vez que todos pagavam preços elevados em diversos produtos, por conta de altas
tarifas, esperava-se, pelo menos, a criação de uma indústria nacional eficiente e lucrativa.
Porém nem ao menos isso foi observado. A indústria brasileira não era eficiente e lucrava
somente pelo fato de não ter tido que competir com empresas internacionais.
Com a possibilidade de queda da reserva, prevista para 1991, empresas interessadas
em comprar equipamentos eletrônicos estavam sendo cuidadosas. Ninguém desejava investir
dinheiro em equipamentos nacionais, de qualidade inferior, quando havia possibilidade de ter
acesso a tecnologias mais avançadas em um futuro não tão distante (VEJA, 19 de junho de
1991, p. 40, 41).
4.5 Abertura Financeira
Essa seção busca mostrar como a Revista Veja retratou alguns momentos da abertura
financeira, destacando, principalmente, a recepção do capital externo com a abertura do
mercado de ações aos investidores estrangeiros. Muitos aspectos que estudamos sobre a
abertura financeira não foram retratados de forma técnica pela revista, pois como tratava-se
do periódico de maior circulação no país na época, ela não prendia-se a termos técnicos. A
abertura comercial, por tratar-se de um tema que chamava mais atenção da população e suas
consequências podiam ser observadas pelos leitores, de forma mais explicita, nas ruas, nos
supermercados, através da chegada de novos produtos disponíveis aos consumidores
brasileiros, foi melhor retratada pela Revista. Já a abertura financeira, interessava mais a um
grupo específico de pessoas.
Vamos começar pelo ano de 1988. Nesse ano, em uma entrevista concedida a revista
Veja em 1988, João Manuel Cardoso de Mello, na época professor e diretor do Instituto de
Economia da Unicamp, Universidade Estadual de Campinas e ex-assessor do ministro Dilson
Funaro de 1985 a 1987, citou que o Brasil estava muito atrasado. Nessa entrevista ele afirma
que o Brasil não tinha uma política industrial e tecnológica, mas sim uma política de reserva
de mercado. Ele cita o exemplo na informática. Exemplo esse que a revista Veja explorou
muito algum tempo depois, como retratado neste trabalho (VEJA, 21 de setembro de 1988, p.
5,8).
Questionado sobre o confronto entre liberalismo e nacionalismo, João Manoel usa o
exemplo dos bancos. Era inevitável que os bancos estrangeiros entrassem no Brasil. Para ele
39
não fazia mais sentido reservar o mercado para os bancos nacionais. E para isso, seria
imprescindível uma política tecnológica mais flexível. Seria necessária uma política mais
racional em relação ao capital estrangeiro. O nacionalismo atrasado cumpria o papel de
confundir tudo isso (VEJA, 21 de setembro de 1988, p. 8).
Saindo do pessimismo de João Manoel em 1988, já em 1989 aconteceu a corrida às
novas licenças, que eram autorizações para a operação dos bancos múltiplos. Na semana
anterior a publicação da Revista Veja (26 de abril, 1989, p. 115), o Banco Central havia
emitido novas licenças para o funcionamento de novos bancos. Essa atitude foi o reflexo da
decisão da Constituinte de diminuir as exigências burocráticas que tornavam difícil, quando
não impossível, inaugurar um novo negócio no setor. O Banco Central havia emitido, até a
data, nove credenciais e já tinha emitido outras 29 licenças. Além disso, tinha recebido 312
cartas-consulta e analisava, até abril de 1989, papéis de outras 85 instituições, entre elas,
bancos e financeiras, que queriam aproveitar a abertura financeira para tornarem-se bancos
múltiplos.
Uma empresa que desejasse atuar simultaneamente no setor de poupança, crédito ao
consumidor e investimento era obrigada a abrir três empresas diferentes, antes das novas
normas. Depois da mudança dessas normas, uma única empresa pode funcionar nos três
setores. Além disso, o Banco Central facilitou os procedimentos para a criação de bancos, e
logo formou-se uma fila de interessados. Foi uma corrida para ganhar melhores posições para
explorar o risco potencial do mercado brasileiro. Bancos como o Itaú e o Bradesco foram
alguns dos que conseguiram suas licenças naquele momento (VEJA, 26 de abril de 1989, p.
115).
Além de poder abrir carteiras que não possuíam antes, os bancos poderiam cortar
custos com a centralização das operações. Para os beneficiários, a decisão da Constituinte
significou a possibilidade de ingressar num setor que por vários anos de burocracia
transformaram num cartel (VEJA, 26 de abril de 1989, p. 115).
Grande parte dos bancos e empresas financeiras que tornaram-se bancos múltiplos não
entraram no mercado com o objetivo de competir com os grandes bancos, em número de
clientes e agências. O então diretor-presidente do Banco Sogeral em São Paulo, Robert Guy
Le Roux, afirmou à revista que não tinha intenção de concorrer com o Bradesco, por exemplo.
Ele não mudaria o perfil do banco, que era o de trabalhar com um pequeno número de
40
clientes. Para ele, a transformação em banco múltiplo só traria maior agilidade ao trabalho já
feito (VEJA, 26 de abril de 1989, p. 115).
A busca pelas licenças bancárias não significava que todos que conseguissem tirar
suas licenças para atuar como bancos múltiplos conseguiriam permanecer no mercado. Ela era
vista pelos banqueiros como uma etapa inicial de uma reforma geral no sistema bancário do
Brasil.
No ano de 1991, o assunto era a abertura do mercado de ações aos investidores
estrangeiros. Questionado sobre os investimentos estrangeiros, o ex-ministro do governo
Collor de maio de 1991 até outubro de 1992, Marcílio Marques Moreira citou que o
empresário estrangeiro não gostava de trabalhar sem conhecer as regras do jogo. Ele preferiria
uma regra ruim do que a inexistência de regra (VEJA, 15 de maio de 1991, p. 22).
No mesmo ano, um artigo da revista Newsweek tinha recomendado aos americanos a
compra de cotas dos fundos de ações nos países latino americanos. Em 1991, o Brazil Fund
era o que mais estava rendendo entre esses países. A revista Veja (3 de julho de 1991, p. 83)
chamou a atenção que o artigo da revista Newsweek só não havia explicado que o fato das
bolsas brasileiras estarem subindo cada vez mais era justamente pela entrada de capital
estrangeiro. O rendimento dos principais fundos até o mês de maio de 1990, em % era: Brazil
Fund 140; Emerging Mexico Fund 59; Mexico Fund 55; Latin America Investment 47; Chile
Fund 46 e Mexico Equity & Income 28.
Ainda na publicação de julho de 1991, no resumo econômico, a revista Veja trouxe
que as Bolsas de Valores tinham caído uma semana antes, após um longo período de euforia
proporcionado pela abertura do mercado de ações aos investidores estrangeiros. Em São
Paulo, a queda tinha sido de 3,6%, mas as ações fecharam o mês com uma valorização média
de 21%, percentual considerado alto. Segundo a revista, essa queda na semana anterior a
publicação foi provocada pelos próprios investidores, para que as cotações conseguissem se
conter um pouco (VEJA, 3 de julho de 1991, p. 82).
A Revista Veja trouxe em suas notas econômicas, em 1991, alguns números que
mostravam que o Brasil estava em um ótimo momento, recebendo cada vez mais capital
estrangeiro após a abertura do mercado aos investidores estrangeiros. O Brasil perdeu apenas
para o México a colocação de país latino-americano que mais havia recebido capital
estrangeiro entre os anos de 1981 e 1990.
41
Figura 3 - As nações latino-americanas que mais receberam investimentos privados estrangeiros nos últimos dez
anos (em bilhões de dólares)
Fonte: Veja (6 de novembro de 1991, p. 85)
Além disso, no ano de 1991, o maior investimento no Brasil era feito através do
mercado de ações, ultrapassando o dólar, os CDBs, a poupança e o ouro.
Figura 4 – Ações e dólar lideram o ranking das aplicações neste ano (1991)
Fonte: Veja (6 de novembro de 1991, p. 85)
O mercado de ações no Brasil tornou-se um fenômeno após a abertura do mercado de
ações aos investidores estrangeiros. De acordo com balanço da Associação Nacional das
Instituições do Mercado Aberto, a Andima, a Bolsa de Valores de São Paulo acumulou de
janeiro a dezembro de 1991 uma alta de 2.311,16%. E o rendimento da Bolsa do Rio de
Janeiro durante o ano foi de 1.934,37%. Esses foram considerados os melhores investimentos
42
do ano de 1991, superando muito a inflação e outros investimentos, como os CDB, o ouro e o
dólar. O ganho real do investidor na Bolsa Paulista, deduzida a inflação, foi de 331%. Já
quem aplicou o dinheiro em certificados de depósito bancário, que era o terceiro investimento
no ranking da Andima, por exemplo, chegou em dezembro com um ganho real de 26%
(VEJA, 8 de janeiro de 1992, p. 64).
Para entender melhor qual foi o impacto do capital estrangeiro, vamos analisar o antes
e o depois. No primeiro semestre de 1991, por exemplo, as bolsas sofreram quedas e seu
desempenho chegou a inibir investidores. Já quando o governo autorizou investidores
estrangeiros a operar nas bolsas, a partir de julho de 1991, o ritmo foi outro. Segundo Manoel
Cintra, na época presidente do Banco Muntiplic, “a abertura ao capital estrangeiro provocou
um efeito extraordinário” (VEJA, 8 de janeiro de 1992, p. 64).
Em suma, nos últimos seis meses do ano de 1991 mais de 500 milhões de dólares
entraram nas bolsas brasileiras. Esse número era considerado ainda pequeno perto do que
existia disponível no mundo para investimento nos países em desenvolvimento. Segundo a
revista o Banco Central e o mercado financeiro sabiam, porém não conseguiam provar que
esse movimento ascendente tinha uma particularidade: parte do dinheiro que havia entrado
desde a abertura das bolsas de valores pertencia aos próprios brasileiros, pois seriam dólares
expatriados. Entretanto existia uma outra explicação para a chegada dos dólares. Os juros
pagos aos aplicadores nos Estados Unidos tinham despencado de 7,5% ao ano em dezembro
de 1990 para algo entre 3,5% e 4% em 1991. Dessa forma, quem investiu no mercado
brasileiro, apesar das incertezas que o país tinha, teve um lucro maior (VEJA, 8 de janeiro de
1992, p. 64, 65).
Dessa forma, não só a abertura ao capital estrangeiro, mas também a queda dos
rendimentos no mercado financeiro americano e em outros países desenvolvidos convenceu
um número maior de investidores a arriscarem e terem investido em um país subdesenvolvido
como o Brasil. Era um novo ciclo que ali iniciou-se.
4.6 Privatizações
O empenho em privatizar as empresas estatais brasileiras foi concretizado com o Plano
Nacional de Desestatização, o PND, em 1990. Porém, no final do governo de Sarney podemos
observar a preparação para tal processo.
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Em janeiro de 1989, o governo já tinha decido transferir à iniciativa privada a
exploração de parte da energia produzida no país. E já anunciava futuras concorrências para o
ano de 1990 (VEJA, 18 de janeiro de 1989, p. 41).
Entretanto, em fevereiro de 1989, o Congresso tinha vetado a medida provisória
aprovando a venda de estatais e sociedades de economia mista. As estatais tinham uma
previsão de gastos de 83 bilhões de cruzados novos em 1989, dos quais 3,9 provinham da
ajuda dos cofres públicos. Até tal momento, o Conselho Nacional de Privatização já tinha
concluído os preparativos para a venda de 67 empresas do governo. Tratava-se de uma meta
estabelecida desde o início da Nova República que não saía do lugar (VEJA, 1 de fevereiro de
1989, p. 75).
Em maio de 1989, a revista anunciava que o governo de Minas Gerais finalmente
havia conseguido privatizar o Banco Agrimisa, que era uma instituição financeira que o
governo de Minas começou a tomar conta em 1986. O governo a vendeu ao grupo GóesCohabita, uma empresa de construção civil. Para o governo mineiro, a venda do Banco
Agrimisa significou o fim de uma série de problemas. Isso porque o governador em 1989,
Newton Cardoso, tentava solucionar um problema criado por seu antecessor, Hélio Garcia,
que em 1985 decidiu por sustentar o banco em estado de falência do que liquidá-lo. Além
disso, duas primeiras tentativas de privatização fracassaram (VEJA, 17 de maio de 1989, p.
113).
Em agosto de 1989, o então presidente José Sarney enviou ao congresso o projeto de
privatização das estatais. Tratava-se de providências concretas para colocar em prática o plano
econômico emergencial que ele havia anunciado semanas atrás em relação a essa publicação
da revista Veja. O governo propunha privatizar dezessete estatais (VEJA, 23 de agosto de
1989, p. 105).
Na publicação que citarei a seguir, a revista Veja fez um resumo de como seria a
privatização das empresas estatais. Isso porque nesse mesmo momento estava sendo discutida
a suspensão da venda da Usiminas, pois de acordo com um juiz federal de Minas Gerais, a
venda da companhia poderia desfalcar o patrimônio público. Além disso, outro argumento
seria de que a empresa valia mais do que estava sendo proposto.
Em 1991, o governo Collor tinha autorização do Congresso para vender 27 empresas,
nas áreas de siderurgia, petroquímica, mineração, transportes e equipamentos. Quem cuidava
de todo esse processo era uma comissão dirigida por Eduardo Modiano, presidente do
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BNDES na época. Por atuarem em setores econômicos em que o governo detém o monopólio
de mercado, a Petrobrás, a Eletrobrás e a Telebrás, ficaram por fora do programa. A Vale do
Rio Doce também não seria privatizada. Entretanto, ela entrou na lista de privatizações do
governo de Fernando Henrique Cardoso em 1997 (VEJA, 14 de agosto de 1991, p. 82).
Até o final do ano de 1991, a comissão dirigida por Modiano pretendia vender três
empresas. A principal delas era a Usiminas, uma siderúrgica. As outras duas empresas do
setor de equipamentos eram a Mafersa e a Celma (VEJA, 14 de agosto de 1991, p. 82). A
Usiminas foi a primeira estatal a ser privatizada pelo governo de Collor em outubro de 1991.
A Mafersa foi privatizada um mês após a Usiminas. A Celma também conseguiu ser
privatizada no ano de 1991.
Até o mês de dezembro de 1991 ainda seriam divulgados os editais para a venda de
outras seis empresas. Eram elas: Companhia Siderúrgica do Nordeste, a Aços Finos Piratini, a
Companhia Siderúrgica de Tubarão e três empresas de navegação, a SNBP, a Enase e a
Franave (VEJA, 14 de agosto de 1991, p. 82).
Para que fosse iniciado o processo de venda das empresas era preciso: a comissão
recomendar a sua privatização ao presidente da República; contratar duas auditorias para
fazerem avaliações independentes sobre o preço da empresa; feitas as avaliações, a comissão
fixa um preço mínimo para a venda da empresa; suas ações são leiloadas nas bolsas de valores
(VEJA, 14 de agosto de 1991, p. 82, 83).
Quanto ao pagamento pelas empresas, o governo aceitaria cruzeiros, cruzados novos,
certificados de privatização, títulos de dívidas de médio e longo prazo de empresas estatais e
títulos da dívida externa brasileira. Outros papéis também eram aceitos, como os títulos da
dívida agrária e as obrigações do Fundo Nacional de Desenvolvimento (VEJA, 14 de agosto
de 1991, p. 83).
Os investidores estrangeiros podiam comprar até 40% das ações com direito a voto das
companhias estatais. Embora existisse certa limitação, o negócio ainda era muito atraente
porque eles poderiam usar os títulos da dívida externa brasileira. Esses títulos seriam aceitos
pelo governo brasileiro com desconto de 25% sobre seu valor de face, ou seja, cada 75
centavos de dólar comprados pelo investidor valem 1 dólar no programa de privatização
(VEJA, 14 de agosto de 1991, p. 83).
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O montante que o governo esperava arrecadar era de cerca de 16 bilhões de dólares
com o programa de privatização, até 1992. Entretanto, isso não significa dinheiro em caixa.
Em grande parte das vezes, o governo estaria apenas cancelando suas dívidas (VEJA, 14 de
agosto de 1991, p. 83).
Um fato interessante é que nesse processo de privatização, o governo não iria permitir
que um monopólio público se transforme num monopólio privado. A Petroquisa, por
exemplo, foi dividida em vários polos petroquímicos que seriam vendidos separadamente
(VEJA, 14 de agosto de 1991, p. 83).
No processo de privatização, assim como a maior parte de todos programas
econômicos, existiam grupos contrários. Um deles era fortemente representado por Leonel
Brizola que em 1991 era governador do Rio de Janeiro. Durante todo processo de leilões das
estatais, Brizola se opôs e ainda criticava intensivamente o presidente Collor.
Em seu discurso, Brizola acusava Collor de nunca ter dito que iria privatizar a
Petrobrás ou que venderia a Usiminas. Além disso, entregou a Collor um estudo sobre
privatização na Europa e pediu para que observasse o caso da Itália, dizendo que nesse país as
estatais sobreviveram de forma competitiva. (VEJA, 16 de outubro de 1991, p. 19).
No final do mês de outubro de 1991, o governo de Collor comemorou a privatização
da Usiminas, que foi a primeira empresa a ser vendida. Esse seria o primeiro passo da reforma
econômica mais importante do governo Collor. Apesar de todo alvoroço durante o processo, o
programa resistiu e a venda da Usiminas tornou-se um marco.
Muito poderia ser falado sobre a privatização das estatais brasileiras, ainda mais por
ser um dos temas mais comentados pela revista Veja, principalmente durante o governo
Collor. Porém, o objetivo do trabalho é mostrar um pouco como foi retratado o início desse
processo pela revista.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cenário internacional de abertura das economias estrangeiras e o esgotamento do
modelo de substituição de importação impulsionaram o fim da economia protecionista no
Brasil. O governo Collor e seu plano de estabilização da economia brasileira também
contribuiu significativamente para que essa abertura acontecesse, já que antecessores tentaram
implantar a mesma medida e não tiveram sucesso. Medidas como a redução das tarifas de
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importação e eliminação das principais barreiras não-tarifárias mostravam o compromisso em
acelerar o processo. Além disso, as privatizações também foram iniciadas com sucesso e
depois intensificadas no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Através das análises das reportagens publicadas pela Veja, vimos que a abertura
resultou em uma grande restruturação do país. Os consumidores conseguiam ter acesso a
novos tipos de produtos que chegaram ao mercado brasileiro através das reduções tarifárias,
por exemplo. Porém, parte das empresas que antes dependiam da proteção da indústria não
conseguiram se manter após esse período. Entretanto, isso já era previsto pelos idealizadores
da abertura, que acreditavam que as empresas que necessitavam do subsídio do Estado não
sobreviveriam já que iria se instalar um ambiente com maior competitividade.
Setores industriais brasileiros, como o da informática estavam altamente atrasados em
relação aos de outros países. Muitas empresas estrangeiras que tentavam instalar fábricas no
Brasil eram desestimuladas pelo fato das nacionais receberam muitos benefícios, fazendo com
que não fosse viável a sua implementação. Porém, com a abertura para novos produtos e
empresas de informática, o país começou a se recuperar do atraso tecnológico.
A abertura financeira retratada pela revista foca na abertura do mercado de ações aos
investidores estrangeiros, mostrando que um volume muito alto de capital começou a entrar
no país após essa liberalização, fazendo com que a bolsa de São Paulo e do Rio de Janeiro
ficassem valorizadas durante determinados períodos.
Já a privatização, um tema polêmico até os dias de hoje, teve maiores desfechos no
governo de Fernando Henrique Cardoso, que foi quem intensificou esse processo. Porém,
ainda no início, no governo Collor, observamos que houve uma certa dificuldade para que as
vendas fossem concretizadas, por conta da resistência de opositores que tentavam impedir o
processo. Tanto que quando a primeira empresa foi privatizada, a Usiminas, comemorou-se o
início de um novo ciclo.
Através da análise documental de publicações da revista Veja, vimos que a mídia tinha
um forte papel na transmissão de notícias econômicas e políticas. Na maior parte das
reportagens analisadas nesse trabalho, percebemos que havia muita pressão e influência do
cenário internacional para que o Brasil, assim como outros países latino-americanos, iniciasse
à abertura também. O que acabou de fato acontecendo. Processo esse, longo, que ainda tem
desenrolar até os dias de hoje.
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